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Oito contos de escritores consagrados para repensarmos nossa relação com os animais

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Colagem: David Arioch

Jim Smiley and His Jumping Frog (Jim Smiley e Seu Sapo Saltador), de Mark Twain, escrito em 1865, é protagonizado por um apostador que tem uma rara habilidade de cativar os animais. O conto integra o livro “Jim Smiley and His Jumping Frog and Other Stories”, de 2005. Ein Bericht für eine Akademie (Um Relatório para a Academia), de Franz Kafka, lançado em 1917, e publicado no Brasil pela Companhia das Letras na coletânea “Essencial Franz Kafka”, de 2011, narra a história de um macaco que aprende a se comportar como um ser humano para fugir do cativeiro. Nesse ínterim, o animal escreve para a academia sobre a sua transformação.

“Quando em Hamburgo fui entregue ao primeiro adestrador, reconheci logo as duas possibilidades que me estavam abertas: jardim zoológico ou teatro de variedades. Não hesitei. Disse a mim mesmo: empregue toda a energia para ir ao teatro de variedades; essa é a saída. O jardim zoológico é apenas uma nova jaula, se você for para ele, estará perdido”, narra em Ein Bericht für eine Akademie.

Ein Altes Blatt (Uma Folha Antiga), de Franz Kafka, lançado em 1917, e publicado no Brasil pela Editora Brasiliense no livro “Um Médico Rural” em 1990. “O açougueiro pensou que podia ao menos se poupar do esforço do abate, e uma manhã trouxe um boi vivo. Isso não deve se repetir. Fiquei uma hora estendido no fundo da oficina com todas as roupas, cobertas e almofadas empilhadas em cima de mim, tudo isso para não ouvir os mugidos do boi que os nômades atacavam de todos os lados para arrancar com os dentes pedaços de sua carne quente. Quando me atrevi a sair, já fazia silêncio há muito tempo. Como bêbados em tomo de um barril de vinho, eles estavam deitados e mortos de cansaço ao redor dos restos do boi”, registrou no conto Ein altes Blatt (Uma Folha Antiga).

Tale of the Goat (O Conto da Cabra), de Shmuel Yosef Agnon, publicado originalmente em 1925, e que integra o livro “From Foe to Friend & Other Stories”. Na história, que para os ocidentais pode trazer lembranças da parábola “O Lenhador e a Raposa”, um senhor fica maravilhado ao experimentar o peculiar leite de uma cabra. Segundo ele, é tão maravilhoso que tem o sabor do céu, do paraíso.

Ao perceber que o animal sempre desaparece por período inexato, o homem conversa com o filho, crente de que o gosto do leite tem relação com as viagens da cabra. O jovem então decide segui-la. O percurso que parece durar horas, mas pode significar até dois dias, termina em uma caverna, uma passagem para um paraíso inimaginável chamado Terra de Israel.

Extasiado, e ciente de que a véspera do sabat anteciparia a escuridão, ele se vê incapaz de retornar para casa. Preocupado, prende um bilhete na orelha da cabra e pede que ela a entregue a seu pai. Quando vê o animal chegando sozinho, o homem entra em desespero e pragueja a cabra, a quem responsabiliza pelo sumiço do filho. Movido por surto momentâneo, a entrega a um açougueiro. Depois que o animal é assassinado, o bilhete cai da orelha da cabra.

“Ai do homem que rouba de si mesmo a sua própria fortuna, e ai do homem que reivindica o bem com o mal”, gritou o velho arrependido, batendo as mãos na própria cabeça. O luto durou dias. O homem se debruçou choroso sobre o animal e se recusou a ser consolado. Na história, o leite é também uma metáfora dos caminhos e dos descaminhos da humanidade.

Pig (Porco), de Roald Dahl, publicado em 1960. Na história, Lexington, um jovem que cresceu como vegetariano estrito, vai a um restaurante e experimenta um prato baseado em repolho e carne de porco. Ele nunca tinha comido aquilo e fica maravilhado com a experiência, tanto que decide descobrir a origem da carne. Então viaja até um matadouro, onde assiste o sofrimento dos porcos preparados para o abate.

