David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Lixo’ tag

O homem e o cão faminto

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Arte: Maxim Kantor

No caminho para o veterinário, encontrei um cãozinho roçando o focinho já sujo em uma sacola rasgada de lixo rente ao meio-fio da Rua John Kennedy. Ao lado, restos de alimentos de outras duas sacolas estavam esparramados pela galeria. Perto do animalzinho acastanhado e sujo, um homem gritava e ameaçava golpeá-lo com o cabo de uma vassoura.

— Suma daí, seu lazarento!
— Era só o que faltava. Arrastou todo o lixo. É um filho da…

Vendo a cena, encostei o carro, desci e caminhei até o homem.

— Boa tarde. Tudo bem com o senhor?
— Não tem nada bem aqui. Esse cachorro arrastou todo o lixo. Olhe essa porcaria toda. Vou ter que limpar essa bagunça. Desg….
— O senhor não precisa se preocupar porque eu limpo tudo.

O homem ficou em silêncio me observando.

— Como é?
— Eu limpo a bagunça do cachorro.
— E por que você faria isso?
— Sim. Farei isso para o cachorro não apanhar do senhor.

Silêncio novamente.

— Eu não iria bater nele — explicou visivelmente constrangido, com um sorriso amarelecido.
— Isso é muito bom, senhor. Porque eu realmente não gostaria de apanhar se estivesse faminto e de repente fosse obrigado a mexer no lixo de alguém. É triste, não? Tantos animais abandonados e desejando apenas um pouco de comida para não morrer de fome. Animais como esse não escolheram nascer, mas nem por isso desejam ou merecem sofrer. O senhor concorda?
— Hum…
— É…acho que talvez você tenha razão – respondeu coçando a cabeça.
— O senhor já viu esse cachorrinho por aqui?
— Não.
— Sabe se ele tem casa?
— Não tenho a mínima ideia.
— Essa vida de cão não é fácil, né?

Silêncio.

— Ah, tenho um pouco de comida pronta lá dentro. Acho que não tem problema dar um pouco pra ele.
— Muito gentil de sua parte.
— Que nada. Faço o que posso — comentou sorrindo.
— Não tenho dúvida de que já é mais do que muitos fariam.
— Você acha?
— Sim…
— Pensando bem, acho que posso cuidar dele hoje.
— Sabe, filho, meu irmão tem uma chácara na saída da cidade e acho que pode ser um bom lugar pra um cachorrinho agitado como esse.
— Sério?
— Ah, é sim. É um lugar muito bonito e espaçoso.
— Isso seria muito legal. O senhor vai fazer uma baita diferença na vida dele. Pode ter certeza.
— É…não custa ajudar de vez em quando.
— Se precisar de mim, moro algumas quadras acima, quase em frente ao Corpo de Bombeiros.
— Sei onde é. Já o vi.
— Bom saber. Muito obrigado.
— Disponha.

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Written by David Arioch

July 17th, 2017 at 10:29 pm

Psiu! Psiu!

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“Winter Rags”, de Richard Lithgow

Assim que cheguei em casa, notei que alguém jogou ou deixou cair um pouco de lixo na calçada. Então recolhi e comecei a organizar tudo com os braços apoiados sobre a lixeira. Um sujeito encostou o carro e chamou a minha atenção:

— Psiu! Psiu!
— É comigo?
— Sim…
— Pode perguntar.
— Não quero perguntar nada não, meu amigo. Quero te ajudar.
— Me ajudar? Como assim?
— Olhe, lá em casa está cheio de materiais recicláveis. Pode te garantir uma graninha boa.
— É?
— Sim. Você vai gostar.
— Muito obrigado mesmo. Mas eu moro aqui. Só estou recolhendo o lixo que caiu na calçada.
— Não precisa ter vergonha, rapaz. Seu trabalho é muito digno.
— Ok…
— Quer que te leve lá agora?
— Não precisa não. Estou bem aqui mesmo.
— Ah, mas você pode ganhar uma graninha pelo menos pra tirar ou diminuir essa barba numa boa barbearia.
— Como assim?
— Te reconheci pela barba.
— Reconheceu o quê?
— Que você é andarilho.
— Não sou andarilho…
— É sim.
Abri o portão de casa e ameacei entrar.
— Cuidado, vão chamar a polícia pra você.
— Claro que não.
— Claro que sim.
— Ué…
— Então vamos fazer o seguinte. Fica com meu endereço, e quando você quiser é só passar lá pra buscar.
— Ah sim. Muito obrigado pela gentileza.

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Written by David Arioch

June 15th, 2017 at 1:08 am

Não trate seu corpo como um cesto de lixo

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Foto: Fred Meyer

Há tantas pessoas que confiam tanto na indústria alimentícia que a vida toda consomem muitos ingredientes que não sabem o que são e quais efeitos têm sobre o organismo. Tratar nosso corpo dessa forma é como tratá-lo como um cesto de lixo; deixando-o à mercê da nossa própria displicência. Ao fazer isso de forma inconsequente, além do mal inconsciente que causamos, seguimos por um caminho em que talvez um dia já não tenhamos controle do nosso corpo, de nós mesmos. E se isso acontecer, a única coisa que poderemos fazer é amaldiçoar “a nossa própria sorte”.





Written by David Arioch

May 25th, 2017 at 12:09 pm

No estacionamento

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Um dia, no estacionamento do mercado, uma mulher arremessou uma embalagem pela janela. Como ela ainda não tinha saído do lugar, caminhei até lá, inclinei meu corpo, peguei o lixo sem falar nada, coloquei no meu bolso e continuei andando. Olhei brevemente para ela e não me recordo de já ter visto outra pessoa tão constrangida em situação semelhante.

Written by David Arioch

January 21st, 2017 at 1:34 am

Posted in Autoral,Reflexões

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A lata na avenida

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Saí para correr há pouco e, durante o percurso, do outro lado da avenida, vi um rapaz arremessando uma lata para fora do carro enquanto o semáforo abria. Havia mais três ou quatro caras com ele.

Não nego que me deu uma súbita vontade de pegar aquela lata e devolver para ele, mas sempre pondero que nunca sabemos que tipo de pessoa podemos encontrar.

Jamais entenderei o que leva alguém a fazer isso, sendo que é tão fácil descartá-la no lixo ou levá-la para casa. Suspeito que até nessas pequenas ações deploráveis há pessoas que buscam chamar atenção.

Written by David Arioch

January 20th, 2017 at 11:06 pm