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Um homem marcado pela tragédia

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Quando a riqueza material ofusca a importância da vida

Paranavaí quando Hésio Azeredo viveu aqui uma sucessão de tragédias (Foto: Toshikazu Takahashi)

Paranavaí quando Hésio Azeredo viveu aqui uma sucessão de tragédias (Foto: Toshikazu Takahashi)

Na infância, meu avô me contou uma história que jamais esqueci. É sobre um homem que teve a vida transformada por uma sucessão de tragédias em 1958 e 1959. Até o ano passado, sempre me questionei se o que ouvi quando criança era verdade ou não. A confirmação chegou até mim há alguns meses, quando encontrei uma sobrinha do protagonista desta sinistra e pitoresca história.

Hésio Oscar Azeredo era um investidor de grandes posses que vivia com a família em uma fazenda a pouco mais de 20 quilômetros da área urbana de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Passava o tempo todo ocupado, tentando encontrar novas formas de multiplicar os lucros. Havia época em que dormia menos de três horas porque achava que repousar mais o impediria de alcançar seus objetivos. “Ele tinha uma boa família e era uma boa pessoa, mas colocava o dinheiro e a ambição acima de tudo”, diz a sobrinha Maria Aparecida Lorelli.

Hésio Oscar era filho único de um falecido casal de multimilionários que até as primeiras décadas do século XX administrava investimentos de capital estrangeiro no Brasil. Ainda jovem, já possuía propriedades rurais em sete estados, além de fazendas no Paraguai e Argentina. Algumas eram maiores do que muitas cidades do Brasil. Também investia em beneficiamento de grãos e cereais, telefonia e transportes fluviais. Era muito influente, tanto que na sua biblioteca particular, um ambiente inspirado no gabinete do presidente dos Estados Unidos – o Salão Oval, deixava em destaque uma grande foto em que aparecia ladeado pelo ex-presidente Dwight Eisenhower.

“A moldura do quadro era de ouro maciço. Poucas pessoas podiam entrar lá. Somente alguns familiares conheciam o lugar. Meu tio ainda pedia que por discrição ninguém falasse sobre o que viu lá dentro”, declara Maria que na infância e adolescência teve três oportunidades de visitar o local. Apesar do apego aos bens materiais, o investidor era considerado pelos empregados como um patrão rigoroso, mas justo. Fazia questão de acompanhar de perto todos os seus negócios. Ainda assim, muitos boatos se espalhavam sobre o Tymbara, apelido que um místico colono de origem kaingang deu a Hésio Azeredo. “Era o único índio da nossa turma. Ele inventou esse apelido e não explicou o significado. Só que ninguém nunca teve coragem de chamar o ‘Dr. Hésio’ de Tymbara, então isso ficava mais entre a gente”, comenta o ex-colono aposentado Inácio Durval Reis que naquele tempo era mais conhecido como Mizim.

Nos anos 1950, o investidor construiu um escritório inspirado em Eisenhower e no Salão Oval (Foto: Reprodução)

Nos anos 1950, o investidor construiu um escritório inspirado em Eisenhower e no Salão Oval (Foto: Reprodução)

Em 1957, já circulava entre os colonos um boato de que Azeredo se referia ao dinheiro como se fosse um tipo de deidade. “Falavam que ele tinha um altar cheio de dinheiro e que não saía de lá sem se ajoelhar e rezar pra ganhar mais um punhado a cada dia”, conta Mizim, acrescentando que talvez tenha sido apenas conversa fiada de gente à toa.

Há quem diga que uma cozinheira da fazenda jurou ter visto paredes forradas com notas de cem dólares em alguns dos cômodos da casa principal. “Todo mundo ouvia falar. Só que não conheço ninguém que testemunhou isso. Sei que tinha cômodos da casa que o ‘Dr. Hésio’ não permitia a entrada de ninguém, nem das empregadas”, enfatiza Reis. Embora as lembranças não estejam mais tão frescas na memória, Maria se recorda com carinho da tia Clara e dos primos Tadeu e Joaquim. “Eram bem espertos e adoravam correr pelo campo. Na fazenda, perto de uma bica de mina, tinha um morrinho coberto por uma grama bem verdinha onde eles adoravam escorregar e rolar. Às vezes eu e uma babá cuidávamos dos dois”, comenta.

