David Arioch – Jornalismo Cultural

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Como surgiu o Colégio Paroquial

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Frei alemão Ulrico Goevert fundou a escola em 1952 

Objetivo do fundador era erradicar o anafalbetismo local (Acervo: Ordem do Carmo)

O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi fundado em Paranavaí em 1952 por iniciativa do frei alemão Ulrico Goevert que queria erradicar o analfabetismo local. Até 1952, o único espaço de alfabetização era o Grupo Escolar de Paranavaí, atual Colégio Estadual Newton Guimarães, que teve como primeira diretora a professora Enira Moraes Ribeiro. “Me veio o pensamento de fundar uma escola paroquial. Convenci o Frei Estanislau [o pernambucano Agripino José de Souza] a fazer um exame de qualificação para dar aulas”, contou Frei Ulrico no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

A escola foi inaugurada em um velho barracão que passou por uma rápida reforma. Como não havia dinheiro para investir no colégio, tiveram de pedir tábuas emprestadas para a confecção das carteiras escolares. “Também eram usadas como mesas durante as festas”, confidenciou o padre que mais tarde recebeu uma intimação do inspetor de ensino do Estado do Paraná. Caso não construíssem um prédio novo, teriam a autorização de funcionamento revogada. Apesar das dificuldades, o frei alemão conseguiu atender a ordem do governo a tempo. Para isso, recebeu ajuda financeira da comunidade local e também da Ordem dos Carmelitas na Alemanha.

Escola iniciou atividades atendendo 220 alunos (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1952, antes do início das aulas, Frei Ulrico abriu matrículas para 220 alunos, divididos em quatro salas, duas para garotos e duas para garotas. Frei Estanislau era o responsável pela turma do primeiro ano primário. No começo, o trabalho na escola foi muito difícil, inclusive eram constantes as reclamações de pais de alunos que questionavam os métodos de ensino.

Após acompanhar algumas aulas de perto, o padre alemão percebeu que algumas professoras tinham influência negativa sobre os alunos, então as substituiu. “Frei Estanislau tinha um refinado talento para lidar com as crianças. Quem o ajudava nessa missão era a professora Irene Gomes Patriota que se encarregava das meninas”, lembrou Goevert.

Irene, que nasceu no Distrito de Angelin, em Garanhuns, Pernambuco, chegou a Paranavaí em 17 de novembro de 1944. Deixou a cidade em janeiro de 1963, quando seu pai Leodegário Gomes Patriota faleceu. Segundo Frei Ulrico, Irene Patriota foi uma das melhores professoras do Colégio Paroquial.

Prédio foi construído com ajuda da comunidade local e também da Alemanha (Acervo: Ordem do Carmo)

“Eu dava preferência para as professoras mais feias”

“Era difícil conseguir uma boa professora. Não me esqueço de uma que ia muito bem, mas conheceu um jovem engenheiro, se casaram e ela deixou a escola”, lamentou o padre que era muito exigente e não admitia que alguém lecionasse sem comprovar qualificação. A partir do acontecido, Frei Ulrico se tornou mais cauteloso. Optou por não aceitar mais belas professoras na escola. “Eu dava preferência para as mais feias, aquelas que ficaram noivas duas ou três vezes pelo menos”, frisou.

Em menos de cinco anos, a escola somou 600 estudantes e 18 professoras. “360 alunos estudavam de graça”, enfatizou o padre, acrescentando que as crianças do colégio tinham de ir à missa todos os sábados. “Às quartas-feiras, dávamos aulas de catequese para 1,4 mil crianças. Em cada turma, havia cerca de 500 crianças. Fui duramente criticado pelo frei Adalbert Deckert [padre provincial de Bamberg, no Estado alemão da Baviera], e com razão, pois eu não tinha como dar um tratamento individual a cada aluno”, admitiu Ulrico Goevert.

