David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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O paraíso das borboletas

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Nos anos 1950, os estrangeiros chamavam Paranavaí de paraíso das borboletas

Paranavaí quando era conhecida com o Paraíso das Borboletas (Foto: Toshikazu Takahashi)

Um dia de verão em 1955 (Foto: Toshikazu Takahashi)

No verão dos anos 1950, o sol atingia Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com tanta intensidade que as crianças aproveitavam para brincar arremessando pequenas porções de areia quente.

As mesmas crianças corriam descalças pela cidade, sem se importar com as bolhas que se formavam nas solas dos pés depois de minutos em contato com o chão cálido. Para os pequenos, tudo era diversão na época em que as roupas do varal secavam em tempo recorde. As crianças também penduravam em cipós e se lançavam com o objetivo de atingir buracos cavados no chão.  Quem acertasse mais vezes, era o vencedor da brincadeira.

Para os estrangeiros, Paranavaí era o paraíso das borboletas. Tal afirmação foi feita pelo padre provincial alemão Adalbert Deckert, de Bamberg, em artigo publicado na revista alemã Karmelstimmen em 1955. “Borboletas grandes e coloridas cruzavam nosso carro o tempo todo. Algo que para nós europeus era uma original lembrança”, comentou Deckert. A opinião era partilhada por muitos estrangeiros.

Havia tantas espécies de borboletas em Paranavaí que era comum milhares pousarem nas rodas de um jipe. Quando o motorista parava o veículo, ele via os pneus adornados pela policromia das borboletas. “Também havia muitas mariposas com até seis centímetros de comprimento. Eram tão grandes e numerosas que quando invadiam a igreja zumbiam de tal maneira que dava até dor de cabeça”, revelou frei Adalbert.

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Quando “dois olhos de fogo” brilharam na escuridão

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O dia em que quatro missionários alemães se perderam nas matas virgens de Paranavaí

Jipe usado pelos quatro missionários no dia em que se perderam (Acervo: Ordem do Carmo)

Jipe usado pelos quatro missionários no dia do incidente (Acervo: Ordem do Carmo)

Em outubro de 1954, um artigo intitulado “Noch Ein Missionberich”, do frei alemão Alberto Foerst, da Ordem dos Carmelitas, foi publicado na edição número 10, ano 21, da revista alemã Karmel-Stimmen, de Bamberg, no estado da Baviera. Ao longo de quatro páginas, o missionário relata algumas experiências nas matas virgens de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde dividiu bons e maus momentos ao lado dos freis Henrique Wunderlich, Burcardo Lippert e Adalberto Deckert.

No texto, Foerst conta que viajar por uma região em processo de colonização era muito complicado. Os mapas eram imprecisos e os menos precavidos podiam perder-se na mata por dias. “Costumávamos nos orientar pela bússola, mas nem sempre era possível evitar o erro. A nossa sorte é que de vez em quando encontrávamos um caminho já trilhado, facilitando o nosso trajeto”, explica.

Alberto Foerst: "Os menos precavidos podiam perder-se na mata por dias" (Foto: Reprodução)

Alberto Foerst: “Os menos precavidos podiam perder-se na mata por dias” (Foto: Reprodução)

Porém, certo dia, os freis Alberto, Henrique, Burcardo e Adalberto, como eram mais conhecidos em Paranavaí, ficaram com o jipe atolado em meio a uma floresta densa, habitada somente por uma rica fauna silvestre. Embora viajassem com picaretas, pás e outras ferramentas que auxiliavam em situações difíceis, de nada adiantou. Horas depois, veio a escuridão e tiveram de passar a noite na mata. “Não podíamos seguir a pé porque era uma área muito isolada e distante”, justifica.

Mesmo com uma espingarda ao alcance das mãos, os missionários não conseguiam se distrair da “noite tenebrosa” e especialmente escura, acompanhada de um “silêncio sinistro” que os mantinha em alerta. “Apesar de tudo, como o dia foi estafante, chegou um momento em que cochilamos. Só acordamos quando ouvimos as cobras fazendo ruídos nas ramagens e madeiras apodrecidas da floresta”, conta frei Alberto no artigo “Noch Ein Missionberich”, de 1954.

Não demorou muito e um grupo de macacos começou a gritar bem alto. Daquela escuridão, “dois olhos de fogo” brilharam em direção aos quatro missionários. Foi quando perceberam que estavam cercados por uma onça. “Ficamos assustados e os nossos corações dispararam. O medo era tão grande que podiam tirar nossa pulsação pelo dedinho do pé. A onça nos farejou e circulou o jipe por algum tempo”, relata.

Henrique Wunderlich, Burcardo Lippert e Alberto Foerst (Acervo: Ordem do Carmo)

Henrique Wunderlich, Burcardo Lippert e Alberto Foerst (Acervo: Ordem do Carmo)

Com dificuldades de raciocínio, se entreolhavam, crentes de que a espingardinha de chumbo fino seria inofensiva contra o selvagem animal. “Ela só riria de nós. Então decidimos ficar quietos, sem se mexer ou respirar alto”, continua. Aguardando a iminência de uma tragédia, os missionários foram salvos por uma eventualidade. Um macaco, debandado de seu grupo, saltou sobre uma imensa árvore que estava acima do jipe, chamando a atenção da onça.

“Ela saiu no encalço dele e respiramos aliviados. Se bem que não dormimos mais naquela noite e ficamos muito felizes quando amanheceu. É uma pena que não haja fotos do episódio”, lamenta. Pela manhã, os quatro aventureiros procuraram as chamadas “árvores elétricas” que ofereciam energia para equipamentos elétricos. A voltagem mais alta ficava nas copas e a mais baixa nas raízes. “Para conseguir uma boa voltagem era preciso pendurar nos galhos. A força da energia estava subordinada ao atrito provocado pelo vento no meio das folhas”, destaca Alberto Foerst.

