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O homem de mais de 2,5 mil obras

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José Mário: “O desenho é um desabafo mental”

"O que crio à noite é diferente do que produzo durante o dia" (Fotos: Amauri Martineli)

Em 1984, o artista plástico paranavaiense José Mário Afonso Costa descobriu no desenho uma forma de materializar e canalizar emoções e sentimentos. Os traduziu com caneta em formas retas, mais tarde sinuosas, que se tornaram subjetivas e ganharam novas dimensões.

Para o artista, grande admirador de Pablo Picasso, a despreocupação com a objetividade na arte representa a complexidade da vida, a gradação do homem. Guiado pelo subconsciente, às vezes, José Mário intitula uma obra antes mesmo de criá-la. Não se prende aos rótulos, correntes artísticas, e preza pela liberdade intelectual como sendo a fórmula mais completa de se aproximar da essência humana.

Ao longo da entrevista, se mostra inquieto, embora detalhista, enquanto discorre sobre arte, cultura, família e formação artística e profissional. O artista se preocupa em agradar, mas tem opiniões próprias, questiona e fala abertamente sobre qualquer assunto. Algumas perguntas são respondidas com brevidade, já outras, “Zé Mário”, como é mais conhecido, não responde sem antes situar um contexto, levantar da cadeira e contar alguma história do presente ou passado.

Gosta de conversar sem pressa, é observador, e não se priva de manter o diálogo em um nível que mostre se o interlocutor entende algo de arte e também das suas obras. Passamos alguns minutos interpretando um dos desenhos do artista, um universo de curvas, onde o homem também é animal, vegetal, objeto material e imaterial. Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o autor de mais de 2,5 mil obras.

"Já produzi muito, mas nunca me rendi a nada"

DA – Como foi o primeiro contato com o desenho?

JM – Comecei em 1984, motivado pelas figuras que mais me chamavam atenção nos livros do meu pai. Tinha 14 anos e mudei para Curitiba pra fazer o Segundo Grau [Ensino Médio]. Me interessei pelo abstrato e depois pela arte figurativa. Mais tarde, fui para Presidente Prudente [interior de São Paulo]. Estudei medicina por dois anos e meio, mas abandonei o curso. Também passei pela Fafipa.

DA – São experiências que se refletem nas suas obras?

JM – Sim. Foi um período em que obtive muito conhecimento, estando em contato com a arte ou não, até porque passado algum tempo decidi trabalhar com meu irmão no nosso sítio em Santa Maria, perto de Alto Paraná.

DA – Todas essas transformações interferiram na dedicação à arte?

 JM – Meus desenhos eram mais compactos, então fui ampliando, aumentando a dimensão, tendo um cuidado maior com as formas, só que sempre chegava o momento de me desligar disso tudo. Ficava dois meses por ano envolvido com desenho e o restante me dedicando a outras atividades bem diferentes.

 DA – Nos seus trabalhos, as curvas parecem representar um novo ciclo, a ruptura com a linearidade. Você encara o rompimento com as linhas retas como resultado do seu amadurecimento?

JM – Sim. No começo meus desenhos eram mais infantis. Isso mudou só mais tarde, principalmente após o falecimento do meu pai que era uma inspiração pra mim. Sempre fui muito observador, e prefiro desenhar com naturalidade, sem planejamento. Quando começo algo, dificilmente sei como vai terminar porque minha principal referência é o que está no meu subconsciente.

"Comecei em 1984, motivado pelas figuras nos livros do meu pai"

DA – Quais as artes que mais o inspiram a desenhar?

 JM – Já desenhei muito ouvindo música, chego a dar nome de canções aos meus desenhos. Também tem muito cinema no que faço, inclusive uma referência ao martelo do filme The Wall, do Pink Floyd. Nos tempos da faculdade, produzia muito enquanto os professores passavam filme em sala de aula.

DA – Já teve preferência por alguma corrente artística?

JM – Não. Já produzi muito, mas nunca me rendi a nada. Jamais tive preocupação em simplificar o que faço porque o desenho pra mim é um desabafo mental. O que crio à noite é diferente do que produzo durante o dia.

DA – Das 2,5 mil peças já produzidas, muitas estão fora de Paranavaí?

JM – Que me lembre, além de Paranavaí, tenho desenhos em Curitiba, Rondonópolis [no Mato Grosso], Campinas [São Paulo], Paraíso do Norte. Me lembro de quando ilustrei o livro do meu pai [o escritor Altino Afonso Costa que empresta nome ao Teatro Municipal de Paranavaí], Buquê de Estrelas. Nessa época, aprendi a ser mais detalhista.