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Percy Shelley, um ativista “vegano” no século 19
“Seria muito melhor a um ser senciente jamais ter existido do que existir para suportar a miséria absoluta”
Em países que não têm o inglês como língua nativa, não raramente o poeta britânico Percy Bysshe Shelley é relegado à sombra de sua esposa Mary Shelley, autora do clássico “Frankenstein”, uma das obras mais famosas da literatura inglesa. No entanto, o que pouca gente sabe é que o livro foi influenciado pelas ideias do escritor romântico, sua interpretação do mito de Prometeu aliado à sua filosofia de vida vegetariana, também partilhada por Mary.
Um dos personagens mais influentes do romantismo, Shelley foi muito além da poesia, fazendo da Era Romântica um período em que arte e filosofia estreitaram sua relação com o vegetarianismo. Ao publicar os poemas “Queen Mab” e “Alastor, or The Spirit of Solitude”, e os ensaios “A Vindication of Natural Diet” e “On The Vegetable System of Diet”, o poeta chamou a atenção para os direitos dos animais e os benefícios da dieta vegetariana. Considerado moderno demais para a época, seu idealismo visto como intransigente e pouco ortodoxo fez dele uma persona non grata em muitos círculos sociais europeus.
Controverso, defendia o vegetarianismo, o amor livre e o direito ao ateísmo em uma sociedade visceralmente cristã. Abordava a importância dos direitos das mulheres e incentivava a esposa Mary Shelley a tornar-se ativista na busca por igualdade entre homens e mulheres, o que fez dela uma referência para o feminismo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Além disso, ele lutou por justiça social para as classes trabalhadoras.
O poeta britânico se tornou vegetariano depois de testemunhar maus-tratos contra animais domesticados para o abate. Com uma visão filosófica progressista, ele defendia que os animais não precisavam de privilégios, mas de equidade, pois, assim como os seres humanos, também têm direito à vida. Para Shelley, o abate de animais, com a mera intenção de transformá-los em comida, não é apenas a raiz dos crimes cometidos pela raça humana, mas também a causa de todos os comportamentos imorais e criminosos da humanidade.
Ele argumentava que a adoção de uma dieta vegetariana e a cessação do abate animal levaria ao fim as injustiças sociais em decorrência da pobreza, do crime e da violência. Também tinha fé que esse seria o caminho para a implantação de um sistema que substituiria o capitalismo e daria fim às guerras. De acordo com o poeta britânico, o vegetarianismo era o único meio de alcançar a perfeição moral; pensamento que influenciaria o russo Liev Tolstói, um dos maiores nomes da literatura mundial.
“Somente através do amolecimento e do disfarce da carne através da preparação culinária que ela se torna suscetível de mastigação e digestão, e só assim a visão dos seus sucos sangrentos e o seu horror cru não desperta ódio e desgosto.”, lamentou. Mais do que o decano do vegetarianismo no século 19, é justo dizer que Percy Shelley era um protovegano, ou seja, alguém que, despreocupado com denominações e terminologias, teve grande influência sobre o surgimento do veganismo, uma ideologia mais austera, sólida e completa em relação à defesa dos animais.
“Eu sustento que a depravação da natureza física e moral do ser humano começou com seus hábitos não naturais de vida. A origem do homem, como a do universo do qual ele faz parte, envolve um mistério impenetrável”, escreveu Shelley em “A Vindication of Natural Diet”, ensaio em que se opõe radicalmente à exploração animal em todos os aspectos. Na obra, argumenta que uma sociedade baseada na igualdade, justiça social e espiritualidade deve ter como ponto de partida uma alimentação livre da tortura e do sofrimento animal.
O interesse de Percy Shelley pelo vegetarianismo começou cedo. Quando estudava na Universidade de Oxford, o poeta britânico se alimentava como um eremita, levando em conta a pureza e a simplicidade dos alimentos. Em 1812, quando completou 20 anos, adotou a dieta vegetariana estrita. E sua crença no vegetarianismo foi reforçada quando ele conheceu a Família Newton, formada por uma longa linhagem de vegetarianos estritos.
Seus amigos Thomas Jefferson Hogg e Thomas Love Peacock não gostaram da influência dos Newton sobre Shelley. Eles viam a família de vegetarianos como “um grupo de monges tolos”, e logo começaram a zombar do poeta. Porém mudaram de opinião e mais tarde se tornaram vegetarianos. Na biografia “Life of Shelley”, Hogg fala de sua aprovação e adesão ao vegetarianismo.