Depois de usarem os barbeadores elétricos, os missionários se perguntaram o que fariam para sair daquela região desconhecida, pois tinham o compromisso de abençoar uma nova escola. Então Henrique Wunderlich pegou a sua gaita de boca e começou a tocar. “Logo apareceram índios [de etnia caiuá] de todos os lados, atraídos por aquela mágica melodia. O frei Henrique ainda tocou mais algumas músicas e pedimos que os nativos nos ajudassem. Deram a direção certa e conseguimos chegar ao nosso destino”, acrescenta.

No mesmo dia, foram convidados para conhecer uma interessante granja de galinhas. Em torno do aviário, havia uma grande e bela roça de girassóis que deixou os alemães admirados. “Nos falaram que serviam de alimento para as galinhas botarem ovos com mais gorduras saudáveis. Explicaram que os ovos saíam com uma camada extra que dispensava o uso de óleo na hora de prepará-los”, enfatiza.

Um índio por um velho chapéu de aba larga

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Garoto caiuá foi comprado para ajudar a escrever um dicionário de guarani

Ulrico Goevert: "Ele literalmente o comprou com um velho chapéu” (Acervo: Ordem do Carmo)

Ulrico Goevert: “Onde os colonos chegam, desaparecem os índios” (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1951, um frade capuchinho foi enviado a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com a missão de evangelizar os poucos índios que ainda viviam nas matas virgens da colônia. “Onde os colonos chegam, desaparecem os índios, os aborígenes do lugar”, escreveu o frei alemão Ulrico Goevert em publicação da revista alemã Karmel-Stimmen, sobre as experiências em Paranavaí.

Embora seja verdade, o missionário capuchinho conseguiu encontrar nativos de etnia caiuá vivendo na região. Como era impossível estabelecer a comunicação falada, o homem apelou para gestos. No começo foi difícil. Foram necessários dias para conquistar a liberdade de se aproximar dos índios.

Mesmo sem entender quase nada sobre os caiuás do Noroeste Paranaense, o frade ficou intrigado com os costumes e a língua guarani. Então um dia foi até um dos chefes da tribo, mostrou o próprio chapéu de aba larga e apontou para um jovem índio, sugerindo uma troca. Depois de avaliar bem o item, o líder caiuá acabou aceitando. “Ele literalmente o comprou com um velho chapéu”, registrou Goevert no relato escrito em um diário em 1957 e publicado no ano seguinte na Alemanha.

José de Oliveira: “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado” (Foto: David Arioch)

José de Oliveira: “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado” (Foto: David Arioch)

O garoto foi trazido até a área urbana de Paranavaí, onde serviu de referência para o frade escrever um dicionário de guarani. Todas as perguntas eram feitas por meio de sinais. Um trabalho moroso e não muito produtivo. Mas, obstinado, o capuchinho só retornou à aldeia depois de um bom tempo estudando a língua. Ainda hoje, não há informações sobre o destino do jovem subalterno trocado por um chapéu surrado. “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado. Não tinha pra onde voltar”, comentou o pioneiro José Francisco de Oliveira.

Quem também viveu por muitos anos em Paranavaí e teve bastante contato com os caiuás, descendentes dos índios que sobreviveram às investidas dos bandeirantes paulistas e portugueses entre as décadas de 1620 e 1640, foi o frei alemão Alberto Foerst que tinha grande experiência como missionário.

Alberto Foerst: "Com presentes, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo" (Acervo: Ordem do Carmo)

Alberto Foerst: “Com presentes, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo” (Acervo: Ordem do Carmo)

No artigo “Noch Ein Missionsberich”, da edição número 10 da revista Karmel-Stimmen, de outubro de 1954, Foerst diz que para se aproximar dos caiuás, causando boa impressão, era preciso primeiro presenteá-los. “Dessa forma, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo, tornando nosso trabalho mais fácil”, revelou. À época, um dos presentes preferidos era a caneta-tinteiro, pois a consideravam um lindo ornamento para colares.

Ainda assim, segundo Oliveira, os nativos costumavam evitar ao máximo o contato com outros povos. “Eles eram até pacíficos e bem tolerantes. Quando viram o chamado progresso chegando, em vez de nos atacar, eles partiram para uma grande área de mata fechada lá pelas bandas do Rio Ivaí, pra lá de Paraíso do Norte”, conta o pioneiro.

No pequeno livro “História e Memória de Paranavaí”, um lançamento póstumo de 1992, Ulrico Goevert lembrou dos episódios em que, não se sabe se por represália ou escassez de alimentos, os caiuás invadiram muitas roças da região para furtar milho e mandioca. “Era muito diferente daquela enaltecida raça com a qual o Karl May [um dos mais populares escritores alemães – criador de personagens heroicos como Mão de Ferro e Mão de Fogo] nos entusiasmou na adolescência”, queixou-se.

Em uma análise hermética e ocidentalizada, Goevert definiu os caiuás como figuras primitivas alheias à própria cultura. Ficou chocado nas diversas vezes em que os testemunhou comendo lesmas. “Não colocam mais em prática os conceitos morais e praticam a justiça por conta própria. E que mania eles têm de dormir a céu aberto. Não é de se admirar que tenham saúde tão precária”, reclamou em referência aos muitos que adoeceram e até morreram nos anos 1950 em decorrência da tuberculose. No entanto, é válido ressaltar que a doença chegou à região com migrantes e imigrantes.

