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O legado de Wiegando Reinke
Tradicional Banca do Wiegando foi fundada em Paranavaí em 1957
Fundada em 1957, na Rua Marechal Cândido Rondon, logo nos primeiros anos a Banca do Wiegando se consolidou como o mais tradicional ponto de encontro dos leitores de jornais e revistas de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. No início a banca oferecia também o serviço de engraxataria, bastante atrativo em uma época que a cidade não tinha malha viária.
No final da década de 1950, Wiegando Reinke já desenvolvia com destreza o trabalho de disseminar a informação em Paranavaí. Gostava tanto do que fazia que dedicou quase 45 anos à banca, seguindo uma frequência litúrgica. O tempo permitiu que Wiegando fizesse muitos amigos e testemunhasse o surgimento e o desaparecimento de muitos veículos de comunicação.
Só se afastou do trabalho em 2002, por problemas de saúde, deixando a administração do negócio a cargo da esposa Zenaide Elias de Almeida. Mesmo assim, até 2007, a intensa nostalgia ainda o estimulava a comparecer na banca pelo menos uma vez por semana. Por tal esmero e amor à profissão, é difícil encontrar algum morador de Paranavaí que nunca tenha visto ou ouvido falar do Seu Wiegando, senhor esguio de fala plácida e trejeitos peculiares que fundou a mais icônica banca de jornais e revistas da cidade.
Início
“A banca ficava a 50 metros daqui. Era uma casinha de madeira”, contou Wiegando Reinke. À época, como Paranavaí não tinha asfalto, os homens passavam na banca para engraxar os sapatos aos sábados, antes de irem aos bailes. “No domingo era a mesma coisa, vinham aqui porque iam à missa ou passear com a namorada”, relembrou Wiegando sorrindo.
O serviço era oferecido das 8h às 23h e estimulava a venda de jornais e revistas. “Enquanto o engraxate trabalhava, o cliente precisava de algo para passar o tempo. Então era possível lucrar com as duas atividades”, afirmou. Após dois anos, a Banca do Wiegando conquistou bastante popularidade na região, atraindo toda semana clientes de Tamboara, Santa Isabel do Ivaí, Loanda, Paraíso do Norte e muitas outras cidades. Modesto, Reinke justificou que a freguesia era consequência de Paranavaí ser um polo regional.
Dificuldades
No início, a banca enfrentou dificuldades porque Paranavaí era uma cidade de poucos leitores. “Em torno de 20 pessoas passavam todos os dias aqui, mas poucos compravam. Além disso, se comercializava poucos jornais. Tínhamos apenas umas quatro ou cinco revistas diferentes. Hoje a diversidade é muito maior. Qualquer banca tem pelo menos 50 títulos de revistas”, comparou Wiegando. Outro problema era o analfabetismo local que correspondia a mais da metade da população.
Até a década de 1960, a maior parte dos fregueses da banca eram mecânicos, funcionários de lojas e empresários. “Já era um ponto tradicional para quem gostava de ler”, enfatizou o comerciante. Em 1980, a difusão da informação chegou a um novo patamar, aumentando o interesse por jornais e revistas. “A freguesia já não se restringia mais a quem ocupava um cargo considerado importante dentro da sociedade”, explicou Wiegando que lucrou muito com a venda de periódicos hoje extintos. “A revista que me proporcionou maior faturamento foi a ‘Ilusão’ do final da década de 1970”, revelou.
Jornais e revistas chegavam após quatro dias
Natural de Jaraguá do Sul, o catarinense Wiegando Reinke chegou ao Paraná em 1949. Antes de se mudar para Paranavaí em 1954, viveu em Londrina e em Alto Paraná. “Vim pra cá para trabalhar em uma livraria. Era um bom comércio, mas depois de três anos foi fechado”, relatou.
Desempregado, o ex-vendedor decidiu usar as economias para montar a Banca do Wiegando. O primeiro distribuidor de Reinke foi um colega que trazia jornais e revistas de Londrina. “Recebia diretamente aqui. Foi nesse período que o negócio deslanchou”, afirmou.

“Quando chovia, levava até quatro dias para recebermos jornais e as revistas” (Foto: Arquivo Familiar)
Algumas facilidades da época contribuíram para a evolução do negócio. Wiegando não precisava efetuar o pagamento antes de receber a mercadoria, ao contrário de hoje. Porém a maior dificuldade era a entrega das encomendas. “Quando chovia, levava até quatro dias para recebermos jornais e as revistas. Às vezes a situação era tão crítica que só avião conseguia chegar aqui, então tinha de ir buscar no aeroporto. Foi assim até 1959”, garantiu.
