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Oficina do Tio Lú

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Uma viagem por um universo de abnegação

"Tio Lú" mostra que não é preciso muito dinheiro para fazer a diferença (Fotos: Reprodução)

“Tio Lú” mostra que não é preciso muito dinheiro para fazer a diferença (Fotos: Reprodução)

Lançado no início da semana, Oficina do Tio Lú é o meu mais novo trabalho audiovisual. Parte da série “Realidade da Periferia”, o documentário conta a história do artista plástico Luiz Carlos Prates Lima, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que se dedica a recuperar crianças e adolescentes em situação de risco.

Na Vila Alta, um dos bairros mais pobres da cidade, Luiz Carlos, que está sempre enfrentando dificuldades financeiras, deixa de lucrar para ensinar os mais jovens a criarem obras de arte a partir das mais diferentes fontes de matéria-prima.

A oficina do artista fica no fundo da própria casa, onde ele faz crianças e adolescentes se distanciarem do mundo das drogas, da fome e da miséria. Oficina do Tio Lú é uma viagem por um universo de abnegação. Na obra, Tio Lú mostra que não é preciso muito dinheiro para fazer a diferença em um mundo cada vez mais consumista e materialista.

Ficha Técnica

Roteiro e Direção: David Arioch

Colaboração: Jesus Soares

Trilha Sonora: Crash Nomada, Racionais MC’s, Ney Matogrosso e Cólera

Fotos: David Arioch, Gugu Ditzel e Arquivo Pessoal de Luiz Carlos Prates Lima

Personagens: Luiz Carlos Prates Lima, Jesus Soares, Paulo José Zanelato Silva, Lindinalva Silva Santos, Maria de Fátima Oliveira, Danilo Medeiros França, Lucas Antônio Souza Silva, Odair Correa Junior, Gustavo Jesus Souza, Vagner Souza Santos, Weder França Melo, Kelvin Santos Melo, Ariel Gonçalves Souza, Robson Silva, João Paulo Rodrigues Alves e Juvenal Ferreira Silva.

Duração: 46 Minutos

“Sempre vejo os meninos vendendo drogas”

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Luiz Carlos Prates fala sobre a realidade dos jovens da Vila Alta

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Prates é um artista que recupera menores em situação de risco (Fotos: David Arioch)

Morador da Vila Alta, um dos bairros mais pobres de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o artista plástico gaúcho Luiz Carlos Prates há mais de 15 anos acompanha de perto tudo que acontece na comunidade, onde desenvolve um trabalho de recuperação de menores em situação de risco. Para Prates, a única forma de livrar os jovens do narcotráfico é fazendo um intenso trabalho social.

“Seu Luiz”, de 82 anos, como é mais conhecido, costuma circular com frequência pelas ruas da Vila Alta. Só em um sábado à tarde, contabilizou 13 crianças comercializando crack. “Sempre vejo os meninos vendendo drogas. É comum virar passador, bode expiatório, testa de ferro ou laranja. Mas a parte mais triste é que o destino deles nesse caminho é a cadeia ou a morte”, diz. No bairro, há casos de adolescentes com 15 anos que já se envolveram tanto com o narcotráfico que não se imaginam desempenhando outra atividade.

Prates relata com tristeza o exemplo de um adolescente para quem estava dando lições de artesanato. “Em 2011, passei por uma fase difícil e tive que interromper as aulas voluntárias por alguns dias para fazer algumas peças pra vender. Quando retomei a oficina, o menino sumiu. Fui procurar ele e descobri que um ‘traficante já tinha tomado conta’”, lamenta.

No bairro, é grande a quantidade de crianças e adolescentes fora das escolas. Muitos não têm pais e são criados pelos avós, segundo informações dos moradores da Vila Alta. “Não têm estrutura familiar e ficam disponíveis ao mundo das drogas”, avalia uma das lideranças do bairro, a catadora de recicláveis Maria de Fátima Oliveira que quando caminha pela Vila Alta sempre se depara com restos de drogas nas ruas, principalmente saquinhos de plástico com vestígios de crack.

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Maria de Fátima conta que sempre encontra vestígios de drogas nas ruas

Seu Luiz, que coordena um grupo de 12 crianças e adolescentes, afirma estar feliz por tê-los livrado do mau caminho, embora ressalte que ainda há muito trabalho a ser feito. “De todas as crianças que cuido hoje, a maioria não tem pai e mãe em casa. Mas o problema maior é que aqui no bairro não são poucos os jovens envolvidos com drogas que são filhos de desempregados, ladrões, prostitutas, traficantes e viciados”, comenta.