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A idolatria e o culto de imagens nos anos 1950

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“Muitos participavam das missas porque era algo diferente dentro da monótona vida no mato”

Nos tempos de colonização, o apego aos santos chamou a atenção dos padres alemães (Foto: Ordem do Carmo)

A partir de 1950, autoridades religiosas que se mudaram para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, perceberam que milhares de moradores tinham o costume de endeusar imagens, principalmente de santos, colocando-os num patamar de deidade.

Sobre o perfil dos cristãos que viviam em Paranavaí, o padre alemão Alberto Foerst escreveu, em um artigo da edição número 10, do ano 21, da revista alemã Karmelstimmen, de 1954, que a maioria não sabia o real significado da palavra fé e ainda afirmou que havia muita ignorância no campo religioso local. “Muitos só participavam das missas porque se constituía em algo diferente dentro da monótona vida no mato”, comentou Foerst.

À época, os cristãos da cidade depositavam toda a fé em figuras de santos que variavam em formas, cores e tamanhos. Eram tratados de forma tão peculiar que chamava a atenção das autoridades religiosas que assumiam alguma missão em Paranavaí. “Os santos eram seus deuses. Após a missa, apareciam carregando todos os tipos de quadros de santos para serem bentos, talvez até pela décima vez”, relatou o padre alemão.

A relação dos cristãos locais com os santos era tão extrema e profunda que alguns destinavam um quarto da casa para as esculturas. As imagens eram tratadas com tanto esmero, inclusive havia quem passasse horas do dia cuidando da aparência do santo esculpido. “Tinha gente que acreditava que sua vida desabaria se o mesmo teto não pudesse ser dividido com aquela imagem”, destacou a pioneira paranaense Maria Neuza Constantino.

Ter a escultura de um santo em casa fazia as pessoas acreditarem que estavam seguras. Era como se a proximidade com as imagens afastasse tudo de ruim, principalmente as dificuldades da vida no campo, segundo o pioneiro catarinense José Matias Alencar. “Muitos se apegavam a isso como algo único e se afastavam de todo o resto. Se analisar bem, até de Deus, pois muita gente ia pra igreja para rezar ou conversar somente com os santos”, enfatizou.

Durante os anos em que viveu em Paranavaí, frei Alberto constatou que para a população Jesus Cristo e os santos eram iguais, sem qualquer diferença. “A Festa de Santo Antônio e de outros santos, por exemplo, era comemorada muito mais do que a Páscoa e Pentecostes. As procissões, se não fossem acompanhadas pelas imagens dos santos poderiam ser confundidas com um bloco de Carnaval”, ressaltou e lembrou que as comemorações eram acompanhadas de enorme quantidade de fogos lançados ao céu.

Um acontecimento inusitado no Povoado de Cristo Rei

Em 1954, o padre alemão Alberto Foerst foi a uma missão religiosa no Povoado de Cristo Rei, que pertencia a Paranavaí, onde as pessoas se referiam a Jesus Cristo da mesma maneira que se referiam aos santos. O que mais chamou a atenção do frei foi uma mãe que estava com o filho diante do altar do Cristo crucificado.

No local, a mulher percebeu o olhar curioso do filho e chamou-lhe a atenção. A mãe disse: “Olhe, filho, aquele ali lutou contra os poderosos, então bateram muito nele e ele sangrou. Mais tarde, se tornou um grande santo. Tome nota, meu filho: nunca brigue com os poderosos!”, recomendou a mulher em tom sério. Em seguida, a mãe do garoto complementou: “Pense neste que está deitado aí, senão assim acontecerá igualmente a você.”

Por essas e outras, o padre alemão explicou aos leitores da revista alemã Karmelstimmen que a ignorância religiosa em Paranavaí era muito grande porque a comunidade era formada na década de 1950 por uma maioria de pessoas que pouco ou quase nada sabiam a respeito do real significado do cristianismo.

Saiba Mais

Na década de 1950, o culto de imagens em Paranavaí, principalmente de santos, não era apenas um fator religioso, mas também cultural e tinha relação direta com o que os cristãos da cidade aprenderam com seus antepassados, independente do vínculo que tinham ou não com a Igreja Católica; À época, cerca de 95% da população local da época se considerava católica, conforme pesquisa da Ordem dos Carmelitas do Paraná.

O extremo culto de imagens só começou a perder forças em Paranavaí anos depois, com o trabalho desempenhado pelos padres da Paróquia São Sebastião e também com o surgimento das religiões protestantes. Por muito tempo, esta região viveu alheia às instituições religiosas, tanto que das décadas de 1920 até 1950 a maior parte da população demonstrava profundo apego as crenças que faziam a manutenção da fé a partir de conceitos baseados no conhecimento empírico e não no estudo formal religioso.

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“Alguns nem conheciam dinheiro”

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Trabalhadores rurais eram explorados em Paranavaí nos anos 1950

Paranavaí no tempo da exploração de colonos (Acervo: Fundação Cultural)

Em publicação alemã, o padre alemão Alberto Foerst revelou que na época da colonização havia tantos trabalhadores rurais ingênuos em Paranavaí, no Noroeste Paranaense, que alguns nem conheciam dinheiro. Muitos estavam acostumados a uma relação de subserviência em que trabalhavam em troca de comida e moradia.