Muita gente tentou convencer Wiegando Reinke a mudar a banca de local para conquistar mais fregueses, só que ele insistiu em continuar no mesmo ponto, justificando que perto do estabelecimento havia o Cine Theatro Paramounth e alguns hotéis. “Sempre vinham comprar algo quando terminavam de assistir ao filme”, reiterou o pioneiro mantendo o olhar disperso.
Reinke destacou que jamais se arrependeu de manter a banca na Rua Marechal Cândido Rondon, inclusive fez questão de ressaltar o erro daqueles que o tentaram convencer do contrário. “Enquanto o movimento no comércio não passa das 18h, na minha banca já se estendia até as 19h30”, argumentou.
“Tudo que tenho foi graças à banca”
O período mais lucrativo da Banca do Wiegando foi de 1980 até 1990, quando a maior parte dos clientes tinha faixa etária entre 25 e 30 anos. “A boa freguesia me permitiu construir minha casa e o prédio da banca, além de me dar condições para comprar um carro novo. Tudo que tenho foi graças à banca. Além disso, fiz amizade com a cidade inteira. Conheço muita gente”, afirmou o comerciante, lembrando que a queda no número de fregueses só se acentuou a partir de 1997.
O fluxo de pessoas circulando diariamente pela banca ainda é grande, mas nem todos levam algum exemplar para casa. A Banca do Wiegando se mantém na ativa por causa dos fregueses mais tradicionais. Alguns buscam jornais e revistas na banca há mais de 50 anos. Na opinião de Reinke, a emergência de novas tecnologias é responsável pela redução do interesse pela leitura impressa.
Últimos anos
Desde 2002, quando Wiegando Reinke ficou impossibilitado de trabalhar em decorrência de problemas de saúde, Zenaide Elias de Almeida assumiu a responsabilidade de comandar a banca. “Dona Zenaide”, como é mais conhecida, começou a auxiliar o marido no final da década de 1980, assim que Wiegando teve o primeiro problema cardíaco. “Nossos filhos eram pequenos, então só a partir de 1988 pude ajudar ele”, assinalou.
Zenaide trabalha em parceria com Neusa Gonçalves, funcionária da Banca do Wiegando desde julho de 1991. “Já faz tempo que nós duas cuidamos de tudo aqui”, conta Neusa. O horário de funcionamento da banca é das 7h15 às 19h30. “Só há horário diferenciado aos sábados, domingos e feriados, quando abrimos às 7h15 e fechamos às 16h”, frisou Zenaide.
Para quem trabalha no comércio de jornais e revistas não há diferença entre a segunda-feira e o domingo, por exemplo. “Esse é o ponto negativo da profissão. Não existe feriado para quem é do ramo”, destacou Wiegando, acrescentando que apesar de tudo o prazer do trabalho amortecia as dificuldades.
Curiosidade
Wiegando Reinke nasceu em 7 de agosto de 1926 e chegou a Paranavaí em 9 de janeiro de 1954.
Saiba Mais
Em 2007, tive a oportunidade de conversar com o pioneiro Wiegando Reinke, que em decorrência de graves problemas de saúde faleceu em 20 de junho de 2008. O longo e prazeroso diálogo foi lapidado e o resultado é a reportagem acima que oferece uma díspar perspectiva de quem amadureceu na cidade que adotou como lar. Em síntese, uma homenagem ao primeiro homem que trouxe a Paranavaí a informação por meio da imprensa escrita, de âmbito local, regional, estadual, nacional e internacional.
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Paranavaí e a sociedade de “colonização bruta”
Uma cidade que de tão heterogênea surgiu com grandes falhas sociais

Sem planejamento, Paranavaí foi colonizada pelo próprio governo paranaense (Foto: Acervo da Fundação Cultural de Paranavaí)
Não são poucos os pioneiros que afirmam que Paranavaí, no Noroeste do Paraná, é uma cidade formada a partir de uma sociedade de “colonização bruta”. Mas qual é o significado disso?Declarações como essa são justificadas por fatos envolvendo principalmente distinções culturais. Paranavaí foi colonizada pelo governo paranaense, ou seja, houve pouca participação ou abertura para a colonização de iniciativa privada ou planejada. Assim a organização precisava partir da própria comunidade.
