Archive for the ‘liberdade’ tag
Há um documentário chamado “O Dia que Durou 21 anos”
Há um documentário chamado “O Dia que Durou 21 anos”, do Camilo Galli Tavares, de 2013, inclusive recomendo, que é sobre o período da ditadura militar. Nesse filme um general é questionado sobre como seria a implantação do “regime militar” hoje. Ele enfatiza que para fazer a ditadura acontecer não seria preciso matar, torturar ou violentar ninguém, já que vivemos na era da guerra da informação. O general deixa subentendido que a implantação desse “regime” seria feita de forma silenciosa, e com a conivência da própria população que, imersa em um cenário de dúvidas e descrença, não resistiria, muito pelo contrário, agradeceria; mesmo sem ponderar as implicações desse incentivo que custaria a democracia e a liberdade em diversos aspectos.
Elephant Haven, o primeiro santuário europeu para elefantes deve ficar pronto em agosto
A cada ano aumenta o número de países europeus contra o uso de animais em circos. Com isso, surge um dilema. Como garantir um lugar seguro para esses animais que não podem mais ser reintroduzidos na natureza depois de anos de abuso na indústria do entretenimento? Pensando nisso, organizações em defesa dos animais estão financiando a construção do Elephant Haven, o primeiro santuário europeu para elefantes.
Situado em uma área de 30 hectares na Nova Aquitânia, na França, o santuário deve ficar pronto em agosto. De acordo com o cofundador do Elephant Haven, Tony Verhulst, além de oferecer qualidade de vida aos elefantes, a segurança deles também é fundamental. Por isso, câmeras serão instaladas dentro e fora dos celeiros para garantir que os animais estejam recebendo todos os cuidados necessários.
“Os elefantes merecem um lugar feliz para viver o resto de suas vidas”, enfatiza Verhulst. Recentemente, a organização Proteção Animal Mundial fez uma doação de R$ 653 mil para o santuário. Após a inauguração, o local vai oferecer um horário específico para visitas, mas os visitantes só poderão observar os animais à distância.
O primeiro país europeu a banir o uso de animais em circos foi a Dinamarca após uma campanha endossada por mais de 50 mil defensores dos animais. O exemplo estimulou mais 14 países a trilharem o mesmo caminho. Atualmente a Proteção Animal Mundial estima que há mais de 100 elefantes sendo usados como entretenimento em países europeus que ainda não baniram a prática.
O Elephant Haven e seus parceiros têm dialogado em favor da libertação desses animais, principalmente considerando que há espaço para eles no santuário. “Esses elefantes tiveram uma vida inteira de sofrimento, sendo mantidos em cativeiro e forçados a enfrentar um treinamento cruel e intensivo”, lamenta o CEO da PAM, Steve McIvor.
Dono de mercado de peixes desiste de vender um polvo depois de perceber a inteligência do animal
Experiência brincando de “esconde-esconde” com um polvo em Fiji motivou o empresário a libertá-lo
Na semana passada, Giovanni DeGarimore, dono do mercado de peixes Giovanni’s, em Morro Bay, na Califórnia, mudou de ideia sobre a venda de um polvo depois de perceber a inteligência do animal, que provavelmente seria servido no jantar de alguém.
Em entrevista ao San Luis Obispo Tribune, DeGarimore comentou que há pouco tempo estava mergulhando em Fiji quando encontrou um polvo que “brincou com ele de esconde-esconde” por 15 minutos. Giovanni DeGarimore reconheceu que não poderia mais comercializar polvos, seres que qualificou como “magníficos e indiscutivelmente conscientes”.
O polvo de mais de 31 quilos chegou ao Giovanni’s em 14 de maio, recebeu o nome de Fred e passou alguns dias em um tanque antes de ser devolvido à natureza, um local seguro onde não corre o risco de ser capturado novamente.
