David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Laranjando

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Pintura: Leah Saulnier

Havia um pequeno pé de laranja, onde sempre serenava. Cutucava uma laranja e ela caía rolando sobre o peito. A cheirava, acidoce, e se servia, comia. Antes, raspava as cascas com um punhal e as deitava sobre a terra. Desapareciam com a aragem, ou eram sorvidas pela umidade do solo. Fazia como seu pai, seu avô, seu bisavô. A terra reagia, será que agradecia? Ninguém sabia, mas sempre que anoitecia o solo matizado reluzia, e a terra lavrada persistia insubordinada à luz do dia.

Written by David Arioch

August 28th, 2018 at 1:07 am

Seis meses vendendo crack e morando na zona

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“Tinha cara que nem ia na zona pra transar. Só queria a mulherada em volta e fumando com ele”

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“A cada cinco pedras vendidas [ao custo de R$ 5 por unidade], o lucro de três pode ficar pra você”, prometeu (Foto: Reprodução)

Dantão conheceu a zona por causa de uma mulher. Ela chegou um dia na sua casa na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, e o encontrou dormindo depois de cheirar meio litro de cola de sapateiro. Sem ocupação, sem dinheiro e vivendo na miséria, não pensou duas vezes antes de reunir os “trapos” dentro de uma sacola e partir para uma casa de prostituição que funcionava em uma chácara no Jardim São Jorge.

Ainda “noiado”, não tinha certeza de onde estava ou o que faria. Apelidado de Monstrão, foi colocado para trabalhar na portaria do bordel. Ganhava R$ 25 por noite e se tornou o xodó da mulherada com seu jeito remansoso e paradoxalmente enérgico de impedir conflitos entre desordeiros. “Eu não era casado, nem nada. Me sentia em casa morando na zona com aquela mulherada avulsa. Se tivesse striptease, eu chegava junto pra não deixar os folgados tocarem nas moças”, conta.

A dona da casa gostou tanto de Dantão que permitiu que ele trouxesse o que quisesse da velha moradia. Depois da meia-noite “trombava” com advogados, juízes, promotores, políticos, médicos e empresários. “Era tudo da alta sociedade. Até dono de usina, agroindustrial. Eu começava às 19h e ia até 7h, 8h da manhã”, afirma. Em dia de grande movimentação, a casa disponibilizava de 25 a 30 moças com faixa etária de 18 a 30 anos. “A maioria dizia que vivia naquela vida porque não conhecia outra coisa. Uma me falou que não via a hora de arrumar um homem sério pra cuidar dela e dos filhos”, relata.

Algumas moças sofriam de depressão e choravam alegando que não aguentavam mais viver se prostituindo. “Dava dó. E eu entendia isso porque sei o que é não ter oportunidade. Quem vem de baixo normalmente passa a vida vendo os outros virando as costas pra você”, declara. Quando havia discussão por causa de mulher, o rapaz entrava no meio e discursava: “Quem tem mais dinheiro fica com a moça. O nome daqui é zona, então leva quem tem mais.”

Após dois meses no prostíbulo, Dantão foi abordado por um traficante. A princípio não quis se envolver, até que o homem o convidou para fumar crack e sugeriu que ele vendesse algumas pedras só para “sentir o gosto da coisa”. Depois de uma nova conversa foi convencido a entrar no negócio.

“A cada cinco pedras vendidas [ao custo de R$ 5 por unidade], o lucro de três pode ficar pra você”, prometeu. Empolgado, Dantão pegava 200 e até 300 pedras nos dias de grande demanda. “Eu só vivia lá dentro. Nunca saía pra nada. Rapidinho fiquei famoso entre os frequentadores da zona que buscavam mais do que sexo. Era tudo nego do dinheiro. Numa noite um dono de usina chegou com R$ 5 mil e foi embora liso”, narra.

No entanto, conforme as vendas aumentavam, a parcela de lucro de Dantão seguia na contramão, caindo. “Arrastava até três mil reais numa noite e o patrão ficava com quase tudo. Pra mim sobrava uns R$ 500, R$ 600. Mas é sempre assim. Patrão não se mata, quem se mata são os laranjas e os mulas. Ele só administra e manda. Quem se fode e corre risco é você”, desabafa.

Para piorar, Dantão conheceu uma loira e ex-detenta que veio de outra cidade para trabalhar na zona. Os dois se envolveram e o rapaz acabou viciado em crack. “Comecei a fumar pedra direto com ela, toda noite. Ela sempre queria fumar com os clientes, até que um dia foi embora e nunca mais a vi”, enfatiza.

Ao longo de oito meses morando na zona e seis meses comercializando crack, Dantão perdeu as contas de quantos homens chegaram pedindo 50 a 60 pedras de crack para fumarem nos quartos. “Tinha cara que nem ia na zona pra transar. Só queria a mulherada em volta e fumando com ele, até porque a pedra corta o tesão do homem. Lembro de um magnata aí pra quem servi 100 pedras numa noite. Ele fumou tudo com algumas moças. E elas não podiam recusar porque mulher na zona acaba tendo que se submeter a tudo”, revela o rapaz que se afastou das drogas e hoje trabalha como servente de pedreiro.

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Sobre braços e laranjas

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Braços descascados, consequência do trabalho nos laranjais (Foto: David Arioch)

Braços descascados, consequência do trabalho nos laranjais (Foto: David Arioch)

Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o ex-morador de rua Jessé Piedade frequentemente ia com um companheiro até uma fazenda colher laranjas que mais tarde eram revendidas na área urbana.