Tadeu, de cabelos negros que chegavam a azular com a incidência do sol vespertino, era bem comunicativo e agitado. Já Joaquim, de cabelos loiros, era calmo e parcimonioso. Os dois sofriam de heterocromia. “Tadeu tinha um olho preto e um azul. Joaquim possuía um olho preto e um verde. Por causa disso, eu ficava sabendo de muitas bobagens ditas pelos mais ignorantes”, lembra Maria Lorelli. Hésio Azeredo pouco participava do cotidiano familiar. Assistia ao desenvolvimento dos filhos como um espectador desatento. Tinha o hábito de viajar antes do amanhecer, retornando apenas semanas mais tarde e normalmente de madrugada. A pressa era tanta que nem se despedia dos filhos. Se o lucro fosse muito alto e exigisse mais tempo fora de casa, não se importava em se ausentar por alguns meses. Uma vantagem é que o empresário sempre teve pessoas de sua confiança para garantir o bom andamento dos seus muitos empreendimentos.

Criado em uma família que há várias gerações se dedicava a multiplicar riquezas, Azeredo foi o primeiro a romper o ciclo, e não por vontade própria, mas por uma sucessão de acontecimentos que transformaram sua vida. Em dezembro de 1958, após uma séria discussão com o marido, Clara chamou os dois filhos e disse a eles que iriam passar alguns dias na casa da avó em Curitiba. “Ajudei eles a arrumarem as malas e os acompanhei até o aeroporto da família, onde um avião e um piloto estavam sempre à disposição”, relata Maria. No último momento, apesar da resistência em deixá-los partir, Hésio Oscar achou que contrariar a mulher poderia piorar a situação. No início da noite, se arrependeu amargamente ao receber a notícia de que o piloto Julião Martins Bastina sofreu um mal súbito e perdeu o controle da aeronave. O avião que caiu na região dos campos gerais foi encontrado por um caminhoneiro que viu uma criança ensanguentada acenando e gritando por socorro.

“A tia Clara, o Joaquim e o piloto não resistiram aos ferimentos. Acho que morreram na hora do impacto. O Tadeu sobreviveu por um milagre. Ele teve só escoriações e não precisou ficar internado”, destaca Maria Aparecida. A maior parte do sangue sobre o corpo do garoto era do irmão e da mãe que o envolveu nos braços instantes antes da queda. Pelo menos por dois meses após o enterro, a tragédia fez de Azeredo um homem incomunicável, agressivo e ostracista. Não tinha vontade de ver ninguém, nem mesmo o filho sobrevivente. Depois retornou à rotina sem avisar ninguém. E não aceitava que falassem das mortes da mulher e do filho, negando a si mesmo a partida dos dois, mesmo tendo participado da cerimônia fúnebre.

Avião com a mulher e os filhos de Hésio caiu nos Campos Gerais (Foto: Reprodução)

Avião com a mulher e os filhos de Hésio caiu nos Campos Gerais (Foto: Reprodução)

Sem saber como lidar com a vida pessoal, até mesmo esquecendo que tinha família, se afundou ainda mais em trabalho. Esqueceu muitas vezes que Tadeu continuava morando na mesma casa. “O pai dele tinha atitudes de alguém que perdeu tudo. Em vez de se basear naquele exemplo para mudar de vida, fez exatamente o contrário. Fiquei muito nervosa com a situação”, desabafa a sobrinha. Isolado por Hésio Oscar, Tadeu começou a agir como se o irmão Joaquim continuasse com ele. Maria Lorelli foi a primeira a perceber que o primo divagava e tinha alucinações. Parecia falar com outras pessoas, mesmo quando estava sozinho. Quem o via de longe, pensava que havia alguém acompanhando o garoto.