Nos anos 1940, nos tempos da Fazenda Brasileira, Paranavaí contava com uma sociedade restrita, pouco sociável e formada pela política da conquista de novas terras. A colônia atraía todo tipo de gente porque os lotes eram baratos e, em algumas situações, até doados. “Havia a coletividade, mas sem articulação social. A maior parte das pessoas vinha pra cá com esse interesse em comum. Não socializavam quase. Assim surgiu uma sociedade com uma colonização bruta, sustentada apenas pelos mesmos objetivos econômicos”, afirma o pioneiro Ephraim Marques Machado.
Como havia povos das mais diferentes origens, por vários anos persistiu uma segregação entre os moradores. Muitos se relacionavam apenas com pessoas que vieram do mesmo estado, região ou país. “Em Paranavaí, naquele tempo, mineiro era chamado de nortista e nortista aqui era considerado ladrão para os migrantes preconceituosos. Sofri muito com isso”, lembra o pioneiro Sátiro Dias de Melo. O testemunho é endossado pelo pioneiro cearense João Mariano que viu muitos peões e colonos nordestinos serem escravizados por migrantes do Sul e Sudeste nos anos 1950 e 1960.
De acordo com Ephraim Machado, a heterogeneidade podia ser vista como um problema social, já que Paranavaí lembrava uma colônia dividida em pequenos povoados. “Os nortistas e os sulistas eram muito diferentes, então o distanciamento foi inevitável. Sem dúvida, algo que interferiu na evolução local. Paranavaí demorou para começar a se constituir como o que chamamos de sociedade nos moldes atuais”, avalia Machado.
A facilidade de acesso às terras fez Paranavaí receber muita gente diferente, não apenas migrantes que sonhavam com um pedaço de terra para construir uma moradia, plantar e assegurar o futuro da família. Aventureiros e oportunistas das mais diversas regiões do Brasil, até mesmo assassinos e ladrões, vinham para a região, crentes de que encontrariam um lugar isolado e de muitas riquezas. “O governo até fretava aviões para abandonar criminosos nas matas virgens das imediações de Paranavaí. O objetivo era não ter despesas e responsabilidades com essa gente”, diz João Mariano.
Pelo país afora, a colônia era conhecida como um local administrado pelo poder público, com pouca interferência da iniciativa privada. “Muitos gostaram daqui por isso”, declara Mariano. Já cidades colonizadas por companhias não atraíam tanta gente assim. O custo de vida não era barato e o investimento era maior em função do planejamento minucioso. E claro, também tinha mais exigências e mais burocracia. Outro diferencial é que em áreas loteadas pelo poder público havia menor participação de autoridades e maior facilidade na realização de negociações escusas.
Intimidada pelo baixo custo dos lotes da antiga Fazenda Brasileira, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), conhecida por vender imóveis por preços mais altos, criou uma situação desconfortável entre as décadas de 1940 e 1950. “A companhia chegou até Nova Esperança e ali parou. Eles queriam nos isolar. Não deixavam ninguém fazer nada em Paranavaí, inclusive convenciam quem queria investir aqui de que seria um mau negócio”, lamenta Mariano.
Nos tempos de colonização, Paranavaí foi palco de muitas brigas de corretores de imóveis. “Não esqueço que em 1950, antes de me casar, eu morava no Hotel Real, na antiga Rua Espírito Santo, e ali mesmo o Cangerana assassinou um sujeito por causa de comissão de terras”, relata Machado. Os pioneiros também se recordam do episódio em que um homem matou na Avenida Paraná, no prédio do antigo Banespa, três pessoas que o enganaram em uma negociação.

Ephraim Machado: “As pessoas partilhavam apenas os mesmos interesses econômicos” (Foto: Toshikazu Takahashi)
“Os maiores crimes dos tempos da colonização foram provocados por causa de comissão e não disputa de terras”, ressalta Ephraim Machado, embora admita que houve muitas situações em que o capitão Telmo Ribeiro, braço direito do ex-diretor da Penitenciária do Estado do Paraná, Achilles Pimpão, e amigo do interventor federal Manoel Ribas, teve de intervir em casos de grilagem de terras. Ribeiro foi proprietário de uma fazenda que se transformou no Jardim São Jorge.