Frugal, a comida preferida de Shelley era pão, alimento que sempre comprou em uma mesma padaria enquanto estudou em Oxford. Em Londres, durante a permanência do poeta em Bishopsgate em 1815 e depois em Marlow em 1817, Thomas Hogg notou que o amigo seguia firme na defesa do vegetarianismo, assim como fez até os seus últimos dias de vida.
Percy Shelley influenciou os mais importantes reformadores vegetarianos dos séculos 19 e 20, o que garantiu-lhe o título de primeira grande personalidade vegana da história do Ocidente, segundo a obra “In Pursuit of Percy Shelley, ‘The First Celebrity Vegan’: An Essay on Meat, Sex, and Broccoli”, de Michael Owen Jones. Antes de se tornar vegetariano, o poeta romântico era um humanista e humanitarista que se alimentava com simplicidade; o que à época, e paradoxalmente, foi encarado como uma extravagância e uma excentricidade inofensiva propagada por um artista e pensador que seguia os preceitos do evangelho da gentileza e do amor universal.
Assim como o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, Shelley foi influenciado pelos filósofos gregos Pitágoras e Plutarco – principalmente pelo ensaio “Do Consumo da Carne”, que qualifica a “dieta da carne” como não natural ao homem. O britânico escreveu que os seres humanos eram naturalmente frugívoros, logo deveriam ter uma dieta baseada em água e vegetais. Também via como importante a abstenção de álcool. Considerava o licor fermentado como uma das bebidas mais nocivas ao homem. “Tão venenoso quanto a carne”, sentenciou.
Abdicando do consumo de alimentos de origem animal e retornando à dieta natural dos primeiros seres humanos que habitaram a Terra, não tardaria para a humanidade vivenciar uma evolução moral, melhorias em relação à saúde e restauração da longevidade. “O que se come é o que se é”, dizia o poeta, crente de que a identidade humana tem relação substancial com a alimentação.
E enquanto o homem não retornar às suas origens, ele há de ser punido, assim como foi o mitológico titã Prometeu que roubou o fogo para dar aos homens. Em represália, o acorrentaram ao Monte Cáucaso, onde assistiu um mesmo abutre se alimentando diariamente de seu fígado que se regenerava.
“O homem em sua criação foi dotado com o dom da eterna juventude, isto é, ele não foi feito para ser uma criatura doente como vemos agora. Ele deveria desfrutar de sua juventude e aos poucos afundar no seio da mãe terra, sem contrair qualquer doença ou sofrimento físico. Porém Prometeu ensinou ao homem como transformar os animais em comida. Depois explicou como usar o fogo para que a carne animal se tornasse digerível e agradável ao paladar. Júpiter e os outros deuses, prevendo as consequências dessas ações, ficaram irritados com a visão que tiveram dessas novas criaturas. E para puni-los decidiram deixar que experimentassem os tristes efeitos do consumo de carne. (…) E assim o homem perdeu o dom inestimável da saúde que recebeu dos céus. Ele ficou doente, sua saúde se tornou precária, e não mais desceu lentamente até a própria sepultura”, registrou Percy Shelley em “A Vindication of Natural Diet”, publicado em 1813.
Na obra, Prometeu representa a raça humana que contrariando a própria natureza, usou o fogo com fins culinários. Então os sinais vitais dos seres humanos foram devorados pelo abutre, simbolizando a emergência das doenças. “Seu ser é consumido em cada forma de sua repugnante e infinita diversidade”, registrou.
Shelley também encontrou no mito da criação uma alegoria semelhante, a de que Adão e Eva alçaram à posteridade a ira de Deus e a perda da vida eterna, isto porque se alimentaram da árvore do mal, fazendo florescer a violência e a doença através de uma dieta não natural. “O homem e os animais a quem ele infectou com sua sociedade, ou os depravou através de seu domínio, estão sozinhos e doentes. O porco selvagem, o muflão, o bisão e o lobo são perfeitamente isentos de doenças e, invariavelmente, morrem de violência externa ou de velhice. Mas os porcos domésticos, as ovelhas, as vacas e os cães estão sujeito a uma incrível variedade de enfermidades e, como os corruptores da natureza, há médicos que prosperam com suas misérias”, queixou-se.