No artigo intitulado “Die Stimme Der Mission”, publicado em outubro de 1954 na revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera, o frei Alberto Foerst abordou, entre outros assuntos, as desigualdades sociais e a exploração do trabalho rural, problemas que já assolavam Paranavaí naquele tempo. Segundo Foerst, na década de 1950, muitos dos que chegavam a Paranavaí para trabalhar vinham das regiões Norte e Nordeste. “Eram pobres, não sabiam ler, escrever e trabalhavam nas fazendas. A maioria era explorada pelos fazendeiros, a quem a terra pertencia. Alguns trabalhadores nem conheciam dinheiro”, confidenciou o padre alemão.

Foerst se surpreendeu durante as missões que empreendeu em Paranavaí ao se deparar com pessoas trabalhando em troca de alimento e um lugar para morar. Eram seres humanos alheios ao seu próprio tempo e realidade, dispersos em um universo que já se alinhava mais às impossibilidades do que a concretização dos sonhos de prosperidade. “Às vezes, faltava até o que comer, mesmo o peão se matando no serviço. Havia muita gente inocente na roça que não sabia o valor do seu trabalho. Os donos das terras os enganavam com facilidade”, relatou o pioneiro Sátiro Dias de Melo.

Caso os trabalhadores reclamassem das condições de trabalho poderiam ser lesados de alguma maneira. Segundo Melo, se o colono decidisse denunciar a situação à polícia, o fazendeiro encontrava meios de “justificar” que o trabalhador estava em débito, inventando dívidas, relatos de prejuízos, entre outras mentiras. “A pessoa não tinha pra onde correr, pois já valia mais a palavra de um rico do que de um pobre”, frisou o pioneiro, acrescentando que ao retornar à fazenda o colono podia ser castigado e depois mandado embora.

Fazendeiros mandavam espancar colonos

Não foram poucos os colonos que caíram nas artimanhas dos latifundiários de Paranavaí durante a colonização. Com a promessa de resolver a situação, o fazendeiro mandava chamar o empregado para conversar. Longe dos colegas de trabalho, a vítima era levada a um celeiro ou algum outro ambiente ermo. Lá, pediam para esperar o patrão.

O colono ficava apreensivo, mas nem tinha ideia do que o aguardava. Pouco tempo depois, retornavam pelo menos dois jagunços em direções diferentes para evitar que o trabalhador rural fugisse. Um deles imobilizava o homem enquanto o outro o açoitava com um rebenque. Quando o colono perdia as forças e caía no chão, ainda era atingido com socos e pontapés, até perder os sentidos e desmaiar.

“Tive amigos e colegas que passaram por isso. Alguns sumiram de Paranavaí e nunca mais voltaram. Muita gente sofreu com toda essa violência”, comentou o pioneiro Sátiro Dias de Melo. Ninguém tinha coragem de denunciar, pois o medo de que algo acontecesse aos familiares era muito grande. O pioneiro confidenciou que determinados proprietários rurais tinham tanto poder que eram capazes de transformar um homicídio em um acidente de trabalho.

Em 1954, Paranavaí já era habitada por uma legião de migrantes miseráveis, pessoas simples, ingênuas e ignorantes. Uma parcela ainda acreditava na chance de ter uma vida melhor. Era o grande sonho dos colonos, segundo Melo. “Esses eram aqueles que viviam no mato e nada sabiam sobre o mundo”, declarou o padre alemão que disse ter enxergado nos colonos de Paranavaí uma candura que até então nunca tinha visto em nenhum outro povo, nem mesmo o europeu.

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A importância do avião nos anos 1950

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Precariedade das vias popularizou o avião em Paranavaí

Viagens terrestres eram muito desgastantes nos anos 1950 (Foto: Reprodução)

No início dos anos 1950, o avião se transformou em um dos principais meios de transporte de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, por causa da precariedade das vias. À época, toda semana, muitos voos partiam do antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), para os mais diversos destinos.

Hoje não há registros que informem com exatidão quantos voos eram realizados por semana em Paranavaí nos anos 1950. No entanto, estima-se que as viagens aéreas ocorriam diariamente no antigo Aeroporto Edu Chaves. “Por volta de 1953, isso já acontecia bastante. Não era assim o ano todo, mas tinha época que os aviões partiam de Paranavaí todos os dias. Era gente indo pra Londrina, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, pra todo lugar”, afirmou o pioneiro cearense João Mariano, acrescentando que os aviões eram modestos, monomotores e até bimotores, mas cumpriam muito bem o trajeto.

Por causa da precariedade das estradas que faziam o carro balançar durante todo o trajeto, levando passageiros a sentirem-se mal,  muitos optavam por viajar de avião. “Naquele tempo, o avião era muito popular, então uma viagem não era nada cara, era relativamente barata”, disse Mariano.

O padre alemão Henrique Wunderlich escreveu em uma carta à revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera, publicada em 20 de maio de 1953, que se surpreendeu com a facilidade em encontrar campos de aviação na região de Paranavaí. “Normalmente o aeroporto se resumia a uma pista para pouso e outra para decolagem e tinha pouco mais de um quilômetro de comprimento”, relatou, acrescentando que onde ainda não havia um campo de aviação, logo trataram de construir.

Henrique Wunderlich teve a ideia de criar um avião

Os aeroportos se resumiam a grandes campos com gramados ou apenas barro, sempre ladeados por terrenos ondulados. Segundo Wunderlich, muita gente dependia dos aviões, inclusive os padres da Paróquia São Sebastião. “O avião era uma necessidade primária para quem precisava viajar muito”, comentou João Mariano.