Há anos a senciência e a inteligência dos polvos deixou de ser uma novidade. Em 2009, a Scientific American publicou o artigo “Are Octopus Smart?”, em que a pesquisadora e especialista em polvos Jennifer Mather explicou que polvos são seres inteligentes com capacidade de assimilar novas informações e usá-las em seu benefício.
“Os polvos participam de brincadeiras e têm personalidades distintas. O complexo ambiente dos recifes tropicais provavelmente ajudou a estimular sua inteligência. Há uma enorme variedade de situações, muitos tipos de presas, muitos predadores e, se você não for blindado, é melhor ser esperto”, informou Jennifer.
Quem sabe, no futuro Giovanni DeGarimore estenda essa empatia aos outros animais comercializados no Giovanni’s, quando descobrir que peixes também são seres sencientes, inteligentes e sociáveis, de acordo com a pesquisa “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, do professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sidney, publicada recentemente na revista Animal Cognition; e com o livro “Do Fish Feel Pain?” da bióloga Victoria Braithwaite, professora da Universidade Estadual da Pensilvânia.
Aos animais a liberdade
Sonhei que bilhões de animais criados para consumo no mundo todo escutavam isocronicamente um som jamais ouvido antes; um tipo de chamamento que fazia com que nada temessem, apenas reconhecessem a sua força em evidência por uma subitânea expansão da consciência.
Arrebentavam gaiolas, grades, correntes, atravessavam pastos e cidades. Se articulavam como nunca, como seres sociais que são. Fugiam de matadouros e laboratórios. Não podiam mais ser tocados, mas simplesmente observados. Aos seres humanos, incapazes de se moverem por um artifício romanesco, restava o direito e a obrigação de assistir tudo como meros espectadores.
A cada passo dos sobreviventes em direção à vida, os seres humanos eram presenteados com flashes da libitina, do decesso, da ortotanásia, da morte; não da própria morte, nem de mortes humanas, mas da finitude dos familiares daqueles animais que remanesceram. Os olhos de uma vaca que corria em celeridade, mesmo com os úberes morrudos e quase tocando o chão, projetavam titânicos hologramas de crianças mortas. Todos os seus filhos executados ao longo de anos de ordenha.
Uma galinha sem bico e com olhos cor de terra projetava o exato momento de sua debicagem, calvário que perdurou por semanas. Na cumeeira, no ponto mais alto de muitas cidades, havia projeções colossais de pintinhos sendo triturados em máquinas. Não paravam de cair, não paravam de morrer. Lembranças de um passado hodierno.
Pessoas tentavam cobrir suas cabeças, temendo que o sangue das pequenas criaturas pudesse lavar suas ignorâncias, insipiências. O obnóxio apedeutismo sufocaria. Mas o ser humano é recalcitrante. Pessoas de todas as idades persistiam; tentavam vendar os olhos, seus e dos outros. Não era mais possível abrenunciar a realidade.
Aqueles que privaram os filhos da verdade também amargaram consequências; as crianças não foram poupadas. Por que seriam? Os animais corriam, e os hologramas se expandiam. A morte evidenciada visceralmente por todos os lados, sem romantismo, sem subversão conscienciosa. A verdade avançava. O céu virou um painel.
Cenas de peixes sufocados em tralhas e devolvidos (ou não) ao mar agonizavam, incapazes de sobreviver por mais do que minutos sempiternos. O fim chegaria, mas custaria. Oceanos, mares e rios cuspiam a humanidade, seus barcos, suas bargas e tralhas. Porquinhos soluçavam pendurados sobre grilhões. Era o último registro do último matadouro. Caprinos e ovinos saltavam sobre os carros; amassavam latarias e corriam.
Aos animais a liberdade, à humanidade o reconhecimento da fealdade. Mais adiante, animais telúricos desapareciam através de tocos de árvores transformados em troncos que se alargavam e funcionavam como portais. Nas águas, os não humanos atravessavam crateras, furnas e lapas quiméricas que repeliam os indesejados. Do outro lado, na terra, na água ou no céu, não havia humanidade, somente reciprocidade semeada pela vontade.
