Archive for the ‘Mato Grosso do Sul’ tag
O menino que matava porcos
Quando eu tinha oito anos, viajamos para Batayporã, no Mato Grosso do Sul. Lá, conheci outros familiares do meu avô. Mas naquela viagem só uma pessoa me chamou a atenção – um primo de terceiro grau. Ele tinha sete anos e olhos avermelhados.
Na fazenda, o vi de longe, expulsando alguns animais que circulavam pela casa principal. Me falaram que ele matava porcos desde os cinco anos, e que gostava de eviscerá-los com um punhal resguardado por gerações. “Mato mesmo!”, confirmou o menino rindo e ouvindo o comentário do sobrinho do meu avô.
Caminhando pela fazenda, eu evitava ficar sozinho, e sempre olhava ao meu redor, na tentativa de saber se o menino de olhos avermelhados estava por perto. Criança, eu nunca tinha visto ou ouvido falar de alguém que tivesse matado um porco.
Com o cair da tarde, e o sol despontando baixo e avermelhado no horizonte, assim como os olhos do menino, fiquei sabendo que meus pais pretendiam passar a noite na fazenda. Me aproximei de minha mãe e a questionei, garantindo a nossa partida: “Não quero dormir aqui. Se esse menino mata porco, um bicho que não fez nada pra ele, quem garante que ele não é capaz de fazer o mesmo comigo de madrugada?”
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Paranavaí e a sociedade de “colonização bruta”
Uma cidade que de tão heterogênea surgiu com grandes falhas sociais
Não são poucos os pioneiros que afirmam que Paranavaí, no Noroeste do Paraná, é uma cidade formada a partir de uma sociedade de “colonização bruta”. Mas qual é o significado disso?Declarações como essa são justificadas por fatos envolvendo principalmente distinções culturais. Paranavaí foi colonizada pelo governo paranaense, ou seja, houve pouca participação ou abertura para a colonização de iniciativa privada ou planejada. Assim a organização precisava partir da própria comunidade.
Nos anos 1940, nos tempos da Fazenda Brasileira, Paranavaí contava com uma sociedade restrita, pouco sociável e formada pela política da conquista de novas terras. A colônia atraía todo tipo de gente porque os lotes eram baratos e, em algumas situações, até doados. “Havia a coletividade, mas sem articulação social. A maior parte das pessoas vinha pra cá com esse interesse em comum. Não socializavam quase. Assim surgiu uma sociedade com uma colonização bruta, sustentada apenas pelos mesmos objetivos econômicos”, afirma o pioneiro Ephraim Marques Machado.
Como havia povos das mais diferentes origens, por vários anos persistiu uma segregação entre os moradores. Muitos se relacionavam apenas com pessoas que vieram do mesmo estado, região ou país. “Em Paranavaí, naquele tempo, mineiro era chamado de nortista e nortista aqui era considerado ladrão para os migrantes preconceituosos. Sofri muito com isso”, lembra o pioneiro Sátiro Dias de Melo. O testemunho é endossado pelo pioneiro cearense João Mariano que viu muitos peões e colonos nordestinos serem escravizados por migrantes do Sul e Sudeste nos anos 1950 e 1960.
De acordo com Ephraim Machado, a heterogeneidade podia ser vista como um problema social, já que Paranavaí lembrava uma colônia dividida em pequenos povoados. “Os nortistas e os sulistas eram muito diferentes, então o distanciamento foi inevitável. Sem dúvida, algo que interferiu na evolução local. Paranavaí demorou para começar a se constituir como o que chamamos de sociedade nos moldes atuais”, avalia Machado.
A facilidade de acesso às terras fez Paranavaí receber muita gente diferente, não apenas migrantes que sonhavam com um pedaço de terra para construir uma moradia, plantar e assegurar o futuro da família. Aventureiros e oportunistas das mais diversas regiões do Brasil, até mesmo assassinos e ladrões, vinham para a região, crentes de que encontrariam um lugar isolado e de muitas riquezas. “O governo até fretava aviões para abandonar criminosos nas matas virgens das imediações de Paranavaí. O objetivo era não ter despesas e responsabilidades com essa gente”, diz João Mariano.
Pelo país afora, a colônia era conhecida como um local administrado pelo poder público, com pouca interferência da iniciativa privada. “Muitos gostaram daqui por isso”, declara Mariano. Já cidades colonizadas por companhias não atraíam tanta gente assim. O custo de vida não era barato e o investimento era maior em função do planejamento minucioso. E claro, também tinha mais exigências e mais burocracia. Outro diferencial é que em áreas loteadas pelo poder público havia menor participação de autoridades e maior facilidade na realização de negociações escusas.
Intimidada pelo baixo custo dos lotes da antiga Fazenda Brasileira, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), conhecida por vender imóveis por preços mais altos, criou uma situação desconfortável entre as décadas de 1940 e 1950. “A companhia chegou até Nova Esperança e ali parou. Eles queriam nos isolar. Não deixavam ninguém fazer nada em Paranavaí, inclusive convenciam quem queria investir aqui de que seria um mau negócio”, lamenta Mariano.
Nos tempos de colonização, Paranavaí foi palco de muitas brigas de corretores de imóveis. “Não esqueço que em 1950, antes de me casar, eu morava no Hotel Real, na antiga Rua Espírito Santo, e ali mesmo o Cangerana assassinou um sujeito por causa de comissão de terras”, relata Machado. Os pioneiros também se recordam do episódio em que um homem matou na Avenida Paraná, no prédio do antigo Banespa, três pessoas que o enganaram em uma negociação.
“Os maiores crimes dos tempos da colonização foram provocados por causa de comissão e não disputa de terras”, ressalta Ephraim Machado, embora admita que houve muitas situações em que o capitão Telmo Ribeiro, braço direito do ex-diretor da Penitenciária do Estado do Paraná, Achilles Pimpão, e amigo do interventor federal Manoel Ribas, teve de intervir em casos de grilagem de terras. Ribeiro foi proprietário de uma fazenda que se transformou no Jardim São Jorge.
No entanto, nada se sabe sobre as implicações legais das atuações de grileiros em Paranavaí, deixando subentendido que muita gente pode ter construído fortunas sem se submeter, em qualquer momento, aos rigores da lei. “Desconheço qualquer caso de alguém de Paranavaí que foi punido por causa disso. Ainda assim, sei que encrenca maior se deu na Gleba Sutucu, Areia Branca, dos Pismel e também na Gleba 23. Teve quem foi tirado da terra à força. Juridicamente, não tenho a mínima ideia de como tudo foi feito”, comenta Machado.
O fato de Paranavaí ser tão grande até o início dos anos 1950 facilitava a grilagem de terras. À época, a colônia tinha uma vasta área que ia até as fronteiras com os estados do Mato Grosso (área do atual Mato Grosso do Sul) e São Paulo. Quem iria fiscalizar tudo isso e com quais recursos, sendo que hoje, mesmo com tantos avanços, ainda existe grilagem no Brasil?”, questiona João Mariano.
Uma transformação social imposta pela pecuária
O pioneiro Ephraim Marques Machado explica que até os anos 1960 era comum um proprietário de terras contratar meeiros para se responsabilizarem pela produção agrícola. “O camarada ia até São Paulo e Minas e falava: ‘Olha, eu tenho 200 alqueires em Paranavaí e vou produzir 100 mil pés de café. Preciso de cinco famílias e dou a ‘meia’ para plantar. Então ele dividia tudo em partes iguais e cada um cuidava de um pedaço”, exemplifica. Com isso, o bom resultado financeiro foi garantido até o surgimento das geadas. A última que castigou a região foi a de 1975.
