David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Libertação Animal’ tag

Dono de mercado de peixes desiste de vender um polvo depois de perceber a inteligência do animal

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Experiência brincando de “esconde-esconde” com um polvo em Fiji motivou o empresário a libertá-lo

Polvo que recebeu o nome de Fred foi devolvido à natureza na semana passada (Foto: Giovanni’s Fish Market)

Na semana passada, Giovanni DeGarimore, dono do mercado de peixes Giovanni’s, em Morro Bay, na Califórnia, mudou de ideia sobre a venda de um polvo depois de perceber a inteligência do animal, que provavelmente seria servido no jantar de alguém.

Em entrevista ao San Luis Obispo Tribune, DeGarimore comentou que há pouco tempo estava mergulhando em Fiji quando encontrou um polvo que “brincou com ele de esconde-esconde” por 15 minutos. Giovanni DeGarimore reconheceu que não poderia mais comercializar polvos, seres que qualificou como “magníficos e indiscutivelmente conscientes”.

O polvo de mais de 31 quilos chegou ao Giovanni’s em 14 de maio, recebeu o nome de Fred e passou alguns dias em um tanque antes de ser devolvido à natureza, um local seguro onde não corre o risco de ser capturado novamente.

Há anos a senciência e a inteligência dos polvos deixou de ser uma novidade. Em 2009, a Scientific American publicou o artigo “Are Octopus Smart?”, em que a pesquisadora e especialista em polvos Jennifer Mather explicou que polvos são seres inteligentes com capacidade de assimilar novas informações e usá-las em seu benefício.

“Os polvos participam de brincadeiras e têm personalidades distintas. O complexo ambiente dos recifes tropicais provavelmente ajudou a estimular sua inteligência. Há uma enorme variedade de situações, muitos tipos de presas, muitos predadores e, se você não for blindado, é melhor ser esperto”, informou Jennifer.

Quem sabe, no futuro Giovanni DeGarimore estenda essa empatia aos outros animais comercializados no Giovanni’s, quando descobrir que peixes também são seres sencientes, inteligentes e sociáveis, de acordo com a pesquisa “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, do professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sidney, publicada recentemente na revista Animal Cognition; e com o livro “Do Fish Feel Pain?” da bióloga Victoria Braithwaite, professora da Universidade Estadual da Pensilvânia.





 

Jogo com temática vegana é lançado para Nintendo Switch

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“Kitten Squad” também pode ser jogado gratuitamente no Steam 

Game pode ser jogado por até quatro jogadores (Arte: Divulgação)

Este mês foi lançado para Nintendo Switch o jogo “Kitten Squad”, que apresenta gatinhos guerreiros lutando contra robôs para libertar animais explorados das mais diferentes formas. No game, os jogadores devem libertar vacas da indústria de laticínios, ovelhas que serão usadas na indústria de lã, orcas de uma instalação semelhante ao SeaWorld e elefantes explorados em circos. No jogo, disponibilizado gratuitamente no Steam para Windows, macOS, iOS e Android, os participantes usam armas de cenoura e bolas de fio. Kitten Squad pode ser jogado por até quatro jogadores.

 





Written by David Arioch

May 17th, 2018 at 3:07 pm

Gary Francione: “Qual é a diferença entre os animais que amamos daqueles que espetamos com o garfo e a faca?”

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“Minha opinião é que não podemos justificar a exploração de animais para qualquer fim”

Francione: “é hora de examinar a justificativa moral do uso de animais” (Acervo: Abolitionist Approach)

Recentemente, o professor de direito da Rutgers School of Law, de Newark, New Jersey, Gary Francione, uma das referências internacionais na luta pelo abolicionismo animal, publicou um artigo intitulado “It’s time to reconsider the meaning of ‘animal welfare’”, em que, usando como exemplo o contexto britânico, ele explica como a rejeição à violência contra animais em atividades consideradas tradicionais é um indicativo de que os tempos estão mudando.

No entendimento de Francione, muitas pessoas precisam apenas dar um passo a mais para entender que vivemos em um tempo em que o chamado “bem-estarismo animal”, semeado no vórtice do antropocentrismo, deixa claro que os interesses dos animais são coadjuvantes mesmo quando os interesses humanos são baseados em pretensas ou falsas necessidades. Afinal, o “bem-estar animal” é permissivo em relação à morte de animais, desde que “não sofram demais”, o que não condiz com o cenário ideal almejado por quem defende, de fato, o respeito aos animais – já que o respeito é uma forma genuína e inviolável de consideração.

Gary Francione deixa claro que o único caminho possível é entender que os animais não humanos também importam moralmente, logo eles não devem ser vistos simplesmente como alimentos e produtos, ainda mais se considerarmos que vivemos uma época em que já sabemos que o consumo de animais é desnecessário. Então ele faz um apelo para que as pessoas estendam sua preocupação com os animais violados em atividades de entretenimento aos animais violados por finalidades de consumo:

No final de 2017, a primeira ministra britânica Theresa May abandonou o compromisso com o manifesto dos conservadores de realizar uma votação livre sobre a revogação da proibição legal do uso de cães na caça à raposa. A decisão de May foi seguida por queixas de parlamentares conservadores que apoiam a revogação da proibição. Embora popular em algumas comunidades rurais, a posição custou-lhes votos durante a eleição geral de 2017. A posição pró-caça é muito impopular.

Pesquisas divulgadas em maio de 2017 mostraram que quase 70% dos eleitores britânicos se opunham à caça à raposa, e metade tinha menos probabilidade de votar em um candidato pró-caça nas eleições gerais. A oposição não se limita à caça à raposa. Uma pesquisa de 2016 indicou que, além dos 84% que se opõem à caça à raposa, um número significativo de pessoas no Reino Unido também se opõe a caça ao cervo (88%), caça e corrida de lebres (91%) e chapeamento de texugo (94%). Por que existe essa oposição a essas atividades?

A resposta é simples: nos preocupamos com os animais. Acreditamos que eles importam moralmente. Rejeitamos a posição que prevaleceu antes do século 19 de que os animais são meramente coisas para as quais não temos obrigações morais ou legais. Em vez disso, a maioria das pessoas adota a posição do bem-estarismo animal que tem dois componentes-chave.

O primeiro componente é que – embora os animais possam ser usados para propósitos humanos – não devemos impor sofrimento ou morte sem necessidade a eles. A segunda é que quando usamos animais, temos a obrigação de tratá-los “humanamente”.

As atividades que a maioria do público britânico rejeita envolvem impor sofrimento e morte aos animais quando não há necessidade nem compulsão; é errado fazer animais sofrerem ou matá-los quando a única justificativa alegada é que os humanos obtêm algum tipo de prazer ou divertimento. O uso de animais para fins frívolos equivale a negar seu valor moral. A maioria das pessoas rejeita isso.