No entanto, nada se sabe sobre as implicações legais das atuações de grileiros em Paranavaí, deixando subentendido que muita gente pode ter construído fortunas sem se submeter, em qualquer momento, aos rigores da lei. “Desconheço qualquer caso de alguém de Paranavaí que foi punido por causa disso. Ainda assim, sei que encrenca maior se deu na Gleba Sutucu, Areia Branca, dos Pismel e também na Gleba 23. Teve quem foi tirado da terra à força. Juridicamente, não tenho a mínima ideia de como tudo foi feito”, comenta Machado.
O fato de Paranavaí ser tão grande até o início dos anos 1950 facilitava a grilagem de terras. À época, a colônia tinha uma vasta área que ia até as fronteiras com os estados do Mato Grosso (área do atual Mato Grosso do Sul) e São Paulo. Quem iria fiscalizar tudo isso e com quais recursos, sendo que hoje, mesmo com tantos avanços, ainda existe grilagem no Brasil?”, questiona João Mariano.

Sátiro de Melo: “Mineiro era chamado de nortista e nortista aqui era considerado ladrão para os migrantes preconceituosos” (Foto: Toshikazu Takahashi)
Uma transformação social imposta pela pecuária
O pioneiro Ephraim Marques Machado explica que até os anos 1960 era comum um proprietário de terras contratar meeiros para se responsabilizarem pela produção agrícola. “O camarada ia até São Paulo e Minas e falava: ‘Olha, eu tenho 200 alqueires em Paranavaí e vou produzir 100 mil pés de café. Preciso de cinco famílias e dou a ‘meia’ para plantar. Então ele dividia tudo em partes iguais e cada um cuidava de um pedaço”, exemplifica. Com isso, o bom resultado financeiro foi garantido até o surgimento das geadas. A última que castigou a região foi a de 1975.
Nas décadas de 1960 e 1970, Machado viu centenas de meeiros de Paranavaí migrarem para as regiões de Toledo, Marechal Cândido Rondon, Umuarama e Naviraí, no Mato Grosso do Sul. Outros se mudaram para o Norte. Muitas propriedades foram transformadas em pasto depois de 1964 e 1965, quando a colonização caiu bastante. “É aquela: ‘onde entra o boi sai o homem’. O café já não tinha mais tanto valor e o pasto acabou com o que sobrou”, pondera Ephraim. Quem partiu para novas frentes de trabalho trocou a lavoura de café por algodão, amendoim e arroz.
Fazendas que tinham 300 alqueires e garantiam o sustento de pelo menos 15 famílias passaram a ser ocupadas por apenas uma. Em outros casos, nem isso. “A migração modificou a sociedade local. A própria cultura da cidade passou por uma transformação”, enfatiza Ephraim Machado. A partir da década de 1970, Paranavaí, que até então atraiu tanta mão de obra para as lavouras, chamou muita atenção de empreendedores e pecuaristas de outras cidades e estados. Eram pessoas de alto poder aquisitivo que aqui se fixaram para ocupar posição de grande status econômico e social.
Saiba Mais
Nos anos 1950, já viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, poloneses, russos, ucranianos, tchecos, iugoslavos, húngaros, espanhóis, neerlandeses, japoneses, franceses, suíços, sírios e libaneses, além de outros povos.
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Cine Paramounth era usado como salão para bailes
Sem local para a realização de festas, moradores alugavam o cinema
No final da década de 1940, foi criado em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o Cine Theatro Paramounth, localizado na Rua Marechal Cândido Rondon. O cinema, encarado como primeira e única fonte de entretenimento para a então população de dez mil habitantes, logo foi usado também para a realização de bailes.
Até o ano de 1948, a vida dos moradores de Paranavaí era delimitada pelo trabalho no campo ou no pequeno espaço urbano. Divertimento fazia parte da realidade dos poucos que tinham condições financeiras para se deslocarem até outras cidades. “O improviso era o único jeito de garantir divertimento. Ainda bem que naquele ano foi criada uma sociedade para a construção de um cinema, então percebi que as coisas mudariam”, lembra o pioneiro Ephraim Machado que à época era quem divulgava por meio de um serviço de alto-falantes os raros eventos sociais.