Nas décadas de 1960 e 1970, Machado viu centenas de meeiros de Paranavaí migrarem para as regiões de Toledo, Marechal Cândido Rondon, Umuarama e Naviraí, no Mato Grosso do Sul. Outros se mudaram para o Norte. Muitas propriedades foram transformadas em pasto depois de 1964 e 1965, quando a colonização caiu bastante. “É aquela: ‘onde entra o boi sai o homem’. O café já não tinha mais tanto valor e o pasto acabou com o que sobrou”, pondera Ephraim. Quem partiu para novas frentes de trabalho trocou a lavoura de café por algodão, amendoim e arroz.
Fazendas que tinham 300 alqueires e garantiam o sustento de pelo menos 15 famílias passaram a ser ocupadas por apenas uma. Em outros casos, nem isso. “A migração modificou a sociedade local. A própria cultura da cidade passou por uma transformação”, enfatiza Ephraim Machado. A partir da década de 1970, Paranavaí, que até então atraiu tanta mão de obra para as lavouras, chamou muita atenção de empreendedores e pecuaristas de outras cidades e estados. Eram pessoas de alto poder aquisitivo que aqui se fixaram para ocupar posição de grande status econômico e social.
Saiba Mais
Nos anos 1950, já viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, poloneses, russos, ucranianos, tchecos, iugoslavos, húngaros, espanhóis, neerlandeses, japoneses, franceses, suíços, sírios e libaneses, além de outros povos.
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A Batalha de Acosta Ñu e o Dia das Crianças
No paraguai, são prestadas homenagens aos mortos no Día del Niño
Há alguns anos, tive a oportunidade de estudar a perspectiva paraguaia sobre a Guerra do Paraguai graças aos jornalistas e escritores Hugo Montero e Jaime Galeano, da revista argentina Sudestada. A partir disso, em 2007, escrevi uma história de ficção chamada “Rio de Águas Vermelhas” que foi publicada na época e retrata a história de uma família que foi fazer um piquenique às margens do Rio Nhu-Guaçu, onde todos foram assassinados brutalmente pelo Exército Brasileiro.
Me inspirei em alguns fatos que incluem a Batalha de Acosta Ñu em 1869, episódio jamais esquecido pelos paraguaios. Faço questão de destacar que enquanto no Brasil o Dia das Crianças, celebrado no dia 12 de outubro, se resume a fazer algo de bom pelos pequenos, como dar presentes ou levá-los para se divertir em algum lugar, no Paraguai a realidade é bem diferente. O Día del Niño, em 16 de agosto, é marcado por muitas homenagens aos que foram mortos na Batalha de Acosta Ñu, em Eusebio Ayala, no Departamento de Cordillera, onde a maior parte da força paraguaia era formada por garotinhos segurando varas de madeira que simulavam rifles.
Em suma, foi um conflito desigual, pois Uruguai, Argentina e Brasil não contavam apenas com número superior de soldados, mas também mercenários que faziam as rajadas de fogo cortarem o vento. Aos poucos, pilhas de corpos se espalharam pela pradaria conforme a bandeira da Tríplice Aliança assegurava um morticínio sem precedentes numa guerra sul-americana liderada por ingleses.
Na Batalha de Acosta Ñu havia mais de cinco mil crianças entre 9 e 15 anos. Ainda assim, o Conde D’Eu ordenou que os soldados não deixassem vestígios do abate para não precisarem carregar inimigos feridos. No Paraguai, é de conhecimento popular que a verdadeira história da guerra com o Brasil, Uruguai e Argentina foi omitida pelos países da Tríplice Aliança.
Entre 1865 e 1870, a Aliança matou mais de 90% da população masculina paraguaia. Durante a guerra, estima-se que a cada 100 mil homens paraguaios sobreviviam apenas quatro. O episódio representou a perda de quase 61 mil quilômetros quadrados de extensão territorial. Com o fim das beligerâncias, o Paraguai contraiu uma enorme dívida com o banco inglês Baring Brothers, o mesmo que financiou a participação dos países da Tríplice Aliança.
Descendentes de sobreviventes da guerra contam que quando as crianças caíam mortas sobre o solo paraguaio, as mães se juntavam ao grupo com as armas dos filhos falecidos. A realidade era tão caótica que o Marquês de Caxias renunciou ao posto e enviou uma carta para Dom Pedro II. De acordo com o marquês, a megalomania da Tríplice Aliança chegou a um ponto em que a guerra só terminaria quando toda a população do Paraguai fosse transformada em fumaça, quando matassem o último feto no ventre da mulher paraguaia.
Antes de deixar a Batalha de Acosta Ñu, o Conde D’Eu, um dos maiores criminosos de guerra do Brasil e substituto do Marechal Caxias, mandou atear fogo nos últimos feridos e prisioneiros. Eliminaram todos os inimigos que encontraram e levaram consigo apenas os aliados ainda saudáveis.
A saga de um mineiro em Paranavaí
Sátiro Dias de Melo, do Vale do Jequitinhonha para o Noroeste do Paraná
Foi com um facão e um machado de quatro libras que o mineiro aposentado Sátiro Dias de Melo, de 91 anos, conquistou boa fama no Vale do Jequitinhonha nos anos 1930. Mais tarde, colocou o talento à prova no Paraná e Mato Grosso do Sul, onde outra vez surpreendeu pela habilidade na derrubada de mata.
“Tinha essa popularidade porque era bom no traquejo. Com 15 anos, poucos cortavam comigo, tinham dificuldade de acompanhar o ritmo”, conta Sátiro. O facão usado em Minas Gerais e Bahia nos anos 1930 e 1940 também veio ao Paraná na década seguinte. Dentro de uma mala, o instrumento viajou de trem e de ônibus até chegar a Paranavaí em 1952.
Nostálgico, enquanto acaricia o cabo e a lâmina do facão, o pioneiro diz que deixou marcas de corte até nas beiras dos rios Paraná e Paranapanema. “Ajudei a abrir cidades e estradas. Fui muito longe, trabalhei até do lado de lá, quando o Mato Grosso do Sul ainda era Mato Grosso. Ele ‘tá’ acabadinho, tem mais de 70 anos, mas até hoje funciona, é só dar uma afiada”, destaca sorrindo.
Uma carta de Paranavaí
Sátiro teve a primeira notícia de Paranavaí por meio de um ex-namorado da filha que lhe escreveu uma carta elogiando a cidade e contando sobre as oportunidades de trabalho. “Logo pensei: que nome! É quase o mesmo do estado. Deixei a nossa propriedade rural na Bahia e trouxe a minha mulher e dez filhos pra cá”, lembra. O trajeto foi percorrido de trem e de ônibus. Só de Maringá a Paranavaí a viagem durou um dia.
Logo que chegaram, conseguiram abrigo na Pensão da Dona Amélia, onde mais tarde foi construído o antigo Posto Moringão, na Rua Souza Naves. Chovia tanto que a primeira atitude de Melo foi levar todo mundo para se lavar. “Ficamos descalços porque tinha lama pra todo lado. A Dona Amélia viu que a família era grande e falou que pra ajudar faria um sortido pra gente em vez de cobrar o preço de costume por cada refeição”, relata.
