David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Luta’ tag

Sempre encontro pessoas reclamando da vida e do mundo

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Arte: Pawel Kuczynski

Sempre encontro pessoas reclamando da vida e do mundo, e às vezes algumas se incomodam quando pergunto respeitosamente se elas estão fazendo algo para contribuir com alguma mudança, se elas não concordam com o status quo. Normalmente há uma corrente transferência de culpa a terceiros, como se isso garantisse uma isenção de manifestação prática. Ou pior do que isso, há a defesa consciente ou inconsciente do fatalismo. E isso me leva à conclusão de que a crítica muitas vezes existe somente pela crítica, arredada de seu sentido utilitário, porque a vontade é menor do que o conformismo.

Acredito que o ideal de muitas pessoas não é um mundo melhor para todos, mas um mundo melhor para elas e talvez para aqueles que elas julguem merecedores desse mundo ideal. Vivemos em um mundo onde desde muito cedo as pessoas são condicionadas a buscarem um futuro digno para elas. Mas muitas ignoram que um futuro digno para elas pode depender essencialmente da busca por um futuro melhor para os outros também.

A verticalização em detrimento da horizontalização é comumente ignorada por um viés se não individualista, talvez espuriamente coletivista. Isso é apenas uma simplista inferência sobre a desconsideração em relação à importância de um clamor mais do que pontual da alomorfia ou mudança estrutural em uma sociedade.

Acho que se reunir com amigos em algum lugar para fazer críticas às coisas pode ser interessante, mas se não passa disso, se não há ações nem mesmo partindo da nossa recusa em aceitar algo que consideramos, de fato, inadmissível, e sobre o qual temos poder de reação, esbarramos no clássico tartufismo, na demagogia.

Quando saio às ruas, sempre vejo homens reunidos em algum lugar fazendo críticas – em bares, cafés, sob alguma marquise. Passam horas, dias, meses, anos naqueles lugares. Creio que reclamam apenas para passar o tempo, para ser ouvido (mesmo que minutos depois ninguém se recorde do que ouviu), porque as críticas nunca mudam, e se não mudam é porque, esperando uma mudança que não parta deles, seguem imersos na inação.

Written by David Arioch

August 5th, 2018 at 1:55 pm

Historicamente, a luta pelos direitos animais sempre foi feita por pessoas sensíveis e racionais

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Henry Salt, pioneiro da perspectiva moderna na luta pelos direitos animais (Foto: Reprodução)

Historicamente, a luta pelos direitos animais sempre foi feita por pessoas sensíveis e racionais; e com uma compreensão da realidade muito além do seu tempo. Não interessa em que período. A história está cheia desses exemplos. Na realidade, antes mesmo da concepção moderna dos direitos animais fundamentada no trabalho de Henry Salt, da Liga Humanitária inglesa, esses ideais de respeito à vida independente de espécie já vinham sendo moldados ao longo dos séculos.

Antes da era cristã e da formatação do antropocentrismo, já encontrávamos pessoas indo na contramão dessa displicência em torno da objetificação animal que ganhou proporções piramidais após a Revolução Industrial. Encaro essas pessoas como observadores e visionários dos desdobramentos de uma nociva realidade concreta. Hoje temos o privilégio de ter um bom número, claro que embora não o suficiente, de pessoas com quem podemos compartilhar francamente nossas ideias.

Agora imagine a realidade dessas pessoas no tempo em que viveram. Menos do que loucos e tolos não eram considerados ostensivamente por muitos. Não são raros os exemplos daqueles que foram desrespeitados e sofreram perseguições exaustivamente, sendo empurrados à marginalização; ainda assim não desistiram. Valeu a pena? Não tenho dúvida, porque os exemplos e os ideais contemporâneos não se fizeram sozinhos.





Invista em suas próprias batalhas, mas respeite as dos outros

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Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals

Invista em suas próprias batalhas, mas respeite as dos outros. Lutar neste mundo já não é fácil, mas lidar com pessoas criticando suas lutas realmente não é legal. Por isso sou da seguinte opinião: se uma pessoa luta por algo em prol de um mundo mais justo, será que realmente tenho motivos para criticá-la?