O ativismo de Percy Shelley fez com que o famoso e controverso poeta Lord Byron também aderisse ao vegetarianismo na juventude. Na realidade, Shelley tinha um grande poder argumentativo. Não possuía dificuldade em convencer aqueles que estavam mais próximos a ele de tornarem-se vegetarianos.
“As misérias, as doenças que assolam o mundo, são uma maldição conquistada pelo ser humano desde que ele se colocou acima de seus companheiros animais. (…) Comparativamente, a anatomia sempre me ensinou que o homem se assemelha mais aos animais frugívoros, não aos carnívoros. Ele sequer tem as garras adequadas para aproveitar sua presa, e nem mesmo caninos verdadeiramente pontiagudos e afiados para dilacerar corretamente as fibras da carne. Pensem no trabalho que o ser humano tem para preparar a carne, amolecê-la e disfarçar suas características naturais”, apontou em seu ensaio.
Na obra, o autor convida o leitor a refletir sobre o aspecto cru da carne e o seu suco que geram desgosto em quem a consome, alegando que o homem come carne porque finge não ver carne. A quem se considera um carnívoro nato, Shelley, assim como Plutarco, faz um convite: “Experimente rasgar um cordeiro vivo.”
No século XIX, ele compartilhou sua filosofia com todos os seus contemporâneos, estendendo seus questionamentos morais e éticos a muitos outros artistas e pensadores, estreitando a relação dos românticos com o vegetarianismo. Em “Queen Mab”, de 1813, escreveu sobre sua transição: “E o homem…não agora, mata o cordeiro de quem observa a face, e terrivelmente devora sua carne mutilada.”
O mesmo excerto abre o ensaio “A Vindication of Natural Diet”. Em “A Refutation of Deism”, uma prosa publicada em 1814, ele aborda a sua filosofia vegetariana, assim como no poema lírico do quinto canto de “Laon and Cythna” ou “The Revolt of Islam”, de 1818, conhecido como “A Lírica do Vegetarianismo”. Com a delicadeza e humanidade que lhe era peculiar, sua crença no vegetarianismo também pode ser observada na abertura do poema “Alastor”, de 1816, onde ele invoca a comunhão entre a terra, o oceano e o ar através da amada fraternidade da natureza.
Shelley, na dedicação sincera a todos os seres sencientes escreveu: “Se o uso de comida animal é, em consequência, subversiva à paz da sociedade humana, quão injustificável é a injustiça e a barbárie exercida contra essas pobres vítimas. Esses animais são chamados à existência pelo artifício humano de garantir uma existência curta e miserável de escravidão e doenças, em que seus corpos podem ser mutilados e seus sentimentos sociais suprimidos. Seria muito melhor a um ser senciente jamais ter existido do que existir simplesmente para suportar a miséria absoluta.”
Referências
Shelley, Percy Bysshe. A Vindication of Natural Diet, Londres. Smith & Davy. 1813.
Salt, Henry. Percy Bysshe Shelley: A Monograph. Swan, Sonnenscheim, Lowrey & Co., Londres. Originalmente publicada no The Vegetarian Annual, de 1887 (1888).
Jones, Michael Owen. In Pursuit of Percy Shelley, “The First Celebrity Vegan”: An Essay on Meat, Sex, and Broccoli. Journal of Folklore Research. Volume 53. Número 2. Agosto de 2016.
Medwin, Thomas. The Life of Percy Bysshe Shelley, Londres. Biblioteca Britânica. Domínio Público (1847).
Hogg, T.J. The Life of Percy Bysshe Shelley, Londres. Editora Edward Moxon (1888).
Blunden, Edmund. Shelley – A Life Story, Londres. Collins St. James’s (1946).
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Dias Fernandes: “Fazer mal aos animais é indício de mau-caráter”
O poeta e jornalista paraibano que lutou pelo vegetarianismo nas primeiras décadas do século 20
Teria uns 45 anos. Frugal e vegetariano, nem fumava, nem bebia. Apresentava um aspecto juvenil de atleta, mantendo a forma através da ginástica sueca. Era alvo e corado, o cabelo esvoaçante, castanho claro. Algumas vezes ostentava petulante monóculo nos olhos azuis. Foi quem inaugurou andar sem gravata e sem chapéu. Com essas palavras, o intelectual Osias Gomes narra a chegada do jornalista, escritor e ativista vegetariano Carlos Dias Fernandes à redação do jornal A União, de Parahyba do Norte, atual João Pessoa, em 1919. Gomes dizia que Fernandes era o maior poeta da Paraíba, inclusive considerava seu trabalho superior ao de Augusto dos Anjos.
