Archive for the ‘Jovens’ tag
“Aprenda a ficar sozinho. Aprecie a solitude”
O que você gostaria de dizer aos jovens?
Tarkovsky – Eu não sei … Acho que eu gostaria apenas de dizer que eles [os jovens] deveriam aprender a ficar sozinhos e tentar passar o maior tempo possível sozinhos. Acho que uma das falhas dos jovens hoje é que eles tentam se reunir em torno de eventos que são barulhentos, quase agressivos às vezes. Esse desejo de estar junto para não me sentir sozinho é um sintoma infeliz, na minha opinião. Toda pessoa precisa aprender desde a infância como passar tempo consigo mesma. Isso não significa que ela deva ficar [sempre] sozinha, mas que ela não deveria ficar entediada consigo mesma, porque as pessoas que se aborrecem em sua própria companhia parecem estar em perigo, do ponto de vista da autoestima.
Essa reflexão compartilhada em um cenário bucólico e quiçá onírico, assim como é recorrente em seus filmes, talvez seja a mais icônica de Andrei Tarkovsky, que como poucos explorou temas como solitude, solidão, incomunicabilidade – sempre com um singular viés filosófico. Filho de poeta, desenvolveu o lirismo muito cedo.
Tarskovsky foi evidentemente um dos maiores cineastas russos da história, mas ouso dizer que ele foi um dos maiores do mundo. Ingmar Bergman o admirava e o respeitava profundamente. Vindo de Bergman não é difícil entender a dimensão disso, já que ele tinha admiração por poucos cineastas.
Mais de 50% dos jovens britânicos experimentaram uma dieta vegetariana nos últimos 12 meses
De acordo com uma matéria publicada esta semana no jornal britânico The Sun, 56% dos britânicos com faixa etária de 16 a 29 anos experimentaram uma dieta baseada em vegetais nos últimos 12 meses. Nas faixas etárias dos 30 anos e dos 40 anos, o percentual é de 45%.
Essas informações fazem parte de uma pesquisa realizada pela companhia de alimentos Kellogg, que entrevistou dois mil adultos sobre seus hábitos alimentares; assim descobrindo que o interesse por alimentos livres de ingredientes de origem animal tem crescido bastante no Reino Unido.
Cerca de um terço dos entrevistados declarou que adotou uma dieta vegetariana por ser contra a exploração animal. Outros 29% se abstiveram do consumo de alimentos de origem animal por preocupações com o peso; e 4% se sentiram motivados a experimentar uma dieta vegetariana depois de ver celebridades abordando o assunto pelas mais diferentes razões.
A nutricionista sênior da Kellogg, Laura Street, explicou que uma nova linha de cereais vegetarianos da marca foi criada a pedido de um grande número de consumidores que querem reduzir o consumo de alimentos de origem animal, mas não sabem o que comer.
Ao The Sun, Laura enfatizou que muitas pessoas estão optando por uma dieta baseada em vegetais, porém há aqueles que creem que pode ser difícil mantê-la. “É por isso que, como parte do nosso Plano de Melhores Iniciativas para ajudar as famílias a fazerem escolhas mais saudáveis, estamos desenvolvendo uma nova linha de cereais para veganos”, argumentou.
Embora os objetivos da Kellogg tenham mudado substancialmente desde que foi fundada em 19 de fevereiro de 1906, vale lembrar que seus fundadores – Will Harvey Kellogg e John Harvey Kellogg – eram vegetarianos e defensores do vegetarianismo. Inclusive Harvey Kellogg fez campanha contra a indústria da carne antes de fundar a companhia Kellogg com o irmão.
Referência
Over HALF of young Brits have attempted to become vegan in last 12 months
Nem todos os jovens que cometem delitos são irrecuperáveis
Me recordo que na minha adolescência eu e alguns amigos assistíamos aqueles filmes em que professores realizavam trabalhos de recuperação social dos piores estudantes em escolas dos Estados Unidos. Alguns alunos eram usuários de drogas, ladrões, entre outros. Isso emocionava toda a gente.
Achavam lindo ver aquela transformação na telinha. inclusive quando os filmes eram exibidos nas escolas, todo mundo ficava emocionado. Alguns até choravam. As pessoas amavam esse tipo de filme. Será que é porque era apenas ficção e se passava nos Estados Unidos? Quero dizer, se for algo real e próximos de nós, não devemos cogitar a possibilidade de um trabalho de recuperação?