O problema é que, embora a maioria das pessoas considere a imposição de sofrimento e morte desnecessária aos animais, seu comportamento real não é consistente com sua posição moral. Eles participam da imposição de sofrimento e morte aos animais em situações em que não há necessidade, e nos quais o tratamento dos animais é tudo menos “humano”.

Sofrimento e morte desnecessários

A maioria das pessoas come animais e produtos feitos de animais, e ambos envolvem muita crueldade. Somente no Reino Unido, mais de um bilhão de animais são mortos por ano para fins alimentícios.

Muitos animais são criados em condições intensivas que constituem tortura. Mesmo aqueles que são criados em circunstâncias supostamente mais “humanas” sofrem de angústia durante e ao final de suas vidas. Isto não é apenas uma questão concernente à carne. As vacas usadas na produção de leite são repetidamente engravidadas e têm seus bezerros levados logo após o nascimento. E todos os animais, sejam usados para obtenção de carne, laticínios ou ovos, estão sujeitos ao terror e à angústia do matadouro.

Algum desse sofrimento e morte é “necessário”? Existe alguma obrigação envolvida? A resposta é não. Ninguém sustenta que é necessário consumir produtos de origem animal por ser idealmente saudável. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido diz que uma sensata dieta vegana pode ser “muito saudável”, enquanto os profissionais de saúde de todo o mundo estão cada vez mais assumindo a posição de que os produtos de origem animal são prejudiciais à saúde humana.

Não precisamos debater se é mais saudável viver com uma dieta de frutas, vegetais, grãos, nozes e sementes. O ponto é que uma dieta vegana certamente não é menos saudável do que uma dieta de carne em decomposição, secreções de vaca e ovulação de galinha. E esse é o único ponto relevante para a questão de saber se o sofrimento e a morte são necessários ou não.

Além disso, a agricultura animal constitui um desastre ecológico. É responsável por mais gases do efeito estufa do que a queima de combustíveis fósseis para o transporte, e resultando em desmatamento, erosão do solo e poluição da água. O grão que alimenta os animais só nos Estados Unidos poderia alimentar 800 milhões de pessoas. Contra esse cenário, qual é a melhor justificativa que temos para infligir dor e morte aos animais?

A resposta é simples: Achamos que o gosto é bom. Nós sentimos prazer em comê-los. Comer animais e produtos de origem animal é uma tradição, e nós a seguimos há muito tempo.

Mas como essa posição é diferente da justificativa oferecida para o uso de animais a que a maioria de nós se opõe? Como o prazer do paladar é diferente do prazer que algumas pessoas sentem quando participam de esportes sangrentos com animais? Não há diferença. Caça à raposa, chapeamento de texugos, lutas de cães, são todos tradicionais. De fato, quase todas as práticas a que nos opomos – envolvendo animais ou seres humanos – envolvem uma tradição valorizada por alguém. O patriarcado é também uma forma de tradição que existe há muito tempo, mas que nada diz sobre seu status moral.

Muitas pessoas se opõem à caça à raposa porque não podem ver nenhuma distinção moralmente significativa entre o cachorro que eles amam e uma raposa perseguida e assassinada. Mas qual é a diferença entre os animais que amamos daqueles que espetamos com o garfo e a faca? Não há diferença. Cães e gatos que amamos são sencientes – assim como frangos, galinhas, vacas, bois, porcos, peixes e outros animais que exploramos. Todos eles sentem dor e experimentam a angústia; todos eles têm interesse em continuar a viver.

Tratamento “humano”

Se a exploração da maior parte dos animais não pode ser caracterizada como plausivelmente necessária, o que dizer sobre o segundo componente da posição de bem-estar animal – que temos a obrigação de explorar os animais “humanamente”? Isso também é uma fantasia.

Animais são propriedade. Eles são bens móveis. São coisas que são compradas e vendidas. Custa dinheiro para proteger os interesses dos animais, e o status de propriedade dos animais garante que, como regra geral, os padrões de bem-estar animal (sejam mandatados por lei ou adotados pela indústria), sempre serão muito baixos. Nós protegemos os interesses dos animais quando obtemos algum benefício financeiro ao fazer isso. Na maioria das vezes, os padrões de bem-estar estarão ligados ao nível de proteção necessário para explorar os animais de uma maneira economicamente eficiente, de modo que esses padrões (na medida em que são impostos) proíbem nada mais que o sofrimento gratuito.

Os padrões de bem-estar animal na Grã-Bretanha são reivindicados como os mais altos do mundo, mas o tratamento concedido aos animais britânicos ainda é aterrador. Dizer que os animais no Reino Unido são tratados “humanamente” seria falso usando qualquer entendimento plausível dessa palavra.

Em algum nível, todos nós sabemos disso. É por isso que vimos o surgimento de um nicho de mercado na Grã-Bretanha e em outros países que pretende fornecer carne e produtos de origem animal baseados “no mais alto padrão de bem-estar”. Mas, como várias exposições desse nicho de mercado mostraram, a promessa de “tratamento humano” nunca foi colocada em prática. Podemos dar aos animais um pouco mais de espaço; podemos permitir que eles vejam um pouco da luz do sol; podemos permitir que as vacas passem um pouco mais de tempo com seus bezerros antes de serem levados para longe delas. Mas essas mudanças têm pequenos efeitos quando são implementadas.

Organizações de bem-estar animal fazem campanha contra o “abuso” de animais. Mas mesmo que todos esses abusos cessassem e todos os animais fossem tratados em perfeita conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis, a situação ainda seria terrível. Os animais ainda seriam mortos desnecessariamente, e mesmo que transformássemos a agricultura animal em agricultura familiar ainda haveria uma enorme quantidade de sofrimento e morte moralmente injustificados.

De fato, os padrões de bem-estar animal não são de forma alguma sobre os animais; eles são sobre nós. Esses padrões fazem nos sentirmos melhor sobre continuarmos explorando animais. Eles foram formulados numa época em que a maioria das pessoas achava que matar e comer animais era necessário para a saúde humana. Ninguém pode razoavelmente acreditar mais nisso.

Portanto, é hora de examinar a justificativa moral do uso de animais. Como alguém que mantém uma posição em favor dos direitos animais em vez de uma posição bem-estarista, minha opinião é que não podemos justificar a exploração de animais para qualquer fim, incluindo pesquisas biomédicas destinadas a encontrar curas para doenças humanas graves, assim como não podemos justificar o uso para o mesmo propósito de humanos que acreditamos que são cognitivamente “inferiores”.

