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Tolstói: “O vegetarianismo é um sinal da aspiração séria e sincera da humanidade”
Sobre a carne como alimento, o escritor russo Liev Tolstói a desqualificava sob qualquer aspecto
Um dos maiores nomes da literatura mundial, Liev Tolstói, além de romancista, filósofo, humanitarista e pacifista, também chamou a atenção e conquistou muito respeito nos séculos 19 e 20 por ser um grande defensor do vegetarianismo. Levando uma vida frugal, ele se alimentava basicamente de pães, frutas e vegetais.
Sobre a carne como alimento, Tolstói a desqualificava sob qualquer aspecto, e não apenas ponderando sobre o sofrimento dos animais, mas também a supressão da capacidade espiritual humana – que deveria se voltar para a simpatia e compaixão pelos seres vivos. “Ao violar esses sentimentos, o ser humano abre as portas para a crueldade. Mas afirmando que Deus ordenou o abate dos animais, o que acima de tudo é tão somente um hábito, as pessoas perdem inteiramente o seu sentimento natural”, escreveu Tolstói em ensaio publicado no livro Recollections and Essays, lançado em 1937, 27 anos após sua morte.
Na obra, há diversos textos raros em que ele aborda suas experiências com o vegetarianismo. E se alguns deles se voltam para a introspecção e interiorização, outros consistem em retratos da comezinha hipocrisia. Exemplos são os relatos sobre o que ele testemunhava tanto nas áreas urbanas quanto rurais da Rússia tsarista.
Segundo o escritor russo, o ser humano, por ter hábitos onívoros, ignora o fato de que o primeiro elemento da vida moral é a abstinência. “Não faz muito tempo que falei com um soldado aposentado. Ele ficou surpreso quando eu disse que é uma pena matar animais e reduzi-los à comida. Justificou que era a ordem natural das coisas. Falei que sentia mais pena ainda quando os animais surgiam silenciosos, como gado manso. ‘Eles vêm, coitados, confiando em ti. É muito lamentável.’ Até o final da nossa conversa, ele já estava concordando comigo”, narra.
Tolstói também relata uma experiência que teve quando decidiu visitar um matadouro em Tula, ao sul de Moscou. Naquele dia, ele convidou um amigo para acompanhá-lo. A proposta foi declinada e o homem alegou que não suportaria ver o abate dos animais. “Vale a pena observar que ele era também um desportista que caçava pássaros”, enfatiza o escritor, desvelando a contradição especista do amigo.
De acordo com o russo, em qualquer lugar, sempre há uma senhora refinada devorando a carcaça de um animal, crente de que está agindo corretamente. Ela é tão frágil que diz não ter condições de se alimentar somente de vegetais. Também é tão sensível que jamais conseguiria causar dor a si mesma ou a qualquer outro animal. Na realidade, seria incapaz até de vê-lo sofrer. E ela é fraca justamente porque foi ensinada a se alimentar daquilo que não é natural ao homem. E, ainda assim, ela não consegue evitar de causar dor aos animais porque prefere continuar comendo eles.
Para Tolstói, se alimentar de animais é uma injustiça e uma imoralidade que tem sido aceita pela humanidade durante toda a vida consciente dos seres humanos. Apesar disso, há séculos cresce o número de pessoas que não reconhecem o ato de comer carne como sendo certo. No século 19, o escritor russo percebeu que a humanidade já passava por um progresso moral lento, mas ininterrupto.
“Não se pode duvidar que o vegetarianismo tem progredido dessa forma. O progresso do movimento deve provocar especial alegria naqueles que se esforçam por trazer o verdadeiro reino de Deus à Terra. O vegetarianismo é um sinal da aspiração séria e sincera da humanidade em direção à perfeição moral”, defende Liev Tolstói em Recollections and Essays. Sua contribuição para o vegetarianismo foi tão significativa que desde a década de 1950 seus ensaios são usados em congressos realizados no mundo todo.
Referências
Tolstoy, Leo. Recollections and Essays. Nabu Press (2011).
IVU World Vegetarian Congress, Souvenir Book (1957).