Uma das primeiras turmas do Paroquial (Acervo: Ordem do Carmo)

A primeira diretora do Colégio Nossa Senhora do Carmo foi Eugenia Araújo Rauen, a quem o Frei Ulrico chamava de “minha professorinha”. Eugenia assumiu a direção da escola, pois tinha cursado a Escola Normal do Instituto de Educação de Curitiba. “Como ela era funcionária da Secretaria de Agricultura, não podia dar expediente na Escola Paroquial, então só assinava os documentos”, revelou o padre.

Colégio Paroquial ficou em primeiro lugar no Paraná

Em 1956, o Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi eleito o melhor estabelecimento de ensino do Paraná após uma avaliação do nível de conhecimento dos estudantes. O primeiro lugar trouxe a Paranavaí o inspetor estadual de ensino, cargo que equivale hoje ao de Secretário Estadual de Educação, que fez questão de parabenizar o padre Ulrico Goevert.

O frei atribuiu o ótimo desempenho dos alunos ao trabalho da professora Rosa Akie Noguti, filha de imigrantes japoneses, que chegou a Paranavaí em 1953. “Uma boa professora diplomada. Em três anos, ela fez um progresso enorme com os estudantes”, avaliou o padre.

Estudantes do Paroquial ficaram em primeiro lugar no Paraná em 1956 (Acervo: Ordem do Carmo)

Nos primeiros anos, cada estudante do Colégio Paroquial pagava uma mensalidade de 30 cruzeiros. A quantia era o suficiente apenas para cobrir as despesas com seis professores. “Foi aí que me dei conta que se eu quisesse ter bons professores precisaria pagar mais, assim eu poderia exigir melhores resultados”, ponderou.

Jardim da Infância foi criado em 1954

Como havia muitas crianças em Paranavaí em 1954, o frei alemão Ulrico Goevert percebeu a necessidade de se criar um jardim de infância para oferecer educação e recreação aos menores. Sem dinheiro para investir em infraestrutura, o padre ampliou a igreja em sete metros, fez uma repartição e conseguiu doações de mesinhas e cadeiras. “Quem me ajudou foi Maria de Lourdes Gomes Patriota, uma idealista moça de 19 anos”, explicou o padre alemão.

Jardim da Infância que mais tarde foi anexado à Escola São Vicente de Paulo (Acervo: Ordem do Carmo)

Ao término da obra, o Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo recebeu matrículas de 40 crianças. Logo estavam com 60 e tiveram de construir uma nova escolinha para abrigar os alunos. O Jardim da Infância passou a funcionar na Quadra 77, na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Pará, onde é atualmente a casa das Irmãs Filhas da Caridade da Escola São Vicente de Paulo.

Alunos do Jardim da Infância participando do desfile de 7 de setembro (Acervo: Ordem do Carmo)

Entre os alunos que estudaram no Jardim da Infância, estava uma criança de três anos, conhecida como Alencarzinho, filho do advogado José de Alencar Furtado.

Certo dia, o garotinho teve um choque anafilático, não resistiu e faleceu. “Quando ele entrou em agonia, cantou ‘Ave, Ave, Ave Maria’ com a vozinha cada vez mais fraca, até dar o último suspiro. Ele aprendeu o canto no nosso Jardim da Infância”, destacou Frei Ulrico.

Saiba Mais

Em 1952, Paranavaí tinha um elevado índice de analfabetismo entre as crianças.

O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo recebeu licença oficial de funcionamento do Governo do Estado do Paraná em 17 de junho de 1956. O documento permitia que a escola oferecesse o nível primário de ensino. A licença para o ginasial foi conquistada em 22 de fevereiro de 1960.

Após a morte do pai, Leodegário Gomes Patriota em 17 de janeiro de 1962, a professora Irene Patriota se mudou para Curitiba. No dia 16 de outubro de 1970 deixou a capital e fixou residência em Apucarana, no Norte Central Paranaense.

Em 1954, escolinha já oferecia educação e recreação (Acervo: Ordem do Carmo)

A primeira professora do Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo, Maria de Lourdes Patriota, é irmã da professora Irene Patriota. Lourdes nasceu no dia 21 de janeiro de 1932 em Brejão, Pernambuco.

