David Arioch – Jornalismo Cultural

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Artistas se unem e lançam coleção de contos infantis veganos

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São seis livros em que os protagonistas são animais regularmente explorados e mortos para fins humanos

Livros estão à venda na lojinha do projeto PAZ (Imagens: Divulgação)

Desde 2014, Marcya Harco, Paulo Roberto Drummond e Daniela Benite realizam ações de artivismo em defesa dos animais. E foi com essa motivação que recentemente publicaram a coleção de livros “PAZ – Pessoas e Animais, AmiZades Legais”, que apresenta às crianças alguns contos com histórias de animais comumente explorados. De acordo com o trio que compõe o projeto PAZ, sediado em São Paulo e que dá nome à coleção, eles tiveram a preocupação em apresentar cada história de maneira delicada e lúdica. Nos seis livros, intitulados “Vera”, George”, “Márcia”, “Gary”, “Jill” e “Ismael”, os protagonistas, que são animais, almejam sempre a liberdade e uma vida justa.

Um diferencial da coleção, e que ajuda a fortalecer a mensagem de que os leitores têm bons motivos para incluir também os animais explorados para consumo em seu círculo moral, é que em cada conto há um ser humano com um olhar sensível em relação aos animais lutando para salvá-los de qualquer exploração. Para entender melhor a proposta do projeto, entrevistei Marcya, Paulo e Daniela sobre a coleção e a sua receptividade, além da importância da literatura infantil e projetos futuros, dentre outros assuntos. Confira:

Sei que os livros da coleção “PAZ – Pessoas e Animais, AmiZades Legais” são voltados principalmente ao público infantil, mas há uma faixa etária específica a quem essas obras são direcionadas?

Todos os contos são ilustrados e sugeridos para crianças a partir dos 3 anos​, com leitura compartilhada. Depois de alfabetizadas, são indicados para até 10 anos ou mais, dependendo de como tocam cada pessoa. No entanto, pessoas de todas as faixas etárias têm se interessado e adquirido os livros.

Como foi a ideia de dar nomes únicos de personagens a cada um dos livros?

Cada título leva nome de um animal que é personagem principal e tem a sua história de vida retratada. Sempre acreditamos que o animal incluído na comunidade moral teria o seu espaço como pessoa respeitado, com todos os direitos. Então é assim que o vemos. Nós já o incluímos e assim o tratamos. O nome corresponde à sua identidade como pessoa. Essa questão do nome é muito significativa. Conhecemos há muitos anos um fazendeiro que criava algumas vacas. Ele se afeiçoou mais a uma delas e deu-lhe um nome como pessoa. Depois ele teve muita dificuldade em permitir que ela fosse assassinada para consumo. Era visível a crise de consciência diante da possibilidade de morte da nova amiga.

Cada livro traz um conto diferente, o que significa uma história singular. Porém, há algo que une todas essas histórias como partes de uma mesma unidade?

​Sim, os protagonistas de ​cada história são animais regularmente explorados e mortos para fins humanos: Jiil, uma vaca; Ismael, um porco; Gary, um peixe; Márcia, uma galinha; George, um peru; e Vera, uma coelha. Nesse primeiro momento foi primordial considerar os animais criados e abatidos em grande escala. Outra questão é que há, em todos os contos, um ser humano, criança ou adulto, envolvido na salvação de cada animal herói do conto.

Há um caráter de importância em ler todos os livros para entender melhor cada história?

​ ​​O interessante em ler toda a coleção é possibilitar às crianças a construção de um olhar sensível para todos os animais. Ao leitor ou leitora com mais vivência, permite ampliar a percepção para a desconstrução de histórias de exploração animal consideradas “normais” em nossa sociedade. É importante esclarecer que a coleção PAZ tem um caráter lúdico e delicado, com uma linguagem extremamente acessível a todos e todas.

Como vocês veem a importância da literatura infantil contra a exploração animal?

​As obras literárias, as quais afastam a visão antropocêntrica do mundo, podem colaborar para a construção de conhecimento da criança, no sentido de sua formação, como pessoas críticas diante da atual condição dos animais e de todo o habitat de vida na Terra. O estímulo à empatia, ao afeto, à compaixão, e principalmente ao respeito e à consideração ética em relação aos animais não humanos são parâmetros para que a literatura infantil se torne uma ferramenta pedagógica primordial para o processo educativo de todas as crianças. Uma sociedade que maltrata animais, considerando-os como mercadoria e propriedade será sempre opressora e violenta, em facetas diversas, tanto com os animais não humanos quanto conosco, humanos.