Naquele dia, por azar, enquanto se prepararam para o jantar, um ladrão lhes furtou as malas e correu pelos fundos, invadindo quintais e saltando muros. O homem foi alcançado a algumas dezenas de metros do Terminal Rodoviário. “Só consegui recuperar graças a ajuda de um morador que se tornou meu amigo”, lembra o aposentado.
A vida na Fazenda Domingos de Almeira
Em 1952, quando começou a trabalhar na Fazenda Domingos de Almeira, o pioneiro acompanhou o caso de dois colonos que venderam uma vaca da propriedade para um açougueiro local. “Eles achavam que o Almeira nunca iria descobrir. Inventaram uma desculpa de que o animal tinha escapado, mas ele não acreditou”, relata. Para despistar o fazendeiro, a dupla pediu que enviassem uma caminhonete para buscar a vaca próxima a um riacho. Sátiro ouviu um diálogo suspeito e relatou ao administrador da propriedade. Foram até o córrego investigar o desaparecimento do animal e encontraram um bezerro abandonado.
À época, Paranavaí só tinha três açougues. No terceiro, identificaram a vaca pelo couro salgado nos fundos do estabelecimento. “O Edson, que era o gerente da fazenda, voltou para a colônia com a polícia. Foi um terremoto por dois dias. Só não prenderam os colonos porque eram casados e tinham filhos pequenos. Sem direito a nada, foram despejados em São João do Caiuá”, revela. Algum tempo depois, Melo começou a cuidar do gado da fazenda, inclusive entregava o leite ordenhado na cozinha da casa principal. A família ficou muito satisfeita porque tiveram a chance de morar em uma casa fora da colônia.
O preconceito contra os migrantes do Norte
Sátiro ainda se recorda do preconceito que sofreu quando morava perto de outras dezenas de colonos na Fazenda Domingos de Almeira. “Um dia, uma mulher disse para uma comadre cuidar muito bem das galinhas porque chegaram nortistas na colônia. Falou que baiano era tudo ladrão. Me deu vontade de ir embora daqui”, admite. Naquele tempo, muitos dos que deixavam os estados ao Norte para vir ao Paraná eram chamados de “nortistas”, até quem partia da região Sudeste.
O pioneiro atribui o preconceito às experiências negativas que os moradores tiveram com migrantes mal intencionados. Cita como exemplo ladrões e grileiros que buscavam “vida fácil” em vez de trabalharem. “Os bons que sofreram com isso. Lembro que era muito difícil uma pessoa que vinha do Norte conseguir comprar fiado. Vi muitos passarem fome enquanto esperavam o pagamento”, assegura.
A geada negra e o frio
Embora a geada que mais tenha marcado Paranavaí seja a de 1975, as duas anteriores nunca foram esquecidas por Sátiro. “A primeira foi a geada negra em 1953 e a segunda em 1955. Vi muita gente pagando para cortarem café, abandonando mesmo, e começando a fazer invernada. Eu ficava com muito dó. A imagem dos cafezais escuros, queimados e mortos me marcou para sempre. Tudo que era verde ficou preto”, frisa.
O desgosto do mineiro foi grande, mas ainda assim preferiu ficar, ao contrário de muitos outros migrantes. Teve de lidar com o desemprego e assistir ao fim dos pomares. “Nem laranjeira e abacateiro sobreviveram ao frio. Vi até o gado morrer com a geada. Para piorar, nem tínhamos roupas de frio. A gente andava quase nu, com aquelas roupas lisas, cavadinhas. Sofremos demais por isso”, revela. Paranavaí tinha fama de cidade chuvosa e nublada, tanto que era comum ver muitas pessoas nas ruas carregando enxada para desatolar veículos. “Só tinha estrada de chão, então todo dia eu resgatava alguém”, exemplifica Sátiro Melo que testemunhou brigas e assassinatos por causa de terras.
Quem ficasse uma semana longe do próprio imóvel corria o risco de perdê-lo. Sempre havia alguém circulando por Paranavaí, procurando propriedades sem moradores. “Conheci muitos que viviam disso. A pessoa perdia todo o trabalho limpando a fazendinha. Invadiam o local e quando o proprietário voltava não podia nem se queixar. Caso contrário, tinha que estar disposto a matar ou morrer”, pondera.
A amizade com Frutuoso Joaquim de SallesO mineiro Sátiro Dias de Melo foi amigo do controverso pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão local, que chegou a Paranavaí em 1929, nos tempos do Distrito de Montoya. “Ele morava num lugar escondido na baixada do Jardim São Jorge. Gostava muito de conversar sobre laços, até porque foi vaqueiro. Ficava muito feliz quando reparavam no seu trabalho”, confidencia.
Já se fizessem perguntas sobre violência e crimes no período da Fazenda Velha Brasileira, Frutuoso desconfiava, mudava o semblante e encerrava a conversa. “Com quase todo mundo, ele era bem fechado, não facilitava o diálogo, mas comigo era diferente. Eu ia lá pra prosear, batia na porta, ele saía, olhava e quando via que era eu a abria na hora. Gostava de conversar com aquele velho pernambucano do bigodão’”, brinca. Sátiro foi parceiro de trabalho de Salles. Apesar do gênio difícil, o pernambucano foi considerado por Melo um homem muito trabalhador e confiável.
“O frutuoso não deixava de fazer nada que lhe pediam. Só que muita gente tinha medo dele, as ‘histórias corriam’. Ele morreu nos anos 1980, mas pra mim foi um bom amigo”, salienta. Em Paranavaí, é raro encontrar alguém que tenha conversado abertamente com Frutuoso Salles sobre o que aconteceu em Montoya e na Velha Brasileira entre os anos 1920 e 1940, quando muitos foram assassinados no povoado. Um dos poucos que tiveram essa chance foi Sátiro Dias.
“Ele era capanga do capitão Telmo Ribeiro e um dia me segredou que matou muita gente em Paranavaí. As vítimas eram enterradas debaixo dos pés de café, tanto que anos depois, quando vieram as geadas e muita gente preferiu acabar com os cafezais, acharam bastante ossada humana”, explica o mineiro. Antes de morrer, o pernambucano falou que os restos humanos encontrados não chegaram nem perto do total de mortos na “Brasileira”. “Uma vez, achamos ossada perto do prédio da antiga Telepar. Acredito que ainda tem muitos restos de gente por aí”, alega o pioneiro.
As aventuras com João do Mato
Não foram poucas as vezes que Sátiro Dias de Melo saiu para caçar com o amigo e caçador João do Mato. Como o fornecimento de carne bovina em Paranavaí nem sempre atendia a demanda, a dupla chegava a ficar de 20 a 30 dias na selva caçando cateto, veado, capivara e outros animais. “No mato, nunca faltava carne. O que passava pela espingarda, a gente atirava. Infelizmente, não tinha aquela consciência de preservação dos bichos”, confessa.
Por muitas noites, Sátiro e João do Mato foram intimidados por onças que passavam perto dos carreadores. Quando a ameaça era iminente, atiravam contra o animal. Os maiores perigos das incursões em território selvagem, a dupla vivenciou na região do Povoado de Cristo Rei e no Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema. Nessas áreas, a biodiversidade animal era tão grande que somente caçadores experientes se aventuravam pela região.