Em 1960, Maria de Lourdes e o marido, Jarbas Nogueira dos Santos, funcionário da Caixa Econômica Federal, deixaram Paranavaí. Se mudaram para Bandeirantes, no Norte Pioneiro Paranaense, onde viveram por um ano, até fixar residência em Apucarana. Desde 1983, Lourdes Patriota mora em Curitiba.

Em 1955, Rosa Akie Noguti, que nasceu em 10 de janeiro de 1934 em Vera Cruz, interior de São Paulo, assumiu o cargo de diretora do Colégio Paroquial, onde trabalhou até maio de 1960. Depois se casou com Paulo Fumio Watanabe e em 1978 se mudou para Curitiba.

José de Alencar Furtado era pai do deputado federal Heitor de Alencar Furtado, assassinado em 1982, que empresta o nome para a avenida mais importante de Paranavaí.

Written by David Arioch

November 7th, 2010 at 1:51 pm

Posted in História,Paranavaí,Pioneirismo

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A cruz que evitou uma tragédia

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Cruz da Igreja São Sebastião impediu desastre de avião

Cruz que serviu de referência para um piloto que se perdeu em Paranavaí (Acervo: Ordem do Carmo)

Em fevereiro de 1953, a cruz da Igreja São Sebastião, então situada no ponto mais alto de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, serviu de referência para um avião que sobrevoava a cidade, evitando assim uma tragédia.

Em maio de 1952, o bispo Dom Geraldo de Proença Sigaud, de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense, ciente de que a única igrejinha de Paranavaí não atendia mais a demanda populacional, autorizou o frei alemão Ulrico Goevert a construir uma igreja matriz. “Era um assunto de urgente necessidade”, afirmou o padre no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

Naquele tempo, a cidade tinha um cruzeiro que se situava na atual Avenida Distrito Federal, esquina com a Rua Antônio Felippe, em frente a igrejinha criada em 1944 e que foi ampliada. O cruzeiro fez parte do cotidiano da comunidade local até 1952, quando foi construída a igreja matriz. “Serramos os paus do cruzeiro e fizemos a nova cruz da torre da igreja com 25 metros de altura”, lembrou o pároco alemão.

No mesmo ano, a energia elétrica chegou a Paranavaí, então a cruz que ficava no topo da igreja recebeu iluminação pública pela primeira vez. “Até então quem fornecia energia elétrica para a igreja era o pioneiro Leodegário Gomes Patriota que tinha um gerador no Posto São Cristovão”, declarou frei Ulrico.

Frei Henrique relatou o fato para a revista alemã Karmelstimmen (Acervo: Ordem do Carmo)

A cruz não servia de alento apenas aos religiosos de Paranavaí, mas também para os pilotos que se perdiam quando o mau tempo prejudicava os voos. “A nossa cruz, iluminada no alto da torre da Igreja São Sebastião, já deu um excelente resultado. Numa noite, salvou a vida de três pessoas que viajavam de avião e atravessaram uma tempestade”, escreveu o padre alemão Henrique Wunderlich para a revista alemã Karmelstimmen em 9 de fevereiro de 1953.

O piloto, que hoje ninguém sabe de onde vinha e para onde ia, ao avistar a cruz reconheceu que o lugar era uma cidade e iniciou uma série de sinalizações, na expectativa de que alguém entendesse a mensagem visual e o socorresse. Todos os moradores que tinham carros, jipes ou caminhonetes foram até o campo de aviação, onde formaram duas filas luminosas com os faróis. Sem demora, o avião que estava quase sem combustível aterrissou em segurança. Na hora do desembarque, o piloto tirou o boné e disse: “Deus com sua cruz salvou nossas vidas.”

Frase do padre alemão Ulrico Goevert

“A cruz era o ponto mais alto de Paranavaí e aos seus pés estendeu-se a cidade.”

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O primeiro político eleito por Paranavaí

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 Otacílio Egger representou Paranavaí na Câmara Municipal de Mandaguari

Paranavaí quando ainda era distrito de Mandaguari (Acervo: Fundação Cultural)

O pioneiro Otacílio Egger foi o primeiro político eleito por Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Em dezembro de 1947, assumiu o cargo de vereador de Mandaguari, município do qual Paranavaí era distrito.