“Ele corria lá pelos lados das plantações. Se embrenhava no meio do cafezal e brincava de se esconder. Lembro que perguntei se tinha mais alguém com ele. Me respondeu que era o irmão. Achei que fosse uma traquinagem inocente, nem comentei com ninguém”, revela Mizim. Episódio semelhante se repetiu uma semana mais tarde, quando Tadeu estava sozinho no quarto, escondido e cochichando dentro do guarda-roupa. Com a insistência dos mais próximos, Azeredo concordou em procurar um tratamento psiquiátrico para o filho. Tadeu foi diagnosticado com transtorno do estresse pós-traumático. Mesmo com acompanhamento médico, o estado do garoto só piorou. Embora se preocupasse com a situação, Hésio preferia deixá-lo aos cuidados de familiares e empregados.

Um dia, quando se machucou ao saltar sobre uma cerca, a perna de Tadeu começou a sangrar. Ele se aproximou do pai e disse: “Por que o senhor não gosta de mim? É por que o que sai do meu corpo é um líquido vermelho sem valor? Mas e se fosse amarelo e brilhante como ouro?” Azeredo não respondeu. Surpreso, se calou e abraçou o filho, clamando por perdão. A cena foi testemunhada ao longe pela prima Maria. Na semana seguinte, três dias antes de completar 12 anos, Tadeu foi encontrado deitado na própria cama, abraçado a uma foto em que ele aparecia brincando com a mãe e o irmão. Havia um pequeno frasco de estricnina ao seu lado. Tadeu estava morto e com os olhos fechados, como se estivesse se preparando para dormir. Quando viu o filho de pijama e sem vida, Hésio saltou pela janela do quarto que ficava no andar superior. O impacto provocou apenas um corte na cabeça, escoriações e um desmaio que durou cerca de duas horas. Ao acordar, teve uma cefaleia intensa que desapareceu só no fim da noite.

Maria Lorelli tentou conversar com o tio sobre a necessidade de velar e enterrar Tadeu, mas Hésio não quis dialogar. Deixou claro que não precisava da ajuda de ninguém, assumindo o compromisso de fazer tudo sozinho. Só exigiu que dois empregados levassem um enorme refrigerador horizontal, que estava na maior despensa da casa, até um quarto ao lado do seu. Mandou que todos saíssem, tomou Tadeu nos braços e o carregou para a sua suíte. Chaveou a porta do quarto e disse aos familiares que retornaria em algumas horas. Antes que alguém fizesse alguma pergunta, entrou em um jipe Land Rover e desapareceu na escuridão, retornando antes do amanhecer, acompanhado de um húngaro misterioso e com um forte sotaque a quem chamava de Gazda. Transferiram Tadeu para o quarto ao lado da suíte e não permitiu que ninguém entrasse no local.

Modelo do jipe usado por Azeredo em 1959 (Foto: Reprodução)

Modelo do jipe usado por Azeredo em 1959 (Foto: Reprodução)

No dia seguinte pela manhã, Azeredo estava mais calmo e convidou parentes e amigos mais próximos para participarem de enterro do filho no cemitério particular da família. Estranharam a atitude porque Hésio nem mesmo havia planejado o velório. Por comiseração e até por medo de uma má interpretação, ninguém cogitou questioná-lo por não deixar ninguém ver Tadeu antes de fechar o caixão. Algumas das pessoas que participaram da cerimônia, segundo Maria Lorelli, comentaram que Azeredo parecia mais lúcido e provavelmente, após o rompante de desespero, logo entraria na fase de aceitação. Quando todos os parentes foram embora, Azeredo dispensou parte dos empregados, justificando que como estava sozinho não precisava mais de tantas pessoas trabalhando na casa principal. Maria insistiu em continuar com o tio por mais alguns dias, mesmo ciente de que talvez não fosse mais bem-vinda. “Desconfiei de algo estranho acontecendo porque o tal húngaro que ninguém conhecia ficou na casa quase uma semana. Além disso, ele não parecia o tipo de pessoa com quem o tio costumava negociar”, argumenta.