Direitos animais não são sobre privilégios para não humanos
Kostolias e a história do jovem que foi preso por ser vegetariano
“Hernán sempre sentira aversão por carne. Era algo que vinha desde a sua infância”
Lançado em 2016 pela Editora Jaguatirica, “O Exilado Político Vegetariano” é um romance de Alexandre Kostolias baseado em fatos reais. A obra conta a história de Hernán López, um rapaz de origem humilde, morador de um dos bairros mais pobres de Santa Fé, na Argentina, que é perseguido e preso em janeiro de 1970. O motivo? Hernán é vegetariano.
Uma das vítimas da ditadura argentina, ele é arrastado de dentro da própria casa e jogado dentro de uma cela, sem direito a advogado ou qualquer tipo de intervenção a seu favor – nem mesmo contato com qualquer pessoa que não seja o carrasco “La Bestia”. Para realçar a quimera da situação, somente depois de semanas, quando é interrogado pela primeira vez pelo “Comisario Supervisor”, é que a Polícia da Província de Santa Fé reconhece que não há outro motivo para o rapaz estar preso, a não ser por sua filosofia de vida vegetariana; já que ele não é “comunista” nem “maricón” – considerados crimes na Argentina da época.
Na cela, Hernán mal dorme, pois sabe que sempre às 6h o carrasco “La Bestia” os visita. “O que lhe aconteceria? Só para começar, levaria um choque elétrico com bastão, o mesmo usado para conduzir gado para o abate nos frigoríficos. O pavor de levar choque com bastão atingia Hernán visceralmente: um dos motivos de suas convicções vegetarianas era o horror que lhe causava só de pensar na forma como os animais são abatidos nos matadouros. Era impossível saber o que o aguardava”, relata Kostolias nas páginas 32 e 33.
A recusa de Hernán López em consumir carne é considerada execrável porque o regime político da Argentina de 1970 considerava a pecuária como o maior orgulho econômico do país. E o desprezo de Hernán por essa cultura baseada na morte de animais era vista como uma atitude antipatriótica, passível de punição.
“Todos tinham muito orgulho da carne de Santa Fé. Bem, quase todos. Hernán López detestava carne. Pertencia a uma categoria de gente sobre a qual, naquelas bandas, pesavam muitas suspeitas, mas poucas informações: os vegetarianos. Hernán sempre sentira aversão por carne. Era algo que vinha desde a sua infância. Os bifes que o obrigavam a comer eram ingeridos com muita dificuldade, lhe causavam náuseas”, narra o autor na página 40.
Por ser vegetariano, os problemas de Hernán surgiram muito cedo. Os primeiros atritos foram com o pai Juan, um homem violento tanto dentro quanto fora de casa. Tendo trabalhado por muito tempo na “lida de gado”, atividade que associava à própria masculinidade, considerava uma afronta ter que tolerar um filho vegetariano sob o mesmo teto, ainda mais em um contexto onde carne era inclusive sinônimo de bem-estar. Associada às mulheres, trazia a equivocada ideia de saúde; e associada aos homens, a equivocada ideia da virilidade:
“Todo bife ancho e asado de costilla que trazia para casa, – com frequência cada vez menor – ganho em troca de serviços esporádicos prestados a algum rancheiro, era sagrado, e Hernán era forçado a comer a sua parte. Se necessário fosse, sob ameaça de chicote e pancada.”