A campanha de Otacílio Egger, do Partido Social Democrata (PSD), foi baseada na popularidade e na idoneidade. O candidato era famoso por socorrer a população nos momentos mais difíceis. Nas eleições de 1947, para a escolha de prefeito e vereadores de Mandaguari, Paranavaí participou com 383 eleitores. Do total, muitos votaram em Otacílio Egger para vereador e Décio Medeiros Pullin para prefeito.

Segundo o pioneiro Ulisses Faria Bandeira, foi a primeira campanha política da comunidade, e a luta era contra o progresso de Maringá que tinha o apoio da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) que lançou a candidatura de Valdemar Cunha Gomes, conhecido como Barbudo. “Décio Pullin se elegeu e o nosso candidato Otacílio Egger também”, relatou Bandeira em entrevista ao jornalista Saul Bogoni décadas atrás.

Egger assumiu uma vaga na Câmara Municipal de Mandaguari em 13 de dezembro de 1947, cargo que ocupou até 10 de dezembro de 1951. A pioneira fluminense Palmira Egger, casada com Otacilio, contou em entrevista publicada no livro “História de Paranavaí”, de Paulo Marcelo, que o marido fez muito pela cidade.

“Quando aqui era nada, ficava ele e o Paulo Tereziano de Barros até de madrugada fazendo abaixo-assinado para mandar pra Curitiba. Pediam que viessem a Paranavaí abrir estradas e fazer pontes”, disse. Otacilio Egger foi uma das pessoas que mais lutou pelo desenvolvimento local até a década de 1970. No entanto, não foi devidamente reconhecido, tanto que é muito difícil encontrar pessoas que já tenham ouvido falar do pioneiro.

Como vereador, Egger viajava para Mandaguari duas vezes por semana, deixando Palmira com os dois filhos. “Não era fácil lidar com aquelas pessoas mal-encaradas. Todo dia tinha gente procurando meu marido e pedindo para legalizar chácaras, estradas, lotes e pontes”, desabafou a pioneira fluminense.

O pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, afirmou que Otacílio e Palmira eram as pessoas mais simpáticas da colônia. “Eram muito bons. O compadre Otacílio Egger sempre defendeu os nossos direitos. Uma vez até fizemos uma serenata pro Otacílio e pra Palmira em agradecimento”, frisou Palhacinho.

Egger foi o responsável por enviar ao prefeito de Mandaguari, Décio Pullin, um pedido para que formalizasse o nome do distrito como Paranavaí. Entre os moradores da colônia nos anos 1940 e 1950, há unanimidade em apontar Otacilio Egger como uma das autoridades mais importantes da história local.

Paranavaí parecia um cemitério

Os pioneiros Otacílio e Palmira Egger, acompanhados de dois filhos e uma empregada, deixaram o Estado do Rio de Janeiro e vieram para Paranavaí em 10 de março de 1945, quando conversaram com o pioneiro Rodrigo Ayres de Oliveira. “A fama da Fazenda Velha Brasileira [atual Paranavaí] não era nada boa. Os que estiveram aqui antes da gente fizeram muitos absurdos”, declarou Palmira.

A colônia parecia um cemitério quando os Egger fixaram residência no povoado. Não havia energia elétrica e ao anoitecer a escuridão tomava conta de tudo. “O local era horrível, só tinha gente atrasada e necessitada. Não existia, carne, pão e leite. Só melhorou depois de 1956”, assinalou Palmira. A realidade era tão difícil que a pioneira afirmou que nunca esperou que Paranavaí se tornasse o que é hoje.

“Quando chegamos aqui devia ter umas vinte casas e as ruas já estavam traçadas. Trouxemos cem mil contos de réis em mercadoria pra abrir uma casa de secos e molhados. Em seguida, compramos uma área de 96 alqueires em Paraíso do Norte e abrimos uma fazendinha”, assinalou Palmira. Naquele tempo, o comércio se resumia as casas comerciais dos pioneiros Carlos Faber, Leodegário Gomes Patriota e Joaquim Machado.