Na carta à revista alemã, Frei Henrique frisou que as viagens de carro eram muito desgastantes e os longos caminhos a serem percorridos em estradas ruins eram por vezes desanimadores. “Além disso, o vento e os violentos aguaceiros já tinham dado início ao processo de erosão do solo”, revelou. Por esses motivos, e como a Paróquia São Sebastião não tinha dinheiro para investir sequer na compra de um monomotor, o padre teve a ideia de criar um avião.

Wunderlich, que também era paraquedista e piloto, frequentou a Escola de Aviação Alemã durante a Segunda Guerra Mundial e trouxe a Paranavaí um projeto de um avião. “Também quis realizar este sonho para entusiasmar o povo da cidade”, admitiu o padre que pretendia dispor o veículo à população. Infelizmente, por causa de outros compromissos, Henrique Wunderlich não teve tempo de criar o avião porque precisou retornar à Alemanha em 1957.

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A perspectiva alemã sobre Paranavaí

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“Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas”

Jacobus Beck escreveu sobre Paranavaí em 1952 (Foto: Ordem do Carmo)

Jacobus Beck escreveu sobre Paranavaí em 1952 (Foto: Ordem do Carmo)

O padre provincial alemão Jacobus Beck veio a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em fevereiro de 1952 para conhecer o trabalho do frei Ulrico Goevert, responsável pela Paróquia São Sebastião. Na então colônia, Beck se surpreendeu e se identificou com alguns costumes. No mesmo ano, a experiência de três semanas foi registrada em várias edições da revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera.

A curta passagem de Beck não permitiu que ele aprendesse a língua portuguesa. Por isso, pode-se dizer que o frei alemão está entre os padres germânicos que vieram a Paranavaí nos anos 1950 e não tiveram tempo de ter um profundo contato com a cultura dos moradores da colônia, fossem brasileiros ou estrangeiros. O fato fato foi o diferencial nos artigos publicados na Karmelstimmen, sob o título de “Meine Reise Nach Brasilien“.

Era um sábado, 9 de fevereiro de 1952, quando Jacobus Beck sobrevoou o Noroeste do Paraná. Observou ao longe os campos cortados por imensos rios. “Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas. Mas foi só quando estávamos na região de Paranavaí que vi a mata virgem”, afirmou o alemão, acrescentando que tudo era tão belo que dava a impressão de que o céu se curvava diante do avião. Por volta do meio-dia, o padre se deparou com a colônia composta por um sem número de pequenas casas de madeira.

Logo o avião pousou no antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), ladeado por espessa mata primitiva. De lá, Beck pegou uma carona com o frei Ulrico Goevert em um jipe estadunidense. Foram para o centro da colônia, onde viviam mais de cinco mil pessoas. “Não era uma cidade ao modelo europeu com casas de pedras e ruas asfaltadas, mas também não lembrava nossas aldeias. As residências eram bem simples e remetiam às nossas barracas de feira. As vias pareciam os caminhos alemães que davam acesso aos areais”, comentou frei Jacobus.

O que chamou a atenção do alemão na Colônia Paranavaí foi a ordem e a limpeza, além da facilidade em se adquirir bens de consumo. De acordo com Beck, o povoado contava com muitos locais de lazer, carros e caminhões. “Isso já me lembrou a Alemanha, o tráfego dos veículos, os barulhos dos que vinham e dos que iam pelas ruas esburacadas”, frisou, rememorando que em 1952 três novas casas eram construídas por semana em Paranavaí. O padre também percebeu que a agricultura na colônia era voltada principalmente para a produção de café, algodão, arroz e milho.

“A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem”

Jacobus Beck estranhou o fato de não ter encontrado batata no povoado, um dos principais alimentos da culinária germânica. “Em Paranavaí se consumia a mandioca, uma hortaliça de raiz grossa que tem gosto e uso equivalente ao da batatinha”, avaliou o alemão que se surpreendeu com o tamanho do gado bovino criado na colônia, bem maior do que os animais alemães.

Nas passagens pelos pomares locais, entre as frutas tropicais que Beck experimentou e aprovou estavam banana, abacaxi, limão e figo. “A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem. Estava sendo trabalhado pelas mãos humanas pela primeira vez, então tinha uma umidade inacreditável. Apesar do calor tropical, chovia muito e acho que a proximidade com muitos rios e riachos ajudava”, enfatizou.

De acordo com o padre, o solo e as condições climáticas eram os principais fatores que atraíam tanta gente a Paranavaí. Havia brasileiros de outras regiões, europeus e japoneses. “Não cheguei a presenciar nenhum caso de racismo. Acho que todos viviam pacificamente”, destacou o frei que estranhou a maneira como a população local o cumprimentou, com abraços e tapas nas costas, embora admitiu que se acostumou.

O padre diante da imensidão do Rio Paraná no Porto São José (Acervo: Ordem do Carmo)

Na Casa Paroquial, no quarto onde Jacobus Beck foi hospedado, o padre imaginou que encontraria janelas com vidraças e cortinas, ao melhor estilo alemão. “Foi uma procura em vão. Só havia uma grande abertura na parede e que era fechada à noite com janelas feitas de tábuas. Dormia na própria sacristia, com morcegos e camundongos “, ressaltou em tom bem humorado.

A hospitalidade dos moradores estava entre as melhores lembranças do frei. Segundo Beck, o que um tinha dividia com o outro. Além disso, os convidados de uma festa eram sempre tratados com muito carinho e atenção. “É claro que a maioria tinha pouco a oferecer, mas caso o agraciado não aceitasse, isso era entendido como uma ofensa”, observou.

“Ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras”

À época, os padres eram vistos como autoridades de suma importância, tanto que por onde passavam ficavam rodeados de pessoas, como numa feira, na analogia de Beck ao perceber que a figura do vigário era muito estimada pela população. Até mesmo em casos de dores de dente, as pessoas procuravam o padre para dar uma solução ao problema ou então ofertar uma bênção.

Nas muitas vezes que percorreu as estradas de Paranavaí, achou o trânsito bastante intenso, até mesmo nas estradas por onde jipes e caminhões trafegavam dia e noite. “Isso ocorria porque muita gente era levada para as fazendas na mata virgem”, justificou.

À revista alemã, Jacobus Beck discorreu sobre um episódio em que foram até a Fazenda Santa Lúcia (situada em área que hoje pertence a Marilena) pela estrada da Água do 14, entre Piracema e Guairaçá, e tiveram de percorrer dezenas de quilômetros de mata a bordo de um jipe. “Nas subidas e descidas, muitas vezes ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras. Chegamos a atravessar rios com o veículo. Encontramos animais selvagens, como répteis, e muitas plantações”, confidenciou o padre que enganou uma cascavel de cinco anos, com um metro e meio de comprimento, e cortou-lhe o guizo de cinco anéis para levar de lembrança à Alemanha.

Naquele tempo, às imediações do Rio Paraná, viviam um tenente e um pelotão de soldados do Exército Brasileiro dispersos por pequenas casas de madeira. Com eles, frei Ulrico e frei Jacobus tomaram chimarrão. O grupo era responsável por controlar as navegações fluviais, evitando contrabandos de produtos enviados à Argentina.

Curiosidades

Em artigo à revista alemã Karmelstimmen, Jacobus Beck escreveu que a mata primitiva que circundava o Rio Paraná era a maior floresta virgem do Brasil.

Nos anos 1950, por causa das dificuldades de tráfego, o avião era o meio de transporte mais usado pela população de Paranavaí, superando caminhões, jipes e carros.

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Um padre de muitos talentos

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Henrique Wunderlich: padre, pintor, escultor, marceneiro e carpinteiro

Frei Henrique criou dezenas de esculturas em Paranavaí (Acervo: Ordem do Carmo)

O frei alemão Henrique Wunderlich viveu em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, apenas cinco anos, mas foi tempo o suficiente para deixar marcas indeléveis na cultura e história local, a partir de seus trabalhos com pinturas, esculturas, marcenaria e carpintaria.

Hartwig Wunderlich, conhecido como Frei Henrique, chegou a Paranavaí em setembro de 1952 para prestar assistência ao padre alemão Ulrico Goevert, responsável pela paróquia local, que em maio do mesmo ano recebeu autorização do bispo para fundar a igreja matriz.  “Frei Henrique não era somente um padre, mas também excelente escultor, marceneiro e carpinteiro”, afirmou Goevert em publicação à revista alemã Karmelstimmen na década de 1950.

Wunderlich começou a mostrar suas qualidades artísticas em Paranavaí ajudando na construção da primeira Igreja São Sebastião, principalmente o altar-mor. À época, os dois padres tiveram de se desdobrar em engenheiros porque em Paranavaí não havia profissionais da área. O que exigiu bastante cautela, pois naquele tempo muitas igrejas tinham desmoronado na primeira tempestade, após construídas nas proporções erradas.

Frei Ulrico lembrou que não demorou para a igreja ficar pronta, apesar do árduo trabalho. Pouco tempo depois, Frei Henrique começou a lapidar um enorme pedaço de árvore para dar-lhe formas inimagináveis. Wunderlich, conhecido na Alemanha como um prolífico artista, logo que terminou o altar teve a ideia de criar um grande quadro de madeira com o símbolo da eucaristia. “Ele fez o peixe e o pão, e no mesmo estilo um cálice com hóstia nas portas do tabernáculo, além de uma enorme cruz atrás do altar”, declarou Goevert que se surpreendeu com o talento do frei em trabalhar com pranchas grossas e duras de madeira de marfim.

O padre se mostrou tão criativo em Paranavaí que desenvolveu métodos particulares de aplicação de tintas. De acordo com Frei Ulrico, primeiro, Wunderlich preparou uma talhadeira tipo cinzel e então esculpiu figuras e linhas na madeira. Frei Henrique preencheu tudo com tinta importada do Japão. “As gravações impediram que as cores se misturassem e logo tudo ficou belo e liso”, comentou Goevert que admitiu ter ficado maravilhado com os quadros de Wunderlich que mais pareciam mosaicos em madeira, tamanha a perfeição.

A população local também ficou extasiada com as criações de Frei Henrique. Não imaginavam que em Paranavaí havia um padre que ao mesmo tempo era um artista de exímias habilidades. O mais incrível é que Wunderlich criava muitas obras em questão de semanas. Uma das esculturas do frei que até hoje chama bastante atenção é a de Jesus pregado na cruz com uma feição carregada de saudade. “Como ele sentia muita falta da Alemanha acabou transmitindo isso ao crucificado”, revelou Frei Ulrico, citando a obra criada em 1953 e que pode ser vista no altar-mor da Igreja São Sebastião.

Uma das esculturas mais famosas da Igreja São Sebastião foi feita por Henrique Wunderlich (Foto: Ordem do Carmo)

Uma das esculturas mais famosas da Igreja São Sebastião foi feita por Henrique Wunderlich (Foto: Ordem do Carmo)

Outra peça do padre alemão muito lembrada pelos pioneiros de Paranavaí é o escudo dos carmelitas feito em madeira e que traz o lema da Ordem: “Zelo Zelatus Sum Pro Domino Deo Exercituum” que significa “Consome-me o zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos.” Também se destacam as pinturas da Santíssima Trindade e da Rosa Mística. “Esta foi pintada como um botão aberto de uma tenríssima rosa da qual nasce a divina criança”, disse Frei Ulrico, acrescentando que junto ao altar, em cima do livro com sete selos, Wunderlich lapidou a imagem de Jesus como o bom pelicano e também como o cordeiro de Deus.