Mas mesmo que você não aceite a posição de direitos [dos animais], a posição que você provavelmente aceita – que é errado infligir sofrimento a morte desnecessários aos animais – torna impossível evitar a conclusão de que o uso de animais para qualquer propósito que seja não envolve verdadeira obrigação ou necessidade, incluindo o uso de animais como alimentos, roupas e entretenimento, e deve ser descartado. Qualquer outra posição relega os animais à categoria de coisas que não têm valor moral. Vemos isso onde a caça à raposa e outros esportes sangrentos estão envolvidos; é hora de vermos isso em outros contextos também.

Referência

Francione, Gary. It’s time to reconsider meaning of “animal welfare”. Transformation. Open Democracy (7 de janeiro de 2018).





Tom Regan: “Chegará o dia em que bilhões [de pessoas] não comerão mais a carne de animais mortos nem vestirão suas peles”

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“Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou”

Regan: “Qualquer chance de realização dos defensores dos direitos animais depende do crescimento do movimento”

Falecido em 17 de fevereiro de 2017, aos 78 anos, Tom Regan foi um importante filósofo moral da teoria dos direitos animais e professor de filosofia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, onde lecionou por 34 anos. Conquistou prestígio internacional por sua produção prolífica voltada ao abolicionismo animal. Em 2006, Regan teve o seu livro “Empty Cages”, ou “Jaulas Vazias”, publicado no Brasil. Alguns anos depois, publicou um raro artigo em seu site “The Animals Voice”.

Intitulado “Vegan Choice”, no texto, Regan aborda a sua compreensão do veganismo e da importância das pessoas se absterem de consumir produtos de origem animal, e entenderem, de fato, que a luta pelos direitos animais também diz muito sobre quem somos e o que fazemos enquanto seres humanos. Talvez uma das mensagens mais importantes do artigo seja a de que “é pouco provável que consigamos o que queremos alcançar sem entender a natureza dos desafios que enfrentamos.” Ainda assim, “Vegan Choice” é um texto diverso – com passagens picarescas, realista, ponderado e ao mesmo tempo alentador – em que Regan deixa claro que a descrença não deve vencer quem luta por justiça pelos animais, e que é importante seguir em frente até o “último suspiro”:

No convite que me foi feito nesta ocasião, pediram que me ocupasse de abordar a escolha vegana. Agora, pelo menos na minha experiência, diferentes veganos entendem o veganismo de maneira distinta.

Alguns estão inclinados a pensar nisso como uma escolha alimentar: veganos são pessoas que não comem a carne de outros animais, nem os chamados produtos de origem animal, incluindo leite, queijo e ovos. Assim, os veganos não só seguem um estilo de vida que difere das pessoas que clamam por carne animal do McDonald’s e da KFC; eles também diferem dos vegetarianos que, assim como os veganos, se abstêm da “carne”, mas que, ao contrário dos veganos, consomem ovos ou produtos lácteos. Essa é uma maneira de entender o veganismo: é o nome de uma escolha alimentar.

A Vegan Society entende o veganismo de maneira diferente. Aqui está como eles definem o termo:

“A palavra ‘veganismo’ denota uma filosofia e um estilo de vida que procura excluir – na medida do possível e do praticável – todas as formas de exploração e crueldade contra os animais visando alimentos, roupas ou qualquer outra finalidade; e, por extensão, promove o desenvolvimento e o uso de alternativas livres de animais para o benefício de humanos, animais e meio ambiente. Em termos dietéticos, denota a prática de dispensar todos os produtos derivados parcialmente ou totalmente de animais.”

Observe como essa definição abrange “todas as formas de exploração e crueldade contra animais”, não só para “alimentação”, mas também para “roupas ou qualquer outro propósito”. A definição do veganismo da Vegan Society inclui, em termos dietéticos, “dispensar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais”. A definição inclui muito mais do que a escolha de uma pessoa do que comer. Ou não.

Então, nós nos reunimos aqui para pensar sobre a “escolha vegana”, e a primeira pergunta que temos a fazer é como entender essa escolha: estritamente (como uma escolha estrita a dieta apenas) ou abrangente (como uma escolha que inclui outros aspectos sobre como vivemos – que roupa usamos, por exemplo). Sempre estive inclinado a pensar sobre a ideia de forma estrita:

Veganismo é o nome de uma prática dietética. No entanto, devo admitir que é difícil para mim dizer que a Vegan Society, que pretende falar por veganos de todos os lugares, não entende a ideia para a qual foi nomeada. É por isso que sugiro, e espero que você concorde, que entendamos “escolha vegana” de maneira ampla [como defendido pela Vegan Society], o que significa que a escolha que estamos considerando é se devemos ou não adotar um modo de vida que procure remover nosso apoio, na medida do possível e praticável, de todas as formas de exploração e crueldade contra animais para qualquer propósito.

Entendida dessa maneira, “a escolha vegana” é indistinguível de outra ideia com a qual muitos (na verdade, provavelmente todos vocês) estão familiarizados: a ideia dos direitos animais ou, para ser mais preciso, a ideia de como seria o mundo se os direitos animais fossem reconhecidos e respeitados. Pois se eles fossem reconhecidos e respeitados, não por poucos, mas por todos, as pessoas não comeriam carne animal ou produtos de origem animal, assim como não usariam roupas feitas de peles ou lã. Por causa de como essas duas ideias (escolha vegana e direitos animais) se amalgamam, vou usá-las de forma intercambiável.

Agora, os veganos não são conhecidos por seu senso de humor. Isso é fato. Mesmo assim, ouvi algumas boas piadas veganas ao longo do caminho. Como:

Por que a galinha atravessou a estrada?

Porque ela estava sendo perseguida pelo Coronel Sanders [em referência ao fundador da KFC].

Ou algo como:

Por que o vegano atravessou a estrada?

Porque ele estava protegendo a galinha.

E tem:

Quantos veganos são necessários para trocar uma lâmpada?

Dois, um para trocá-la e outro para checar se há insumos de origem animal.

Mas também lembre-se:

Quantos vivisseccionistas são necessários para trocar uma lâmpada?

Nenhum, eles não querem que você veja o que eles estão fazendo.

Como o comediante estadunidense Bill Cosby observa: “Você já notou os clientes [veganos] em lojas de alimentos saudáveis? Eles são pálidos, magrelos e parecem meio mortos. Em uma steakhouse, você vê pessoas robustas e coradas – que estão morrendo, claro, mas, ei! eles parecem formidáveis!