Alcides de Sordi também concorreu as eleições de 1947

O jovem Alcides de Sordi, presidente do diretório local da União Democrática Nacional (UDN), também concorreu ao cargo de vereador da Câmara Municipal de Mandaguari, assim como Otacílio Egger, nas eleições de 1947. Alcides fez oposição ao Partido Social Democrata (PSD), liderado pelo capitão Telmo Ribeiro, mas não obteve votos e nem apoio suficientes para ser eleito.

Saiba Mais

Otacílio Egger foi eleito vereador na primeira eleição municipal de Mandaguari.

O pioneiro nasceu em 16 de abril de 1911, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, e morreu em 31 de julho de 1974 em Paranavaí.

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A fome que chegou com a chuva

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População de Paranavaí passou fome durante longos períodos de chuva

16 dias de chuva castigaram a colônia (Foto: Reprodução)

Na década de 1940, quando chuvas torrenciais atingiam Paranavaí, no Noroeste do Paraná, por longos períodos, era difícil e até perigoso deixar o povoado. Nessas circunstâncias, a população era obrigada a lidar com a fome enquanto esperava o fim da chuva.

Uma das situações mais críticas vividas pelos pioneiros foi registrada em 1945, quando 16 dias de chuva castigaram a colônia. Ninguém imaginava que choveria tanto numa época em que não se tinha o hábito de manter uma despensa, nem mesmo para casos emergenciais.

Antes da chuva chegar ao fim, ninguém mais no povoado tinha o que comer em casa. E para piorar, era impossível deixar Paranavaí e buscar alimentos nas cidades ao Sul do estado. Além de não haver meios de transporte que aguentassem longas viagens, trafegar com veículos pequenos pelas íngremes estradas de chão era algo impensável. Além disso, o fato das vias serem estreitas e ladeadas pela mata só aumentava os riscos.

“Já era 1h da madrugada quando ouvimos o ronco de um caminhão. Foi uma surpresa pra todo mundo. Ninguém mais vinha pra cá fazia 16 dias, tanto que a gente estava sem nada. A comida já tinha até acabado”, lembrou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.

O som do caminhão na Rua Getúlio Vargas, no cruzamento com a Rua Marechal Cândido Rondon, fez todo mundo levantar da cama, acender os lampiões e correr para o centro da colônia. Quando chegaram lá e viram os faróis acesos, o empreiteiro Zeca Machado desceu do veículo e mostrou para a população toda a comida trazida de Curitiba. Além de mantimentos, Machado trouxe muitas verduras e legumes para abastecer Paranavaí.

“Todo mundo comprou tudo. Naquele tempo, era normal um dever para o outro porque a gente tinha o costume de emprestar açúcar, café e dali em diante”, destacou José Ferreira. Zeca Machado era o empreiteiro da Colônia Paranavaí e conhecia todas as estradas da região, até porque  muitas foram abertas por ele.

Machado viajava esporadicamente a Curitiba com um caminhão do Governo do Paraná para buscar alimentos, materiais de construção e outros produtos. “Mais tarde, o Zeca Machado abriu um armazém e começou a fornecer tudo que a população precisava”, destacou Palhacinho.

O pioneiro paulista Salatiel Loureiro afirmou que o empreiteiro foi o primeiro comerciante da colônia. “O Zeca começou com tudo, depois veio o Patriota, o Lindolfo e o Carlos Faber”, revelou.

Palhacinho dava carne de anta para a freguesia

Araújo: “Na minha pensão, cheguei a alimentar os clientes com carne de anta” (Foto: Reprodução)

Quem também ajudou a população em um longo período de chuvas foi o pioneiro Rodrigo Ayres que certa vez viajou até Marialva, no Norte Central Paranaense, para buscar uma carroça de mantimentos.

“A viagem durou 15 dias. Demos o dinheiro e ele trouxe tudo que pedimos. Pouco tempo depois, o Patriota [Leodegário Gomes Patriota] abriu um armazém e logo tivemos fartura. Nunca mais faltou comida”, relatou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho.