Como o bairro é distante da região central, o consumo de narcóticos começou por volta de 1980, de forma discreta e restrita. Mas a situação se agravou, tanto que muitas crianças conhecem a forma e o cheiro da droga. Os 12 alunos do artista plástico são um exemplo. “O meu neto de oito anos também identifica com facilidade quando estão usando alguma coisa”, complementa Maria.

L.F.B, de 10 anos, que em função da alimentação deficiente aparenta ter de sete a oito, já experimentou cola de sapateiro, tiner, éter, maconha, crack e cocaína por influência de falsos amigos. “Quando conheci não sabia nem o nome certo dos produtos. Não ‘tô’ mais nessa onda não, mas conheço muita gente que ‘tá’”, declara enquanto desvia os olhos e ajeita o boné surrado sobre a cabeça.

Luiz Carlos: "A Vila Alta sempre foi abandonada pelo poder público"

Luiz Carlos: “A Vila Alta sempre foi abandonada pelo poder público”

Seu Luiz se recorda do episódio em que um garoto estava trabalhando em uma cooperativa de recicláveis quando denunciaram ao Conselho Tutelar. “Foram até o local, tiraram o menino de lá e advertiram a cooperativa. Não apresentaram nenhuma solução, tanto que pra ganhar algum dinheiro hoje o garoto vende drogas em frente a própria casa”, relata.

Para as lideranças do bairro, até os anos 1990, a participação do Conselho Tutelar e de outras autoridades era mais efetiva. A criança ou adolescente com problemas era obrigado a assinar um documento em que se comprometia a mudar, recebendo todo o acompanhamento necessário. “Este lugar sempre foi abandonado pelo poder público. Falo da Vila Alta, não da Vila Operária. As pessoas precisam aprender a diferenciar os bairros”, desabafa Luiz Carlos Prates e sugere que o primeiro passo seja educar os moradores da Vila Alta.

O boia-fria Jurandir Oliveira defende que pessoas de outros bairros e cidades costumam cometer crimes e se refugiarem na Vila Alta. “É triste porque fica a impressão de que faz parte da comunidade, o que não é verdade. Nem tudo que acontece de ruim na cidade deve ser atribuído a nós. É injusto”, reclama.

Curiosidade

A Vila Alta tem pouco mais de três mil moradores.

O estigma social da Vila Alta

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Maria de Fátima: “Todo mundo era cidadão em outro bairro e aqui se tornou um João Ninguém”

Maria de Fátima no cruzamento com a Rua do Ipê, principal via de acesso da Vila Alta (Foto: Reprodução)

Maria de Fátima no cruzamento com a Rua do Ipê, principal via de acesso da Vila Alta (Fotos: David Arioch)

Uma das lideranças da Vila Alta, um dos bairros mais pobres de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, a catadora de recicláveis Maria de Fátima Oliveira conta um pouco da história do bairro que um dia foi conhecido como Vila do Sossego e atualmente soma mais de três mil moradores. Desse total, muitos já foram vítimas de preconceito social.

O começo nos anos 1970

A história da Vila Alta teve início em 1977, quando moradores de outros bairros foram obrigados a migrar para uma área desabitada além da Vila Operária. “Era só mato, não tinha nem árvore. Mudei pra cá alguns anos depois e lembro que aqui onde moro hoje só havia duas famílias, uma no Lote 1 e outra no Lote 16”, diz Maria de Fátima que já trabalhou como empregada doméstica, guarda e boia-fria. A catadora de recicláveis, assim como muitos outros habitantes da Vila Alta, nem sempre viveu na periferia.

Maria, que há 35 anos morou na região central de Paranavaí, serve de exemplo para mostrar como o desenvolvimento de um município pode ser prejudicial aos menos favorecidos. “Do Centro, mudei para o Jardim Panorama. De lá, fui para o Jardim São Jorge, até que me vi obrigada a vir pra cá, quando foi decretado o despejo. Isso aconteceu dois dias depois que cheguei do hospital com um filho recém-nascido”, lembra.