Acredito que podemos sim. E posso citar como exemplo a minha experiência. Frequento a Vila Alta, um dos bairros mais pobres de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, desde 2009, onde tento contribuir como posso, e de forma voluntária. Quero dizer, não ganho nada pra isso. Nunca ganhei. Claro, a não ser satisfação em contribuir. Inclusive fiz reportagens, artigos e documentários sobre essa realidade.
Lá, conheci dezenas de garotos que já cometeram delitos, e muitos são recuperáveis. Posso citar inúmeros que não praticaram mais nenhum crime. Um deles mudou de vida depois que conseguimos uma mochila e uma porção de materiais escolares. Então, sim, em oito anos mantendo contato com jovens que já se envolveram em “coisas erradas”, posso dizer com alguma propriedade que vale a pena acreditar nessa molecada, nem todos estão perdidos. Se você não acredita, que tal se perguntar o que você pode fazer para ajudar a mudar isso?
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Se tivéssemos aulas de direitos animais nas escolas
Se tivéssemos aulas de direitos animais nas escolas, ou pelo menos uma disciplina de ética que realmente incluísse os direitos animais, acredito que a violência contra animais não seria tão banalizada, e creio também que isso teria bom peso no que diz respeito à violência contra seres humanos.
Quando um jovem transgressor faz piada de algum ato praticado contra os animais, por exemplo, isso nem sempre significa maldade, mas sempre significa ignorância. Além disso, o ato normalmente depende de um fator cultural de permissividade.
E a forma como os jovens são criados diz muito sobre isso. Se um filho vê o pai chutando um cachorro, naturalmente ele vai entender que o cão pode ser chutado, e que isso não é errado. Afinal, pelo menos até certo ponto da vida, as crianças se desenvolvem observando as ações parentais.
Talvez a criança nem chegue a considerar a possibilidade da dor do animal, se a empatia por outros seres vivos não for estimulada. Então creio que em situações como essa, quando os pais são omissos, uma disciplina de direitos animais, ou que incluísse os direitos animais, poderia fazer uma boa diferença.
Acredito nisso porque ao longo dos anos conheci crianças e adolescentes que levaram bons valores para casa, fazendo os pais se questionarem sobre suas más ou equivocadas ações praticadas de forma impensada ou herdadas de outras gerações.
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Um convite animador
Um amigo que é escritor e professor no Espírito Santo entrou em contato comigo me contando que vai fazer um trabalho com estudantes de 13 a 16 anos sobre hábitos e práticas que tratam os animais com crueldade. Depois disso, eles vão enviar cartas para um ativista para relatar esse trabalho e o que eles aprenderam com isso. Eu fui escolhido para me corresponder com essa garotada. São alunos da zona rural de uma cidade pequena, e muitos deles ainda preservam um espírito infantil e inocente, segundo o meu amigo. Fiquei feliz com isso.
Bandido bom é bandido morto?
Vocês nunca me verão reproduzindo o discurso “Bandido bom é bandido morto”, até porque penso que toda generalização é equivocada. Acompanho a realidade da periferia de Paranavaí de perto desde 2009. Nesse período, conheci muitas crianças e adolescentes que se afastaram do crime e das drogas graças à intervenção de voluntários, pessoas que decidiram ajudar em vez de criticar. Se ninguém tivesse feito nada, esses jovens teriam morrido, rendidos às drogas ou assassinados por desafetos, já que é mais comum a morte entre eles do que em confrontos com a polícia.
Na periferia de Paranavaí, a polícia costuma atuar de forma bastante consciente e são mais comuns e recorrentes os casos de prisões, não de mortes, o que acredito ser muito positivo. Ademais, falando no geral e baseando-me na minha própria experiência, quero dizer, de alguém que acompanha a realidade da periferia há quase sete anos, inclusive estudando e escrevendo sobre isso, posso dizer que a maioria das crianças e adolescentes que conheci e que se envolveram com o mundo do crime praticavam pequenos delitos. Creio que esse seja o momento mais crucial para fazer um trabalho de recuperação social.