Machado percorria toda a cidade incentivando os moradores a participarem das festas locais. Naquele tempo, muitas atividades não visavam retorno financeiro. Os eventos eram realizados apenas com o objetivo de entreter a população. “É bem diferente de hoje. Em qualquer evento envolvendo a comunidade, sempre há pelo menos um que lucra em cima dos outros”, compara o pioneiro.
Quando o Cine Theatro Paramounth foi inaugurado, a cidade ainda não tinha um ambiente específico para festas e bailes de carnaval. Por isso, Ephraim Machado e outros pioneiros tiveram a ideia de usar o espaço do cinema para resolver o problema. “O Paramounth tinha piso em nível, então o que fazíamos no carnaval? Alugávamos o salão do cinema e tínhamos três dias ininterruptos de batuque”, conta Machado sorrindo.
A realização de eventos no Cine Theatro atraiu muita gente. O primeiro baile, por exemplo, reuniu mais de 400 pessoas. O sucesso da iniciativa permitiu que festas fossem realizadas no Paramounth ao longo de três anos. O pioneiro Wiegando Reinke, que já tinha uma banca de jornais e revistas a alguns metros dali, se recordava com nostalgia do intenso fluxo de pessoas. “Não havia asfalto, apenas uma estrada de areia bem densa. O pessoal saía de lá e vinha direto aqui comprar alguma coisa. Era como se fosse um hábito, costume mesmo.”
Surgem os primeiros clubes
Com o surgimento dos clubes em Paranavaí, foram construídos os primeiros locais específicos para a realização de festas. O pioneiro foi o Aeroclube, atual Tênis Clube, onde a maior parte da população com vida social ativa se reunia, principalmente na década de 1950, para aproveitar os finais de semana. “Sempre organizávamos algum evento atrativo para o público, de modo geral. Não havia distinção de classe como hoje. Ali recebemos diversos governadores, entre eles Bento Munhoz da Rocha e Moisés Lupion”, conta o pioneiro e ex-presidente do extinto Aeroclube, Ephraim Machado.
Os clubes da época serviram para ampliar a consciência comunitária, algo que não existia até a década de 1940, quando as comemorações eram mais restritas. “As pessoas até então só organizavam festas particulares, até porque o conceito de confraternização da época era muito limitado. O pensamento das pessoas mudou somente quando organizamos as primeiras grandes festas”, revela Machado.
Os bailes nos salões dos clubes, mesmo fora da época do carnaval, eram impulsionados pelo hino de Benedito Lacerda e Humberto Porto: A jardineira, de 1938. A marchinha de tema baiano, somada a outras canções nordestinas e nortistas, fazia a alegria da população. Tudo era improvisado, e até mesmo pessoas da plateia subiam ao palco para tocar algum instrumento. Foi uma época de muito samba, baião, maxixe e bolero, segundo Machado.
Os grupos musicais normalmente eram compostos por três instrumentos: sanfona, violão e pandeiro. “Toda banda normalmente tem bateria, mas nós não tínhamos isso na cidade, era tudo muito experimental. Quem surgia com um instrumento diferente via o que podia ser feito dentro do ritmo que o grupo estava tocando”, enfatiza o pioneiro. Certa vez, um músico chamou a atenção do público ao subir no palco e casar a sonoridade de um violino com a sanfona, o pandeiro e o violão.
“A diversão do homem era o clube ou a zona”
Para aqueles que preferiam locais ermos, havia os clubes comerciais. O mais emblemático era o Clube do Arara Vermelho, localizado em uma ilha no Porto São José. “Eles venderam muitas ações. Todo mundo tinha vontade de ir lá, mas não deu certo por muito tempo. Quando chovia, a estrada ficava horrível, levava até 15 dias para voltar a ser transitável”, informa o pioneiro Ephraim Machado.
Na década de 1950, a realização de festas juninas tornou-se bastante comum. A principal influência para as comemorações de São João eram as comunidades nordestinas e nortistas. “Claro que tudo era regado a muita bebida quente, principalmente pinga e quentão. Ninguém aqui tinha acesso a bebida gelada”, revela o pioneiro.
Até o ano de 1964, os convites para as festas eram direcionados às famílias, não apenas a uma ou outra pessoa. Quando os pais informavam que estavam de saída, todas as mulheres da família tinham de ir embora também. “Lembro bem que a diversão do homem era o clube ou a zona. Havia dois setores. Dá pra dizer que um era bom e o outro mau porque este segundo era separado da sociedade”, exemplifica Ephraim Machado às gargalhadas.