Aqueles que me conhecem sabem disso: Se Tom Regan tem uma mensagem central e recorrente é essa: qualquer chance de realização dos defensores dos direitos animais depende do crescimento do movimento – e crescendo não um pouco, mas muito. O que quero dizer com muito? Não quero dizer centenas, milhares ou dezenas de milhares de novas pessoas abraçando os direitos animais. Nem quero dizer centenas de milhões. Não, o que quero dizer com muito é o que o astrônomo Carl Sagan era conhecido por dizer: Quero dizer bilhões e bilhões. Só se chegar o dia em que bilhões e bilhões de pessoas acreditarem e praticarem os ideais que definem o veganismo, amplamente concebido – só então teremos uma esperança realista de alcançar o que queremos alcançar.

Agora, pessoas diferentes podem ter reações diferentes à enormidade do desafio que encaramos. Uma vez que esse desafio é traçado em termos de números reais (e muito elevados), alguns defensores dos animais dirão (a grosso modo): “Meu Deus, a situação é desesperadora!” Alguns irão além e dirão: “A situação é tão desalentadora que estou jogando a tolha – desistindo – abandonando a causa.”

Entendo essas reações. Quem entre nós não olhou para o que está acontecendo com os animais (mais de 50 bilhões são abatidos no mundo todo anualmente, e isso sem contar a vida marinha) – quem entre nós não abriu os olhos para as dimensões incalculáveis do trágico destino que os animais devem suportar, e não se sentiu totalmente exaurido, completamente exausto, totalmente mitigado pelos desafios que enfrentamos? Sentir desespero diante das esmagadoras adversidades é uma resposta humana perfeitamente natural. Também não é muito útil. Nós não nos incluímos aos nossos números subtraindo-nos do total. Deixe me repetir isso porque é importante: Não nos incluímos aos nossos números subtraindo-nos do total.

Não, a esperança para os animais exige que permaneçamos no curso, enquanto pudermos – até o nosso último suspiro, na verdade. Isso é o mínimo que podemos fazer. E é uma promessa muito pequena quando comparada com o que os animais têm que suportar até o último suspiro.

Uma razão pela qual os desafios que enfrentamos parecem tão grandes é porque tentamos imaginar aqueles bilhões de pessoas se juntando às nossas fileiras, mas por outro lado permanecendo do mesmo jeito. Chegará o dia em que bilhões [de pessoas] não comerão mais a carne de animais mortos nem vestirão suas peles; não irão aos circos nem visitarão os parques marinhos; não comprarão cosméticos que foram testados em animais, e não doarão dinheiro para instituições de caridade que apoiam pesquisas com animais; eles não…bem, você pode adicionar à lista do que eles eliminam de suas vidas. Mas além dessas mudanças, muitos de nós parecem assumir que esses bilhões de pessoas são os mesmos que compõem a maioria da população atual. A única diferença é que eles têm que vir para o nosso lado quando se trata do veganismo ou dos direitos animais.

Quero sugerir que esse modo de pensar é simplista demais. Não estamos tentando apenas mudar alguns velhos hábitos sobre o que as pessoas comem ou vestem. Bilhões de pessoas abraçarão os direitos animais apenas se bilhões de pessoas mudarem de forma mais profunda, mais fundamental, e de forma mais revolucionária. O que quero dizer não é nada menos do que isso: Eles devem abraçá-lo e, em suas vidas, devem expressar uma nova compreensão do que significa ser humano. Como seria esse novo entendimento? Aqui (por meio de um esboço grosseiro) está a minha resposta:

Salve não apenas as baleias e o planeta, mas nós mesmos.

Como seria esse novo entendimento? Isso é o que tenho tentado explicar; é isso que a Geração Ti representa. Os desafios que enfrentamos, então, não podem ser reduzidos a convencer bilhões de pessoas a escolherem o veganismo; isso inclui a transformação de quem são as pessoas de hoje em quem elas podem ser amanhã.  Não algumas delas. Muitas. Bilhões e bilhões.

A situação é desalentadora? Devemos abandonar a causa? Acho que não. Pelo menos não até que tenhamos feito sérios esforços para trazer o tipo de mudança revolucionária que tenho descrito. É pouco provável que consigamos o que queremos alcançar sem entender a natureza dos desafios que enfrentamos. Nunca vamos entender a natureza dos desafios que enfrentamos se pensarmos exclusivamente em ter bilhões e bilhões de pessoas abraçando o veganismo. Porque isso é apenas uma parte, não a totalidade da mudança que buscamos. Quanto às perspectivas do nosso sucesso? Encerro citando brevemente as palavras da imortal Margaret Mead: “Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou.”

Referência

Regan, Tom. Vegan Choice. The Animals Voice.

 





Reflexões de um minuto – Há animais das mais diferentes espécies que não sabem que vão morrer amanhã

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Alguém diz: “Você está tentando impor o veganismo ao não servir alimentos de origem animal”

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O veganismo é um imperativo moral à medida em que entendemos que alimentos e produtos de origem animal custam vidas (Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals)

Uma amiga me contou que uma criança, filho de sua prima, gostaria de passar um final de semana em sua casa. Então a mãe disse que o garoto come carne e que ela deveria prepará-la no almoço e no jantar do menino. Ela explicou que não faria isso, porque não entra carne em sua casa; e que o garoto estaria muito bem nutrido se alimentando da mesma forma que ela, com boa diversidade vegetal. Ou seja, sem nada de origem animal.

A mãe ficou encolerizada e disse que ela estava tentando impor o veganismo para ela e para o filho, e que ela não partilha desses princípios. O primeiro equívoco desse diálogo está bem claro: não há imposição, levando em conta que a anfitriã é vegana, logo vai contra a filosofia de vida dela oferecer carne mesmo que ela não consuma. Afinal, veganismo está muito além do que consumimos; trata-se de um imperativo moral, algo que se aplica a todos os aspectos de nossa vida, inclusive nas nossas relações com os outros.

Nesse contexto, qual mensagem passamos quando fazemos alguma exceção? Que é permitido tomar parte na exploração animal ou incentivá-la em determinadas circunstâncias, desde que não tomemos parte no consumo direto? Se fizermos isso, quem sabe da próxima vez alguém nos convide para ajudar a abater algum animal. Claro, podemos minimizar esse impacto simplesmente não comendo, certo? Realmente, ponderemos, será que não há nada de errado em financiar exploração e morte de criaturas sencientes mesmo quando não consumimos os produtos que derivam dessa exploração?