Quais são os predicados de um bom livro para sensibilizar crianças em relação aos direitos animais?

​Primeiramente, afastar a perspectiva antropomórfica e zoomórfica sobre os animais não humanos​. Os personagens animais não estão para falarem das qualidades e dos defeitos humanos, mas retratarem suas próprias histórias e desejos, como sujeitos morais. Estimular a empatia, o respeito, a afetividade e a consideração pelos sentimentos dos animais. De preferência, livros de fácil manuseio e ilustrados.

Entre a idealização e a conclusão do livro foi preciso bastante tempo?

​A ideia surgiu em 2015. Em seguida, o Paulo Roberto Drummond iniciou a escrita dos contos, e em 2016 a Daniela Benite, começou o trabalho com as ilustrações. Em 2017, entramos com uma campanha de crowdfunding [financiamento coletivo] e ​ao final do ano enviamos o material para a gráfica.​

Houve alguma dificuldade nesse processo?

​Muita. Não tínhamos verba. Então foi uma luta insana, dia e noite, ​trabalhando na campanha de crowdfunding. A Marcya Harco teve um problema de saúde e precisou ser internada durante um mês, em razão de uma hérnia de disco extrusa. Nesse tempo, apesar da dificuldade em se locomover, ela levou o seu notebook e realizou a diagramação dos livros no hospital mesmo. Ao final, não arrecadamos o que pretendíamos, mas conseguimos produzir uma quantidade modesta da coleção.

Como tem sido a receptividade?

​Incrível! Modéstia à parte, as pessoas que adquiriram os livros têm elogiado muito as histórias, as ilustrações e o projeto em si. Comentam sobre a boa receptividade e o encantamento das crianças pelos contos. Estamos muito felizes por isso.

Os livros já têm sido utilizados em escolas?

Tivemos uma reunião em São Paulo com os dirigentes ​da primeira escola vegana do Brasil, a Nativa Escola, localizada em João Pessoa [Paraíba]. A escola vai adotar a coleção PAZ como material pedagógico ​para crianças do ensino infantil e fundamental I. Algumas professoras da rede pública, que apoiam o veganismo, adquiriram os livros para leitura em sala de aula.

Vocês têm maior predileção por algum dos contos em específico?

Não temos um livro predileto. São histórias lúdicas, às vezes poéticas, de aventuras, de personagens, animais e pessoas [crianças e adultos], que lutam para um mundo ético, sem violência, sem escravidão, com paz, compaixão e libertação para todos. Cada livro tem um valor intrínseco.

Consideram difícil a publicação de livros com temática vegana no Brasil?

​ ​​Olha, como fizemos um projeto autônomo, não pesquisamos muito essa questão. Mas imaginamos que não deva ser muito fácil ainda. A ideia da coleção surgiu dentro de um projeto que estávamos iniciando, que é o projeto PAZ – Pessoas e Animais, AmiZades Legais. Ela nasceu como primeira realização desse projeto, que tem o objetivo de fomentar e reverberar ações que difundam as inter-relações positivas, que já existem pelo mundo, entre pessoas humanas e pessoas animais. Isso no foco, principalmente, dos animais que são violentamente explorados. Queremos dizer: “Olha, você ainda come o porco, mas veja esse porco aqui. Ele tem um amigo humano que respeita a sua vida e o seu modo de ser.” Acreditamos que ações como essa também possam colaborar no convencimento, no esclarecimento, já que, se formos pensar em Kant, o veganismo não poderia ser uma espécie de adeus a menoridade do indivíduo? ​

Há previsão de novas parcerias e publicação de mais livros?

Estamos em busca de parceiros para uma nova edição da coleção atual. Também estamos planejando uma outra coleção de livros para mais adiante. Já nos sugeriram procurar editoras, mas aí a coleção, de cuja venda queremos gerar recurso para financiar outras atividades do projeto PAZ, deixará de oferecer essa oportunidade. Uma vez que só conseguiríamos receber 10% do que for arrecadado. Por isso, estamos pensando em uma forma de produzir, por exemplo, uma tiragem de mil exemplares da coleção. Dessas mil coleções, uma boa parte seria distribuída para as crianças, ONGs, instituições e escolas de baixa renda, e a outra parte fomentaria outras ações do PAZ.