Por isso, a convivência com o pai vaqueiro marcou uma das piores fases da vida do jovem protagonista. Mesmo sentindo profunda aversão, uma repulsa visceral por todos os tipos de carne, se viu obrigado a aprender a engolir sem mastigar – tentando não pensar em tudo que, para ele, estava evidentemente associado ao ato de consumir carne:
“Aprendeu a cortar pedaços no tamanho exato, grandes o suficiente para reduzir o número de vezes que tinha que cometer o sacrifício, pequenas o bastante para passar pela goela abaixo. E fazendo sempre um tremendo esforço para não vomitar. Não é de surpreender que quando seu pai faleceu de cirrose hepática aos 44 anos, Hernán não tenha ficado triste com a ocorrência. Respirou aliviado e nunca mais foi obrigado a comer carne.”
Já detido e encarcerado, em um dos interrogatórios com o “Comisario Supervisor”, Hernán pergunta se é crime ser vegetariano. Então o homem admite que nada consta no Código Penal, porém afirma que ser vegetariano pode se enquadrar como uma ofensa cultural, um delito social.
“Mas eu não considero um delito muito grave ser vegetariano. Eu mesmo, às vezes, prefiro um dourado do Rio Paraná na chapa, ao invés de um bife ancho”, declara o interrogador. Hernán, mesmo diante de uma situação difícil explica que um autêntico vegetariano não come peixe. Só grãos, legumes, verduras, raízes, frutas, coisas assim. Então o “Comisario” não reage bem à explicação do rapaz.
— Hmmm. Tem certeza? Um evidente radicalismo. Você tem certeza de que não é marxista-leninista?”, questiona.
“O Exilado Político Vegetariano”, de Alexandre Kostolias é uma obra sobre um jovem com identidade própria que tenta trilhar o seu próprio caminho em um mundo onde até mesmo a pretensa tolerância está coberta, implícita e explicitamente, de incomplacência. Enquanto as cortinas da vida caem, Hernán López deseja apenas viver à sua maneira, sem ser julgado e condenado por isso.
Em síntese, e na minha concepção, “O Exilado Político Vegetariano” é um livro sobre alguém que, até então imerso em um minúsculo universo de particular inocência e simplicidade, é lançado em um mundo de conflitos constantes entre individualidade, coletividade e alteridade que se diluem entre si. Por onde Hernán passa, há um desespero existencialista, se não o dele, o dos outros, que em face da liberdade de escolha não veem outro sentido na vida que não vivê-la, sofregamente ou não, independente de erros e acertos, e da angústia em um mundo em constante e célere transformação.
Para além do enredo, um dos pontos altos do livro é a leveza e irreverência da narrativa de Alexandre Kostolias, que intercala momentos de tensão com muito bom humor. Em alguns aspectos, a estrutura narrativa e a fluência textual de “O Exilado Político Vegetariano” me trazem lembranças do estilo individual despojado de Charles Bukowski.
Saiba Mais
“O Exilado Político Vegetariano” está à venda na Amazon, Cultura, Saraiva, Americanas e Submarino.
Aos animais a liberdade
Sonhei que bilhões de animais criados para consumo no mundo todo escutavam isocronicamente um som jamais ouvido antes; um tipo de chamamento que fazia com que nada temessem, apenas reconhecessem a sua força em evidência por uma subitânea expansão da consciência.
Arrebentavam gaiolas, grades, correntes, atravessavam pastos e cidades. Se articulavam como nunca, como seres sociais que são. Fugiam de matadouros e laboratórios. Não podiam mais ser tocados, mas simplesmente observados. Aos seres humanos, incapazes de se moverem por um artifício romanesco, restava o direito e a obrigação de assistir tudo como meros espectadores.
A cada passo dos sobreviventes em direção à vida, os seres humanos eram presenteados com flashes da libitina, do decesso, da ortotanásia, da morte; não da própria morte, nem de mortes humanas, mas da finitude dos familiares daqueles animais que remanesceram. Os olhos de uma vaca que corria em celeridade, mesmo com os úberes morrudos e quase tocando o chão, projetavam titânicos hologramas de crianças mortas. Todos os seus filhos executados ao longo de anos de ordenha.