Tento sempre ser polido e cortês no diálogo sobre a exploração animal, mas isso não significa um tipo alheado de condescendência. De fato, não preparo nem compro nada de origem animal para ninguém. Então posso ser visto como intransigente, mas de uma intransigência em prol de algo chamado justiça. Em circunstância nenhuma ofereço algo de origem animal a alguém, mesmo que tal pessoa se considere uma “apaixonada” por qualquer alimento de origem animal. E isso não é desrespeitoso, é uma manifestação consentânea, sensata, de franca oposição à exploração animal.

Acredito que é esse posicionamento que leva à reflexão, ao entendimento do que fazemos e porque defendemos o que fazemos. A flexibilização dessa conduta pode ser temerária, porque não apenas transmite uma mensagem errada de permissividade, como permite interpretações erradas em relação à rejeição à exploração animal. Não ignoro também que a ideia da exceção e da seletividade abriram precedentes para que explorações pontuais no passado se tornassem explorações massivas. Por isso, sim, sou da opinião de que a exceção pode ser uma armadilha de legitimação ou perpetuação da arbitrariedade.

Ademais, não é imposição um vegano se negar a servir alimentos de origem animal a um convidado. Em certa ocasião, Tolstói, já vegetariano, ofereceu uma faca e uma galinha viva diante da mesa de jantar para que sua tia a matasse caso quisesse comê-la. Claro que ela não o fez. Pode parecer duro, não? Mas a sua eficaz mensagem foi mais do que simbólica e se espalhou pela Rússia. Tolstói não servia animais em sua casa de bom grado.

Não podemos ignorar que na realidade a imposição é defendida e perpetuada por nós quando nos alimentamos de animais, já que as vítimas não têm poder de escolha quando são reduzidas a fontes de produtos, alimentos ou quaisquer outros fins sem relação com suas reais necessidades. Ser vegano não é uma imposição a ninguém, e a recusa em tomar parte na coisificação ou objetificação animal pode ser uma mensagem desconfortável para quem não é de que o que fazemos com criaturas não humanas perpassa pela nossa nociva transigência e displicência. Até porque tem quem olhe uma pessoa que não se alimenta de animais e instantaneamente ache isso incomum, estúrdio, afrontoso.

A existência de veganos em si é vista como uma crítica para muita gente, mesmo que esses veganos nem abram a boca. O fato deles existirem e fazerem o possível para não tomar parte nessa exploração já é um vilipêndio para quem não é capaz de ver que nisso subsiste em essência uma luta por uma forma ancha de respeito que é negligenciada por tanta gente. No meu entendimento, a verdade é que isso diz muito sobre o ser humano, e a sua resistência em, muitas vezes, reavaliar o estado atual das coisas.

Ser uma antítese ou um contraponto à zona de conforto das pessoas é sempre um exercício de chamamento para a mudança. Esse chamamento pode despertar evocações, emoções e sentimentos inesperados e mesmo negativos em quem não está aberto ao diálogo e menos ainda a mudar a sua perspectiva em relação ao direito à vida não humana. O que não significa que não possa se tornar algo positivo no futuro.

A ideia de um novo universo de possibilidades, de se abrir para um novo mundo, é chocante para tanta gente. Porque como seres humanos temos uma tendência a defender hábitos e costumes mesmo quando deletérios: “Se significa vidas que findam, que assim seja, desde que eu me satisfaça.” Costumamos equacionar apenas os prós que nos tocam, mas não os contras que aos outros derrotam.





Gary Francione rebate críticas bem-estaristas e explica por que o veganismo é uma questão de justiça

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Se você não é vegano, por favor, seja vegano. É uma questão de um imperativo moral. É uma questão de justiça” (Foto: Divulgação)

Esta semana, o professor de direito da Rutgers School of Law, de Newark, New Jersey, Gary Francione, uma das referências na luta pelo abolicionismo animal, publicou um artigo intitulado “Veganism as a Matter of Justice: A Short Reply to the Welfarists” nos sites Ecorazzi e Abolitionist Approach. No texto, Francione rebate as afirmações dos bem-estaristas de que o veganismo não é possível no mundo em que vivemos enquanto um imperativo moral, e que é preciso se adaptar à realidade da exploração animal – considerando apenas que devemos minimizar a violência e a crueldade contra as criaturas não humanas, mas sem abrir mão do consumo de alimentos e produtos de origem animal.

Para apoiar essa posição, os bem-estaristas alegam que se compramos alimentos veganos em lojas que vendem produtos de origem animal, não estamos sendo justos, logo não podemos assumir que sob essa perspectiva de permissividade o veganismo está em total acordo com o princípio da justiça que defendemos. Porém, o professor Gary Francione aponta que esse discurso é fragilizado porque, embora tenha como eixo norteador uma suposta baliza moral, é usado de forma capciosa em um contexto bastante específico, sem ponderar abrangência, possibilidade e até mesmo comparação com outras formas de preconceito e condicionamento que vão na contramão da justiça social, embora permitam uma avaliação de cenários congêneres.

Francione diz que quando ele promove o veganismo como um imperativo moral, pelo simples fato de que o veganismo é algo que nós somos moralmente obrigados a adotar, já que não temos o direito de criar e matar animais para nos beneficiar, algum bem-estarista costuma dizer que ao comprar comida vegana no supermercado e dar dinheiro para um explorador de animais, ele não é diferente daqueles que consomem “compassivamente” ovos de galinhas livres de gaiolas, carne de porco criado foras de grades, ou até mesmo daqueles que fazem a “segunda-feira sem carne; ou que trapaceiam e consomem alimentos de origem animal de vez em quando; ou que comem alimentos baseados em animais o tempo todo, mas apenas em pequenas quantidades:

“Os bem-estaristas afirmam que não tenho razão em dizer que o veganismo é uma questão de justiça ou um imperativo moral porque estou sendo injusto e não estou reconhecendo o veganismo como uma obrigação. Mas esse argumento não funciona. Não possui princípio limitativo e leva a uma conclusão aberta. Todo dinheiro é sujo. Então, mesmo que eu compre a minha comida em uma loja vegana, e não em um supermercado convencional, se essa loja emprega pessoas que não são veganas, ou se a loja vegana recebe produtos de pessoas que entregam produtos de origem animal para outras lojas; ou se os alimentos veganos vendidos na loja vegana são criados ou produzidos por fazendeiros ou produtores não veganos, ou se os fazendeiros veganos e os produtores veganos empregam trabalhadores não veganos, eu estou, seguindo o raciocínio dos bem-estaristas, apoiando a exploração. Portanto, os bem-estaristas estão comprometidos com a posição de que até que tenhamos um mundo vegano, não podemos ter a obrigação de nos tornarmos veganos, porque enquanto não tivermos um mundo vegano, não importa o que fizermos, estaremos dando dinheiro para exploradores de animais. Mas isso é claramente absurdo.”