Acredito sim que a mudança ainda é possível. Apostar todas as fichas no exercício máximo da violência, sustentada na premissa de que todo bandido deve ser morto, me parece radical demais, e não contempla todas as variáveis envolvendo a criminalidade no Brasil. Creio que a punição deve ter sempre o respaldo da lei, mesmo que ela ainda seja falha e precise de revisões. Há quem diga que crianças e adolescentes que se tornam bandidos merecem morrer, que entraram nesse caminho porque quiseram, mesmo consciente das implicações.
Bom, eu discordo. Minha contrariedade subsiste no fato de que quase todos os jovens delinquentes que conheci até hoje eram filhos de prostitutas, ladrões, usuários de drogas, traficantes ou foram criados nas ruas, sem família ou qualquer referência moral. Quando converso com jovens em bairros periféricos, percebo que muitas vezes o crime está tão naturalizado no universo deles, que eles têm dificuldade em ver isso como errado, mesmo que o preço a ser pago seja a prisão ou a vida. Eles encaram como uma aventura, um jogo de videogame, e veem suas próprias vidas como tão insignificantes que não se importam em se colocar em situação de alto risco.
“Se eu morrer ou ser preso, provavelmente ninguém vai sentir minha falta, então que assim seja”, já ouvi várias vezes de jovens com idade a partir de dez anos. Há um predomínio amoral, até pela falta de sólidas referências. O que posso dizer sobre isso? Por que não ir até a periferia da sua cidade e tentar contribuir de alguma forma em vez de reproduzir o discurso “bandido bom é bandido morto”? Não tenho dúvida alguma de que a sensação em contribuir para tirar alguém do mundo do crime ou das drogas é muito melhor do que aquela de comemorar a morte de um jovem desconhecido.
Os marginais da colonização
“Éramos assim, vagabundos e marginais aos olhos de um mundo já corrompido pela ganância”
Toninho, Beto e Maneco são três personagens desconhecidos da história de Paranavaí. Jovens na década de 1940, seguiam na contramão da maioria da população. Sentiam prazer em não ter propósitos comuns, apenas viviam o presente. Distantes da ambição que atraía tantos migrantes e imigrantes a Paranavaí, vagavam como marginais, curtindo a vida à sua maneira.
Depois de menos de um ano em Londrina, Toninho, Beto e Maneco decidiram partir para o Noroeste do Paraná, destino que na concepção dos três tinha tudo para garantir muita diversão. “Éramos solteiros e ouvíamos falar muito do Norte Novíssimo do Paraná. Diziam que era um lugar muito diferente. Ficamos curiosos e pensamos em ver isso de perto”, explica Beto.
Na manhã fria de 29 de julho de 1946, desembarcaram do pavão no Ponto Azul em Paranavaí. Carregando sacos de estopa com poucas peças de roupa, os três se conheceram em Londrina enquanto aguardavam o ônibus. “Ficamos rindo quando vimos que os nossos sacos eram iguais”, explica Toninho que deixou a família em Paranaguá para conhecer Londrina. Beto e Maneco fizeram o mesmo. Um saiu de Santos e o outro de Joinville.
Quando colocaram os pés no chão de terra batida, um garoto de 12 anos, conhecido como Amendoim, se aproximou e, assim que viu uma velha cigarreira despontando do bolso da camisa branca de Maneco, gritou: “Ô senhor, me dá um desse aí!” O rapaz então acendeu um Lincoln com um leve riscar de palito velado sob o dedo. Disse que o cigarro seria de Amendoim se conseguisse segurá-lo pela ponta do filtro durante um arremesso. Habilidoso, o garoto o pegou no ar sem queimar os dedos. Depois ajeitou a boina parda surrada, agradeceu, colocou o cigarro na boca e seguiu o trio.
No mesmo dia alugaram uma casa perto da entrada da Vila Operária, na região que ficaria conhecida na década de 1950 como Zona do Baixo Meretrício, um reduto de bordéis onde a agitação começava quando o restante da cidade se silenciava. “Era uma casinha, coisa simples, só pra gente ter um lugar pra ver a vida passar sem pressa”, comenta Toninho.
Em pouco tempo, Beto teve a ideia de fabricar rapé artesanal no fundo de casa. O desejo surgiu meses antes, quando leu o romance “Eugênia Grandet”, do francês Honoré de Balzac, e o conto “O Bote de Rapé”, de Machado de Assis. No início buscava parte da matéria-prima em Londrina. Misturava as folhas de tabaco com as cinzas das cascas de árvores que selecionava em Paranavaí e processava tudo em um moedor caseiro. “A gente inalava uma vez por dia usando o polegar e o dedo indicador. Era como uma liturgia de purificação. Chegava a ficar com as unhas encardidas”, confidencia Beto rindo e mostrando com a mão direita como se consumia.