Algumas horas antes de Gazda partir, Maria o ouviu cochichando algumas palavras ininteligíveis a Hésio. Sem motivo para prolongar a estadia, a jovem partiu para Curitiba, onde ingressou no curso de medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nas férias, Maria sempre passava alguns dias na fazenda do tio para saber como ele estava e também para reviver lembranças do tempo em que ajudava a tia Clara e os primos Tadeu e Joaquim. Azeredo estava mais comunicativo e não viajava com muita frequência. Na realidade, raramente deixava a fazenda. A propriedade do empresário se tornou o seu mundo, tanto que as negociações diminuíram consideravelmente. Em 1962, apenas nove dos empregados continuaram trabalhando na propriedade. Era o suficiente para manter a operacionalização das atividades locais.

No final daquele ano, por intermédio dos pais, Maria ficou sabendo que Hésio, sem dar explicações, desfez de grande parte dos imóveis e empresas que possuía. Mas a surpresa maior veio em janeiro de 1963, quando Maria encontrou a fazenda abandonada. As plantações estavam morrendo e não havia ninguém no campo. Na casa principal, a sobrinha sentiu um forte mau cheiro vindo da cozinha, onde muitos alimentos estragaram há bastante tempo. Maria também se deparou com móveis cobertos por lençóis brancos. Nada disso pareceu tão estranho quanto uma bem disposta e linear trilha de notas de cruzeiro que começava no cemitério particular da família e terminava no quarto de Hésio Azeredo.

Maria Lorelli seguiu as notas e quando abriu a porta do quarto viu o tio deitado na cama abraçado com o filho Tadeu. Mesmo sem vida, o garoto estava com a aparência do dia em que foi encontrado morto. “Como participei do enterro dele três anos antes, pensei que eu estivesse louca. Até a expressão no rosto de Tadeu ainda era a mesma”, comenta. Após o susto, Maria viu que Hésio também estava morto. Ao lado do corpo, somente um frasco quase vazio de estricnina. Preocupada com a repercussão, a família de Maria evitou comentários e fez o possível para impedir que a história fosse divulgada. Até mesmo no registro de óbito consta que a causa da morte foi um ataque cardíaco. O caixão onde supostamente colocaram o corpo de Tadeu em 1959 sempre esteve vazio. O substituíram por outro e realizaram uma nova cerimônia fúnebre para pai e filho. Desta vez, com a participação de cinco pessoas. Antes de morrer, Hésio Azeredo deixou um testamento destinando 80% da fortuna para orfanatos, asilos e entidades sociais que cuidavam de crianças de rua.

O restante foi dividido entre sete familiares e dois irmãos de criação. Em um bilhete queimado no mesmo dia em que foi lido, Hésio explicou brevemente que o húngaro Gazda era um artista da matéria humana que lhe proporcionou, mesmo que por pouco tempo e com certo requinte ilusionista, se comunicar e se despedir do filho de uma maneira que ninguém jamais entenderia. Anos depois, Maria Lorelli ouviu novamente falar de Gazda em São Paulo. Então soube que o homem misterioso foi um dos mais revolucionários taxidermistas do Leste Europeu, onde trabalhou para czares, aristocratas e líderes socialistas. Se mudou para o Brasil nos anos 1940, fugindo da perseguição nazista aos ciganos.

Curiosidade

Tymbara é uma palavra de origem tupi-guarani que significa “aquele que enterra”.