O primeiro porco é mantido imóvel por meio de uma corrente que envolve seus pés. E essa corrente é presa a um cabo que se move para cima e para baixo. Logo o porco é arrastado enquanto emite grunhidos desesperados ao longo da linha de abate. Apesar da crueldade, Lexington acha o processo fascinante, enquanto os funcionários da linha de produção se mostram entediados.

De repente, por um descuido, uma das pernas do rapaz fica presa a uma corrente e ele é arrastado por um cabo. Os funcionários não se importam, indiferentes ao processo que se repete diariamente. A descrição do que acontece com Lexington é extremamente gráfica e contempla todo o processo de abate. A única diferença é que há um humano no lugar de um porco.

Blood (Sangue), do livro Short Friday (Breve Sexta-Feira), lançado em 1963. Isaac Bashevis, que escrevia principalmente em iídiche, não raramente questionava em seus contos a hipocrisia humana de consumir carne, e a incapacidade de ponderar sobre o real custo dela. Exemplo disso é um excerto do conto “Sangue”, do livro “Breve Sexta-Feira”, lançado em 1963.

Segurando o ganso, Reuben olhou Risha com intensidade, o olhar subindo e descendo e, afinal, detendo-se no peito. Ainda a fitá-la, golpeou o ganso. As penas brancas tingiram-se de sangue. O ganso torceu o pescoço, ameaçador, e súbito pulou, conseguindo voar alguns metros. Risha mordeu o lábio:

— Dizem que vocês nascem com instinto de assassinos, mas tornam-se açougueiros — disse ela.

— Se é tão delicada assim, por que me trouxe as aves?

— Por quê? Ora, é preciso comê-las!

— Pois para comer carne é preciso matar.

The Slaughterer (O Açougueiro), de Isaac Bashevis Singer, publicado em 1967, e que integra a coletânea “47 Contos”. Em “O Açougueiro”, que assim como muitos contos de Singer possui elementos surrealistas, ele narra os conflitos de um açougueiro kosher que reconhece a própria negação moral na morte de cada animal reduzido à carne, além da legitimação da injustiça e da naturalização da crueldade. A história se passa no século 19, em um shtetl, ou seja, em uma cidadezinha de população predominantemente judia.

No matadouro, o protagonista começa a ter devaneios com vacas e galinhas se preparando para uma retaliação. Elas querem se vingar por toda a violência perpetrada contra os de suas espécies. Em um determinado momento, os animais berram: “Todo mundo pode matar e todo assassinato é permitido.” Embora tenha sido publicado na revista The New Yorker em 25 de novembro de 1967, “O Açougueiro” continua sendo um conto bastante atual, em que o escritor judeu aborda a realidade da produção de carne e atua como uma consciência moral, uma luz para a sociedade.

“A Viagem do Elefante”, de José Saramago, lançado em 2008. Embora seja considerado romance, o autor sempre qualificou a obra como conto. A história é inspirada no episódio em que o rei de Portugal e Algarves, Dom João III, resolveu presentear com um elefante o arquiduque austríaco Maximiliano II, genro do imperador Carlos Quinto.

Com uma estilística inovadora e linear, Saramago apresenta a história de solimão (com s minúsculo mesmo), um elefante que se torna alvo da corrupção, individualismo, egocentrismo e outras falhas que permeiam a natureza humana. E essas deficiências mostram como o animal é vitimado pela superioridade que os personagens da história julgam possuir sobre o elefante de quatro toneladas.

“Que leves o elefante à porta da basílica e o faças ajoelhar-se ali, Não sei se serei capaz, Tenta-o, Imagine vossa paternidade que eu levo lá o elefante e ele se recusa a ajoelhar-se, embora eu não entenda muito destes assuntos, suponho que pior que não haver milagre é encontrar-se com o milagre falhado, Nunca terá sido falhado se dele ficarem testemunhas”, sugere o padre em diálogo com o tratador na página 79 de “A Viagem do Elefante”.

O sacerdote propõe usarem o animal para forjar um milagre e angariar recursos para o caixa da igreja. E a suposta graça é apenas a primeira etapa de um plano para fazer do elefante o mais valioso dos bens em mãos humanas. “Não é todos os dias que um elefante se ajoelha à porta de uma basílica, dando assim testemunho de que a mensagem evangélica se dirige a todo o reino animal e que o lamentável afogamento daquelas centenas de porcos no mar da galileia foi apenas resultado da falta de experiência, quando ainda não estavam bem lubrificadas as rodas dentadas dos mecanismos de milagres”, ironiza Saramago.