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Sophia, uma mulher por trás de “Guerra e Paz”
Título da obra mais importante de Liev Tolstói também definia o relacionamento do autor com a esposa
A imagem completa da vida humana, do zeitgeist russo, da história de luta das nações, de tudo que as pessoas consideravam como felicidade, grandeza, tristeza e humilhação sintetiza o significado e a importância do romance “Guerra e Paz”, do escritor russo Liev Tolstói, lançado em 17 de dezembro de 1867.
O anúncio do lançamento da obra que se tornou quase que imediatamente um dos maiores romances da história da literatura foi feito no Moscow News. Os quatro volumes foram vendidos ao preço de sete rublos. Os três primeiros foram entregues com um cupom para o quarto. Os leitores descobriram que viriam mais novidades nos próximos dois anos.
A repercussão da novela de Tolstói foi tão grande que os russos varreram as estantes das livrarias, inclusive para presentear amigos e depois trocarem cartas em que revelavam suas impressões dos personagens. Tolstói dizia que o livro consumiu cinco anos de sua vida, e a obra não era resultado de sua imaginação, mas sim de algo arrancado de suas entranhas. Naquela época, ele e Sophia eram recém-casados. Ela tinha 18 anos e ele 34. Para ajudá-lo, a jovem passava noites sob luz de velas decifrando e transcrevendo os manuscritos de Tolstói.
Além disso, também assumiu a responsabilidade de avaliar a obra e os sentimentos que ele transmitia por meio do livro. Como o russo era um escritor compulsivo e detalhista que não possuía uma boa caligrafia, Sophia teve de reescrever “Guerra e Paz” sete vezes até chegar à versão final. E ela fez tudo isso na esperança de ter um filho com ele. Mais tarde, também desempenhou o papel de secretária, revisora e gerente financeira enquanto o marido escrevia Anna Karenina, lançado em 1877.
Mas o relacionamento dos dois não era baseado somente em cumplicidade. Quando Liev Tolstói começou a escrever “Guerra e Paz”, Sophia registrou em um de seus diários a seguinte passagem: “Ele está escrevendo sobre a condessa fulana conversando com a princesa quem é. Insignificante”, reclamou. O autor russo se dedicou tanto ao livro que Sophia chegou a ortografar que ele provavelmente já “sentia o crime de matar na guerra”. Alguns pesquisadores afirmam que o casamento deles foi conturbado ao longo de 48 anos.
Em 1910, a saúde de Tolstói já estava bem debilitada, tornando-se uma recorrente preocupação familiar. Em seus últimos dias, pressentindo o pior, ele só escrevia e conversava sobre a experiência de morrer. Depois de muito tempo de renúncia ao seu estilo de vida aristocrata e adoção de uma vida simples, um dia ele saiu de casa com a intenção de se separar de Sophia. O motivo seria os ciúmes que ela começou a sentir quando testemunhou a atenção que o marido dispensava aos seus discípulos.
Talvez com razão e talvez também houvesse um motivo a mais, já que alguns pesquisadores apontam que alguns seguidores mais próximos de Liev Tolstói passaram a exercer influência sobre ele. Na fuga de 20 de novembro de 1910, aquele que foi considerado o homem mais famoso da Rússia faleceu em decorrência de pneumonia na Estação Ferroviária de Astapovo, na Província de Riazan, e talvez imerso na solitude final.
Trecho de “Guerra e Paz” – Volume I (Página 467)
Pedro, silencioso, olhava, assombrado, o amigo, sem poder apartar os olhos dele, aturdido com a mudança que nele se operara. As suas palavras eram acolhedoras, tinha o sorriso nos lábios, mas aos olhos apagados, como mortos, por mais que fizesse não conseguia comunicar-lhes sombra de alegria. Não que tivesse emagrecido ou estivesse pálido, mas aquele seu olhar e aquela sua fronte sulcada de rugas, sinal de pensamentos concentrados, impressionavam Pedro e causavam-lhe como que uma sensação de repulsa, uma vez não habituado a vê-los no amigo.
Como sempre acontece depois de uma longa separação, não foi fácil encetarem desde logo uma boa conversa. As perguntas e as respostas eram breves, posto abordassem assuntos de que tanto um como outro estavam certos de ser dignos de mais larga explanação. Mas, por fim, voltaram a tratar dos assuntos a que apenas se haviam referido abreviadamente: o passado, os seus planos de futuro, a viagem de Pedro, as suas ocupações, a guerra, etc. A preocupação e o abatimento que Pedro notara no olhar do seu amigo refletiam-se agora mais pronunciadamente no sorriso com que ele acolhia as tiradas de Pedro, especialmente quando o ouviu falar com jovial emoção do passado e do futuro.