E para além das preferências pessoais, de acordo com o jornalista paraibano Gonzaga Rodrigues, Fernandes fez do Jornal A União uma escola de jornalismo por onde passou quase toda a juventude intelectual das primeiras décadas do século 20. Era muito admirado e respeitado, e justamente porque destoava da maioria. Não se importava com casamento formal, tinha uma dieta avessa à das pessoas com quem convivia, gostava de atividades físicas, se vestia sem atender as normas sociais e possuía imensa bagagem cultural.
“Aos 15 anos, segundo testemunho de Castro Pinto, amigo de infância, Carlos Dias Fernandes confundia os professores na análise gramatical dos mais difíceis trechos de Os Lusíadas. Foi influenciado por Cruz e Sousa [de quem era muito amigo] e esteve ao lado de outras diversas personalidades jornalísticas e poéticas do cenário brasileiro. Atuou na imprensa de Pernambuco, do Rio de Janeiro, do Pará e da Paraíba. Sua obra é extensa e variada, abarcando romances, discursos, poesias, monografia e livro didático”, informa a pesquisadora Fabiana Sena.
Embora hoje não seja muito conhecido fora do meio literário paraibano, o satírico e prosaico Fernandes lançou importantes obras, como Solaus, de 1901; Palma de Acantos, de 1907; A Renegada, de 1908; O Cangaceiro, também de 1908; Mirian, de 1920 e A Vindicta, de 1931. No entanto, se suas qualidades literárias não fizeram dele um autor famoso, as suas perspectivas sobre o ideal civilizatório fizeram menos ainda.
Um homem à frente do seu tempo, ao longo de anos realizou conferências e palestras sobre vegetarianismo, defendendo que a abstenção do consumo de alimentos de origem animal era o único meio de assegurar o respeito aos animais em um contexto moral e ético. E para reafirmar sua posição, o autor apresentou argumentos envolvendo saúde e higiene, considerando-os imprescindíveis como ferramentas de convencimento.
Controverso, Carlos Dias Fernandes chamou muita atenção quando publicou na edição de 5 de junho de 1918 do Jornal A União uma matéria em que defendeu fervorosamente a prática da medicina natural, confrontando laboratórios farmacêuticos. Também realizou uma grande conferência sobre feminismo em 1924, justificando que os direitos e deveres das mulheres precisavam estar de acordo com suas aspirações. Muito antes de livros como The Sexual Politics of Meat: A Feminist-Vegetarian Critical Theory, de Carol J. Adams, lançado em 1990, o escritor já argumentava que as mulheres, de forma semelhante aos animais, eram subjugadas, privadas de liberdade.
Para Fernandes, a melhor forma de ampliar a aceitação do vegetarianismo seria incentivando o desenvolvimento intelectual das mulheres e preparando-as para ocuparem grande espaço na vida pública. Ele tinha fé que elas poderiam ser o novo norte de uma educação que mostrava às crianças, logo nos primeiros anos, a importância de uma alimentação isenta de ingredientes de origem animal.
Suas inclinações ideológicas tiveram pouca repercussão no Brasil, mas foram bem recebidas na Europa, tanto que Fernandes aparece com destaque na edição Nº 11 da revista portuguesa O Vegetariano, de 1917. Prolífico, o escritor publicou 38 livros, abordando inclusive temas como feminismo e direitos dos animais. Oscilando principalmente entre o naturalismo e o simbolismo, Dias Fernandes obteve prestígio quando lançou em 1936 o seu romance autobiográfico Fretana, inspirado pelo simbolismo francês.