Gary Francione afirma que a posição bem-estarista em relação ao veganismo não é diferente de dizer que não podemos promover a ideia de que o sexismo ou o racismo são injustos se patrocinarmos um negócio que é de propriedade de pessoas que são sexistas ou racistas, considerando que muitas empresas são de propriedade de corporações, e corporações são de propriedade de acionistas. Dado o nível de sexismo e racismo na população, isso significa, na sua concepção, que 99,9% do tempo, quando fazemos compras, estamos patrocinando um negócio que é de propriedade de racistas ou sexistas. Mesmo que esse negócio não seja de propriedade de racistas ou sexistas, existem racistas e sexistas que têm alguma conexão com o negócio para cujos bolsos nosso dinheiro está indo. Portanto, na perspectiva de Francione, o discurso dos bem-estaristas dá a entender que não podemos dizer que o sexismo ou racismo é injusto porque estamos sempre colocando dinheiro nos bolsos de racistas ou sexistas em algum ponto do caminho:

“Mas ninguém diria que não devemos falar sobre igualdade com um imperativo moral, porque ainda não alcançamos a igualdade. A maioria das pessoas veria o completo absurdo dessa posição. Mas ‘pessoas animais’ promovem essa posição absurda quando se trata de animais [não humanos]. E isso é muito especista.”

O professor Gary Francione também declara que os bem-estaristas não raramente afirmam que não podemos ser ‘100% veganos’ porque há produtos de origem animal em plásticos, superfícies de estradas, pneus e muitas outras coisas com as quais não podemos evitar contato. Portanto, segundo eles, não podemos insistir no veganismo como um imperativo moral e como um princípio de justiça porque não há diferença entre uma pessoa que tem um celular feito de plástico e contém algum subproduto de origem animal, e uma pessoa que come um pouco de queijo, ou ovos de galinhas “criadas soltas”, ou caldo de galinha em uma sopa de legumes, etc.:

“Mais uma vez, esta posição é absurda. Primeiro de tudo, ser vegano significa não comer, vestir ou usar produtos de origem animal na medida do praticável – onde se tem uma escolha significativa. Podemos decidir o que comer e usar ou quais produtos usar. A justiça exige que não escolhamos coisas que contenham partes do corpo de pessoas exploradas – humanas e não humanas – sempre que tivermos uma escolha. Nós não temos escolha sobre o que foi colocado na superfície das estradas ou em plásticos, que são usados para quase tudo que existe. Em segundo lugar, a razão pela qual há subprodutos de origem animal em tudo é porque matamos mais de um trilhão de animais em todo o mundo anualmente. Os subprodutos de matadouros são baratos e prontamente disponíveis. E isso continuará enquanto continuarmos a consumir produtos de origem animal.”

Para Francione, é importante compreender que nunca aceitaríamos tal argumento se isso se aplicasse ao contexto humano. Essa transigência só existe porque falamos de seres de outras espécies, que são vulneráveis, e culturalmente e historicamente estão sob o jugo humano há muito tempo:

“Considere o seguinte: em uma sociedade racista e sexista, pessoas brancas e homens se beneficiam porque o racismo e o sexismo efetivamente transferem riquezas (dinheiro, oportunidades de trabalho, etc.) para longe de pessoas que são discriminadas e para aqueles que estão em classes ou grupos privilegiados. Se aplicássemos o argumento bem-estarista a esse contexto, teríamos que concluir que os brancos não podem argumentar que o racismo é injusto porque os brancos privilegiados não têm escolha a não ser se beneficiar do racismo (assim como os veganos não têm escolha senão usar os caminhos oferecidos). Teríamos que concluir que os homens se beneficiam do sexismo e da misoginia apenas em virtude de serem homens (assim como os veganos entram em contato com os plásticos que estão em tudo). Mas ninguém tomaria essa posição no contexto humano.”

Uma afirmação que Gary Francione aponta como uma das mais equivocadas dos bem-estaristas é a de que como não podemos evitar subprodutos de origem animal em tudo que nos rodeia, não podemos afirmar que é injusto escolher consumir esses produtos de origem animal quando “há uma escolha”. Sendo assim, ele defende que a posição bem-estarista é exatamente o mesmo que dizer que, porque as pessoas brancas se beneficiam do racismo, não há diferença entre a pessoa branca que se opõe ao racismo e a pessoa branca que se engaja em uma conduta menos racista.

“A posição bem-estarista é exatamente como dizer que, porque os homens se beneficiam do sexismo mesmo quando se opõem a ele, não há diferença entre o homem que se opõe ao sexismo e o homem que realmente agride as mulheres de vez em quando. Mais uma vez, ninguém tomaria essas posições no contexto humano. Devemos rejeitar a posição flagrante e bem-estarista do especismo por uma questão muito clara. Se você não é vegano, por favor, seja vegano. É uma questão de um imperativo moral. É uma questão de justiça”, argumenta e sugere.

Referência

Francione, Gary. Veganism as a Matter of Justice: A Short Reply to the Welfarists. Ecorazzi (2 de abril de 2018).

 





Mãe e Filho (Ou a Vaca e o Vitelo) – Uma reflexão sobre a realidade da vaca e do bezerro

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Tom Regan x Peter Singer: abolicionismo e utilitarismo, uma discussão sobre os direitos animais

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Tom Regan e Peter Singer, abolicionismo e utilitarismo (Fotos: Reprodução)

A rivalidade de Tom Regan e Peter Singer no campo da filosofia moral que rege os direitos animais surgiu publicamente no início dos anos 1980. Mas foi em 1983 que os dois filósofos passaram a representar dois espectros consideravelmente distintos da discussão sobre os direitos animais. De um lado, Regan, autor de obras como “The Case for Animal Rights” e “Empty Cages”, com uma perspectiva mais próxima do que se entende hoje por abolicionismo animal, e “Peter Singer”, autor do clássico “Animal Liberation”, com um posicionamento utilitarista e pragmático que permite concessões no uso de animais em casos específicos.

Dois anos depois que Tom Regan lançou o seu primeiro clássico – “The Case for Animal Rights”, de 1983, Peter Singer publicou uma crítica ao trabalho de Regan no New York Reviews of Books. E desde então, os dois passaram formalmente a se posicionar cada vez mais publicamente sobre suas diferenças no entendimento dos direitos animais. Porém, apesar das disparidades, os dois nunca se viram ou se consideraram como inimigos. Muito pelo contrário, relegavam suas desconformidades apenas ao campo das ideias e da filosofia.