Uma galinha sem bico e com olhos cor de terra projetava o exato momento de sua debicagem, calvário que perdurou por semanas. Na cumeeira, no ponto mais alto de muitas cidades, havia projeções colossais de pintinhos sendo triturados em máquinas. Não paravam de cair, não paravam de morrer. Lembranças de um passado hodierno.
Pessoas tentavam cobrir suas cabeças, temendo que o sangue das pequenas criaturas pudesse lavar suas ignorâncias, insipiências. O obnóxio apedeutismo sufocaria. Mas o ser humano é recalcitrante. Pessoas de todas as idades persistiam; tentavam vendar os olhos, seus e dos outros. Não era mais possível abrenunciar a realidade.
Aqueles que privaram os filhos da verdade também amargaram consequências; as crianças não foram poupadas. Por que seriam? Os animais corriam, e os hologramas se expandiam. A morte evidenciada visceralmente por todos os lados, sem romantismo, sem subversão conscienciosa. A verdade avançava. O céu virou um painel.
Cenas de peixes sufocados em tralhas e devolvidos (ou não) ao mar agonizavam, incapazes de sobreviver por mais do que minutos sempiternos. O fim chegaria, mas custaria. Oceanos, mares e rios cuspiam a humanidade, seus barcos, suas bargas e tralhas. Porquinhos soluçavam pendurados sobre grilhões. Era o último registro do último matadouro. Caprinos e ovinos saltavam sobre os carros; amassavam latarias e corriam.
Aos animais a liberdade, à humanidade o reconhecimento da fealdade. Mais adiante, animais telúricos desapareciam através de tocos de árvores transformados em troncos que se alargavam e funcionavam como portais. Nas águas, os não humanos atravessavam crateras, furnas e lapas quiméricas que repeliam os indesejados. Do outro lado, na terra, na água ou no céu, não havia humanidade, somente reciprocidade semeada pela vontade.
Sobre o meu trabalho com o veganismo
Até hoje nenhuma pessoa que conheço me ofendeu ou me tratou com desrespeito por escrever ou falar sobre veganismo. As ofensas que recebi, e que considero inclusive poucas em relação à quantidade de conteúdo que produzo diariamente, são mínimas, e vieram de desconhecidos, inclusive fakes. Já pensei, e às vezes ainda penso, em parar de escrever sobre isso por outros motivos que prefiro não explicar detalhadamente agora.
Gosto de escrever com liberdade, sem obrigação de responder a algum tipo de padronização ou hierarquia ao que diz respeito à defesa dos direitos animais. Às vezes, vejo pessoas falando de veganismo e direitos animais como se alguém tivesse alguma obrigação tácita e moral de seguir um programa que supostamente seria o melhor para todos. Isso simplesmente não funciona pra mim.
O que deve predominar, pelo menos no meu entendimento, é a honestidade, sensibilidade, comedimento e sinceridade de cada um em relação ao que se expressa. E isso independe de fórmula. Claro, todos devemos evoluir, mas cada um dentro daquilo que se propõe a fazer, principalmente se estiver dando resultados.
Não me vejo como alguém que representa um movimento, um grupo ou uma entidade. Não estou aqui para normatizar o trabalho de ninguém. Sou apenas alguém escrevendo livremente sobre os animais e o direito à vida. Quem acompanha o meu trabalho sabe que não tenho limites quanto a estilo e formato. E muito do que produzo surge naturalmente, pode ser uma reportagem, um artigo, uma crítica, uma crônica, um conto, uma reflexão ou um aforismo.
Quando você escreve profissionalmente e diariamente há mais de uma década, o que significa dezenas de milhares de páginas, e isso se torna parte de você, muitas vezes você não precisa de mais do que seus próprios olhos, um olhar sensível e ponderado para dentro de si mesmo e dos outros para usar como ponto de partida para a conscientização e a sensibilização. E se isso está funcionando em algum nível, pra mim isso é um bom indicativo.