Ocasionalmente os três se juntavam aos peões que atuavam na derrubada de mata, mas só até reunirem uma boa quantidade de cascas para o preparo do rapé. A verdade é que não gostavam de trabalhar. Encaravam como forma de aprisionamento todo serviço que impusesse ao ser humano uma rotina que não permitisse o autoconhecimento, a visão periférica do mundo e a fluência da vida. “Éramos assim, vagabundos e marginais aos olhos de um mundo já corrompido pela ganância. E de fato nos víamos como marginais, o que nunca foi ofensa pra nós”, declara Maneco.
Ao longo de duas semanas de trabalho na mata, testemunharam cinco pessoas com intensos calafrios e pele amarelada, vítimas de malária. Para evitar despesas ao ter de percorrer mais de 50 quilômetros de carreador até o hospital, e seguindo recomendação do patrão, o fiscal preferiu ignorar a situação dos enfermos e ameaçou atirar em quem parasse o serviço para tentar ajudá-los. Dois não resistiram à doença e morreram lá mesmo, agonizando silenciosamente, com seus corpos encharcados de suor. Preocupado com o mau cheiro, o homem obrigou seis peões a enterrarem os mortos – dois rapazes de 18 e 19 anos.
As valas improvisadas foram forradas com galhos e folhas. Quando cobriram as covas com terra, Toninho pediu autorização ao fiscal para dizer algumas palavras em memória dos falecidos. O sujeito não aceitou, bateu o chapéu contra a perna e ordenou que continuassem o serviço. “Já morreu, não significa mais nada. O que vale é nóis que tamo vivo”, justificou o fiscal enquanto talhava com um facão um naco de carne seca. Depois daquele dia nenhum dos três atuou como peão. Porém, jamais esqueceram a expressão de desilusão nos olhos de tantos homens que trabalhavam até 16 horas por dia ajudando a desmatar a região.
Em casa, transformaram o ambiente em um lugar que deram o nome de “La Mancha” em homenagem ao eterno Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Passavam boa parte do tempo lendo, escrevendo, cantando, criando invenções, dançando e consumindo absinto, rapé, ópio, chá de ayahuasca e soltierra, uma bebida à base de raízes e flores silvestres. “Acredito que foi a primeira bebida inventada no Noroeste do Paraná. Só que consumíamos apenas entre nós. Ela ajudava a restabelecer o equilíbrio entre os sentidos”, confidencia Beto que comprava papoula sonífera de um turco conhecido como Symancora Katifoi que conheceu em São Paulo em 1945 por intermédio de um primo.
No interior da La Mancha, uma casa ordinária por fora e extraordinária por dentro, havia o mínimo possível de móveis, quase tudo criado ou lapidado pelos três amigos. As paredes internas eram adornadas por trepadeiras que cresciam livremente. Até frutas como melancia de cipó, melãozinho do mato, maracujá, uva e fava de arara brotavam dos ramos nas paredes. “Todos puderam se servir delas, tirando direto da natureza”, rememora Maneco. O clima no local era tão ameno que nem as mais severas ondas de calor alteravam o frescor dentro da casa.
No entanto a solitude dos três não durou tanto quanto imaginavam. Em outubro de 1946, duas jovens que trabalhavam em um prostíbulo a 150 metros da La Mancha estavam caminhando quando sentiram um aroma acre e adocicado. Curiosas, se aproximaram e bateram palmas. Toninho, Beto e Maneco, que nunca tinham recebido visita em meses, a não ser do garoto Amendoim, se surpreenderam com o desembaraço das moças. Ao mesmo tempo ficaram receosos. “O que vocês tão preparando aí? É de beber?”, questionou uma loira chamada Lara. Toninho respondeu que era um chá para cefaleia. A moça então insistiu que gostaria de experimentá-lo e acabaram cedendo.
As duas entraram e todos foram para o primeiro cômodo da casa, uma saleta separada das outras dependências por uma longa cortina verde. A conversa se estendeu por pelo menos duas horas e os três relataram que eram estudantes tirando um ano sabático para repensarem a vida. Lara também deu detalhes de sua história. Teve uma briga séria com os pais e deixou Prudentópolis, no Sudeste do Paraná, para conhecer Paranavaí, onde uma amiga já trabalhava em um bordel.