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A revolta dos Capa Preta

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O dia em que um grupo armado planejou a morte do Capitão Telmo Ribeiro 

Eloy Machado: "Trajavam aquelas caponas antigas que cobriam até parte dos cavalos." (Fotos: David Arioch)

Eloy Machado: “Trajavam aquelas caponas antigas que cobriam até parte dos cavalos” (Fotos: David Arioch)

“O capanga vinha sozinho. Nunca vi o Capitão Telmo Ribeiro com jagunço junto, mas sabia onde estava. Tinha a segurança do rapaz de nome Nhapindá que sempre ficava por perto. Era o unha de gato, nome indígena, kaingang. Por isso, os Capa Preta se planejaram pra chegar perto do homem.”

Com a citação acima, o pioneiro paranaense Eloy Pinheiro Machado, 86 anos, introduziu-me ao universo histórico e ainda desconhecido dos cavaleiros conhecidos nos anos 1940 como os Capa Preta. Foi o primeiro grupo armado local que se articulou para mudar os rumos da política de Paranavaí, no Noroeste Paranaense.

Para eles, a transformação dependia de uma mudança radical que só seria possível com o homicídio do Capitão Telmo Ribeiro, um dos personagens mais influentes do Paraná à época. Amigo do ex-interventor federal Manoel Ribas, era temido até pelo então governador Moyses Lupion. “O Lupion ‘cagava’ de medo dele”, enfatiza o pioneiro.

Considerado herói por alguns e vilão por outros, Telmo Ribeiro, que chegou a Paranavaí em 1936 supostamente acompanhado de um grupo de mercenários paraguaios, teve o cotidiano transformado no final dos anos 1940, quando gostava de galopar pelas ruas da colônia e passar algumas horas tomando cerveja. “Era grandão e forte. Ficava horas sentadão observando tudo a sua volta. A coisa ficou feia quando apareceu um buchicho envolvendo seu nome”, conta Machado.

Confusão surgiu a partir de boato envolvendo a Inspetoria de Terras (Acervo: Yolanda Winche)

Confusão surgiu a partir de boato envolvendo a Inspetoria de Terras (Acervo: Yolanda Winche)

Em 1948, Paranavaí era administrada pelo marceneiro Hugo Doubek, de Curitiba, que morava e trabalhava na inspetoria de terras. Mais tarde, surgiu um boato de que o administrador estava beneficiando somente paranaenses, gaúchos e catarinenses na distribuição de terras, privando migrantes de outras localidades.

Em represália, o Capitão Telmo, representante do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), exigiu que Doubek deixasse o cargo para ceder a vaga a João Carraro, um de seus homens de confiança. “Foi uma conversa fiada que inventaram para tirar o Doubek do cargo. Só politicagem em benefício de poucos”, comenta o pioneiro cearense João Mariano.

A situação ficou tensa quando a conversa chegou até os Capa Preta. Audacioso, o grupo tinha um senso de justiça bem peculiar no tempo em que a polícia pouco fazia nos sertões do Noroeste do Paraná. Tudo era muito difícil em Paranavaí, uma colônia formada em meio à mata nativa, onde sonhadores, aventureiros e bandidos dividiam o mesmo espaço.

Naquele tempo, Paranavaí era habitada por gente honesta, aventureiros e bandidos (Foto: Toshikazu Takahashi)

Os Capa Preta circulavam pela colônia sempre no mesmo horário (Foto: Toshikazu Takahashi)

À época, os Capa Preta circulavam pela região central pontualmente. A intenção era avaliar a realidade local e coletar informações que pudessem ser úteis no futuro. Pioneiros relatam que parecia um grupo paramilitar envolvido por uma aura de faroeste cinematográfico. Somavam pelo menos 20 homens usando cintos de balas. Cada um carregava de um lado uma carabina e do outro um revólver calibre 38, da Smith & Wesson.

“Era uma andança sem fim. Trajavam aquelas caponas antigas que cobriam até parte dos cavalos. A maioria só via eles, mas eu os conhecia porque vieram pra esta região com a gente. Alguns chegaram a ficar algum tempo em casa”, afirma Eloy Machado. Quando percorriam a cidade, mantinham os olhares fixos e se comunicavam por sinais.