Exemplo emblemático e histórico dessa rivalidade é uma crítica de autoria de Tom Regan publicada no New York Review of Books em 25 de abril de 1985 em resposta ao artigo “Tem Years of Animal Liberation”, de 17 de janeiro de 1985, que comemorou os dez anos de lançamento do livro “Animal Liberation”, de Peter Singer. Na crítica, Regan relata que nos últimos dez anos ele e Peter Singer traçaram caminhos diferentes, aplicando teorias éticas diferentes a uma variedade de questões morais e sociais, incluindo o tratamento dado aos animais não humanos.

Regan registrou que Singer já se esforçava para apoiar seu argumento com base no que ele chama de “movimento de libertação animal” em cálculos utilitaristas: “No livro ‘The Case for Animal Rights’, que recebeu uma resenha de Singer nestas páginas, tentei estabelecer as bases teóricas para o que, em contraste com Singer, chamo de ‘o movimento pelos direitos animais’.”

Em uma discussão sobre a obra “The Case for Animal Rights”, Tom Regan e Peter Singer tiveram um impasse em 1985 sobre uma história hipotética envolvendo o caso de um bote salva-vidas em que alguns seres humanos dividem o espaço com um cão. Porém, para a sobrevivência da maioria, um deles deveria deixar o bote. O dilema baseado em um exemplo, que naturalmente não faz parte de uma realidade comum, acirrou ânimos, mas serviu para ilustrar convergências e divergências entre as perspectivas filosóficas de Regan e Singer na década de 1980:

Nas palavras de Tom Regan

Há mais do que uma diferença verbal aqui. É pelo apelo aos direitos animais que a visão de direitos, como chamo a posição desenvolvida em meu livro, emite sua condenação categórica da escravidão, por exemplo. Essa instituição está categoricamente errada, sejam quais forem as consequências, porque sistematicamente viola o direito dos seres humanos de serem tratados com respeito. A posição de Singer, no entanto – (supondo que os interesses iguais foram considerados igualmente) – é o de que a escravidão esteja errada por causa das consequências, uma posição que, por fazer com que o erro da instituição esteja sujeito consequências, claramente implica que a escravidão não seria errada se as consequências fossem otimistas [sic]. É difícil exagerar a diferença moral radical entre o utilitarismo de Singer e a visão de direitos.

Essa mesma diferença pode ser ilustrada quando consideramos o tratamento dos animais. A visão de direitos oferece uma condenação categórica do uso nocivo dos animais na ciência, por exemplo, exigindo sua total abolição. E faz isso independente dos apelos às consequências, repousando seu caso aqui, como no caso de sua condenação da escravidão, na violação sistemática dessa instituição do direito dos animais de serem tratados com respeito. Como um utilitarista, Singer não pode oferecer uma crítica que seja independente dos apelos às consequências; de fato, ele é obrigado a admitir – e ele tem admitido – que alguns usos nocivos dos animais em benefício da ciência podem ser moralmente permissíveis. A posição de Singer não é antivivissecionista. A visão dos direitos é. Mais uma vez, a diferença entre as duas posições não poderia ser mais clara.

“The Case for Animal Rights”, como a discussão anterior sobre as instituições da escravidão de bens móveis e o uso prejudicial de animais na ciência, pode sugerir uma preocupação com a oferta de uma base para avaliar práticas e políticas sociais em andamento.  Isso é algo que um leitor da crítica de Singer pode perder, já que Singer concentra seu fogo crítico, não neste aspecto do livro, mas na minha breve discussão sobre um caso de salva-vidas: quatro humanos normais e adultos e um cachorro morrerão a menos que um dos humanos sacrifique sua vida; ou um dos humanos ou o cachorro seja jogado ao mar. Seria errado jogar o cachorro no mar nessas terríveis circunstâncias? Eu não acredito que seria, e eu argumento que a visão de direitos apoia este julgamento. Singer, por sua vez, “confessa ter alguma dificuldade em compreender” minha resposta, e pergunta se minha disposição em sacrificar o cão neste caso pode não ser inconsistente com minha oposição categórica ao uso nocivo de animais na ciência.

Não há inconsistência aqui, entretanto, já que os dois casos diferem de maneira moralmente crucial. No caso do uso nocivo de animais na ciência, animais são coercitivamente colocados em risco, riscos que eles não correm de outra forma, para que outros possam se beneficiar. Dia após dia, eles são forçados a correr riscos por nós (e pelos outros), e assim são institucionalmente tratados como se existissem como meros recursos, cujo lugar no esquema moral das coisas é servir aos interesses de outros indivíduos. Essa transferência coercitiva de riscos, de outros para esses animais, quando os próprios animais não correm o risco de sofrer os danos que lhes são impostos é, como explicarei detalhadamente no caso, uma violação indefensável de seu direito de ser tratado com respeito.

O caso do bote salva-vidas é diferente. O risco de morte do cão é assumido como sendo o mesmo de cada um dos sobreviventes humanos. E ainda é assumido que ninguém corre esse risco por causa de violações precedentes de direito; por exemplo, ninguém foi forçado ou enganado a bordo. Os sobreviventes estão todos no bote salva-vidas porque, digamos, uma embarcação maior afundou ou o rio inundou.

Não há indício de inconsistência, portanto, em fazer julgamentos morais diferentes nos dois casos. É errado – categoricamente errado – coercitivamente colocar um animal em risco de dano, quando o animal não correria esse risco, para que outros pudessem se beneficiar; e é errado fazer isso em um contexto científico ou em qualquer outro contexto, porque tal tratamento viola o direito do animal de ser tratado com respeito, reduzindo o animal ao status de um mero recurso, um mero meio, uma coisa. No entanto, não é errado jogar o cão do bote salva-vidas ao mar se o cão corre o mesmo risco de morrer que os outros sobreviventes, se ninguém violar o direito do cão ao colocá-lo a bordo, e se todos a bordo do bote perecerão se continuarem em sua condição atual.

Dado que essas condições são satisfeitas, a escolha de quem deve ser salvo deve ser decidida pelo que chamo de princípio de dano. O espaço me impede de explicar esse princípio aqui (veja o livro “Case For the Animal Rights”, capítulos 3 e 8). É suficiente dizer que ninguém tem o direito de fazer com que o seu menor dano seja maior do que o maior dano do outro. Assim, se a morte seria um dano menor para o cão do que seria para qualquer um dos sobreviventes – (e esta é uma suposição que Singer não contesta) – então o direito do cão de não ser ferido não seria violado se ele fosse lançado ao mar. Nessas circunstâncias perigosas, suponho que nenhum direito de ser tratado com respeito tenha sido parte de sua criação, o direito individual do cão de não ser prejudicado deve ser ponderado de forma equitativa contra o mesmo direito individual de cada um dos sobreviventes humanos.