Sua defesa do vegetarianismo era frequentemente publicada no jornal A União, onde ele tinha total liberdade sobre o que escrever. Exemplos são três matérias veiculadas em agosto de 1916 sob o título O Regime Vegetariano, um desdobramento do que Fernandes já defendia no livro Proteção aos Animais, de 1914. Na obra, Fernandes, que não era religioso, cita religiões e crenças que endossam o papel do ser humano como protetor dos animais e da natureza. Polêmico, chegou a discutir com profissionais de saúde da época que defendiam o consumo de carne. Talvez o maior exemplo tenha sido a sua rixa com o então conceituado médico José Maciel.
A seu favor, o poeta e jornalista tinha o médico higienista Flavio Maroja que publicou no jornal A União de 30 de agosto de 1916 um artigo intitulado Hygiene Alimentar: Regimen Vegetariano e Regimen Carneo, confronto de opiniões, como penso a respeito, que fala dos benefícios do vegetarianismo. Em 26 de janeiro de 1917, Carlos Dias Fernandes comemorou a fundação da Sociedade Vegetariana Brasileira, sediada no Rio de Janeiro, e publicou matéria sobre o assunto. “Vai ganhando surto em todo mundo civilizado o regime vegetariano como solução prática do problema moral, economico e therapeutico dos povos. (…) Vegetarianismo quer dizer vida de accôrdo com a natureza”, registrou.
Segundo a pesquisadora Amanda Sousa Galvíncio, Fernandes reforçava seus argumentos sobre o assunto através de referências internacionais. Algumas delas foram os médicos Dujardin-Beaumetz, do Hôpital Cochin, na França; João Bentes Castel-Branco, autor do livro A Cultura da Vida, e Amilcar de Souza – diretor da revista O Vegetariano, além do biólogo Ernest Haeckel e do químico Eduard Buchner.
Porém, foi a própria literatura que conduziu Carlos Dias Fernandes ao vegetarianismo. Ele deixou de consumir alimentos de origem animal depois de ler Liev Tolstói, Lord Byron e Jean-Jacques Rousseau. Conforme Amanda Galvíncio, Fernandes citava com frequência pensadores como Sócrates, Hipócrates e Plutarco, além do Buda e Jesus Cristo, principalmente em suas palestras.
O que também reafirma a influência do vegetarianismo na vida e na obra do poeta são seus personagens que não raramente eram animais. No geral, a natureza sempre foi um tema recorrente em seus poemas e contos. Nascido em Mamanguape, na região da Mata Paraibana, em 20 de setembro de 1874, Carlos Dias Fernandes faleceu no Hospital da Cruz Vermelha no Rio de Janeiro em 9 de setembro de 1942.
Infelizmente, poucas pessoas compareceram ao seu enterro, um intrigante paradoxo na vida do homem que vivia rodeado de pessoas. Em seus últimos versos, jamais publicados, os animais ainda ocupavam posição de destaque. E apesar de esquecido pela literatura que tanto amou, uma de suas frases mais famosas, sobrevive ao tempo: “Fazer mal aos animais é indício de mau-caráter.”
Briário e Centímano (um dos poemas mais conhecidos de Fernandes)
Solitário coqueiro miserando,
Que as tormentas não deixam sossegar!
E, de contínuo, as palmas agitando
Pareces um vesânico a imprecar.
Desgraçada palmeira, como e quando
Irão teus pobres dias acabar;
E com eles ou teu destino infando
De cativo da Terra ao pé do Mar?
Hemos conformes nossos tristes fados.
Tu, germente Briaréu dos vendavais
Eu, Centímano de cem mil cuidados.
Um retorcido aos ventos outonais
Outro com os seus anelos sossobrados…
Nem sei qual de nós dois braceja mais
Saiba Mais
Carlos Dias Fernandes assumiu a direção do jornal A União em 1913. O convite foi feito em 1912 por Castro Pinto. Em 1928, o governador João Pessoa o demitiu do cargo. Desapontado, ele se mudou para o Rio de Janeiro, onde viveu até falecer.
Referências
Galvíncio, Amanda S. Atuação Educacional de Carlos Dias Fernandes na Parahyba do Norte (1913-1925): jornalismo, literatura e conferências (2013).
Sena, Fabiana. A tradição da civilidade nos livros de leitura no Império e na Primeira República. João Pessoa, PB. Tese de doutorado. PPGL/UFPB (2008).
Sena, Fabiana. A imprensa e Carlos Dias Fernandes: o processo de legitimação como autor de livro didático. Educação Unisinos, vol. 15, núm. 1, enero-abril, 2011, pp. 70-78.