O folclórico cavalo Boneco
O cavalo Boneco foi um personagem popular em Paranavaí no final dos anos 1960 e princípio de 1970. Muito bem educado, o animal adestrado pelo pioneiro Sátiro Dias de Melo gostava de descansar atrás das moitas, mas sempre que ouvia o chamado do proprietário, respondia na hora. “Eu podia deixar ele solto que mesmo assim não fugia nem aprontava nada. Também não deixava ninguém colocar a mão nele, além de mim”, pontua.
Quando circulava pelas ruas da cidade, boneco chamava a atenção pela altivez, beleza e impecável sela feita por Sátiro. Muitos, principalmente mulheres, pediam para tirar fotos com Boneco, a quem precisava convencer durante uma “conversa”. “Era um bicho que nunca tinha apanhado”, acrescenta. Um dia o cavalo deixou que uma pessoa o roubasse. O mineiro passou horas o procurando, chamando o pelo nome, mas não adiantou.
Boneco estava em Tamboara, preso a uma mangueira. Quando quis partir, simplesmente quebrou a cerca e arrastou o arame farpado. Dias depois, Melo ouviu um relinchado ao longe e identificou o cavalo em disparada. “Chegou e ficou junto de mim todo machucado pelo arame. Estava com o peito bem ferido. Dei banho e cuidei dele até ficar bom de novo, então o vendi para um gaúcho. Nunca mais quis saber de ter cavalo”, assume.
A oficina
Famosa também era a oficina do pioneiro que atraía até viajantes de Minas Gerais e Mato Grosso, segundo o artista plástico Luis Carlos Prates. “Ele é um artista. A fama dele ia longe. Pessoas de muitos estados vinham a Paranavaí para contratar os serviços de ferreiro e curtidor do ‘Seu Sátiro’”, testemunha Prates. O mineiro era conhecido na região como o melhor manipulador de alumínio. Fazia desde instrumentos mais simples até peças para maquinários pesados.
“Trabalhei muito com fundição. Foram mais de dez anos. Criava cadeado de qualquer tipo e tamanho”, garante enquanto mostra o local de trabalho no fundo da residência onde reside desde a década de 1960. Aos 91 anos, ainda passa algumas horas do dia produzindo ou consertando alguma peça. A fama de Melo foi longe, tanto que em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul até hoje tem muita gente que se recorda de suas habilidades.
Há alguns anos, Sátiro retornou à terra natal, Jequitinhonha, Minas Gerais, onde nasceu em 12 de janeiro de 1921. Ficou chocado com o que viu depois de mais de 60 anos. “Ajoelhei à beira do Rio Jequitinhonha e chorei. Não era mais o mesmo, virou um córrego”, lamenta.
Curiosidade
Sátiro Dias de Melo se aposentou pela Prefeitura de Paranavaí em 1985, na gestão do prefeito Benedito Pinto Dias. Trabalhou durante muitos anos como “faz-tudo”.
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Montoya tinha a estrutura de uma cidade
População da colônia era de mais de seis mil habitantes
Em 1928, a Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou contornos de cidade. A colônia oferecia tudo que era necessário à sobrevivência dos mais de seis mil moradores. No entanto, o único acesso ao lugarejo era a estrada do Porto São José, na divisa com o atual Mato Grosso do Sul.
À época, todos que chegavam a Montoya usavam a mesma via que servia também para ligar a colônia ao Porto Ceará e a Presidente Prudente, no Oeste Paulista, de acordo com dados do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares Silva. No passado, pela mesma estrada se chegava à Gleba-1 Ivaí, Piracema e Povoado de Cristo Rei.
Quem precisava viajar para outras cidades do Paraná era obrigado a atravessar a divisa com São Paulo, embarcar em um trem que percorria a antiga Estrada de Ferro Sorocabana até Ourinhos, e de lá partir para Tibagi, no Centro Oriental Paranaense, a quem Montoya pertencia. “Depois a pessoa ia pra onde quisesse, mas não tinha outro jeito. O peão tinha que dar toda essa volta”, afirmou o pioneiro catarinense José Matias Alencar.
Naquele tempo, a colônia tinha 1,2 milhão de cafeeiros, aproximadamente 60 mil ficavam em área onde se situa o Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), Cemitério Municipal e Fazenda Experimental do Estado. A colônia ainda contava com uma frota de 25 caminhões, 60 mulas-cargueiras, máquinas de beneficiar arroz, farmácia, serraria com motor a vapor de 50 HP e uma caldeira, armazém, Cartório de Paz e Registro Civil, além de mil casas cobertas de zinco situadas no Jardim Ouro Branco, Fazenda Carneiro Ribas e outras localidades, conforme informações dos livros “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo, e “Pequena História de Paranavaí”, do juiz de direito Sinval Reis.
A Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), que tinha o direito de concessão da área, investia ao máximo no povoado para evitar que os trabalhadores deixassem o distrito, pois como as viagens eram longas o colono podia perder dias de serviço ou nem mesmo voltar, caso estivesse insatisfeito. Montoya fazia parte da Fazenda Brasileira, de propriedade do jornalista Geraldo Rocha que, além de proprietário de importantes veículos de comunicação situados no Rio de Janeiro – Rádio Nacional e jornais “A Noite” e “O Mundo”, era dono da Braviaco, responsável pela administração de uma área total de 317 mil alqueires no Sudoeste, Oeste e Norte do Paraná.
Quem cuidava dos negócios de Rocha na colônia e em toda a região era o vice-diretor da Braviaco, o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida – que se tornaria senador e interventor federal da Bahia – cargo que equivalia ao de governador, Humberto Alves de Almeida e Joaquim da Rocha Medeiros. Humberto Alves, irmão de Landulpho Alves – sócio da Companhia Brasileira, era o responsável pelos serviços de transporte da fazenda e tinha como empregado de confiança o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí.
Salles chefiava um grupo de peões, ajudava a ensacar o café e cuidava para que o produto fosse transportado de forma segura. A Vila Montoya tinha uma população de centenas de famílias que somavam mais de seis mil moradores. A maior parte prestava serviços a Braviaco e aos empreiteiros Gonzaga, João Gomes e Coronel João Antônio. Foram muitos os peões que se casaram em Montoya, alguns até registraram os filhos no distrito, segundo o juiz de direito Sinval Reis.
O responsável por impor a ordem na colônia era o Cabo Simão que trabalhava em parceria com dois soldados da Polícia Militar do Paraná. É importante destacar que Montoya se desenvolveu muito bem até a chegada da Revolução de 1930, quando o Governo Provisório rompeu todos os negócios com a Braviaco. Mais tarde, Getúlio Vargas repassou a concessão das terras da região ao político gaúcho Lindolfo Collor, avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Joaquim Medeiros conheceu a região em 1923
A Vila Montoya fazia parte da Gleba Pirapó que somava 100 mil alqueires, cerca de 108 quilômetros de extensão. Começava no Rio Paranapanema e ia até a margem direita do Rio Ivaí. A Gleba fazia divisa ao leste com as propriedades da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), de capital inglês, e a oeste com uma área destinada a Brazil Railway Company, de origem estadunidense.
“Em 1923, abri um picadão com dez metros de largura por sessenta quilômetros de extensão que começava na Fazenda Laranjeira e ia até o Rio Paranapanema. A estrada ficava a duzentos metros da propriedade de Adão Medeiros”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí em 5 de julho de 1975.