Obras mais importantes de Liev Tolstói
“Guerra e Paz”, “Anna Karenina”, “Confissão”, “O Reino de Deus está em Vós” e “Ressurreição”.
Saiba Mais
Liev Tolstói nasceu em 9 de setembro de 1828 em Yasnaya Polyana, a 12 quilômetros de Tula, na Rússia.
Sophia Andreyevna nasceu em 22 de agosto de 1844 e faleceu em 4 de novembro de 1919. Ela teve 13 filhos com Liev Tolstói, mas somente oito sobreviveram à infância.
Referências
http://www.todayinliterature.com/
V.G. Chertkov, The Last Days of Tolstoy. William Heinemann 1922.
Tolstaya, S.A. The Diaries of Sophia Tolstoy, Book Sales, 1987.
Gogol e o seu abismo privado
“Gogol se tornou o maior artista da Rússia quando assumiu quem era em seu abismo privado”
No dia 4 de março de 1852, Nikolai Gogol faleceu aos 42 anos em Moscou, na Rússia. Seu estilo único o tornou famoso por histórias como O Nariz, publicada em 1832, e O Capote, de 1842, além da peça O Inspetor Geral, de 1836, e a novela Almas Mortas, também de 1842, em que o escritor mistura o cômico, o absurdo e o trágico, inspirado pela obra A Divina Comédia, de Dante Alighieri.
Mesmo com o sucesso, Gogol nunca alcançou suas ambições literárias. Ele se sentia extremamente atraído pelo universo criado por Dante e pelo legado literário da Renascença. Quando terminou Almas Mortas, frustrou-se porque só conseguiu criar o Inferno, sem o Purgatório e o Paraíso. O segundo volume da sua novela viria dar continuidade a esse trabalho, mas ele abandonou a obra.
Considerado o Hieronymus Bosch da literatura russa, um dia Gogol conheceu Catherine, irmã do poeta Nikolai Yazykov, na casa de seu amigo o conde Alexander Tolstói. O escritor criou um laço de afinidade com a moça de 35 anos que morreu precocemente de tifo em janeiro de 1852, três dias após contrair a doença.
Devastado com a morte de Catherine, Nikolai Gogol começou a temer a própria mortalidade e se afundou em uma severa depressão. Percebendo a vulnerabilidade do escritor, um padre ultraortodoxo chamado Matvei Konstantinovsky o convenceu de que a única salvação seria se voltar para a religião. E mais, declarou que jejuar, orar e ler sobre a vida dos santos não era o suficiente para um bom cristão. Ele precisaria renunciar à sua escrita qualificada pelo sacerdote como “vangloriosa” e “profana”.
O escritor seguiu a recomendação e queimou todos os seus trabalhos em sua casa na Avenida Nikitsky, em Moscou, incluindo manuscritos da sequência de Almas Mortas, um trabalho que exigiu anos de dedicação. Na mesma época, Gogol participou do tradicional Banquete de Maslenitsa, que precede a quaresma ortodoxa, quando os russos ortodoxos se empanturram de comida, principalmente derivados lácteos. Como ele era obcecado por comida, o jejum que o sacerdote o obrigou a fazer depois foi tão radical que sua saúde física e mental ficou rapidamente debilitada.
Nas últimas horas de vida, alguns médicos tentaram salvá-lo com técnicas de hipnose. Também deram-lhe banhos quentes enquanto derramavam água gelada sobre sua cabeça e depois o banharam em água gelada e o deitaram em uma cama coberta por pães quentes. Foi tudo em vão. Gogol simplesmente pediu que o deixassem morrer em paz.
Quando golpeou as sanguessugas aplicadas em seu nariz e que tentaram entrar em sua boca, ele teve de ser contido. Naquele momento a morte o levou. Nikolai Gogol parecia tão frágil que sua coluna vertebral podia ser vista através de seu estômago.