Coutinho, Afrânio; Sousa, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. São Paulo. Editora Global (1995).
O Vegetariano: mensário naturista ilustrado, Volume VIII, Nº 11 (1917).
Rodrigues, Gonzaga. Surgimento de A União. Disponível em http://auniao.pb.gov.br/nossa-historia/a-uniao-uma-viagem-no-tempo/leitura-contextual-do-surgimento-de-a-uniao.
Vegetarianismo. Imprensa Oficial. Parahyba (1916).
Santos, Idelette Fonseca. Antologia Literária da Paraíba. João Pessoa. Grafset (1993).
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Lord Byron e a abstinência da carne
Desde que Eva comeu a maçã, a felicidade do homem depende em grande parte do jantar
Um dos poetas mais controversos do Reino Unido, o satírico George Gordon Byron, ou simplesmente Lord Byron, entrou para a história da literatura no século 19, depois de escrever seus dois poemas mais importantes – os longos Don Juan e Childe Harold’s Pilgrimage (Peregrinação de Childe Harold). À época, muita gente acreditava que Byron era um escritor que usava a literatura simplesmente para transmitir o seu cínico desprezo pela humanidade. No entanto, o que ele mais repudiava eram os excessos que ele presenciava nos jantares da burguesia britânica.
Durante os banquetes, não foram poucos os momentos em que o mais antirromântico dos românticos se revoltou ao testemunhar tantos animais mortos sendo servidos à mesa para satisfazer a glutonaria dos abastados. Sem cerimônia, se queixava diante de todos, exacerbando sua cólera muito bem harmonizada através da ironia:
Toda a História humana atesta,
que a felicidade para o Homem – o insaciável pecador! –
Desde que Eva comeu a maçã, depende em grande parte do jantar,
poetizou o britânico em um excerto de Canto XVII, de Don Juan.
No entanto, Lord Byron nem sempre foi vegetariano. Inclusive houve um período em que ele chegou a discutir com Percy Shelley, marido da escritora Mary Shelley, sobre suas contrariedades em relação ao vegetarianismo. Porém, mais tarde admitiu em carta à sua mãe que estava determinado a se livrar completamente dos alimentos de origem animal, uma decisão que pode ter sido influenciada por Shelley.
Segundo o poeta britânico, se abster de consumir carne iria proporcionar-lhe percepções mais claras, um novo entendimento da vida e do mundo. Tomada a decisão, Byron, que até então era considerado tão volátil como ser humano quanto artista, adotou em certo período um estilo de vida surpreendentemente frugal, com uma alimentação baseada em água e bolachas caseiras, preparadas a seu gosto. Das bebidas alcoólicas, apenas o vinho branco ainda o acompanhava. Como alguém que tencionava se afastar cada vez mais das armadilhas do ego e das insídias da vida em sociedade, o poeta escreveu em Childe Harold’s Pilgrimage:
Existe prazer nas matas densas
Existe êxtase na costa deserta
Existe convivência sem que haja intromissão no mar profundo e música em seu ruído
Ao homem não amo pouco, porém muito a natureza
No dia 25 de junho de 1811, de acordo com o livro Life of Lord Byron: with his letters and journals, de Thomas Moore, o poeta informou que havia se tornado vegetariano há muito tempo, e que peixe ou qualquer outro tipo de carne estava fora de cogitação: “Por isso estou estocando batatas, verduras e bolachas. Não estou bebendo nem vinho. Com relação à minha saúde, estou me sentindo bem. Recentemente tive malária, mas me recuperei rapidamente.”
Em 1818, quando hospedou Percy e Mary Shelley em sua casa na Vila Diodati, nas imediações do Lago de Genebra, na Suíça, e justamente num período chuvoso em que Mary, com a ajuda do marido, escreveu o esboço de Frankenstein, a dieta de Lord Byron era baseada em uma fatia fina de pão com chá no café da manhã; vegetais e uma ou duas garrafas de água com gás no jantar; e uma xícara de chá verde sem açúcar na ceia. Ao sentir fome, ocasionalmente ele mastigava tabaco ou fumava charutos. “Nenhum outro regime funcionou tão bem para mim até hoje como o meu chá com bolachas, mesmo quando me alimento com moderação”, declarou o poeta em seu diário em 1813.