Após a despedida, pediu que as deixassem retornar. Sem noção das intenções da moça, concordaram, só que não velaram a resistência. Ainda assim, Toninho, Beto e Maneco receberam mais de 50 pessoas na casa antes do Natal de 1946. A maior parte chegava através do vínculo de confiança que o trio criou com Lara. Para entrarem no local, era preciso dizer uma senha – Papilio Innocentia, uma referência à obra poética homônima do paranaense Emiliano Perneta.
Os frequentadores da La Mancha eram pessoas simples, personagens anônimos da história de Paranavaí, mas principalmente damas da noite e peões que enxergavam um paraíso na modesta casinha de tábuas escuras – um espaço peculiar onde podiam extravasar anseios, emoções reprimidas e buscar ajuda.
“Alguns começaram a nos ver como curandeiros. Claro que nunca nos vimos assim, só que para não decepcionar aquela gente atendemos cada um. À nossa porta vinham desde vítimas de acidentes de trabalho até pessoas com sífilis e gonorreia. Outros queriam auxílio espiritual. Deu pra ajudar um pouquinho”, enfatiza Beto que admite ter usado substâncias alucinógenas na composição de diversos medicamentos caseiros. Em vez de cobrar pela ajuda, o trio deixava uma cumbuca sobre a mesinha na saleta. Assim cada um contribuía da forma que pudesse ou quisesse.
No dia 26 de julho de 1947, um sábado, Toninho, Beto e Maneco prepararam uma festa para 20 pessoas. Amendoim, Lara e quatro amigas estavam entre os presentes. A comemoração na La Mancha começou por volta das 18h e se estendeu até as 23h. “Uma celebração tranquila, com cantoria, gaita, boa conversa, troca de confidências, muitas bebidas e outras coisinhas mais”, pontua Toninho com um sorriso acintoso.
Antes do fim da noite o trio revelou aos convidados que a festa era uma despedida. Tinham acertado tudo para partir na segunda-feira pela manhã. A notícia desapontou os muitos miseráveis que viam a La Mancha como refúgio e os três jovens como parte importante de suas vidas. Lara e Amendoim não conseguiram esconder as lágrimas que escorriam como chuva de verão. “Se acalmem! Não é o fim do mundo. Um dia vamos nos encontrar e também podemos nos corresponder”, anunciou Maneco com voz indolente enquanto vertia uma sobra de absinto do fundo de um cálice de barro.
A festa acabou cedo porque no dia seguinte os três acordariam às 3h. Em meio à escuridão serena, ouviram o som de um jipe Land Rover encostando em frente ao casebre. Era João José, um senhor de quem alugaram o veículo por dois dias, assumindo o compromisso de mais tarde deixá-lo atrás de uma tulha em uma propriedade rural na entrada de Maringá, onde o proprietário do jipe poderia buscá-lo.
Toninho, Beto e Maneco aproveitaram a ausência de brisa e o calor matutino que principiava breve estiagem. Como o silêncio da natureza os privilegiava, atearam fogo em tulhas e cafezais de cinco propriedades rurais de alguns dos homens mais ricos da região. Um era o responsável por contratar o sujeito que deixou os dois jovens peões morrerem à míngua, de malária, no seio da mata. Quando o fogo começava a se alastrar, saltavam sobre o jipe e partiam sem qualquer remorso.
Entre as lavouras destruídas estava a de um fazendeiro ciumento que feriu várias partes do corpo de Lara com um punhal, na tentativa de assassiná-la. Em uma noite da semana anterior o homem berrou e exigiu que a jovem não atendesse mais nenhum outro cliente. Ela não aceitou. Ensandecido, só foi contido graças à intervenção do Capitão Telmo Ribeiro que tomou a arma da mão do sujeito, o agarrou pelo pescoço e deu-lhe um vigoroso soco no estômago.
No final da tarde de terça visitaram a residência do fiscal a quem culpam até hoje pela morte dos peões vitimados pela maleita. Pensaram em atear fogo em sua casa. Mudaram de ideia quando viram três crianças brincando no quintal descampado e sem cerca. Ao lado, uma jovem mãe esfregava fervorosamente a calça bege do marido em um tanque improvisado. “Vamos largar esse pra lá. A vida se encarrega de fazer justiça. O que é dele tá guardado”, sugeriu Maneco. Toninho e Beto concordaram.