Quando Dostoiévski elogiou Gogol
Apesar de tudo a grande reputação de Nikolai Gogol como pai do realismo russo foi estabelecida. Inclusive uma frase do russo Fiódor Dostoiévski corrobora esse fato: “Eu e meus contemporâneos saímos debaixo do capote de Gogol.” Segundo Vladimir Nabokov, o estável Pushkin, o prosaico Tolstói e o contido Chekhov tiveram seus momentos de claridade irracional, mas felizmente Gogol se tornou o maior artista da Rússia quando assumiu quem realmente era em seu abismo privado.
Em O Nariz, a história mais famosa de Nikolai Gogol, um barbeiro decide tomar o seu café da manhã. Quando corta o pão, ele percebe que lá dentro há um nariz que pertence ao seu cliente M. Kovaliov. Escandalizada, a esposa do barbeiro o acusa de assassinato. Enquanto o homem assustado tenta se livrar do nariz, o burguês sai pelas ruas de São Petersburgo procurando o próprio órgão.
Em 2002, São Petersburgo amanheceu sem o Hoc mais famoso da cidade. Como se a vida imitasse a arte, a escultura O Nariz, de Vyacheslav Bukhayev, criada em homenagem ao conto de Nikolai Gogol, havia sido furtada. Bem-humorado, o escultor que a concebeu em 1994 disse o seguinte: “Parece que o nariz saiu para dar uma volta.”
Curiosidade
Diz a lenda que Gogol era paranoico e propenso a longos períodos de letargia, por isso temia tanto ser enterrado vivo. Entre seus amigos e conhecidos circulava um rumor de que o escritor queria que seu caixão tivesse um furo para que ele pudesse balançar uma corda que tocaria um sino, assim avisando a todos que ele não estava morto.
Saiba Mais
Nikolai Gogol nasceu em 1º de abril de 1809 e faleceu em 4 de março de 1852. Seu corpo foi enterrado no Cemitério de Danilov.
Até hoje, russos e ucranianos reivindicam a nacionalidade do escritor, levando em conta que ele nasceu em Velyki Sorochyntsi, no Império Russo, e atual cidade de Poltava, na Ucrânia, que à época já era habitada por ucranianos.
Entre as melhores obras de Nikolai Gogol estão “O Nariz”, “O Capote”, “Almas Mortas”, “O Inspetor Geral” e “Diário de Um Louco”.
Fragmento de O Nariz, publicado em 1832
Respeitador dos bons modos, Ivan Yakovlévitch vestiu seu casaco sobre a camisa e se preparou para o desjejum. Colocou à sua frente uma pitada de sal, limpou duas cebolas, pegou sua faca e, com uma expressão grave, cortou o pão em dois.
Percebeu então, para sua grande surpresa, um objeto esbranquiçado exatamente no meio do pão. Cutucou-o cuidadosamente com a faca, apalpou-o com o dedo… “Que poderá ser isso?”, perguntou-se sentindo a resistência.
Meteu então os dedos dentro do pão e dali retirou… um nariz! Seus braços despencaram. Ele esfregou os olhos, apalpou novamente o objeto: um nariz, era de fato um nariz, tratava-se até mesmo de um nariz de suas relações! O pavor tomou conta das feições de Ivan Yakovlévitch.
Mas este pavor não era nada comparado à indignação que se apoderou de sua respeitável esposa. “Onde foste capaz de cortar este nariz, sujeito desastrado!, exclamou ela. Beberrão! Ladrão! Patife! Vou em seguida te denunciar à polícia, seu bandido! Já ouvi três pessoas dizendo que, ao lhes fazer a barba, puxas o nariz das pessoas quase a ponto de arrancá-lo!”
Entretanto, Ivan Yakovlévitch estava mais morto do que vivo: acabara de reconhecer o nariz de M. Kovaliov, assessor do juiz do colegiado eleitoral, que tivera a honra de barbear na quarta e no domingo.
Referências
http://www.todayinliterature.com
Delgado, Yolanda. The final days of russian writers: Nikolai Gogol and Anton Chekhov. Russia Beyond The Headlines. 5 de junho de 2014.
Aris, Ben. Police on the scent of nose statue gang. The Telegraph. 4 de outubro de 2002.
Peace, Richard. The Enigma of Gogol: An Examination of the Writings of N. V. Gogol and Their Place in the Russian Literary Tradition. Cambridge University Press (2009).
Maguire, Robert. Gogol from the Twentieth Century: Eleven Essays. Princeton University Press (1997).
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