Um dos problemas que mais o incomodava antes de aderir ao vegetarianismo era o excruciante aumento de fluidos na sua corrente sanguínea, provocando inturgescência vascular. E tudo isso era agravado se Byron consumisse alimentos de origem animal. “O remédio para a sua pletora é simples – a abstinência”, consta em registro pessoal de 28 de janeiro de 1817.
Ele demonstrou através de seus poemas e cartas que por trás de sua abstinência sempre houve uma motivação moral. Além disso, Lord Byron amava os animais, tanto que jamais viajava sem levar pelo menos cinco gatos. Um deles, chamado Beppo, foi inclusive homenageado com um poema homônimo. Outro de seus amigos inseparáveis era Boastwain, um cão da raça newfoundland que o inspirou a conceber Epitaph to a Dog em 1808.
Quando seu companheiro canino faleceu, Byron erigiu um monumento para eternizar a imagem de Boastwain em verso. E seguindo suas recomendações, assim que o poeta faleceu com apenas 36 anos em 19 de abril de 1824, em decorrência de imperícia médica após contrair febre reumática na Guerra de Independência da Grécia, sua família atendeu ao mais expresso dos seus pedidos: “Que o monumento em minha homenagem não seja maior do que o de Boastwain.” E assim foi feito.
Observações do autor
Há pesquisadores que creem que o vegetarianismo de Lord Byron era estimulado simplesmente por distúrbios alimentares. Independente do que o levou a adotar o vegetarianismo, a verdade é que Byron, com seu perfil antiacademicista, até hoje é uma figura labiríntica da literatura inglesa, o que significa que por mais que estudem ou escrevam a seu respeito, sempre vai perseverar a controvérsia.
Em síntese, o texto acima tem o propósito de apresentar a outra face de George Gordon Byron, que ficou mais conhecido pela fama que fizeram dele do que pela sua própria história. Ainda hoje sua imagem quase sempre é associada a orgias, relacionamentos carnais com centenas de mulheres e muitos relatos envolvendo bebedeiras, além de outras extravagâncias consideradas profanas no contexto do cristianismo.
Curiosidade
Lord Byron foi vegetariano por muito tempo e o mais intrigante é que o poeta John Polidori escreveu uma obra prosaica chamada The Vampyre, inspirada em alguns dias que ele conviveu com Byron e o casal Shelley na Suíça. E mais tarde, a história de Polidori inspirou Bram Stoker a escrever Dracula. Muita gente crê que Drácula é um personagem baseado em pesquisas sobre o conde Vlad Tepes, mas na realidade o início de tudo foi a inspiração que veio através de Byron. Sendo assim, o Drácula foi inspirado em um vegetariano.
Saiba Mais
Lord Byron, nascido em Dover, no Reino Unido, em 22 de janeiro de 1788, faleceu em Missolonghi, quando lutava contra os turcos pela independência da Grécia.
Byron tinha um defeito no pé direito, por isso mancava quando andava.
O vegetarianismo do poeta também foi inspirado no filósofo e matemático grego Pitágoras.
Referências
Moore, Thomas. Life of Lord Byron: with his letters and journals (1854). Disponível em archive.org.
Byron, Lord. Childe Harold’s Pilgrimage. CreateSpace Independent Publishing Platform (2009).
Byron, Lord. Don Juan. CreateSpace Independent Publishing Platform (2009).
McGann, Jerome. Byron, George Gordon Noel (1788–1824). Oxford Dictionary of National Biography. Oxford University Press (2013).
MacCarthy, Fiona. Byron: Life and Legend. Farrar, Straus and Giroux; First edition (2002).
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Drácula, vegetarianismo e o homoerotismo de Bram Stoker
Embora o livro seja conhecido no mundo todo, ele não trouxe fortuna ou sucesso ao autor dublinense
Autor de três livros de contos, quatro livros de não ficção e 12 romances, o escritor irlandês Bram Stoker, contemporâneo de Oscar Wilde, sempre teve o seu nome associado à sua obra mais famosa – Drácula, publicada em 1897. Embora hoje o livro seja conhecido no mundo todo, a obra não trouxe fortuna ou sucesso ao autor dublinense. Nos seus últimos anos, ele ganhou tão pouco escrevendo que teve de recorrer ao Fundo Real Literário, segundo Paul Murray na biografia “From the Shadow of Dracula: A Life of Bram Stoker”, de 2004.