Para se ter uma ideia de como os agrotóxicos usados nos laranjais são nocivos à saúde, decidi publicar uma foto dos braços de Jessé um dia depois da colheita.

No dia anterior, seus braços estavam extremamente vermelhos e a sua pele bem descascada. O questionei sobre o motivo dele não trabalhar com luvas e camiseta de manga longa “Tem mais gente que trabalha assim. É normal”, comentou sem velar a ingenuidade.

Written by David Arioch

January 21st, 2016 at 1:11 pm

Protestando com frutas e vegetais ou compras à brasileira

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Por pouco, o consumidor não descontou sua fúria na banca de brócolis

Por pouco, o consumidor não descontou sua fúria na banca de brócolis

Como parte do meu estilo de vida, vou ao mercado com frequência. E nessas minhas idas, sempre reparei que algumas histórias se repetem, embora com personagens diferentes. As mais inusitadas acontecem no setor de hortifruti. Certo dia, eu estava lá tranquilamente escolhendo algumas laranjas (priorizo as de casca mais lisa e as mais pesadas por ter aprendido empiricamente na infância que são as que contêm mais suco), quando escuto um homem chamando a atenção de um desconhecido e apontando para o preço da alface. “Nossa! Esses dias paguei 50 centavos mais barato. Isso é um absurdo! Não vou levar!”, alardeou com orgulho o homem, levantando o queixo e batendo as mãos sobre o apoio do carrinho. Parecia que tentava chamar atenção de outros clientes para um protesto em prol de uma alface alguns centavos mais barata.

Um ou dois minutos depois, o homem deu mais alguns passos, aproximou os olhos de uma bancada e lamentou enquanto limpava as espessas lentes dos óculos na gola da camisa. Dessa vez, a vítima era a fileira de brócolis com preço unitário de R$ 4,99. “Isso é o cúmulo! Consigo direto do produtor por cerca de R$ 2,50!”, falou em voz alta, num tom tão desafiador que parecia querer fazer murchar o firme pedúnculo floral do pobre vegetal.

Alguns dos repositores, preocupados em serem interrogados, tentavam desviar os olhos, fingir que não viam nada, mas nem todos escaparam ao olhar reprovador do homem. De vez em quando, o sujeito, talvez um aposentado, girava o corpo em 360 graus procurando uma motivação para continuar a investigação. Numa das arrastadas de sandálias, flagrou, talvez por um segundo, um repositor o observando. O rapaz estava terminando de alinhar uma modesta carga de caixinhas de morangos. Inquisidor, o homem olhou e sorriu com ironia. Sabia que por ser uma fruta de inverno, o morango o satisfaria em sua gana de se rebelar mais um pouco.

Quando se aproximou, uma das rodas do carrinho que empurrava travou. Tentou forçar mais um pouco e nada. Foi a salvação do repositor que se afastou e caminhou até o setor de frios. Até o imaginei fazendo o sinal da cruz pela satisfação em se livrar do temido cliente. Irritadiço, o homem deu um chute colocado na rodinha que logo voltou a circular, desalinhada e rangendo com sofreguidão. Já diante das caixinhas de morango, segurou uma e disse: “Cadê o resto dos morangos? Porque aqui dentro não deve ter nem dez!”, satirizou. Foi recompensado com alguns sorrisos tímidos da plateia que rodeava as bancas de verduras, legumes e frutas.

Acompanhei parte do trajeto do homem pelo setor. Lembro ainda que enquanto eu selecionava um pé de brócolis, o sujeito se revoltou contra o maracujá que para ele tinha um preço mais azedo que o sabor. “Meu Deus, onde vamos parar desse jeito? Maracujá é uma fruta que se acha até em quintal! É o fim da picada!”, protestou, referindo-se ao preço de pouco mais de R$ 6. Tentou dialogar com uma idosa que portava um aparelho de surdez e selecionava alguns limões, mas foi em vão. Ela não entendeu o que ele disse.

Quando saí daquele setor, não vi mais o homem por um bom tempo, até que depois o encontrei logo atrás de mim em uma fila do caixa. Percebi que realmente fez valer o seu protesto. No interior do carrinho do sujeito não havia nenhuma fruta, legume ou verdura, mas sim caixas de cerveja em lata, algumas garrafas de destilados e quantidades surpreendentes de salame, bacon e toucinho. Ah! Antes que me esqueça! Quando fui até o setor de produtos de limpeza, cortei caminho pelo departamento de bebidas e o vi silencioso e contido. Sem olhar preços, simplesmente posicionou os produtos no interior do carrinho.

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A poesia visual da neblina

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Em Paranavaí, a paisagem noturna foi tomada por uma gradativa neblina que cobriu praticamente todo o perímetro urbano. O nevoeiro trouxe preocupação aos motoristas. Em contraponto, os moradores se beneficiaram de rara beleza soturna. Em contato com a iluminação artificial, a condensação de água evaporada, que originou nuvens próximas ao solo, criou a poética ilusão de “pincelar” toda a cidade com sutis tons de laranja.

Domingo, 26 de julho de 2009.

Jardim Iguaçu (Foto: David Arioch)

Jardim Iguaçu (Foto: David Arioch)

Jardim Oásis (Foto: David Arioch)

Jardim Oásis (Foto: David Arioch)

Jardim Ouro Branco (Foto: David Arioch)

Jardim Ouro Branco (Foto: David Arioch)

Written by David Arioch

July 27th, 2009 at 1:08 am