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A (des)conhecida pobreza branca dos EUA
Gummo aborda a miséria e a defasagem intelectual dos chamados white trash
Personalidade do cinema marginal estadunidense, Harmony Korine lançou em 1997 um filme que chamou a atenção do mundo. Intitulado Gummo, o drama de caráter documental apresenta o universo perturbador e miserável dos brancos pobres dos EUA. São pessoas que vivem à margem da sociedade, conhecidas pejorativamente como white trash.
Gummo conta a história de Solomon (Jacob Reynolds) e Tummler (Nick Sutton), dois adolescentes de Xenia, Ohio, que ganham a vida matando gatos, depois vendidos a um restaurante chinês. A partir dos protagonistas, reféns da mediocridade humana, Korine mostra outros personagens, igualmente degradantes, em fragmentos bem estruturados e angustiantes.
Embora no decorrer do filme haja uma progressão de perspectivas e aberturas para contextualizações, o cineasta faz questão de destacar que os personagens estão fechados em um mundo minúsculo e peculiar, onde predominam os sentimentos coletivos de conformismo e desesperança. Em uma das cenas mais pesadas de Gummo, um jovem desempregado fala naturalmente sobre as possibilidades do suicídio enquanto a câmera se move com certa inquietação.
Harmony Korine explora isso como um desdobramento das consequências sociais da economia e da política estadunidense que há muito tempo priorizam as classes mais altas. E como resultado da falta de oportunidades, a pobreza intelectual é abordada de forma crua e ríspida, sem qualquer resquício de sentimentalismo. Há momentos em que os personagens dialogam aleatoriamente e com um vocabulário tão limitado, falho e errado que beira ao nonsense.
Para quem está acostumado a acompanhar apenas a cultura cinematográfica de Hollywood, é difícil acreditar que o filme de Korine se passa nos EUA, pois abre as portas de um universo tão marginalizado e nauseante quanto as periferias das nações mais pobres do Terceiro Mundo. Em Gummo, o conceito de beleza é distorcido pelo referencial de proximidade. Os habitantes desse universo particular aprendem, por força da convivência, a admirar o feio, o que é enaltecido pelas tomadas com lentes objetivas de grande-angular.
Duas cenas representam com precisão e minimalismo o objetivo do autor. Na primeira, um mundo caótico é representado pela natureza por meio de um tornado. Na segunda, a desordem no interior da casa de Solomon ressalta o caos humano. Ou seja, em grande ou pequena proporção, nada naquele universo aspira à civilidade. Com exceção da atriz Chloe Sevigny, o filme tem um elenco formado por desconhecidos, até mesmo atores amadores e pessoas comuns, o que faz o autor ultrapassar as barreiras do cinema tradicional para estreitar a relação com a realidade.
Harmony Korine mistura ficção, documentário e videoarte numa produção baseada em filmagens que exploram desde equipamentos profissionais até os mais compactos e domésticos. Quem sabe, uma referência ao Dogma 95 do dinamarquês Lars Von Trier. Há ainda algumas quebras de movimentos propondo rupturas de contexto. Exemplos são as situações em que vídeos são substituídos por fotos, neutralizando a ação da trama e apresentando um panorama mais descritivo.
Outro elemento interessante de Gummo é a trilha sonora que capta a essência de cada cena, migrando do campo claro ao ruidoso, sustentada em composições de músicos dos gêneros clássico, bluegrass, folk, powerviolence, stoner rock e metal extremo. Apesar de ainda ser um cineasta pouco conhecido no Brasil, Harmony Korine começou a ganhar espaço no cinema estadunidense muito cedo. Em 1994, aos 21 anos, escreveu o roteiro do filme Kids, do cineasta Larry Clark, que obteve grande sucesso de crítica e público.