Bram Stoker encontrou um filão literário nas lendárias histórias de terror do século 18, quando contos sobre vampiros vieram à tona. Isso o motivou a trabalhar à sua maneira os mesmos elementos explorados previamente por Byron, Polidori, Goethe, Coleridge, Southey e Dumas. Na literatura inglesa, o primeiro romance sobre o tema foi “The Vampyre”, do escritor inglês John Polidori, lançado em 1819.
A história surgiu por acaso quando Polidori estava hospedado na residência de Lord Byron na Vila Diodati, nas imediações do Lago de Genebra, na Suíça. Como choveu muito ao longo de três dias, Byron e seus convidados – Polidori, Claire Clairmont, Percy Shelley e Mary Wollstonecraft Shelley decidiram passar o tempo contando histórias. Ao final, o desafio era escrever um conto baseado nas histórias aterradoras que compartilharam. Uma curiosidade é que Byron e o casal Shelley eram vegetarianos.
Após a experiência, Polidori escreveu em apenas três manhãs a sua novela vampiresca inspirada em Byron e na narrativa de “Fragment of a Novel”, de Byron, publicada em 1816. Naquele tempo, Lord Byron condenava ostensivamente os excessos da burguesia na matança e na comilança de animais. Reação que foi poetizada em um excerto de “Canto XVIII”, de “Don Juan”.
Já Mary Wollstonecraft, com a colaboração de Percy Shelley, produziu a partir daquele encontro a obra que se tornaria uma das mais influentes da literatura gótica – “Frankenstein“, de 1818. No livro, Mary moldou um anti-herói vegetariano que nada mais é do que o ser humano em seu estado mais impermisto e natural. A maior prova disso é que ainda isento dos vícios da civilização, o monstro vive na floresta, onde se alimenta estritamente de bagas e oleaginosas, não de carne, já que ele não vê sentido nem necessidade em matar animais para se alimentar.
Décadas mais tarde, Bram Stoker , influenciado por aquele encontro de escritores vegetarianos em 1818, na Vila Diodati, às imediações do Lago de Genebra, na Suíça, encontrou especialmente na história de Polidori, inspirada em Byron, uma inspiração para “Drácula”, de acordo com “Vampyres: Lord Byron to Count Dracula”, de Christopher Frayling, lançado em 1992. Isso significa que o famoso personagem da cultura popular mundial foi inspirado em um controverso poeta britânico que não se alimentava de animais, já que segundo a biografia “Life of Lord Byron: with his letters and journals”, de Thomas Moore, em uma carta com data de 1811, Byron afirmou que havia se tornado vegetariano há vários anos.
Há biógrafos que defendem que Bram Stoker também levou para a literatura as suas insatisfações pessoais, como a sua velada homossexualidade, também partilhada por Wilde. Possivelmente, além do Byron de Polidori em “The Vampyre”, “Drácula” foi influenciado pelo relacionamento complexo e conturbado de Stoker com o famoso ator inglês Henry Irving, de quem foi amigo e agente. Quem lê o livro com atenção percebe que “Drácula” manifesta uma transferência homoerótica, além de exercício de domínio e possessividade – como na passagem em que Drácula “defende” o personagem Jonathan Harker de três mulheres e afirma:
“Este homem pertence a mim!”, que, assim como inúmeras passagens, sustenta a perspectiva do vampiro de tê-lo numa relação de subserviência implicitamente sexual e existencial. O homoerotismo de “Drácula” não é nenhuma novidade entre pesquisadores da vida e obra de Bram Stoker. Barbara Belford escreveu a respeito na biografia “Bram Stoker: A Biography of the Author of Dracula,” de 1996; assim como Brigitte Boudreau em “Libidinal Life: Bram Stoker, Homosocial Desire and the Stokerian Biographical Project”, de 2011; e David K. Skal em “Something in the Blood: The Untold Story of Bram Stoker, the Man Who Wrote Dracula”, de 2016. Claro, além de outros diversos autores e pesquisadores.
Saiba Mais
Importante nome da literatura da era vitoriana, Bram Stoker nasceu em Dublin, na irlanda, em 8 de novembro de 1847 e faleceu no dia 20 de abril de 1912 em decorrência de sífilis terciária.
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