À noite, por volta das 21h, receberam a confirmação de que os estragos nas lavouras e tulhas eram enormes e ainda inestimáveis. Recolheram os pertences e anteciparam a partida. Estavam entrando no jipe quando ouviram a suplicante voz de Lara. Segurando uma malinha amarelada, a moça pediu para deixá-la partir com eles. Hesitaram um pouco, mas, como se tornara tradição, cederam ao pedido da jovem.
Paranavaí parecia mais serena do que nunca. A população dormia enquanto o jipe atravessava as ruas de terra da cidade, deixando pequenas cortinas de poeira clara que cobriam com sutileza os cães deitados próximos das soleiras das casinhas de tábuas. “Foi um sonho intenso. Vivemos em Paranavaí algumas das maiores dores e alegrias de nossas vidas. Agradeço por estarmos vivos, por ter a chance de contar pela primeira vez com detalhes a fase mais emocionante da nossa história. Talvez amanhã não estejamos mais aqui, então cabe a você compartilhar com outras pessoas”, aconselha Toninho, aos 89 anos, com a voz embargada e um olhar úmido e cristalino.
Saiba Mais
Toninho e Beto tinham 20 anos quando chegaram a Paranavaí. Maneco, o mais jovem, estava com 19, assim como Lara.
Os três amigos moram em Curitiba e mantêm contato frequente até hoje. Toninho é médico veterinário aposentado. Beto também se aposentou, mas como engenheiro florestal. Maneco continua trabalhando como artista plástico e escritor.
O trio retornou a Paranavaí a passeio somente 32 anos após a partida.
Lara se casou com Toninho em 1949. Viveram juntos até 1995, quando ela faleceu em decorrência de um câncer de mama.
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Um ataque suicida por um lugar no paraíso
Crianças e adolescentes respondem por 80% dos ataques terroristas no Afeganistão
No início de 2013, o jornalista canadense Shane Smith, um dos fundadores da companhia de mídia Vice, esteve no Afeganistão para produzir o documentário “The Killer Kids of the Taliban”, lançado em abril do mesmo ano. Na ocasião, teve a oportunidade de entrevistar muitas crianças e adolescentes convocados pelo Taliban para participarem de ataques suicidas. São jovens que só não morreram porque a Polícia Secreta Afegã conseguiu impedir que as bombas fossem acionadas.
Ainda hoje muita gente se pergunta por que o maior movimento fundamentalista islâmico do Afeganistão usa crianças em seus ataques terroristas. A reposta é simples. Os mais jovens passam pelos postos de segurança com facilidade e podem circular por qualquer lugar sem serem notados. O porta-voz do Diretório Nacional de Segurança (DNS) da Polícia Secreta Afegã, Lutfullah Mashall, disse a Smith que desde a invasão dos Estados Unidos o país registra todos os anos mais de cem ataques suicidas. Do total, pelo menos 80% são cometidos por crianças e adolescentes. “Eles são os preferidos do Taliban porque muitos são pobres, analfabetos e não conhecem de verdade o Alcorão”, revelou.
De acordo com Mashall, um talib, estudante do livro sagrado, é capaz de lutar e morrer pelo que acredita, mas jamais usaria um colete-bomba. “The Killer Kids of the Taliban” mostra que as crianças não têm real conhecimento das consequências de seus atos. “O imã Marouf [uma autoridade religiosa] nos disse para ir até a província de Logar e cometer suicídio. Ele falou: ‘Coloque as bombas em seu corpo e aperte o botão. Eles morrerão e você continuará vivo’”, relatou um garoto não identificado.
Entre os convocados pelo Taliban, há muitos jovens que não sabem que os coletes são explosivos. Alguns pensam que estão apenas transportando documentos. Em 2013, para se ter uma ideia da gravidade da situação, uma criança de seis anos conduziu um ataque suicida na Província de Paktika, a 244 quilômetros de Cabul. Com base nesses exemplos, o jornalista da Vice deixa claro que o poder de persuasão, mesmo baseado em mentiras, é a principal ferramenta do Taliban na hora de recrutar crianças e adolescentes.