E se critico, será que faço isso de forma construtiva ou destrutiva? Será que minha crítica é baseada em um bem maior do que a minha vontade de ter razão ou de fazer oposição? Opiniões contrárias não são um problema; podem acrescentar muito. Mas opiniões que visam a desmotivação infelizmente podem ser lesivas dependendo da forma como as absorvemos.





 

Written by David Arioch

March 27th, 2018 at 7:10 pm

Direitos animais não são sobre privilégios para não humanos

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A luta pelos direitos animais não é sobre privilégios para não humanos

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Fotos: Jo-Anne McArthur/We Animals

Não raramente, encontramos pessoas, principalmente na internet, se esforçando para fazer com que outras pessoas associem a defesa dos direitos animais com a espúria ideia de que isso significa lutar por privilégios para animais não humanos em detrimento dos humanos. Há inclusive pessoas que dedicam tempo a alvissarar esse tipo de equívoco, não sei se por desinformação, preguiça ou má-fé. Se importar realmente com os animais não humanos, de fato, requer um tipo de consciência dissemelhante, de empatia não especista, de olhar para o outro e querer ajudá-lo mesmo sabendo que ele não pode te beneficiar. Afinal, trata-se de lutar por quem não tem voz.

Embora a nossa sociedade esteja imersa em desigualdades, acredito que aqueles que menos têm voz são os animais não humanos, já que não partilham do mesmo código comunicativo que nós, logo não podem reclamar; e suas queixas podem ser dissimuladas. Sendo assim, estão em grande desvantagem desde que deliberamos que eles existem para o nosso uso e abuso. E as piores consequências surgiram após a Revolução Industrial quando foram não apenas privados do reconhecimento enquanto seres viventes com necessidades específicas, como reduzidos a coisas e objetos.

Hoje, mesmo considerados bens móveis em determinados contextos, continuam sendo explorados e mortos ao bilhões a cada ano, isso sem citar a estimativa de mais de um trilhão de animais marinhos mortos nesse período. Normalmente, o estado de miséria não humana passa despercebido porque a dissimulação é ainda mais ingente do que aquela que impomos aos seres humanos que infelizmente também estão imersos em miséria. Exemplo disso?

Muitas pessoas reconhecem facilmente o sofrimento humano em qualquer situação, mesmo que isso não desperte nelas um pressuroso anseio em ajudar. No caso dos animais não humanos, é comum não apenas a ausência ou alheamento da empatia como também o endosso da arraigada cadeia de negação. A maioria se recusa a racionalizar o sofrimento animal não humano mesmo que por um instante; é como se não existisse, fosse apenas fantasia.

Isso explica também por que a luta pelos direitos animais é urgente; por que os animais não são reconhecidos nem mesmo como sujeitos de uma vida, ao contrário dos seres humanos, por pior que seja a situação. Até porque, pelo menos no ocidente, qualquer atentado à vida humana, independente do que venha a acontecer, se alguém há de ser sentenciado ou não por suas ações, será considerado um crime ou há de gerar algum tipo de comoção com a divulgação do episódio.

Vivemos uma realidade em que as leis de maus-tratos aos animais são tão subjetivas e defasadas que uma pessoa pode comprar um boi, levar para casa, torturá-lo e matá-lo. Se depois ele servir de alimento para um grupo de pessoas, pode haver até mesmo uma total desconsideração em relação à ação anterior; e o algoz talvez seja visto como um benfeitor.

Outro equívoco que aponto no discurso que tenta superficializar a luta pelos direitos animais é que a maioria daqueles que conheço que se tornaram vegetarianos ou veganos são pessoas que não aceitam as injustiças e não as veem como parte de uma realidade justificável, em que os “fins justificam os meios porque são inerentes à vida” e cabe a nós ignorá-las.