Maria de Fátima, uma das principais lideranças do bairro (Foto: David Arioch)

Maria de Fátima: “Éramos excluídos da sociedade e muitos nos tratavam como ‘lixo humano’”

Os barracos de lona e os casebres de lata de óleo

Muitos dos moradores da Vila Alta passaram por situação semelhante por causa da supervalorização do custo de vida em outros bairros. “Todo mundo era cidadão em outro bairro e aqui se tornou um João Ninguém. Éramos excluídos da sociedade e muitos nos tratavam como ‘lixo humano’”, desabafa Maria de Fátima que aponta como um dos principais pioneiros o falecido Zé Bala.

Na década de 1980, ainda não havia muitas residências no bairro que se formou a partir da Rua Benedito Brambila. A maior parte da área era ocupada por barracos de lona e casebres feitos com latas de óleo de cozinha. “Era tanto barraco que a gente parecia um bando de urubus. Sempre fazia aquele barulhão quando o vento batia”, comenta.

O preconceito contra os moradores

A população também não contava com recursos básicos. Assim como a energia elétrica, o acesso à água surgiu bem depois, e de forma precária, quando o Centro Social Urbano instalou duas torneiras no bairro. Para piorar, conseguir emprego no comércio local era quase impossível. “No Centro, ninguém dava emprego para quem era da Vila Alta. As moças e os rapazes mentiam, mas logo que descobriam eram demitidos. O preconceito era muito grande”, revela Maria.

A Vila Alta pouco evoluiu em mais de 30 anos (Foto: David Arioch)

Por falta de opção, crianças passam o dia nas ruas

Um ex-gerente de uma loja de departamentos de Paranavaí, que pediu para não ser identificado, ressalta que por muitos anos recebeu recomendações para não contratar moradores da Vila do Sossego. “A gente tinha o costume de generalizar mesmo, era uma questão até cultural, de família e convivência social. Pensava que o morador de lá era diferente, não era confiável. A gente sempre o julgava da pior maneira”, admite outra testemunha, o empresário Juliano Fernão Garcia. Recentemente, um mototaxista pediu que o artista plástico Luiz Carlos Prates descesse da moto ao informar que o destino era a Vila Alta.

O desemprego e o trabalho braçal

Embora uma parte dos moradores tenha conquistado bom espaço no mercado de trabalho, concluindo o ensino superior e tornando-se enfermeiros e professores, a maioria ainda está relegada ao desemprego e às linhas de produção das agroindústrias, colheita de laranja, corte de lenha, mandioca e cana-de-açúcar.

“Muitos atuam como pedreiros fora de Paranavaí. Uma minoria trabalha no comércio e coleta materiais recicláveis”, relata Maria que ainda se recorda de episódios em que lojas da região central se recusavam a vender produtos para os moradores da Vila Alta, caso o pagamento não fosse à vista.

O sentimento de não pertencimento a Paranavaí

A Vila Alta pouco evoluiu em mais de 30 anos (Foto: Reprodução)

A Vila Alta pouco evoluiu em mais de 30 anos

A principal queixa dos moradores é a de que grande parte da população de Paranavaí não vê as qualidades do bairro. Por isso, há um sentimento de não pertencimento à cidade e uma crença de que ao longo de mais de 30 anos a maior parte das conquistas é resultado de um trabalho comunitário.

“Somos bem unidos, tanto que muitas casas foram feitas em comunidade, com a ajuda de vizinhos e amigos”, garante a catadora de recicláveis, sem deixar de citar que receberam ajuda de pessoas de outros bairros e cidades.

O orgulho da periferia

A Vila Alta se orgulha dos seus trabalhadores que atuam na construção civil. Muitos desempenham função determinante na criação de condomínios e luxuosas residências situadas nas áreas nobres de Paranavaí. O bairro também é visto pelos moradores como um celeiro de artistas, pintores e vendedores. Ainda assim, a população clama por mais empregos, já que muitos se distanciam da família quando conseguem trabalho somente fora de Paranavaí.

Entre os moradores entrevistados é unânime o desejo de ver no futuro uma Vila Alta mais moderna, com a estrutura de uma pequena cidade e maior renda mensal. A população reclama da falta de opções de lazer, tanto para crianças quanto adultos. “A situação não é fácil, mas estamos lutando para melhorar ainda mais a vida na comunidade”, acrescenta Maria de Fátima.