Das peças que podem ser apreciadas ainda hoje, entre as dezenas de esculturas e pinturas que Henrique Wunderlich legou a Paranavaí, uma das que desperta mais curiosidade é a outra escultura de Jesus na cruz, situada na Paróquia São Sebastião. Quem o observa de frente não consegue ver seu rosto. O crucificado está cabisbaixo e com o cabelo tapando parcialmente o rosto em uma simbologia de tristeza e ao mesmo tempo compaixão pelo próximo.

Para conseguir enxergar Jesus com nitidez a pessoa precisa se ajoelhar. A intenção de Frei Henrique era transmitir a ideia de que diante de Jesus crucificado, o cristão deve se abaixar em ato de respeito e adoração. Wunderlich viveu em Paranavaí até 6 de dezembro de 1957, data em que foi enviado de volta à Alemanha para trabalhar nas paróquias de Fürth e Schlusselau, no Estado da Baviera. Ao se aposentar em 1993, Henrique Wunderlich retornou para a sua cidade natal, Kulmbach, também na Baviera, onde viveu até falecer em 18 de abril de 2000.

Curiosidade

Henrique Wunderlich foi soldado do Exército Alemão de 1939 a 1945.

O impasse de terras durante a colonização

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Uma propriedade era vendida diversas vezes a várias pessoas em Paranavaí

Ulrico Goevert: “Antes da região ser aberta, ninguém queria vir pra cá” (Acervo: Casa da Cultura)

Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, entre as décadas de 1930 a 1950, os conflitos por posses de terras não envolviam apenas grilagem, mas também negociações em que uma mesma propriedade era vendida ou doada diversas vezes a várias pessoas e em tempos distantes.

De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, o conflito normalmente surgia quando o proprietário encontrava a propriedade já habitada, o que significava que o imóvel foi vendido a outra pessoa. “O mais curioso é que os dois donos apresentavam documentos que comprovavam direitos sobre a mesma terra”, afirmou o padre alemão Ulrico Goevert em carta à revista alemã Karmelstimmen na década de 1950. Em alguns casos, o problema era resolvido amigavelmente. Em outros, só com o derramamento de sangue.

Não foram poucos os familiares de soldados reformados, combatentes da Guerra do Paraguai, ocorrida entre dezembro de 1864 e março de 1870, que apareceram em Paranavaí nas décadas de 1930 e 1950 para reclamar direitos sobre terras. Algumas escrituras eram tão antigas que foram assinadas pelo imperador Dom Pedro II entre os anos de 1871 e 1889. “Como o caixa imperial estava vazio, as tropas vencedoras foram pagas com terras legalmente documentadas”, frisou Goevert em publicação da Karmelstimmen em 1958.

Alguns proprietários não tinham recursos para investir na colonização (Acervo: Casa da Cultura)

Mas por que depois de décadas é que os primeiros proprietários apareceram para reclamar direitos de posse? A verdade é que muitos daqueles que foram beneficiados com propriedades em Paranavaí, inclusive soldados do Exército Brasileiro, não possuíam recursos financeiros para investir na colonização da área, além de outros que não tinham interesse em desmatar uma localidade que até então não era povoada.

“Antes da região ser aberta ninguém queria vir pra cá, mas depois apareceram proprietários com documentações do Século XIX. A situação se complicou porque o governo paranaense repassou as terras à colonizadoras que lotearam tudo e venderam pequenas parcelas aos colonos. Disso nasceu muita injustiça e revolta”, disse Goevert.

Em Paranavaí, também houve casos de pessoas que pagaram caro pelos imóveis e receberam documentos falsos. De acordo com o padre alemão, os problemas só começaram a ser resolvidos quando o Governo do Paraná enviou funcionários para lidarem com todas as situações envolvendo posse de terras. “Se alguém chegasse com documento antigo exigindo os seus direitos era estabelecido um acordo. Se a pessoa realmente quisesse aquela terra teria de pagar ao novo proprietário por todas as despesas com benfeitorias. Muitas vezes, a soma era tão alta que a pessoa desistia”, garantiu Ulrico Goevert.

Colonizadoras enganaram muita gente

Em publicação no periódico alemão em 1958, o padre também falou sobre as colonizadoras fraudulentas que ludibriaram muita gente. Algumas adquiriam glebas de pelo menos 20 mil alqueires e vendiam chácaras com 5 e 10 alqueires a preços abaixo do mercado. As negociações eram feitas em escritórios sediados em cidades bem distantes de Paranavaí, como São Paulo. “Muitos se interessavam apostando na especulação da terra. Então quando a propriedade já estava valorizada, o proprietário vinha conhecer o local e se deparava com pessoas já vivendo no seu imóvel”, destacou Goevert.

Colonizadoras enganaram muita gente em Paranavaí (Acervo: Casa da Cultura)

Quando o reclamante ia até a Inspetoria de Terras se informar sobre o problema, nada era feito. Sempre ouviam as seguintes palavras: “O senhor é só mais uma das vítimas desta colonizadora fraudulenta. Realmente teve azar.”