Sendo assim, a não aceitação da exploração animal tem relação com uma consciência imanente de justiça social. “Só se preocupa com os animais enquanto muitas crianças passam fome.” Afirmações como essa são temerárias e recaem no erro comum da propalação de rasas ou obtusas prenoções e observações.

Usar isso de forma genérica para deslegitimar a luta pelos direitos animais é essencialmente desacertado e tem um viés capcioso, principalmente se parte de alguém que não realiza trabalhos sociais com crianças famintas. Ademais, lutar por um algo não desqualifica outro algo. Sou da opinião de que devemos reconhecer o valor de cada ação em benefício de alguém.

Uma pessoa pode optar por lutar apenas pelos direitos animais por diversos fatores, mas isso não é regra. Para mais, se ela manifesta antagonismo em relação a esse tipo de desigualdade, ela já está cumprindo um papel inclusive social que sem dúvida nenhuma é muito mais relevante do que o daquele que critica sem se engajar em nenhum tipo de causa que beneficie vidas.

Quando se fala então em políticas públicas voltadas aos direitos animais, pré-conceitos e preconceitos surgem a níveis alarmantes, basicamente como consequência de maus hábitos, desinformação e obscurantismo. Vejo isso também como um merencório sintoma do apedeutismo, já que causas a favor da vida não concorrem entre si, logo é especioso afirmar o contrário.

Se alguém diz que temos assuntos mais urgentes a tratar do que a questão animalista, não reconheço coerência em tal afirmação. Afinal, tudo que envolve as ações humanas e suas consequências não apenas para nós, mas para as outras espécies que exploramos e violentamos exaustivamente, é de grande premência à vida na Terra.

Não vejo sentido em rivalidades desnecessárias que visam desmerecer uma causa simplesmente porque do alto de nossas predileções individuais não nos interessa porque não são sobre nós, mas sim sobre outras espécies. Todo tipo de exploração é tema de grande urgência se envolve vidas imersas em um universo figadal, medonho e displicente de desconsideração. E nessas horas, o mais importante talvez seja um outro olhar.

 





 

Sobre pessoas e lutas

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Arte: Joshum

Muitas pessoas, seja por questão cultural ou condicional, optam por não lutar por nada que não seja relacionado a elas ou, na melhor das hipóteses, ao que elas consideram “os seus”. Logo, infelizmente, é naturalizado o ato de ver o outro, que se engaja em alguma luta ou mudança que não tenha a si mesmo como beneficiário prioritário, com estranhamento, debique ou até mesmo ojeriza. Quem sabe, uma ameaça a algo que afiançamos quando nos embriagamos na ilusão.

De fato, não me irrita a ideia de uma pessoa fazer piada de algo em que eu esteja engajado, simplesmente porque o mais importante é a motivação inerente e o entendimento que tenho do que faço. E lidar com adversidades é parte da vida, e quanto a isso não há como ser diferente dada à abstração do que envolve a existência.

Ademais, quando alguém age de forma flauteadora, sei que a essa pessoa falta simplesmente um pouco de assimilação ou percepção, e claro algum tipo de contrariedade em relação às zonas de conforto. Até porque não é novidade que a mecanicidade é sempre mais sedutora do que a tenacidade. Porém, por bem, se assim o desejarmos ou permitirmos em algum momento, isso é mutável, assim como muito do que diz respeito à construção humana.





Written by David Arioch

December 24th, 2017 at 12:24 am

“Quem diz que a vida importa menos para os animais do que para nós nunca segurou nas mãos de um animal que luta pela vida”

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“O ser inteiro do animal se lança nessa luta, sem nenhuma reserva” (Foto: Mary Britton Clouse)

“Quem diz que a vida importa menos para os animais do que para nós nunca segurou nas mãos de um animal que luta pela vida. O ser inteiro do animal se lança nessa luta, sem nenhuma reserva. Quando o senhor diz que falta a essa luta uma dimensão de horror intelectual ou imaginativo, eu concordo. Não faz parte do modo de ser do animal experimentar horrores intelectuais: todo o seu ser está na carne viva.”

Página 126 de “Elizabeth Costello”, de J.M. Coetzee, publicado em 2003.