Ainda nos anos 1940, Araújo tinha uma pensão em Paranavaí e alimentava os clientes com carne de anta. “Eu mesmo que caçava lá na Água da Floresta e Tucano. Cozinhei muitas paneladas para dar ao pessoal. Depois melhorou e pude alimentar eles com carne seca e batata. Todo mundo comia contente. Ninguém saía daqui com fome”, declarou.

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O covarde assassinato de Alcides de Sordi

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Jovem idealista foi morto na entrada da delegacia com a conivência da polícia

Capitão Telmo assumiu autoria do assassinato de Alcides de Sordi (Foto: Reprodução)

Em 1947, o jovem Alcides de Sordi ficou conhecido em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, como defensor dos interesses dos mais pobres. No ano seguinte, por representar uma ameaça aos mais abastados, foi assassinado dentro da delegacia com a conivência das autoridades.

Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari quando houve um dos crimes mais polêmicos da história local, jamais esquecido pelos pioneiros: o homicídio de Alcides de Sordi, de 21 anos, membro da União Democrática Nacional (UDN). Alcides começou a chamar a atenção na colônia por ter uma participação política bastante ativa.

Naquele tempo, Paranavaí era administrada pelo marceneiro Hugo Doubek que depois foi transferido para Curitiba. “Na oportunidade, o Capitão Telmo Ribeiro decidiu colocar o João Carraro para assumir a inspetoria de terras”, lembrou o ex-prefeito Ulisses Faria Bandeira.

A partir daí, nasceu uma animosidade entre o capitão Telmo, membro do Partido Social Democrático (PSD), e o grupo político de Alcides que não concordava com a substituição, tanto é que realizaram um abaixo-assinado e colheram mais de cem assinaturas para tirar o novo inspetor do cargo.

A iniciativa surgiu quando Alcides de Sordi descobriu que Carraro estava dando terras de uma área conhecida como Água Nova para amigos do governador Moisés Lupion, com a conivência do engenheiro Alberto Gineste. João Carraro não aguentou a pressão e deixou a função pouco tempo depois.

Alcides aproveitou a oportunidade para entrar em contato com Hugo Doubek, o convencendo a reassumir o cargo em Paranavaí. Ao retornar de viagem, Telmo Ribeiro soube do acontecido. “Ele fez uma promessa de passar uma bala na cabeça do Alcides. Com medo, muita gente foi embora daqui”, relatou o pioneiro mineiro Arlindo Francisco Borges.

A polêmica sobre quem assumiria em definitivo o cargo de administrador do distrito durou mais de um mês, até que Doubek decidiu voltar para Curitiba. Então Alcides de Sordi fez um convite a Faria Bandeira para comandar a inspetoria. Ulisses Faria hesitou, mas depois aceitou. “Aqui dava medo porque o povo andava de carabina de dia e de noite”, revelou o pioneiro paraibano Cincinato Cassiano Silva.

Após alguns meses, a situação parecia normalizada e ninguém mais comentava sobre o conflito político. À época, Telmo Ribeiro, que representava o Governo do Paraná na colônia, teria tentado elevar o preço dos títulos de terras. “O alqueire custava 80 mil réis e ele quis aumentar para 500 mil. O Alcides achou que era muito dinheiro para o pessoal daqui, pois a maioria era pobre”, assinalou o pioneiro paulista João da Silva Franco, complementando que grande parte dos moradores de Paranavaí tinha condições de pagar no máximo 150 mil réis por alqueire. Indignado, de Sordi viajou até Curitiba para registrar uma queixa formal contra o capitão Telmo.

Telmo Ribeiro assume autoria do homicídio

No dia 12 de outubro de 1948, poucos dias depois de retornar de viagem, quando estava em casa plantando feijão, Alcides de Sordi recebeu um convite para ir até a delegacia conversar com o sargento Marcelino, a maior autoridade policial da colônia. “Falaram a ele que o sargento faria uma viagem e precisava que ele o substituísse por um tempo”, frisou João Franco.