Falem um pouco também do trabalho de vocês com a arte como instrumento de reflexão sobre o respeito à vida animal não humana. Sei que, para além da literatura, vocês também trabalham com teatro e intervenções artísticas voltadas para essa conscientização.

​A arte é uma expressão sensível e habilidosa de uma experiência estética, que por via sensorial, altera a percepção ao nosso redor, provocando a desautomatização do cotidiano. O ato artístico não deve ser apenas uma informação. É necessário que se proponha uma experiência ou vivência. A obra artística deve tocar as pessoas no campo da sensibilidade, estimulando-as a se colocarem diante da sociedade de forma mais ativa, consciente e crítica. Mas, como podemos fazer uma arte em que o espectador passe do papel de contemplador passivo para ativo? É preciso que a arte proporcione uma experiência. Sem experiência, não há sensibilização nem reflexão e​ muito menos​ incitará ​uma ​transformação.

Por isso, desde 2014 realizamos ações de artivismo em defesa dos animais. Trabalhamos com teatro e frequentemente realizamos atividades artísticas dirigidas às crianças, por meio de apresentações teatrais e oficinas pedagógicas​. Pensamos que uma educação consciente, a qual​ prioriza o respeito pela v​ida, seja​ a base para proporcionar um mundo de paz. Buscamos realizar ações de artivismo (arte + ativismo) por meio de linguagens diversas, como cenas teatrais, performances visuais, poesia, narração de histórias, literatura, entre outras. Nossas ações artísticas têm como objetivo propor experiências que possibilitem o despertar da empatia e da consciência afetiva das pessoas, com o intuito de impulsionar ações que modifiquem a​ ​atual ​realidade especista, violenta​​ e absurdamente injusta, as quais os animais não humanos são subjugados e agredidos​. Transformações no âmbito do veganismo, visto que este é o único caminho real em direção a libertação e reconhecimento dos animais não humanos como seres morais e de direitos. Para tanto, as experiências e fruições artísticas têm que ser significativas.

Os seis livros veganos que compõem a coleção estão à venda na lojinha do Projeto PAZ:

http://pazpessoaseanimais.com/#!lojinha

Você também pode acompanhá-los no Facebook:

https://www.facebook.com/pazpessoaseanimais/





Um bate-papo sobre veganismo com Robson Fernando de Souza, criador do Veganagente

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Robson lançou há pouco tempo o seu livro “Veganismo: as muitas razões para uma vida mais ética”

Robson Fernando de Souza escreve sobre veganismo desde 2007 (Foto: Divulgação)

Formado em licenciatura em ciências sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e tecnologia em gestão ambiental pelo Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), o vegano Robson Fernando de Souza, criador do site Veganagente, recentemente publicou o livro “Veganismo: as muitas razões para uma vida mais ética”, que é direcionado tanto para quem tem interesse em saber o que é o veganismo, como também para quem já é vegano há muito tempo. O livro que apresenta bons motivos para alguém se tornar vegano e refletir profundamente sobre a exploração animal está à venda em vários sites e livrarias, onde pode ser adquirido em versão impressa e digital.
 
Em entrevista ao blog, Robson, que desde 2007 produz conteúdo de conscientização sobre o veganismo, fala sobre a sua história com o veganismo, o trabalho com o Veganagente, o seu livro, veganismo interseccional, o crescimento do veganismo, literatura vegana, barreiras na divulgação do veganismo, bem-estarismo e representatividade vegana, além de outros assuntos pertinentes aos direitos animais. Confira:

Robson, quando surgiu o seu interesse pelo veganismo? Como foi isso?