O reduto dos Capa Preta era uma fazenda perto da ponte do Rio Surucuá, local de onde articularam o plano de homicídio do Capitão Telmo Ribeiro. “Até a polícia sabia de tudo, mas não quiseram intervir. Teve gente que ficou com medo e foi embora daqui. Naquele mesmo dia, os Capa Preta visitaram o ‘Seu Hugo’ na inspetoria de terras e perguntaram se ele precisava de alguma coisa. Estavam cuidando dos preparativos”, confidencia Machado.

O último encontro estratégico dos Capa Preta, liderados pela Família Pininga, foi realizado sob uma árvore frondosa nas imediações do Rio Surucuá. Mais pessoas se uniram ao grupo para participar do atentado contra o Capitão Telmo. “Fiquei muito curioso e quis ir lá ver o que estava acontecendo de perto, mas fui repreendido pelo meu pai. Além disso, a fazenda era muito longe de casa”, diz Eloy Machado.

Machado: "O Lupion cagava de medo do Capitão Telmo.”

João Mariano: “Era bom no gatilho, mas se tivesse ficado aqui, o Capitão Telmo teria morrido.”

O plano foi minado pelo pai do cunhado de Machado. O homem denunciou o plano dos Capa Preta. “Ele era bisbilhoteiro e ouviu tudo. Pegou uma eguinha do meu tio Jeca Machado e foi lá contar pro Capitão Telmo, de quem era leiteiro. Falou até a hora prevista para a morte do homem”, revela.

Quando soube, Ribeiro reconheceu a impossibilidade de enfrentar dezenas de homens armados. A solução foi reunir o essencial e fugir de Paranavaí. “Se tivesse ficado aqui, sem dúvida, teria morrido. Ele era bom de gatilho e tinha muita experiência de luta [participou da Revolução Constitucionalista]. Só que seria impossível sobreviver a um plano envolvendo tanta gente”, avalia Mariano.

Os Capa Preta também poderiam matar os homens que trabalhavam para o Capitão Telmo Ribeiro, como João Clariano, Manoel Paulino, Frutuoso Joaquim de Sales e Medeirão. “Eram pessoas a serviço do Capitão Telmo, então iriam todos pro saco”, supõe Eloy Machado.

Na ausência de Ribeiro, parte dos que participaram do plano decidiram partir, preocupados com a retaliação. Segundo Mariano, o Capitão Telmo era influente e poderia trazer dezenas de combatentes ou até mercenários, assim garantindo a vingança. A Família Pininga, remanescente dos Capa Preta, teve de resistir aos dias consecutivos de saraivada de tiros contra a própria casa.

Defenderam-se como puderam, mas como estavam em menor número pela grande debandada de parceiros, lutaram até o dia da fuga. “Eu me recordo de três rapazes dessa família. Eles não tiveram mais paz. Toda madrugada apareciam homens armados cercando a casa e atirando. A promessa de Ribeiro era acabar com tudo. Não deixar sobrar ninguém”, garante Eloy Pinheiro Machado. Os Pininga conseguiram fugir e nunca mais retornaram a Paranavaí.

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A Lenda do Mindinho, segundo o Kaingang Paranaense

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Lenda é repassada pelas gerações kaingang (Foto: Reprodução)

Um dia, quando aconteceu um grande dilúvio, um homem salvou-se trepando numa palmeira jerivá. Enquanto as pontas dos seus pés pendiam na água, ele se dispôs a comer as frutas. Logo os dourados vieram para apanhar os caroços, mas por engano morderam os dedos do pé do homem. Por isso, temos um dedo do pé bem menor que os demais.

Referência: Iandé, Casa das Culturas Indígenas

Written by David Arioch

November 11th, 2012 at 12:00 pm

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