O som dos colonos capinando nas imediações era tão alto que se ouvia mesmo de longe, segundo Medeiros. Encerrada a etapa de abertura do picadão até a divisa com o Paraná, o engenheiro agrônomo embarcou em uma canoa e atravessou o Rio Paranapanema. Já no extremo Norte do Paraná, Medeiros coordenou a derrubada de um alqueire para a construção de um rancho que recebeu o nome de Porto Itaparica que ficava numa área de 20 mil alqueires da Companhia Alves de Almeida. A iniciativa visava facilitar o escoamento do café para o Mato Grosso e Argentina.
Curiosidades
Os migrantes trazidos à Vila Montoya pela Braviaco eram de Minas Gerais, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. Porém, é bem provável que pessoas de outros estados e países também já viviam no povoado.
A intenção da Braviaco era explorar o café da Fazenda Brasileira por 20 anos e depois migrar para a pecuária.
Saiba Mais
Antônio Geraldo Rocha nasceu em Barra, Bahia, em 14 de julho de 1881 e faleceu aos 78 anos em 19 de junho de 1959. Em 1931, deixou de representar os interesses da empresa norte-americana Brazil Railway Company e foi obrigado a hipotecar parte dos bens. Rocha é autor do livro “O Rio São Francisco: fator precípuo da existência do Brasil” que contribuiu para a implantação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF).
Landulpho Alves de Almeida nasceu em Santo Antônio de Jesus, Bahia, em 4 de setembro de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro, capital, em 15 de outubro de 1954. Como político, Landulpho Alves é sempre lembrado como defensor da estatização do petróleo e relator da lei N 2.004, de 1953, que deu origem a criação da Petrobrás.
Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor nasceu em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em 4 de fevereiro de 1890 e faleceu em 21 de setembro de 1942, no Rio de Janeiro, capital. Apesar de ter sido correligionário de Getúlio Vargas durante o Governo Provisório que sucedeu a Revolução de 1930, Collor se tornou um combatente da política ditatorial do Governo Vargas, chegando a ir para o exílio. Tornou explícito o desprezo pela ditadura em muitos jornais do Brasil, inclusive no semanário “Diretrizes”, do jornalista Samuel Wainer.
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Viagem ao Porto São José durava dias
O trecho da Estrada Boiadeira que ligava Paranavaí ao Porto São José foi aberto em 1939
Na época da colonização de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, para chegar ao Porto São José, por onde atravessava o gado que vinha do Mato Grosso, os pioneiros levavam pelo menos seis dias para percorrer um túnel no meio da mata.
O trecho da Estrada Boiadeira que ligava Paranavaí ao Porto São José foi aberto em 1939 pelo Capitão Telmo Ribeiro, homem designado pelo interventor Manoel Ribas para abrir vias em toda a região Noroeste do Paraná. No entanto, em 1941 a vegetação já havia coberto boa parte da estrada. Segundo pioneiros, qualquer via que não recebesse manutenção regular se tornava intransitável. No mesmo ano, Ribeiro exigiu que a estrada fosse recuperada.
Para facilitar as negociações de gado entre Mato Grosso e Paraná, o interventor Manoel Ribas tomou a decisão de inaugurar uma balsa no Porto São José. O evento também beneficiou muitos migrantes e viajantes que buscavam prosperidade no Noroeste do Paraná. “Vim pra Fazenda Velha Brasileira pela primeira vez logo que a balsa foi inaugurada em 1941”, relatou o pioneiro gaúcho Otávio Marques de Siqueira.
No trajeto até a Brasileira, Marques de Siqueira colocou dois sacos na frente do carro para impedir que sementes de guanxuma entupissem o radiador, o que dá uma ideia da diversidade da flora paranaense naquele tempo. Em 1947, parte dos pioneiros começou a percorrer o trajeto de caminhão e em grupo. Se surgisse algum imprevisto, haveria pessoas o suficiente para ajudar. “A viagem ao Porto São José era muito difícil. Quando eu ia pra lá, levava pelo menos 14 dias de ida e volta, incluindo os dois dias de estadia”, frisou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho.
Quem viajava ao porto com veículo de tração animal sofria para atravessá-los. Não havia pontes em alguns trechos. “O jeito era colocar os mantimentos nas costas e atravessar os bichos de pouco em pouco. A gente tinha que fazer várias viagens, até passar todo mundo”, afirmou José Ferreira, acrescentando que depois era preciso recarregar a carroça.
Segundo Araújo, era uma luta entre ir e vir porque a estrada para o Porto São José consistia em um “túnel dentro da mata”. “A gente sofria bastante, mas valeu a pena porque conheci tudo”, avalia. Nas viagens para o Porto São José, Palhacinho sempre viu veículos abandonados pela estrada, principalmente pés-de-bode. “Isso aconteceu muito, ainda mais depois que os Rocha abandonaram as fazendas da Colônia Paranavaí. Os baianos que trabalhavam pra eles ficaram espantados e fugiram com medo da polícia. Largaram todos os carros”, revelou.
Outro pioneiro que conheceu o Porto São José no início dos anos 1940 foi o paulista Salatiel Loureiro. “Lembro que não existia nada no porto, só o nome. O picadão foi feito para o trânsito do gado que era levado pra Apucarana, Londrina e Ponta Grossa. Eles passavam pela Estrada Boiadeira e saíam em Jaguapitã e Sertanópolis [no Norte Central Paranaense]”, assinala. Quem também viajou algumas vezes para o Porto São José foi o pioneiro paulista Valdomiro Carvalho.
“Eu ia pro Mato Grosso buscar gado. A gente atravessava eles pelo porto, num vaporzinho”, pontua. Os personagens de destaque do Porto São José no período da Fazenda Brasileira e da Colônia Paranavaí eram o balseiro, de quem não se sabe o nome, e um homem conhecido apenas como “Seu Henrique” que desempenhava função semelhante a de um inspetor de terras.
Saiba mais
A Estrada Boiadeira era usada tanto por quem ia ao Porto São José quanto por quem ia a Londrina.
Capitão Telmo: herói ou vilão?
Telmo Ribeiro é um paradoxo na história de Paranavaí, o herói que se transformava em vilão
Capitão Telmo Ribeiro é um dos personagens mais controversos da história de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde viveu entre os anos de 1936 e 1964. Durante esse período, conquistou amigos, inimigos e apatia.
O tenente
Em 1932, o tenente gaúcho Telmo Ribeiro deixou o Rio Grande do Sul e foi para Porto Murtinho, no Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), lutar na Revolução Constitucionalista. Com o fim dos conflitos, Ribeiro comandou o regimento de cavalaria de uma brigada militar em Ponta Porã. A missão era defender a fronteira brasileira. “Eu era tenente no esquadrão do Telmo. Naquele tempo, quem comandava a brigada era o coronel Mário Garcia”, relatou o pioneiro mato-grossense Alcides Loureiro de Almeida em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Enquanto trabalhou em Ponta Porã, Telmo Ribeiro morou em Bela Vista, na Fazenda Casualidade, de João Loureiro de Almeida, pai de Alcides Loureiro. “Depois de um tempo, a brigada foi extinta e surgiu o convite para trabalhar na Fazenda Caaporã. Contratamos alguns homens e começamos o plantio e transporte de erva-mate para exportação”, lembrou Loureiro. Mais tarde, Telmo e Alcides retornaram a Ponta Porã. Loureiro continuou trabalhando na cidade e Ribeiro fechou um contrato com a Companhia Mate-Laranjeira para transportar erva-mate através do rio em um barco a vapor.