 Meu interesse pela defesa animal como um todo surgiu em 2005, com a repercussão da novela América, da Globo, que fazia apologia aos rodeios, e dos casacos de pele de Jennifer Lopez. Na época, eu ainda consumia alimentos de origem animal em abundância. Ao longo de dois anos de contato com veganos e vegetarianos em diversas comunidades do saudoso Orkut, minha resistência ao vegetarianismo foi sendo “minada” e diminuindo pouco a pouco. Então, em agosto de 2007, na época do rodeio anual de Barretos, refleti o quanto estava sendo incoerente ao defender alguns animais (vítimas de casacos de pele e touros explorados nos rodeios) e comer outros (os animais ditos “de consumo”). Então, no dia 24 daquele mês, me tornei vegetariano, já parando de consumir todos os alimentos de origem animal de uma vez (nunca fui protovegetariano). Já o veganismo foi chegando aos poucos entre aquele dia e 13 de julho de 2008, quando concluí que meu boicote de produtos não veganos (sabonetes com sebo, cremes de barbear com lanolina, cremes dentais com glicerina animal etc.) chegou ao “patamar” necessário para me considerar vegano. Foi assim que meu interesse pelo veganismo surgiu.

 Por que você decidiu criar o site Veganagente? O que te motivou?

 A decisão de criar o Veganagente resultou do desejo de criar um blog especializado em veganismo e vegetarianismo, com artigos, receitas, memes, vídeos, respostas a antiveganos e outros materiais. Antes dele, eu postava conteúdo de veganismo e direitos animais no antigo tumblr Vegetariano da Depressão e no Consciencia.blog.br (meu outro blog). Eu já escrevia sobre veganismo, vegetarianismo e direitos animais desde setembro de 2007, quando comecei a escrever artigos de opinião. E já naquela já distante época senti vontade de escrever um livro que tivesse ou incluísse como tema essa área do conhecimento.

 Fale um pouco do seu trabalho com o Veganagente. Você trabalha sozinho? Qual é a periodicidade das publicações?

O Veganagente é um blog em que publico artigos sobre direitos animais, veganismo e também veganismo interseccional. Trabalho sozinho nas postagens, e a hospedagem está a cargo de um amigo meu, a quem sou muito grato. A periodicidade este ano tem sido de um ou dois artigos por semana, já que também me ocupo escrevendo livros e preparando meu futuro canal no YouTube.

Percebi que o site tem uma preocupação em mostrar que o veganismo não é apenas sobre animais não humanos, mas todos os animais.

 Isso, minha preocupação é ressaltar que a ética do veganismo e dos direitos animais abrange todos os seres sencientes. Por sua natureza antiespecista, não discrimina a espécie humana como superior nem inferior. O veganismo, por ser focado no combate ao especismo, não prega, por exemplo, o boicote a empresas com publicidade discriminatória, mas nem por isso considera opcional e dispensável o respeito ético aos seres humanos. Ele, por excelência, é uma manifestação ética interligada com outros ramos da ética humana.

Como você avalia hoje o veganismo interseccional? 

 O veganismo interseccional teve uma grande visibilidade entre 2014 e a primeira metade de 2016, época de diversos embates entre vegans interseccionais e vegans puristas (os que defendem “animais não humanos em primeiro lugar”). Na época, também ocorriam eventos veganos nas periferias urbanas. Hoje o movimento vegano interseccional continua atuando significativamente no Brasil, mas, pelo que tenho visto no Facebook, não tem mais se manifestado de maneira tão sonora quanto antes. Talvez por conta do contexto político e econômico da crise no Brasil; e talvez por alguns conflitos internos nos movimentos sociais e pelo fato de muita gente estar exausta de tanto discutir com vegans que reproduzem ou assumem posturas ideológicas de direita e que são anti-humanistas.

O que você acha que dificulta o entendimento do que realmente é o veganismo interseccional?

Estimo que seja por motivos como a má vontade ideológica de alguns veganos de direita e assumidamente antiesquerdistas. Também há pouca divulgação do veganismo interseccional na internet (neste momento, o Veganagente é um dos únicos blogs de visibilidade razoável no Brasil que tem como tema o veganismo interseccional), fora a ausência de livros sobre esse tema no país, e a não difusão de materiais estrangeiros por aqui (em inglês e espanhol há muito conteúdo interseccional). Pelo que tenho visto, como são poucas as pessoas falando via internet sobre o que é e o que não é o veganismo interseccional, e boa parte do conteúdo disponível nas buscas do Google é de artigos contrários a essa versão do veganismo, o entendimento para muitas pessoas sobre o tema tem sido distorcido e confundido.