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Saramago: “Pudesse eu, fecharia todos os zoológicos do mundo”

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“Pudesse eu, proibiria a utilização de animais nos espetáculos de circo”

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Saramago: “Não devo ser o único a pensar assim, mas arrisco o protesto, a indignação” (Foto: Fundação José Saramago)

“Pudesse eu, fecharia todos os zoológicos do mundo. Pudesse eu, proibiria a utilização de animais nos espetáculos de circo. Não devo ser o único a pensar assim, mas arrisco o protesto, a indignação, a ira da maioria a quem encanta ver animais atrás das grades ou em espaços onde mal podem mover-se como lhes pede a natureza”, escreveu o controverso escritor português José Saramago em seu blog no dia 20 de fevereiro de 2009.

Um dos maiores autores de língua portuguesa contemporânea, Saramago é mais conhecido por obras como “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de 1991, e “Ensaio Sobre a Cegueira”, de 1995, embora para conhecê-lo melhor seja importante ler “As Intermitências da Morte”, “História do Cerco de Lisboa”, “Memorial do Convento” e “Levantado do Chão”, livros lançados entre os anos de 1980 e 2005.

A dúvida, o sobrenatural, a viagem interiorizada e exteriorizada e o experimentalismo linguístico são características que reforçam a identidade de Saramago como autor preocupado tanto com o conteúdo quanto com a forma. No entanto, o que mais me chamou a atenção nos seus últimos anos de vida foi a sua frequente preocupação em abordar de forma implícita e explícita os direitos dos animais.

José Saramago, o escritor que brincava com a pontuação e pouco se abstinha em suas críticas, registrou em “Suzi”, publicado em 2009 no livro “O Caderno”, que os circos conseguem a proeza de tornar ridículos os patéticos cães vestidos de saias, as focas a bater palmas com as barbatanas, os cavalos empenachados, os macacos de bicicleta, os leões saltando arcos, as mulas treinadas para perseguir figurantes vestidos de preto, os elefantes mal equilibrados em esferas de metal móveis:

“Que é divertido, as crianças adoram, dizem os pais, os quais, para completa educação dos seus rebentos, deveriam levá-los também às sessões de treino (ou de tortura?) suportadas até a agonia pelos pobres animais, vítimas inermes da crueldade humana.”

Segundo o escritor português, por muito tempo, e pela desinformação, as pessoas tiveram motivos para crer que as visitas ao zoológico poderiam ser instrutivas, mas não mais, já que há tanta informação disponível através de documentários que revelam a realidade sobre o sofrimento animal. “Se é educação que se pretende, ela está aí à espera”, sugeriu.

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“Para completa educação dos seus rebentos, deveriam levá-los também às sessões de treino (ou de tortura?)” (Foto: Reprodução)

Saramago jamais esqueceu de uma elefanta solitária que vivia em um zoológico de Barcelona. Acometida por infecções intestinais, ela sofria pela perda de uma companheira com quem dividia um espaço reduzido, insuficiente para movimentarem-se adequadamente. “O chão que ela pisa é de cimento, o pior para as sensíveis partes destes animais que talvez ainda tenham na memória a macieza do solo das savanas africanas. Cuidar de Suzi, dar lhe um fim de vida mais digno. A quem devo apelar? À direção do zoológico? À Câmara? À Generalitat?”, desabafou o escritor.

Em “Penas Chinesas”, que integra o livro “O Caderno”, Saramago confidencia sua surpresa e choque ao saber como os animais são tratados pela indústria alimentícia. “Um dia vi num documentário como alimentam os frangos, como os matam e destroçam, e pouco me faltou para vomitar”, registrou.

Também se sentiu muito mal ao ler um artigo a respeito da utilidade dos coelhos nas fábricas de cosméticos. Soube que as provas sobre a irritação causadas pelos ingredientes dos xampus são feitas por aplicação direta nos olhos dos animais. ”Agora, uma curta notícia aparecida nos jornais, informa-me de que, na China, as penas de aves destinadas a recheio de almofadas de dormir são arrancadas assim mesmo, ao vivo, depois limpas, desinfetadas e exportadas para delícia das sociedades civilizadas que sabem o que é bom e está na moda”, lamentou.