 

Você se lembra de mim?

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There Is Always Hope, Banksy

Perto do Banco do Brasil, um rapaz se aproximou de mim sorrindo e perguntou se eu me recordava dele.

— Lembro sim. Você ficou um tempo na rua, não?
— Sim. Então, parei com o crack, mano. Na verdade, parei com tudo.
— Que bom, cara. Muito bom mesmo saber disso.
— É…agora estou bem mesmo. Estou limpo desde o final do ano passado. Não tive nenhuma recaída e estou trabalhando também.
— Você é um exemplo. Pode ter certeza. Isso é uma grande notícia.
— Você acha que estou bonito?
— Está sim. Nem parece o mesmo cara.
— Recuperei todo o peso que perdi enquanto fumava pedra. Olha minha roupa limpinha e nova.
— Ficou muito bem em você.
— Comprei sexta quando recebi o pagamento.
— Que beleza.
— Fiquei mais de ano vagando pela rua, noiado mesmo. Você lembra que eu andava pedindo dinheiro, né?
— Lembro, claro que lembro.
— Isso já passou. Voltei a trabalhar como ajudante de marceneiro também. Tô feliz, cara, de verdade.
— Me desculpe se estou incomodando, falando demais.
— Que isso. Claro que não. É sempre bom receber uma notícia assim. Anima qualquer um com um pouquinho de sensibilidade.
— Valeu mesmo! Vou indo porque amanhã tenho que acordar bem cedo pra trabalhar.
— De nada, cara. Fique bem. Bom trabalho e siga o seu caminho.

Contribuição

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Written by David Arioch

June 19th, 2017 at 12:17 am

A mudança de Nelson

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Nelson abandonou o vício e agora trabalha como catador de materiais recicláveis (Foto: David Arioch)

Em fevereiro, contei a história de Nelson Ferreira Filho, um ex-construtor da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, que se entregou ao álcool e ao crack. À época, consegui uma vaga pra ele em uma das melhores clínicas de reabilitação do Norte do Paraná. No dia em que planejei buscá-lo, ele desistiu, não quis mais saber do internamento. Fiquei desapontado e preocupado com o seu futuro. Mas algo incrível aconteceu.

Hoje, fui até a Vila Alta e o reencontrei. Conversamos um pouco, inclusive com outras testemunhas, e ele me relatou que abandonou o álcool e o crack. Nelson estava sóbrio e bem animado, tanto que voltou a trabalhar depois de anos. Me surpreendi tanto que quero fazer um pedido.

Se você ver o Nelson na rua, se aproxime, fale que conhece sua história, dê um aperto de mão e diga algumas palavras de incentivo, nem que seja um simples “parabéns”. Quem puder, faça uma doação em ferro e materiais recicláveis. A motivação agora é o melhor caminho para evitar que ele tenha algum tipo de recaída. Acredito que há uma grande chance dele se livrar do vício de uma vez por todas.

Written by David Arioch

November 3rd, 2016 at 11:02 pm

A negação do passado não é um caminho saudável

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O Paraná tem uma história de colonização extremamente violenta (Foto: Reprodução)

Não entendo o que leva as pessoas a negarem a história de violência do lugar onde vivem. A partir do momento que você nega esse passado, você está automaticamente legitimando que tudo é o que é porque deveria ser assim. Ou seja, no meu entendimento isso é tanto uma forma de resignação quanto de preservação de um status quo.

O Paraná tem uma história de colonização extremamente violenta e sempre que alguém tenta negar isso de algum modo tenho a impressão de que não estamos falando do mesmo estado. Pesquiso sobre a história regional há apenas sete anos, mas é algo que não posso deixar de dizer que me causa um grande estranhamento.

Abordar o que aconteceu de ruim no passado não tem nada a ver com reverberar coisas negativas, despertar sentimentos ruins, muito pelo contrário. Acredito verdadeiramente que isso é uma forma de luta, de incitação à transformação através da reflexão.

Written by David Arioch

June 14th, 2016 at 6:55 pm