Livro reúne 50 artigos produzidos entre os anos de 2013 e 2017 (Foto: Reprodução)

O Seu livro “Veganismo – as muitas razões para uma vida mais ética” reúne 50 artigos. É correto dizer que ele é direcionado tanto para quem não é vegano quanto para quem tem interesse em se aprofundar no assunto?

Isso. Tem 50 artigos, e tem esse direcionamento para simpatizantes e curiosos iniciantes sobre o veganismo, e também para vegetarianos e veganos novatos ou veteranos que querem se aprofundar na temática do veganismo e dos direitos animais.

Foi difícil a publicação do livro? Como foi o processo de seleção dos artigos? Quais foram suas prioridades?

 A publicação do livro não foi difícil porque que eu já sabia do Clube de Autores como lugar para publicar e vender livros sob demanda. A seleção dos artigos, por sua vez, consistiu em selecionar diversos artigos da categoria de artigos “Seja Vegan” do Veganagente, reestilizá-los, melhorá-los, adicionar-lhes fontes e também escrever artigos totalmente novos – alguns destes não estão disponíveis no Veganagente, só estão no livro. A prioridade foi dada aos artigos que correspondem a essa categoria de postagens.

Você é vegano desde 2008 e começou o Veganagente em 2013. Os artigos publicados no livro foram produzidos em que período?

 O livro contém versões melhoradas e rebuscadas de artigos cujas versões originais datam entre 2013 e 2016, e artigos inéditos escritos entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017.

Sei que o livro está à venda no Clube de Autores. Ele pode ser encontrado em mais algum outro lugar? Você está aberto a novos pontos de vendas?

No momento, ele só está à venda no Clube de Autores. Precisarei convertê-lo na versão Epub para poder vendê-lo em outras livrarias virtuais, parceiras do Clube. Sobre outros pontos de venda, está aberta a possibilidade de donos de estabelecimentos veganos e vegetarianos adquirirem cópias impressas do livro, obtendo desconto no frete e no custo de impressão de exemplares comprados em boa quantidade, e revendê-los localmente para faturar um pouco.

Ao longo de anos pesquisando e lendo sobre veganismo, quais autores e obras você indicaria para quem quer pesquisar sobre o assunto?

Alguns autores que recomendo são Sônia Felipe (Galactolatria: mau deleite, Por uma questão de princípios, Acertos Abolicionistas: A Voz dos Animais etc.), Carol Adams (A Política Sexual da Carne), Andrea Franco Lopes (Por Que Me Tornei Vegetariano), Gary Francione (Introdução aos Direitos Animais), Leon Denis (livros sobre educação vegana) e Tom Regan (Jaulas Vazias). Outros autores ainda preciso estudar com mais dedicação.

 Você acredita que o veganismo está crescendo no Brasil?

Por um lado, o número de pessoas que se consideram veganas e o de materiais diversos (livros, vlogs, blogs, quadros na TV etc.) sobre culinária livre de alimentos de origem animal tem crescido. Isso é uma notícia muito boa. Mas por outro, o conhecimento intelectual sobre a ética vegana, os direitos animais e o movimento vegano-animalista parece estar em baixa. Percebo isso na postura de muita gente, que age “veganamente” por meios puramente emocionais e consumeristas, não em defesa racional e convicta dos direitos animais enquanto fenômeno sociopolítico e da ética animal e seus princípios. Além disso, estão em extinção os blogs e sites de artigos de opinião e conscientização vegano-abolicionistas. O Veganagente, a ANDA, a versão em português do Animal Ethics e, em menor frequência, a Sociedade Vegana são quatro dos únicos sites divulgadores desse tipo de material em atividade regular no país.

A literatura que se produz no Brasil sobre veganismo e direitos animais é substancial?

 Até certo ponto, sim. Há muitos livros sobre culinária vegana, poesias, contos, crônicas etc. sobre esse tema. O problema é que a grande maioria dos livros não é fácil de ser encontrada à venda – alguns até já saíram do mercado. Além disso, a produção teórica acadêmica e paradidática sobre veganismo e direitos animais parece ter desandado nos últimos anos, com pouquíssimos títulos sendo lançados e divulgados.

O que você aponta de mais positivo e de mais negativo no veganismo hoje?