Entre os anos 1930 e 1950, nem todas as colonizadoras compraram terras, algumas as conseguiram após prestarem serviços ao Governo do Estado. Prática muito comum naquele tempo era a de aventureiros se embrenharem na mata virgem e percorrerem rios, realizando pesquisas topográficas sobre a região ao longo de meses. Encerrado o trabalho, o resultado era apresentado ao governador que em retribuição doava áreas de milhares de alqueires para o aventureiro colonizar.

Criminosos eram trazidos a Paranavaí

Os pioneiros perderam as contas de quantos refugiados e criminosos de outros Estados e países vieram a Paranavaí entre as décadas de 1920 e 1950. Não foram poucos os que mudaram de nome ao chegar à colônia, interessados em construir uma nova vida. “Também houve muitos que me confidenciaram terem praticado crimes hediondos. Mas eu não podia fazer nada, a não ser ajudá-los”, revelou o padre alemão Ulrico Goevert em publicação à revista alemã Karmelstimmen em 1958.

O cearense João Mariano lembrou que até a década de 1940, a mata primitiva de Paranavaí era muito usada pelo Governo Paranaense para despejar criminosos de alta periculosidade. “Até os anos 1950, jogaram muitos bandidos lá na região que hoje pertence a Nova Aliança do Ivaí, assim como em Querência do Norte. O Estado não queria mais gastar dinheiro com essa gente. Como a pessoa não tinha pra onde ir, no caso de sobreviver, o jeito era virar peão e se adequar à nova vida. Alguns ainda conseguiam trabalho como jagunços, pois eram bons no gatilho”, enfatizou Mariano.

Aqueles que preferiam manter o estilo de vida criminoso viviam somente o presente, sem se preocupar com o futuro. Por isso, muitos gastavam tudo que ganhavam com bebidas e orgias. “Quem vivia nesse mundo, mais cedo ou mais tarde, seguia essa sequência: roubo, morte e homicídio”, assinalou Goevert.

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Colonizadoras compravam terras a “preço de banana”

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Era possível comprar centenas de alqueires pelo preço de um hectare

Entre os anos 1920 e 1950, inúmeras colonizadoras compraram milhares de alqueires de terras a “preço de banana” na região de Paranavaí. Naquele tempo, a prática já era considerada como “negociação de valor simbólico”.

Colonizadores ganharam “rios de dinheiro” na região (Acervo: Casa da Cultura de Paranavaí)

O dinheiro usado hoje na compra de um hectare de terra na região de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, era o suficiente para a aquisição de uma área de centenas de alqueires de mata virgem nos tempos da colonização. “A única exigência do governo era que o colonizador se comprometesse em fundar uma colônia”, relatou o pioneiro e padre alemão Ulrico Goevert em texto publicado na revista alemã Karmelstimmen nos anos 1950.

O primeiro passo era enviar centenas de homens com traçadores e outras ferramentas para desmatarem a área tendo o suporte de caminhões e tratores. Segundo Goevert, a mata era derrubada e queimada, dando lugar a loteamentos e estradas. “A queimada era uma das piores partes, pois era demorada e atingia tudo em um raio de até quilômetros”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.

Rancho construído em Paranavaí na época da colonização (Acervo: Casa da Cultura de Paranavaí)

As colonizadoras mal começavam a investir na divulgação da venda de terras e logo estavam lucrando. “Se ganhava rios de dinheiro assim”, afirmou o padre, acrescentando que as pessoas que mais compravam lotes eram comerciantes e outros trabalhadores urbanos. Porém, com o tempo, a comercialização de terrenos estagnava, então os investidores autorizavam a doação de até 500 lotes.

Quem ganhava um imóvel assinava um documento se comprometendo a construir uma residência em um prazo médio de três meses, do contrário, perdia o direito de posse. “Esse tipo de especulação atraía muita gente. Entretanto, com o tempo, mais de 30% das casas foram abandonadas”, revelou Ulrico Goevert. Isso acontecia quando muitos não acreditavam na evolução da colônia, principalmente em função da má qualidade de vida.  As primeiras residências criadas pelos colonizadores se resumiam a ranchos, eram cobertas com tabuinhas.

Na região, as colonizadoras enviavam primeiro uma família de bom nível cultural e bem comunicativa, como estratégia para atrair novos moradores. Era uma prática bastante eficaz na região de Paranavaí e que serviu para conquistar o interesse de milhares de pessoas. “Essa família também se responsabilizava pelo desbravamento e pelas queimadas”, disse o padre.

Com o tempo, mais de 30% das casas foram abandonadas (Acervo: Casa da Cultura de Paranavaí)

Quando a colônia já reunia centenas de famílias era deliberada a fixação de uma grande cruz em área que os moradores definiam como a ideal para a futura construção de uma igreja. Normalmente, a bênção da cruz e a celebração da primeira missa marcavam o início das atividades religiosas no povoado. “Tudo era feito com a presença do padre da paróquia ao qual o lugarejo pertencia. Era sob a sombra da grande cruz que a colônia se desenvolvia”, frisou Goevert. Segundo pioneiros, para a população, a cruz não era apenas um símbolo religioso, mas também de paz, confiança comunitária e cumplicidade.

As serrarias quase sempre surgiam após a fixação da cruz. Onde tal símbolo religioso se erguia havia uma legião de moradores crentes no desenvolvimento do povoado. De acordo com Ulrico Goevert, a serraria representava um marco para a colônia, pois logo desapareciam os primitivos ranchos que cediam espaço às belas casas de madeira. Semanas após a criação da marcenaria, o pároco retornava, reunia a comunidade e pedia para formarem uma comissão eclesial para a construção de uma capela ou igreja. “Era normal todos ajudarem nessa empreitada”, enfatizou o alemão.