Ponderar esses direitos dessa maneira não é violar o direito de qualquer pessoa de ser tratada com respeito; exatamente o oposto é verdadeiro, e é por isso que os números não fazem diferença nesse caso. Dado que o que devemos fazer é pesar o dano enfrentado por qualquer indivíduo contra os danos enfrentados pelo outro indivíduo, em relação a um indivíduo, não em relação a uma base coletiva, então não faz diferença quantos indivíduos sofrerão menos, ou qual indivíduo sofrerá mais. Não seria errado lançar um milhão de cães ao mar para salvar os quatro sobreviventes humanos, supondo que o caso do bote salva-vidas fosse o mesmo. Mas também não seria errado lançar um milhão de humanos ao mar para salvar um sobrevivente canino, se o dano que a morte causaria aos humanos fosse, em cada caso, menor do que o dano que a morte causaria ao cão.

Tendo tentado aqui dissipar os fundamentos da confessa “dificuldade” de Singer em entender o meu tratamento do caso do bote salva-vidas, quero enfatizar novamente o meu ponto anterior, que “The Case” tenta oferecer uma base teórica para avaliar a ética das práticas sociais em cursos e instituições, e, no curso disso, atende à tarefa de lançar as bases do movimento dos direitos dos animais. Fazer muito da minha breve discussão sobre uma ocorrência isolada, bizarra e pouco comum – o caso do bote salva-vidas – é perder a maior parte do que “The Case” apresenta, seja [a obra] bem-sucedida ou não.

Nas palavras de Peter Singer

Regan procura enfatizar as diferenças entre a sua visão e a minha. Ele diz que sua posição requer a abolição total do uso nocivo de animais na ciência, enquanto a minha não. É verdade que, numa visão utilitarista, poderia haver circunstâncias em que um experimento com um animal pudesse reduzir tanto o sofrimento, que seria permissível realizá-lo mesmo que envolvesse algum dano ao animal. (Isso poderia ser verdade, aliás, mesmo se o animal fosse um ser humano). Mas se concentrarmos na prática social da experimentação, uma posição utilitarista exige que procuremos acabar com esses trágicos conflitos de interesses, desenvolvendo métodos de pesquisa que não envolvem o uso nocivo de criaturas sencientes. A abolição de todos os usos nocivos dos animais na ciência é, portanto, tanto o objetivo do meu ponto de vista quanto o de Regan.

Mas, Regan protestaria, pois o utilitarismo é apenas um objetivo final; na visão de direitos é um requisito imediato. De fato – pensando ainda na prática social da experimentação como um todo, e não em casos individuais, bons argumentos utilitaristas poderiam ser oferecidos para a imediata abolição da experimentação animal. Seria imensa a quantidade de animais poupados do sofrimento; os benefícios perdidos na melhor das hipóteses seriam incertos; haveria um incentivo que proporcionasse o rápido desenvolvimento de meios alternativos de condução de pesquisas, as mais poderosas imagináveis.

Se, por outro lado, desviarmos nossa atenção da prática social existente de experimentação para casos hipotéticos, então a visão de Regan também não pode consistentemente implicar a abolição total de todos os usos nocivos de animais na ciência. Em minha análise, sugeri que, dado o que ele diz sobre o caso do bote salva-vidas, ele não pode negar consistentemente que seria permissível sacrificar um número ilimitado de cães para salvar uma vida humana. Ele agora responde que o caso do bote salva-vidas é diferente da experimentação animal, porque os animais no bote salva-vidas não foram coagiados à situação em que correm risco de sofrer danos. Essa diferença, no entanto, não distingue a situação do barco salva-vidas de todas as circunstâncias possíveis em que os animais são usados em experiências.

Suponha, por exemplo, que um vírus novo e fatal afete os cães e os seres humanos. Cientistas acreditam que a única maneira de salvar as vidas de qualquer um dos afetados é realizar experimentos com alguns deles. Os sujeitos dos experimentos morrerão, mas o conhecimento adquirido significará que outros afetados pela doença viverão. Nesta situação, os cães e os seres humanos estão em perigo igual, e o perigo não é resultado de coerção. Se Regan acha que um cão deve ser expulso do bote salva-vidas para que os seres humanos possam ser salvos, ele não pode consistentemente negar que devemos usar um cão doente para salvar humanos doentes.

Isso não é tudo. Desde que Regan diz que nesses casos os números não contam, e um milhão de cães deve ser jogado ao mar para salvar um único ser humano, ele teria que dizer que seria melhor realizar o experimento em um milhão de cães do que realizar em um único humano. Aqui podemos ver as extraordinárias consequências da recusa em tomar conhecimento dos números: nas circunstâncias descritas, a suposta visão “totalmente abolicionista” de Regan permite muito mais – na verdade, literalmente e infinitamente mais – experimentação animal do que a visão utilitária que acrescenta que até o dano sofrido pelos cães em algum ponto é muito maior do que o dano que seria sofrido por um único ser humano.

Independentemente dessa consequência infeliz da visão de Regan, parece errado sustentar que o que podemos fazer a um cão em um bote salva-vidas depende de como o cão passou a estar no bote salva-vidas em primeiro lugar. O ponto é bem feito em um artigo não publicado por Dale Jemieson, um filósofo da Universidade do Colorado. Como Jamieson argumenta, dificilmente parece apropriado perguntar, antes de decidirmos colocá-los em nosso bote salva-vidas, se os animais ou pessoas que afogam estão na água porque foram empurrados (o que presumivelmente seria uma violação de seus direitos), ou porque caíram (o que não seria). Portanto, Regan não conseguiu conciliar o que ele diz sobre o caso do barco salva-vidas com seu apoio declarado à abolição total da experimentação animal. Concordo inteiramente, entretanto, que tais casos hipotéticos bizarros não têm nenhum significado prático. O valor prático do livro de Regan está em seus ataques às nossas práticas sociais de usar animais como ferramentas de pesquisa e como meros pedaços de carne viva e palatável. Sobre essas questões práticas, Regan e eu estamos em total concordância. Vista da perspectiva de uma sociedade que continua a aceitar essas práticas, as diferenças filosóficas entre nós pouco importam.

Referência

Regan, Tom; Singer, Peter. The Dog in the Lifeboat: An Exchange. The New York Review of Books (25 de abril de 1985).





Quando as pessoas se alimentam de animais…

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Quando as pessoas se alimentam de animais, normalmente elas não consideram que estão se alimentando de algo que foi alguém; e este alguém teve olhos para testemunhar o mundo sob uma ótica não muito auspiciosa; um mundo que pode ser visceralmente injusto e violento com os mais vulneráveis…