Em uma das viagens pelo estado, Telmo Ribeiro conheceu o engenheiro Francisco Natel de Camargo que atuava como boiadeiro, levando gado vacum do Mato Grosso para a Fazenda Brasileira, futura Paranavaí. A carne bovina alimentaria os migrantes que viviam no povoado. “O Natel levou o Telmo até Londrina para conversar com o representante do governo, o delegado Achilles Pimpão, intermediário do interventor Manoel Ribas”, revelou o pioneiro Alcides Loureiro.
Ao conquistar a simpatia do delegado e do interventor, Telmo Ribeiro foi contratado para abrir estradas ligando a Brasileira ao restante do Paraná. “Lembro quando ele foi encarregado por Natel de Camargo para abrir uma estrada para a movimentação de gado da Brasileira até a Gleba Roland [atual Rolândia]”, pontuou o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, ex-empregado e amigo do tenente Telmo.
Salles contou que Ribeiro fixou residência onde é atualmente o Jardim São Jorge. Lá, havia uma colônia abandonada, com casas boas e móveis coloniais de finíssima qualidade. “As árvores já tinham varado o teto das residências. Telmo aproveitou o que deu pra aproveitar”, assegurou o pernambucano.
O herói
Em 1936, nas palavras do pioneiro paulista Natal Francisco, o tenente e uma turma de paraguaios acabaram com a onda de assassinatos praticados por grileiros na Fazenda Brasileira. Nessa época, o tenente já se destacava entre a população humilde do povoado. Tinha boa postura e passo firme, mas o que mais chamava atenção era o carisma, o requinte e a elegância. Ribeiro usava paletó de alta qualidade combinando com botas feitas sob medida, além de um cinturão que tinha como fivela a letra T.
Fumava apenas charutos importados da Holanda e só usava perfume francês. “Ele tinha um anel madrepérola feito por um famoso joalheiro carioca. No pescoço, sempre trazia um lenço de cetim preso por um broche de ouro”, detalhou Alcides Loureiro, acrescentando que apesar da fama de violento, Telmo Ribeiro era um homem delicado.
O título de capitão, o tenente gaúcho recebeu por serviços prestados ao Estado do Paraná na Brasileira, segundo o pioneiro paulista Valdomiro Carvalho. Contudo, o pioneiro curitibano Aldo Silva deu outra versão sobre o assunto: “Ele foi promovido a capitão pelo próprio povo da região, então ficou conhecido assim.” Telmo Ribeiro se tornou uma figura tão influente na cidade que a jardineira da Viação Garcia que fazia a linha Paranavaí-Londrina adotou como ponto de parada a casa do capitão.
Ao longo da vida, o pioneiro paulista Salatiel Loureiro nunca se esqueceu de um favor feito por Telmo na década de 1940. “Uma vez, ele foi até Curitiba requerer meu título de terras. Fez isso e não cobrou nada.” Carlos Faber, José Alves de Oliveira, José Ferreira de Araújo (Palhacinho), Severino Colombelli, José Francisco Siqueira (Zé Peão) e Izabel Andreo Machado são alguns pioneiros que sempre tiveram bom relacionamento com o capitão Telmo Ribeiro.
“O meu amigo sempre foi um líder, homem com fibra de pioneiro, com o qual partilhei bons e maus momentos”, destacou Alcides Loureiro. Outro pioneiro que defendia a idoneidade e o caráter de Ribeiro era o paulista João da Silva Franco. “Muita gente falava que ele era ruim e ganancioso. Mas eu acredito que ele nunca matou ninguém. O problema era a cabroeira dele, usavam o nome do Telmo pra fazer coisas erradas aqui”, salientou.
O vilão
Se por um lado, o capitão Telmo Ribeiro foi admirado e fez valiosas amizades nos 28 anos dedicados a Fazenda Brasileira, depois Paranavaí, por outro, também conviveu com pessoas que não aprovavam suas atitudes, não gostavam dele ou lhe eram indiferentes. “Lembro que ele andava com dois revólveres, uns dez capangas e insultava muita gente na rua. Telmo achava que só ele tinha razão”, desabafou o pioneiro cearense Raimundo Leite.
Leite costumava relembrar o episódio em que entrou em conflito com o capitão. “Certo dia, o Raimundo Arruda e o Zé Andrade insultaram ele no Bar do Zé e depois foram pra minha casa. O Telmo apareceu lá e o pau quebrou. Teve gente que apanhou e correu. Eu não tinha nada com o peixe, mas quase sobrou pra mim. A minha sorte foi que chegou um pessoal e pediu pra ele não fazer nada comigo”, enfatizou.
Com o tempo, Ribeiro conquistou muitas inimizades em Paranavaí. “Aqui tinha os capa-preta e me recordo que eles queriam matar o capitão Telmo Ribeiro”, revelou o pioneiro espanhol Thomaz Estrada. Para a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger, o capitão Telmo perseguiu muita gente e fez muitas coisas que não deveria ter feito.
De acordo com o pioneiro gaúcho Otávio Marques de Siqueira, Telmo ajudou muito Paranavaí, mas nunca permitiu que alguém se lançasse contra ele na política. “No fundo, era boa pessoa, mas também sabia ser violento quando eram com ele”, avaliou. O pioneiro mineiro Enéias Tirapeli pertencia a um grupo que não simpatizava e nem desgostava de Telmo Ribeiro, apenas era indiferente ao capitão.
“Nunca me relacionei com ele, mas achei errado ele ter matado aquele rapaz na cadeia”, ressaltou, referindo-se ao assassinato do jovem Alcides de Sordi, de quem o capitão assumiu a autoria do crime. Fato sobre o qual houve divergências de opiniões. O pioneiro João Franco dizia que Telmo Ribeiro nunca atirou no rapaz. Para ele, o capitão tinha as “costas quentes” e chamou a responsabilidade para si na tentativa de livrar os amigos da prisão.
A decadência do capitão
Nas décadas de 1940 e 1950, Ribeiro conseguiu status e fortuna em Paranavaí. Entre as suas propriedades estava uma fazenda que compreende todo o Jardim São Jorge. Também tinha fama de perdulário. Ostentava um padrão de vida elevadíssimo, gastava muito dinheiro com a própria vaidade, amigos e mulheres em ambientes como a Boate da Cigana.
“Tal extravagância o levou a decadência. Depois de um tempo, começou a vender suas terras”, salientou Alcides Loureiro. Em 1964, às raias da falência, Telmo Ribeiro fixou residência em Maringá. Três anos mais tarde, viajou até Cornélio Procópio, no Norte Pioneiro, para cobrar um devedor e levou um tiro no peito.
O capitão influente e de muitos amigos, conhecido como rápido no gatilho, e que um dia participou da Guerra Paulista, enfrentou grileiros e jagunços, foi surpreendido e morreu no próprio local, longe de casa e sozinho, sem tempo de ao menos tirar a arma do coldre.
Curiosidade
Pioneiros contam que na época da colonização diziam que Telmo Ribeiro ameaçou roubar uma das filhas do pioneiro Arthur de Melo. Para evitar o pior foi enviado reforço policial de Arapongas.
Frases dos pioneiros sobre o capitão Telmo Ribeiro
Carlos Faber
“Nunca vi ele bravo, estava sempre alegre. Embora falassem certas coisas dele, nunca vi nada. O Telmo sempre me oferecia ajuda, mas nunca precisei.”
