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As malandragens de Nebrão

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“Sofri tanto que nunca mais quis saber de me meter noutra roubada do tipo”

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Trecho percorrido por Nebrão quando furtou a ponte do Bosque de Paranavaí (Foto: Reprodução)

Há alguns anos, conheci na Vila Alta, periferia de Paranavaí, o jovem Nebrão. Hoje, ele leva uma vida pacata atuando como servente de pedreiro, mas nem sempre foi assim. Sua infância, um “misto de coisas boas e ruins”, como ele mesmo define, foi marcada por muita malandragem, assim como a adolescência e os primeiros anos da fase adulta.

“Eu era ‘terrorista’, quebrava as coisas da minha mãe, fazia bagunça e judiava da minha irmã. Depois ela se vingava de mim. Eu vivia brigando com a molecada na rua. Dos 8 aos 10 anos, todo dia eu batia em alguém e depois corria. Daí se juntavam para me pegar”, conta rindo.

Naquele tempo havia uma família no bairro que prometeu não dar paz a Nebrão depois que ele matou a coruja importada do patriarca. “O homem ficou louco quando soube. Eu era novo de tudo e uma vizinha que denunciou. Passei a mão no estilingue e matei o bicho. Rapaz, e a coruja não era do velho? Veio uma tropa de molecada e eu pensei: ‘Agora é perna pra quem tem. Saí no pau’”, relata às gargalhadas, acrescentando que no dia seguinte o espancaram em retaliação pela morte da coruja.

E a vingança continuou. Em dia de festa no bairro, caso algum familiar do dono da coruja morta visse Nebrão passeando, a recomendação era dar-lhe uma nova surra. “Já baguncei nesta Vila Alta, hein? Muito mesmo! Eu catava cavalo que tinha dono e saía por aí montando. Eles procuravam o bicho e nada. Aquela barragem lá embaixo tinha uma caixona fechada de concreto que dava pra gente nadar legal. Então tinha época que eu nem queria trabalhar. Só ficar na barragem, curtindo um sol de ‘arrancar o coriri’. Lá era o lugar. Só paramos de ir lá depois que começaram a matar gente”, reclama.

Malandro, Nebrão se envolveu em situações que quem não o conhece diria que não passa de invencionice. Um dia quando ele ouviu que um conhecido morador do bairro faleceu na Santa Casa de Paranavaí, não pensou duas vezes antes de subir na carroça para visitar a casa do homem. Chegando lá, Nebrão viu que não havia ninguém e fez “várias viagens” transportando todos os móveis do falecido na carroça.

Em casa, não conseguiu velar a alegria ao observar a bela mobília. Chegou a deslizar as mãos por ela como se estivesse tocando o corpo de uma mulher. A imaginou se destacando em sua humilde residência improvisada com tábuas. Em pouco tempo soube que mentiram para ele. O homem estava vivo e prestes a receber alta. Então correu para devolver todos os móveis. “Ele morava sozinho e não tinha família, por isso fiz o que fiz”, justifica Nebrão que admite ter se arrependido.

Mas as estripulias do rapaz não pararam aí. Uma vez ficou sabendo que havia uma madeireira em Paranavaí que comprava pontes desmontadas a “preço de ouro”. “Fiquei ambicioso e armei um plano. Fui até o Bosque Municipal de Paranavaí e desmontei sozinho a bela ponte de madeira que cobria o córrego. Fiz ‘várias viagens’ de carroça e fui entregar numa madeireira pra receber o meu. Só que alguém me denunciou e a polícia militar veio no meu encalço”, lembra.

Depois do flagrante, Nebrão teve de levar a ponte de volta para o bosque e os policiais que o acompanharam assistiram ele remontá-la. “O trabalho ficou supimpa, irmão! Comigo não tem erro. Serviço de primeira! Só que sofri tanto que nunca mais quis saber de me meter noutra roubada do tipo”, pondera rindo.