Naquele dia, Cincinato Cassiano foi levar comida para o cunhado que estava trabalhando em uma chácara. No caminho, encontrou Alcides indo ao encontro do sargento. “Houve uma discussão na delegacia e quando o de Sordi estava saindo meteram-lhe uma bala pela nuca que varou pela testa”, enfatizou Arlindo Borges, acrescentando que a morte foi instantânea. Outros pioneiros dizem que o rapaz levou sete tiros e logo após o acontecido Telmo Ribeiro, Oscar Camargo e o engenheiro Alberto Gineste fugiram em um automóvel e se esconderam na Fazenda Tabajara, nas imediações de Guairaçá.

Especula-se que pouco antes do crime tenham pressionado Alcides para não se envolver mais com política. Além de Ribeiro, Camargo e Gineste, estavam José Francisco, o sargento Marcelino, os soldados Olívio e Francisco e o paraguaio Marciano. Há suspeitas de que Frutuoso Joaquim de Salles, o baixinho Idalécio e outros pioneiros não identificados estavam no local do assassinato. “Tudo foi preparado e quem estava lá sabia o que iria acontecer”, informou Franco. Mesmo após o assassinato, nenhuma das testemunhas saiu em defesa de Alcides.

Parte da população soube do crime durante cerimônia de crisma (Foto: Reprodução)

Naquele dia, o bispo de Jacarezinho, Dom Geraldo de Proença Sigaud, estava realizando uma cerimônia de crisma em Paranavaí. Durante a solenidade muita gente chorou pela morte do rapaz. Todos aqueles que eram do grupo político de Alcides de Sordi deixaram Paranavaí dias depois. “Quase cem pessoas foram embora, largando sítio e até família”, lembrou Borges.

O capitão Telmo Ribeiro assumiu a autoria do assassinato. Em primeira instância, foi condenado a doze anos de reclusão. Recorreu e foi absolvido em 10 de março de 1950. Ribeiro trabalhava para o governo paranaense e tinha grande influência política. Esperto e carismático, o capitão cultivava amizade com o ex-interventor federal Manoel Ribas e com o governador Moisés Lupion. “O Telmo assumiu, mas quem deu o primeiro tiro foi o engenheiro Alberto Gineste que viveu em Paranavaí até morrer de desgosto”, testemunhou João da Silva.

Franco lembrou que muita gente queria se juntar para matar Ribeiro. João de Sordi, pai de Alcides, não concordou. Disse que entregava a Deus porque acreditava que ele faria justiça. De acordo com a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger, homens armados percorreram a colônia o dia todo ao longo de 20 dias após o acontecido. Alguns pioneiros afirmaram que eram membros de um grupo conhecido como “Capa Preta” que simpatizava com Alcides de Sordi. “Isso assombrou a cidade”, ressaltou Palmira. Mais tarde, o fato fez com que Telmo Ribeiro se afastasse da política.

Saiba Mais

Em 1950, segundo relatos de pioneiros, o advogado Accioly Filho, deputado estadual pelo PSD, que representou o réu Telmo Ribeiro, expediu um boletim com as palavras: “…e assim senhores do Conselho de Sentença, em nome do Partido Social Democrático, eu vos peço que absolvam este nosso correligionário que se acha no banco dos réus, porque ele, embora seja um criminoso, é do governo.”

Curiosidade

Alcides de Sordi era filho do casal João de Sordi e Angela Locatelli de Sordi, de São José do Rio Pardo, interior paulista, que se mudaram para Paranavaí em 1947. O casal veio com o mesmo objetivo de outros pioneiros, proporcionar melhor qualidade de vida aos cinco filhos. Na colônia, o primeiro negócio da família foi a instalação de uma máquina beneficiadora de arroz.

Frases dos pioneiros sobre Alcides de Sordi

Enéias Tirapeli

“Coitado do rapaz, estava plantando feijão e mandaram chamar ele lá. Foi o maior tiroteio. Ele caiu morto perto da porta da cadeia. Foi por causa de política, ele era um rapaz muito bom.”

João da Silva Franco

“Alcides de Sordi era um rapaz muito bom, solteiro, humilde e inocente. O povo contava que achavam o Alcides competente para ser o administrador geral da colônia.”

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