Raimundo Leite
“Ele me desacatou dentro da minha casa. E eu não morri porque não corri.”
Severino Colombelli
“O capitão Telmo era uma pessoa muito boa e de coração mole.”
Cincinato Cassiano Silva
“A parada era dura com o Capitão Telmo. Ele que expulsou os jagunços daqui. Para alguns ele era bom, mas pra outros não.”
Izabel Andreo Machado
“O capitão era pra nós uma pessoa muito boa.”
José Antonio Gonçalves
“Ele usava um chapéu grande e um lenço no pescoço. Era educadíssimo, mas a coisa com ele era meio brava.”
Valdomiro Carvalho
“Ele era realmente grande aqui. Eu ia com ele buscar boi no Mato Grosso, pra ganhar um dinheiro. Levava um mês. A gente ia pelo Porto São José, pegava um vaporzinho e atravessava a boiada de pouco em pouco.”
Paulo Tereziano de Barros
“O Capitão Telmo trouxe muita gente que ele achava que podia trabalhar no mato.”
José Francisco Siqueira (Zé Peão)
“Meu primeiro negócio com ele foi 30 sacas de arroz e 10 capados. Tudo fiado. Falavam que ele não pagava ninguém, tudo mentira. Depois de três dias, ele acertou comigo.”
Oscar Geronimo Leite
“Telmo Ribeiro era um dos mandões da época.”
José Ferreira de Araújo (Palhacinho)
“O telmo jogava snooker com a gente, andava com nós.”
José Alves de Oliveira
“Ele foi um dos grandes fregueses do meu bar. Nunca me deu um único prejuízo. Ia lá, comprava e pagava direitinho.”
“É Nóis Cinco”: entreter para informar
Grupo de humor usa bonecos gigantes para oferecer entretenimento e ao mesmo tempo informação
Além de trabalhar com shows de humor, palestras, oficinas e publicidade, a trupe “É Nóis Cinco” está apostando também na criação e no uso de bonecos gigantes como meio de oferecer entretenimento e ao mesmo conscientização sobre assuntos importantes.
Em Paranavaí, é difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar do grupo “É Nóis Cinco”, conhecido por seus espetáculos paradoxais que misturam o humor das ruas, baseado na realidade, a elementos surreais, nascidos do improviso.
Desta vez, a trupe formada por Aleks Alves, Moacir Barini, Antônio Soares, Márcio Cândido e Amarildo Travain está investindo na criação de fantoches grandes. “Já fizemos cinco. Foi um trabalho que levou dois meses para ser concluído”, revela o artista Márcio Cândido. Os bonecos gigantes chamam a atenção não apenas pelos quatro metros de altura, mas também, e principalmente, pela riqueza de detalhes; é impossível não identificar as feições dos membros da trupe em cada um daqueles personagens caricatos.
Embora tenham usado basicamente isopor, madeira e ferragens na composição, o que se vê são figuras tão realistas e próximas da arte popular que a simpatia com os bonecos surge à primeira vista. Além disso, os fantoches da trupe também remetem aos clássicos bonecões do folclórico carnaval de Olinda, em Pernambuco.
“As ferragens foram trabalhadas de modo a termos todo o conforto necessário na hora de manipular os bonecos”, relata o artista Aleks Alves. Os fantoches gigantes podem ser interpretados como um grande apelo visual do grupo para assuntos sérios. “Criamos eles enormes pra realmente chamar atenção. Assim podemos usá-los para trabalhar com campanhas de conscientização, tratar de assuntos importantes de forma descontraída”, revela Márcio Cândido, referindo-se a especialidade do grupo.
A trupe acrescenta que os bonecos estarão disponíveis para trabalhos com publicidade. “Eles podem ser desmontados, o que facilita o transporte”, frisa o artista Moacir Barini. O grupo ainda agradece o apoio da Fundação Cultural pelo espaço cedido para a criação dos bonecos.
Trupe se apresenta para 15 mil estudantes
Até o final do mês de novembro, o grupo de humor “É Nóis Cinco” vai encerrar um ciclo de 42 apresentações que misturam humor, teatro e conta com a participação dos bonecos gigantes. São espetáculos destinados a estudantes da rede municipal de ensino. “É um trabalho de conscientização ambiental em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, inclusive até o cenário do espetáculo é feito de materiais recicláveis”, relata o artista Márcio Cândido.
A trupe tem muita experiência em trabalhos envolvendo temas como DST/Aids, alcoolismo, ergonomia, atendimento ao cliente, motivação, direção defensiva, qualidade de vida e relações familiares. O grupo também oferece oficinas de materiais recicláveis, pintura em azulejo e decoração.
“É Nóis Cinco” surgiu há três anos
O Grupo humorístico “É Nóis Cinco” surgiu em Paranavaí há três anos, e desde então já levou ao público cinco peças autorais: “É Nóis de Férias”, “É Nóis trabalhando”, “É Nóis de Férias, Trabalhando e Estudando”, “Nóis é Show” e “É Nóis Cinco Ponto Com”. Agora o grupo se prepara para estrear o espetáculo “Talentos” em que vão interpretar personagens famosos. “Vamos nos apresentar nos dias 20 e 21 de novembro no Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa. Vai ser muito legal”, garante o artista Moacir Barini.
A marca registrada do grupo é a capacidade em transformar o improviso em arte. As apresentações da trupe são tão imprevisíveis que os próprios artistas surpreendem uns aos outros. Segundo o “É Nóis Cinco”, errar também faz parte do show porque aproxima mais o público do espetáculo. Em suma, a trupe é composta por artistas que trabalham por prazer e que valorizam a liberdade criativa de cada um.
Saiba mais
Os integrantes do grupo de humor “É Nóis Cinco” já excursionaram por muitas cidades do Paraná, além de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo.
Serviço
Interessados podem entrar em contato com o grupo por meio da Educa Assessoria. O telefone é (44) 3045-4510. Para mais informações, basta acessar o site http://www.enois5.com
Médium por vocação
O dom de Maria Noêmia atrai pessoas do Paraná e de outros estados
Maria Noêmia dos Santos, de São João do Caiuá, ficou conhecida na região Noroeste do Paraná pelos trabalhos que desenvolve como médium da umbanda branca. Os resultados positivos com a atividade atraem pessoas do Mato Grosso do Sul, São Paulo e Santa Catarina, além do Paraná. Mas o fato mais curioso é que a benzedeira não exige remuneração; diz ter sido designada a cumprir uma missão.
De uma hospitalidade inigualável, Maria Noêmia, que vive com o marido em uma humilde residência, recepciona qualquer visitante com um largo sorriso. Em um primeiro contato, ela já avisa: “Não cobro nada. Apenas gosto de fazer a coisa certa. Caso a pessoa ache que mereço alguma gratificação, aí tudo bem.” Pelos serviços prestados, os visitantes dão de R$ 10 a R$ 30 para Maria Noêmia. Quem visa lucro com a umbanda branca, cobra de R$ 100 a R$ 200 por consulta.
Motivada por sentimento de abnegação, durante anos a benzedeira atendeu centenas de pessoas em um quarto tão pequeno que em dia de grande fluxo de visitantes, muitos tinham de esperar a vez na entrada da residência. “Minha vida mudou há 10 anos, quando o prefeito veio aqui e disse que me daria um presente; a construção de um local pra eu trabalhar. Agradeci, e até hoje esta tenda é o meu local de serviço”, relata a sorridente Noêmia dos Santos.