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Um gato no telhado
Existe um gato que mora no telhado. Ele nunca deixa ninguém tocá-lo. Observa a cidade dia e noite, passeando sempre pelo alto, jamais pelo baixo. Seus olhos são incomuns, como esferas de caramelo. Quando o observo tarde da noite, nem preciso ligar a luz porque o que o brilho dos seus olhos reluz perfaz um caminho que ilumina e satisfaz o que a curiosidade conduz.
Às vezes, ele muda de cor. Já o vi caramelo, preto, branco, castanho, verde, azul, púrpura, mas sempre o reconheço pelos seus olhos. Tentaram capturá-lo em vão, sempre em vão, porque ele não quer ninguém, não depende de ninguém. Dizem que tem um traço genético raro que remete aos seus ancestrais selvagens que viviam nas florestas que cercam o Rio Paraná.
Ele não aparece para todo mundo, mas todo mundo quer vê-lo. Os mais supersticiosos falam que quem toca o “gato de caramelo” é abençoado com muita alegria e fortuna. Já a fortuna do “gato de caramelo” é não ser tocado por ninguém. Jamais o viram comendo. Falam que ele se alimenta da luz do luar. Não duvido, porque algumas vezes o vi alheio a tudo, simplesmente mirando a lua que lançava sobre ele uma luz anilada que o fazia ronronar por minutos.
É um zíngaro dos telhados. Sim, eu o chamo de Zíngaro, porque acho que combina mais do que “gato de caramelo”. Ele nunca responde aos meus chamados, mas me observa com um olhar de quem não nega e não rejeita o fato de que aquele é apenas mais um dos nomes que recebeu ao longo de sua vida.
Sua idade? Não tenho a mínima ideia, mas sua postura revela a maturidade de um ancião. Talvez seja o gato mais velho do mundo, vivendo em um corpo jovem, ou talvez não, seja apenas um animal que rejeitou a vida doméstica. Será que ele é feliz? A verdade é que isso não importa, porque a felicidade é um parâmetro humano, não felino. Gatos vivem pelos seus próprios termos, e talvez nem vejam sentido na felicidade.
Quem sabe, Zíngaro desapareça nos próximos dias, e retorne no ano que vem. Ele sempre faz isso quando os humanos insistem na indesejada aproximação. O gato não teme ser notado, observado, mas nem por isso deseja ser mais uma vez domesticado. Como será que ele vê os outros animais cativos? Acho que ele não se importa com isso. Talvez entenda que aquela é a vida dos outros, não a dele.
Parece tão tranquilo na cumeeira, com as patas cruzadas, observando o silêncio na baixada. “Boa noite, Zíngaro!”, repito três vezes. Ele não responde, mas lança um último e longo olhar antes de saltar em direção ao telhado vizinho. Zíngaro corre, e vejo a ponta do seu rabo desaparecer. E com ele, toda a liberdade que a noite ajuda a enternecer.
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Nascemos para a liberdade
Nascemos para a liberdade, mas nos condicionamos facilmente às prisões. Isto porque elas são sedutoras, e nos parecem mais viáveis, alcançáveis. Temos uma intrigante capacidade de rejeitar e negar a liberdade que um dia deu mais sentido às nossas vidas.
A alegria de sonhar como nos tempos de criança não raramente cede espaço ao temor da desilusão, e as incertezas de qualquer realização se transformam em fuga e rejeição. E assim, desaparecemos pouco a pouco. Quem sabe, assumimos a identidade daquilo que outrora temíamos.
É triste morrer vagarosamente sem reconhecer a própria finitude. Há dias que assumem a forma de pesadelos, mas que são naturalizados de forma a não parecerem tão ruins. Então busca-se viver somente, e não se sabe se verdadeiramente, nos finais de semana, nos feriados, quando se vela um pesar que parece impossível de enterrar.
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