O discurso de que é preciso ficar em frente a um hotel até a hora certa se repetiu muitas vezes. Normalmente, as bombas são acionadas por controle remoto quando chega algum comboio estadunidense, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou Força Internacional de Assistência para Segurança (Fias). Um garoto afegão preso na sede do DNS, chamado Kanjar, recebeu treinamento quando estudava no Paquistão. Os próprios professores o ensinaram a cometer suicídio, afirmando que assim ele iria para o paraíso.
“Não tivemos tempo de ler o Alcorão o suficiente para entendê-lo. Só nos disseram que o suicídio era permitido e deveríamos nos preparar para o paraíso. Quando coloquei o colete, me perguntei por que eu iria explodir a mim mesmo?”, contou Kanjar que em um grande momento de tensão só pensou na possibilidade de ficar em pedaços. Depois de preso, o jovem percebeu que o suicídio não poderia lhe proporcionar nada de bom. Além disso, a prática é condenada pelo Alcorão. Embora esteja arrependido, Kanjar continua preso, acusado de crime hediondo.
Abdul, outro adolescente entrevistado por Shane Smith, justificou que quis colaborar com o Taliban porque soube que há muitos infiéis rasgando o Alcorão e o jogando na latrina. “Fiquei nervoso ao saber que o nome do profeta é profanado”, comentou. Abdul, que nunca leu o Alcorão, também recebeu treinamento para usar um colete-bomba, crente de que assim ganharia um lugar no paraíso. Na turma do adolescente havia centenas de garotos se preparando para cometer ataques suicidas.
Em 2013, pouco antes da chegada da equipe da Vice a Cabul, um santuário foi alvo de um ataque terrorista que matou 58 pessoas. Entre as vítimas estavam nove familiares de Tarana Akbari, uma garotinha que sobreviveu, mas ficou marcada por estilhaços da bomba. Naquele dia, o fotógrafo afegão Massoud Hossaini tinha ido ao local para registrar a procissão do flagelo com correntes. “Foi quando tudo aconteceu. Vi muitas pessoas correndo da fumaça e, de repente, ela desapareceu. Me vi cercado por cadáveres de crianças, mulheres, homens jovens e idosos”, explicou ao canadense. Hossaini testemunhou o momento em que Tarana começou a chorar e gritar.
Caída ao chão, a mãe de Tarana pediu ao fotógrafo para ajudá-la a pegar o seu filho, uma criança pequena. Um homem que estava mais próximo recolheu o menino do chão e viu que havia muito sangue saindo da cabeça. “Aí ele me disse: ‘Esse menino já foi’. O pôs no chão e simplesmente foi embora”, destacou Hossaini. Tarana enfatizou que os corpos caíram como se fossem ovelhas. No ataque terrorista, além do irmão, a jovem perdeu tias e primos.
“Todas as mulheres estavam lá, assim como muitas crianças. Era um santuário. Não havia um lugar melhor para eles atacarem, como um gabinete do governo? Eles atingiram só pessoas inocentes e indefesas!”, desabafou o pai de Tarana. Outro familiar questionou por que a Al-Qaeda está matando tanta gente no Afeganistão se isso vai contra tudo o que está no Alcorão. “Será que nunca leram o livro sagrado? Se tivessem lido, saberiam que não é permitido matar!”, disparou.
Mesmo com o intenso trabalho do Diretório Nacional de Segurança, que tenta evitar que jovens se tornem terroristas, a prática ainda é frequente e reincidente. Após o lançamento do documentário “The Killer Kids of the Taliban”, Shane Smith foi informado que dois garotos perdoados por serem jovens demais foram coagidos mais uma vez e flagrados se preparando para novos ataques.
Com um calmo tom de voz, um dos homens mais importantes do Taliban, Syed Mohammad Akbar Agha, um ex-jihadista e mujahidin que lutou contra os russos e comandou muitas tropas, deixou claro a Smith que enquanto os EUA estiverem no Afeganistão os ataques vão se intensificar cada vez mais. “Tudo vai Continuar. Não tenha dúvida”, garantiu. Quando o jornalista da Vice o interpelou sobre os ataques suicidas, defendendo que são condenáveis pelo Alcorão, Akbar Agha sorriu e respondeu apenas que o Taliban tem grandes muftis, estudiosos islâmicos, que reconhecem a legitimidade da prática.
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