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A Pós-História e a morte de Deus
Quando o homem deixou de ver o outro como semelhante
Deus foi referência inquestionável para o homem até o momento que a astronomia surgiu, despedaçando o céu – simbólico paraíso etéreo. Com isso a relação litúrgica e religiosa semeada pelas denotações “irmão” e “próximo” tornou-se, no âmago social, anacrônica. A ciência incitou no homem a necessidade de refletir sobre o sentido da vida, despertando o embate entre Deus e Ciência; um conflito virulento na cultura ocidental, composta estritamente por uma maioria que jamais observou o mundo sob aspectos que envolvem dicotomia ou dualidade.
É mais simples encarar a realidade como única e inquestionável, respaldada pela convicção no Paraíso do Éden. Bom, trata-de algo posteriormente questionado, de modo mordaz, em estudos metafísicos que se tornaram grande alegoria da descrença. São muitas as obras que fazem romper a tênue e frágil linha entre sobriedade e insânia. Um exemplo proeminente é o trabalho do renomado e controverso filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche que viveu os seus últimos onze anos de vida em manicômios.
Mas, se ainda vivesse, Nietzsche provavelmente concordaria que na contemporaneidade o homem raras vezes observa o mundo como um arcabouço de semelhantes. Sim! O outro se tornou apenas mais um ser habitando o plano terreno. Mesmo assim a desestruturação social ainda é evitada, quem sabe em virtude dos direitos do homem. Deus é morto todos os dias em nome da Ciência, como dizia o filósofo tcheco Vilém Flusser, responsável pela criação da denominação Pós-História – período em que o homem se afasta da imagem de Deus para se reestruturar novamente, como se recriasse uma outra história, paralela a até então vivenciada.
Em meio a tudo isso, surge ainda o Caos Organizador do filósofo francês Gilles Lipovetsky que usa o termo para definir a intrínseca relação entre o progresso e o regresso na hipermodernidade. Nesse contexto, o homem tende a resgatar valores e comportamentos de seus antepassados, principalmente conceitos de vida empíricos e míticos. Tenta se afastar paulatinamente da tecnologia que o escravizou, tornando-o sedentário e atribuindo-lhe características sub-humanas. Realmente, tantos bens de consumo são, de fato, mecanismos responsáveis por facilitar a vida humana?
Nunca o foram, pois o papel da Indústria Cultural é simplesmente falsear a ideia da necessidade. Infelizmente a maioria não se vê como refém das criações supérfluas, algo que acontece em razão do homem do ser se tornar o homem do ter. Hoje, a máquina, até “caricaturável”, signo-mor da tecnologia, é tão determinante na vida do homem que o amedronta. Em vez do progresso nos dar respostas e confiabilidade a respeito do futuro, nos torna mais confusos; sofremos com incessantes males psicológicos. O ser humano se deprime com facilidade e passa a ter, mais do que nunca, receio das grandes doenças da atualidade. O progresso, por vezes, leva ao suicídio.
O temor o estimula a resgatar antigas crenças; tudo aquilo que servia de base à existência. O homem se afasta da tecnologia para alcançar o conforto que jamais foi propiciado pela industrialização. Convicções arcaicas e obsoletas são resgatadas todos os dias. Por quê? Porque a natureza admite a necessidade do equilíbrio. O crescente aumento tecnológico engrandece o medo. Na atualidade, em âmbito academicista, principalmente europeu e norte-americano, fala-se muito da hiperponografia; a extrema exposição à sexualidade que cresce a cada dia na internet. Porém este é um assunto à parte.
O futuro é incerto, pois a individualização do homem aumenta a cada dia, tornando-o ainda mais frágil e inapto ao convívio social. Antes de sua morte, o velho Flusser propôs a continuidade do progresso, sem esquecer de driblar os desequilíbrios aos quais o sistema que envolve todos os seres humanos está exposto. Afinal, a realidade manufatureira é infindável, elemento intrínseco desse período – a Pós-História.
A revolução musical da Usina de Energia
Kraftwerk, a banda mais influente da industrial music
Düsseldorf, Alemanha, às margens do Reno, foi onde em 1970 surgiu a banda mais influente de todos os tempos no cenário da música eletrônica com ramificações na industrial music, synthpop e dance music: a Usina de Energia, Kraftwerk, que fez uma revolução musical estendida pelo mundo todo ao longo de décadas.
O grupo estimulou o surgimento de milhares de bandas que inspiradas na independência autoral dos precursores do Krautrock, movimento de música experimental alemã, começaram a interpretar a música e o mercado fonográfico sob uma perspectiva mais moderna, que não se abatia pelas restrições e sanções econômicas surgidas com a Guerra Fria.
De um pequeno estúdio em Colônia, na Renânia, Florian Schneider, Ralf Hütter, Wolfgang Flür e Karl Bartos extraíam composições que como cascatas de timbres alusivos à vida moderna versavam sobre a desconstrução humana no pós-guerra, a sujeição ao consumismo e a distorção de valores estéticos, como o kitsch, embora nem sempre atrelados à Indústria Cultural. Iam além e recriavam amores eletrônicos em belos universos desconexos com seus sintetizadores e outros equipamentos analógicos que a própria banda inventava ou personalizava.
Já dizia Florian Schneider na inesquecível Das Modell: “Ela é tão bela que por sua beleza teremos de pagar.” Kraftwerk fez muito sucesso pela genialidade em unir criatividade, até mesmo se tratando dos figurinos, perspectivas e prognósticos sobre o homem do futuro, deixando um legado musical que inclui obras primas como Autobahn, de 1974, e a trilogia Radio-Activity, Trans-Europe Express e The Man Machine, de 1975, 1977 e 1978. Kraftwerk é um exemplo de que há mais profundidade na música industrial/eletrônica do que se imagina. Claro, mas não é algo aplicado a todas as bandas e subgêneros vinculados.