 O mais positivo tem sido o crescimento numérico de vegans e de materiais de culinária vegetariana (livre de ingredientes de origem animal). O mais negativo, como falei em outras respostas mais acima, é a carência de embasamento intelectual, teórico, racional da convicção vegana de muita gente, que, por esse motivo, acaba ficando fortemente suscetível a retomar o consumo de produtos animais por influência de antiveganos e bem-estaristas. Outros pontos negativos, que abordo com certa frequência no Veganagente, são que o veganismo tem crescido muito pouco na periferia, por motivos como dificuldade de acesso a materiais sobre veganismo e direitos animais; há também um foco elitista por parte dos empreendedores do “nicho vegano” e carência de opções veganas muito boas em restaurantes, lanchonetes e supermercados (no caso de produtos não alimentícios, como cremes dentais e lâminas de barbear); e o veganismo no Brasil hoje corre um risco muito sério de ser rebaixado de modo de vida ética e politicamente engajado a um mero nicho de consumo individualista e desprovido de razões éticas e racionais.

Quais são as maiores barreiras na divulgação do veganismo?

 O viés elitista de grande parte dos divulgadores do veganismo, a relativamente pouca presença de veganos militantes (moradores da localidade ou não) nas periferias; as dificuldades imensas de acesso a livros de teoria vegano-abolicionista (como falei anteriormente, são muito difíceis de serem encontrados no mercado, e na maioria das vezes são caros); a desinformação que levou muitos a se considerarem “veganos” sem respeitar a ética animal (o que distorce, desempodera e prejudica a divulgação conscientizatória do veganismo); as mexidas de pauzinhos por parte do mercado pra rebaixar o veganismo a um mero nicho de mercado e estilo de vida e consumo aético, e a decadência do universo de divulgação da teoria animalista no Brasil (como dito, hoje restam pouquíssimos sites brasileiros com colunas e artigos esclarecedores sobre o tema).

O que você pensa sobre discursos mais agressivos por parte dos veganos?

 Já sobre os discursos agressivos de muitos veganos, quero focar no ódio que alguns têm por não veganos (a), nas comparações irresponsáveis entre exploração animal e opressões humanas (b), na atitude de argumentarem com grosseria e impaciência (c) e nas defesas de “soluções” autoritárias para coibir a exploração animal (d).

a) Odiar não vegans é uma violação grave do princípio vegano-abolicionista de promover educação e conscientização. É um dos legados perversos de pessoas como Gary Yourofsky, que vez ou outra se cansam do seu lado educativo e escancaram o ódio que têm por aqueles que estão tentando educar. A atitude que nós vegans devemos ter é de tratar os não veganos com educação, respeito, tolerância e diplomacia, se queremos lhes mostrar pela informação e pelo exemplo o quanto é benéfico ser vegan.

 b) Existe o costume clássico de se tentar promover comparação entre formas de exploração animal e formas de violência e dominação contra humanos – por exemplo, comparar a pecuária com a escravidão imposta aos negros, ou a exploração de vacas “leiteiras” com violências contra a mulher, ou o especismo com o Holocausto nazista. É uma estratégia super desastrosa de se promover os direitos animais, já que desconsidera que a animalização foi e é uma maneira muito comum de se promover a inferiorização de minorias políticas, e fazer analogias entre pessoas dessas minorias e animais não humanos acaba sempre correndo um risco altíssimo de ser encarado, tanto por não vegans como por vegans membros de movimentos sociais, como uma forma de animalização preconceituosa e legitimação dos discursos de discriminação racista, misógina, antissemita etc. O resultado disso é ofender essas pessoas e afastá-las do veganismo, com risco até mesmo de torná-las antiveganas. Portanto, o mais prudente e ético a se fazer é evitar comparações desse tipo.

c) Infelizmente muitos veganos costumam argumentar de maneira grosseira, antipedagógica, impaciente e autoritária com não veganos, quase obrigando-os a considerar o veganismo e aceitar sem questionar que ele deve ser aderido mesmo sem ser plenamente compreendido. É uma outra forma de se atrapalhar a disseminação vegana, já que tende a causar não curiosidade e simpatia, mas sim antipatia e repulsa pelo veganismo e pelas pessoas veganas, além de ser uma violação ética, já que o vegano grosseiro está desrespeitando os não veganos a quem dedica sua grosseria.