Vencedor do Prêmio Camões em 1995 e do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, o primeiro concedido a um autor de língua portuguesa, José Saramago publicou em 2008 o livro “A Viagem do Elefante”, qualificado como romance, mas considerado conto pelo autor. A obra é inspirada no episódio em que o rei de Portugal e Algarves, Dom João III, resolveu presentear com um elefante o arquiduque austríaco Maximiliano II, genro do imperador Carlos Quinto.

Com uma estilística inovadora e linear, Saramago apresenta a história de solimão (com s minúsculo mesmo), um elefante que se torna alvo da corrupção, individualismo, egocentrismo e outras falhas que permeiam a natureza humana. E essas deficiências mostram como o animal é vitimado pela superioridade que os personagens da história julgam possuir sobre o elefante de quatro toneladas.

“Que leves o elefante à porta da basílica e o faças ajoelhar-se ali, Não sei se serei capaz, Tenta-o, Imagine vossa paternidade que eu levo lá o elefante e ele se recusa a ajoelhar-se, embora eu não entenda muito destes assuntos, suponho que pior que não haver milagre é encontrar-se com o milagre falhado, Nunca terá sido falhado se dele ficarem testemunhas”, sugere o padre em diálogo com o tratador na página 79 de “A Viagem do Elefante”.

O sacerdote propõe usarem o animal para forjar um milagre e angariar recursos para o caixa da igreja. E a suposta graça é apenas a primeira etapa de um plano para fazer do elefante o mais valioso dos bens em mãos humanas. “Não é todos os dias que um elefante se ajoelha à porta de uma basílica, dando assim testemunho de que a mensagem evangélica se dirige a todo o reino animal e que o lamentável afogamento daquelas centenas de porcos no mar da galileia foi apenas resultado da falta de experiência, quando ainda não estavam bem lubrificadas as rodas dentadas dos mecanismos de milagres”, ironiza Saramago.

Logo são formados acampamentos em torno do elefante e a exploração do animal ganha outros rumos a partir do momento que seu pelo é extraído para ser vendido aos crédulos. “Amanhã se dirá que uma infusão de pelo de elefante, três vezes ao dia, é o mais soberano dos remédios. Fritz não tem mãos a medir, no bolsinho que traz atado ao cinto as moedinhas já pesam, se o acampamento permanecesse aqui uma semana acabaria rico”, satiriza.

Solimão, tornado salomão, e que chegou a salvar uma criança quando chegou ao seu destino, faleceu no inverno de 1553, depois de amargar uma vida de servidão humana. “Além de o terem esfolado, a salomão cortaram-lhe as patas dianteiras para que, após as necessárias operações de limpeza e curtimento, servissem de recipientes, à entrada do palácio, para depositar as bengalas, os bastões, os guarda-chuvas e as sombrinhas de verão. Como se vê, a salomão não lhe serviu de nada ter-se ajoelhado”, concluí José Saramago. Assim é justo dizer que além de ser uma metáfora da vida humana, “A Viagem do Elefante” é um retrato da abusiva relação dos seres humanos com os animais e também da obtusa forma como o homem enxerga o seu papel no mundo.

Saiba Mais

Nascido em 16 de novembro de 1922 em Azinhaga, Portugal, José Saramago faleceu em 18 de junho de 2010, em Tías, Espanha.

O livro “O Caderno” reúne textos escritos por Saramago entre setembro de 2008 e março de 2009.

Referências

Saramago, José. O Caderno. Companhia das Letras (2009).

Saramago, José. A Viagem do Elefante. Companhia das Letras (2008).

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A caverna de Guy Laramée

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Obra inspirada na obra “A Caverna”, de Saramago

Escultura criada pelo artista plástico canadense Guy Laramée que teve como inspiração o romance “A Caverna”, de José Saramago. A peça, que compõe uma série de esculturas em livros, foi esculpida na obra “A Auto-Interpretação da Bíblia”, do teólogo John Brown.

Acesse: http://www.guylaramee.com

Written by David Arioch

January 25th, 2016 at 10:25 pm