O reconhecimento do prefeito dá a dimensão da importância do trabalho da médium. “Já atendi a região toda de Paranavaí. Também benzi muita gente do Mato Grosso do Sul, São Paulo e até de Santa Catarina”, relembra. Maria Noêmia deixa claro que ela e o marido são aposentados, de onde provém o sustento familiar. “Não vivo da tenda, não tem como viver disso, porque não cobro. Se cobrasse, estaria rica”, frisa, às gargalhadas.
A médium é muito conhecida em São João do Caiuá, mas os moradores locais a procuram apenas em último caso. “Geralmente o pessoal vai atrás de outras benzedeiras, daí quando não dá resultado, eles vêm aqui”, declara. O trabalho de Maria Noêmia é baseado em um guia, espírito do caboclo Pena Branca que a benzedeira recebeu há mais de 30 anos. Desde então, segundo ela, adquiriu o poder de resolver problemas e curar enfermidades. “É uma missão que não escolhi. Mesmo assim, só faço o bem. Meu objetivo sempre foi ajudar as pessoas. Ninguém deve passar o pé diante da mão”, reitera a benzedeira.
No cotidiano, Noêmia dos Santos benze muitas crianças, contudo, também é procurada para resolver problemas sérios de saúde e quebrar mandingas. A médium cita o exemplo de um idoso que, incapaz de dirigir, foi levado até a tenda pelo genro. “Ele estava com os olhos bem vermelhos, pareciam duas bolas de fogo, e pediu para eu lhe benzer. No outro final de semana, retornou sozinho e me agradeceu. O velhinho já estava até dirigindo”, assegura a benzedeira.
A descoberta de um dom
Maria Noêmia dos Santos nasceu nas imediações de Nossa Senhora da Glória, no Sergipe. Em busca de melhores condições de vida, certo dia, subiu na carroceria de um caminhão pau de arara e partiu para São Paulo. No sudeste, aos 17 anos, começou a trabalhar na colheita de algodão.
Porém, com 25 anos, Maria Noêmia adoeceu. Os médicos foram incapazes de identificar a doença. Segundo a benzedeira, que à época já tinha três filhas, suas pernas e braços incharam muito e ao longo de meses pensou somente na morte. “Todo mundo já me imaginava morta. Mas a surpresa veio durante uma noite de sono. Foi quando senti algo diferente. Acordei recuperada e achei que não fosse eu mesma, até ouvi algumas vozes estranhas”, lembra.
Durante visita, um médium disse a Maria Noêmia que ela recebeu um guia (espírito mensageiro). O visitante alertou que a médium não sobreviveria se rejeitasse o espírito. Até então, Noêmia dos Santos nunca ouvira falar em umbanda branca. “Isso acontece sem que alguém peça. É algo inconsciente”, afirma.
Saiba mais
Umbanda Branca ou de Mesa – Não há presença de elementos africanos como Orixás, Exús ou pombas-giras, nem mesmo utilização de atabaques, fumo, imagens e bebidas. A linha doutrinária se restringe ao trabalho de caboclos, pretos-velhos e crianças.
Vivendo a viola
Há 17 anos, Jeferson Cley Bovarotti cultiva o talento de conceber violas de modo artesanal
Na adolescência, o primeiro contato de Jeferson Cley Bovarotti com a viola foi tão profundo que decidiu reproduzi-la. Desde então, se passaram 17 anos de produção, e hoje a arte de conceber o instrumento artesanalmente sintetiza o cotidiano do luthier de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. O trabalho de Bovarotti atrai clientes de várias regiões do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Jeferson Cley é autodidata, mas não foi da noite para o dia que adquiriu conhecimento o suficiente para reproduzir violas. “Levei oito anos para me orgulhar dos instrumentos que faço. Eu dificilmente ficava satisfeito, sempre queria melhorar algum detalhe”, frisa Bovarotti. O perfeccionismo refere-se ao fato da viola ter muitos segredos que incluem o preparo da madeira, escolha da espessura e as medidas da escala. “O jeito é se aperfeiçoar sempre”, pondera.
Cautela é sempre imprescindível no momento de conceber um instrumento. A criatividade não pode se transformar em excesso de ousadia, já que a maior parte dos violeiros considera a tradicional viola caipira como a única verdadeira. “É preciso tomar cuidado principalmente na hora de escolher a madeira. Tem de conhecer o processo de envelhecimento da matéria-prima”, alerta o artista que criou o primeiro instrumento aos 17 anos, quando reproduziu a viola ganhada do pai Raulnilde Bovarotti.
Dentre as melhores madeiras para a produção de uma viola, o luthier que também é violeiro destaca o pinho sueco, jacarandá indiano, maple e ébano. “Para quem quer gastar um pouco menos, mas levar um produto de boa qualidade, tenho amapá e o cedro-rosa. As melhores do Brasil”, assinala. Uma viola com matéria-prima brasileira custa em torno de R$ 1,5 mil. Se o cliente preferir madeira importada, o preço final é de R$ 3 mil. “Também posso pré-cozinhar e fazer um tempero com duas madeiras”, informa Jeferson Cley. Todos os produtos da Di Cley Luthieria, de Bovarotti, são criados sob encomenda. Cada instrumento leva de 30 a 45 dias para ficar pronto.
O esmero do luthier para conceber uma viola se assemelha ao cuidado e requinte de detalhes com os quais um pintor se entrega a própria obra, tornando-a única. “Nunca fiz uma parecida com a outra”, garante.
Por tal peculiaridade, e amor incondicional pela viola, o trabalho do luthier é reconhecido pelos clientes, inclusive a boa fama da fábrica atrai violeiros de várias regiões do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. “Geralmente quem se interessa mais é profissional. Já vendi instrumentos para várias duplas de moda de viola, além do famoso sertanejo Daniel e do vice-governador Orlando Pessuti”, conta Bovarotti.
Jeferson Cley revela que vender bem é importante, mas não supera o reconhecimento do trabalho. “Para quem vive a viola, a maior recompensa é ver alguém tocando seu instrumento”, comenta.
Luthier fabrica as próprias máquinas
Quando um violeiro pede que um luthier fabrique um instrumento, as variações mais comuns referem-se às escalas. “Uma escala maior é para afinação mais baixa, para tocar o estilo de Tião Carreiro e Pardinho. Só que tem gente que prefere menor ou normal. Depende muito da mão da pessoa”, explica o luthier Jeferson Cley Bovarotti. A escala padrão de uma viola é de 580 milímetros.
Bovarotti é proprietário da Di Cley Luthieria, uma fábrica de violas que preza pela originalidade, tanto que até as máquinas usadas na produção dos instrumentos foram criadas pelo luthier. “Aqui é tudo artesanal. Projetei ao meu gosto”, destaca o artista que luta para ganhar espaço oferecendo qualidade em vez de quantidade.
O aposentado Raulnilde Bovarotti, pai do luthier, conta que tem muito orgulho do filho. Mesmo com a concorrência desleal das indústrias que produzem instrumentos em série, Jeferson Cley sonha em ter o trabalho mais valorizado. “Já levei mais de dois meses pra finalizar uma viola. Não me importei com a demora porque o resultado foi um instrumento único”, enfatiza.
Mais informações
Quem quiser encomendar alguma viola do luthier, pode entrar em contato pelo telefone (44) 3446-7973