 d) Outra forma de autoritarismo no meio vegano é a defesa de “soluções” baseadas no uso da força para coibir, por exemplo, sacrifícios de animais em religiões afrobrasileiras. Sou veemementemente contra esse tipo de ritual, só que essa contrariedade não precisa vir com insensibilidade ao fato de que religiões como o candomblé e a quimbanda (umbanda não sacrifica animais) são alvos de perseguição religiosa e racial, e muitos “cristãos” fundamentalistas, que na verdade não ligam pros animais, usam a defesa animal como pretexto pra promover seu racismo e sua intolerância contra as religiões do povo negro. Fica claro, com esse contexto, que defender a criminalização do sacrifício religioso de animais vai ao mesmo tempo, empurrar esses rituais pra clandestinidade, fazendo-os acontecer às escondidas, e institucionalizar mais ainda a perseguição racista e de intolerância religiosa. Defendo que se dê voz e espaço para os afrorreligiosos negros veganos debaterem a ética animal dentro de suas comunidades religiosas e, pouco a pouco, reformarem a teologia candomblecista e quimbandista para que se encontre uma maneira de favorecerem aos Orixás sem o uso do sacrifício animal. Defender lei e polícia contra essas religiões só vai agravar a violência contra seres humanos e animais não humanos.

 Como você avalia o bem-estarismo?

 Sobre o bem-estarismo, é uma completa cilada que infelizmente ainda consegue convencer pessoas não veganas ou iniciantes no veganismo de que “é possível” usar animais não humanos como propriedade de maneira “respeitosa” e “humanitária”. Na verdade, é uma versão reformista do especismo, mantendo as mesmíssimas bases morais de se usar os animais como se fossem seres inferiores que “pertencem” aos seres humanos. Portanto, aconselho às pessoas que sempre tenham dois pés atrás diante de discursos bem-estaristas, porque eles não estão aí para libertar os animais, mas sim para continuar explorando-os livremente e com a aprovação da população.

 Tem algo que você considera que todos os veganos deveriam fazer e algo que você crê que eles jamais deveriam fazer?

 Algo que todos os veganos deveriam fazer é respeitar a ética vegana e seus princípios, inspirar-se nestes para se tornarem seres humanos melhores e perceberem que não é válido o argumento de que é possível ser vegan e ao mesmo tempo machista, racista, reacionário, xenófobo, misantropo, transfóbico, heterossexista, intolerante religioso, elitista, gordofóbico etc. E o que não deveriam fazer é ser seletivos no cumprimento da ética vegana, excluir seres humanos (todos ou a maioria) de sua consideração moral, usar estratégias irresponsáveis e insensíveis de divulgação dos direitos animais (como comparar minorias políticas humanas e animais não humanos, assim como as opressões que castigam essas categorias, promover discursos de ódio e difundir um veganismo excludente, despolitizado e pouco acessível.

Você diria que existe algum grupo formalmente organizado que realmente representa o veganismo no Brasil?

 Eu sinceramente não me identifico com nenhum desses grupos.

Vi que você está aberto a doações para ajudar a financiar o seu trabalho com o Veganagente. As pessoas têm contribuído em uma proporcionalidade justa ao seu ritmo de produção?

 Em relação às doações, eu recebo em torno de 100 reais a cada dois ou três meses, muito distante do que realmente preciso. Portanto, a quem me lê, peço que, se curte bastante meu trabalho e quer ajudar a fortalecê-lo e melhorá-lo, expresse sua gratidão e retribuição por meio do financiamento recorrente no APOIA.se: https://apoia.se/robfbms

Robson, agradeço a sua disponibilidade em responder abertamente a cada uma das perguntas. Alguma mensagem final?

Estou com dois livros em andamento no momento, e projetos para mais uma dúzia de outros títulos. Se você curte meu trabalho e é grato por ele, apoie-me por meio do APOIA.se (https://apoia.se/robfbms) e/ou adquira meu livro, impresso ou em versão digital nos links abaixo:

Saiba Mais

Os temas preferidos de Robson Fernando Souza são sociologia, direitos animais e veganismo, além de temas humano-ambientais como educação ambiental, sociedade e meio ambiente, desenvolvimento e meio ambiente, e ética ambiental.

Conheça o trabalho de Robson Fernando de Souza:

 http://veganagente.com.br/

http://consciencia.blog.br/