David Arioch – Jornalismo Cultural

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Uma garota de programa em paradoxo

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Godard e a perspectiva humanista sobre uma personagem marginalizada

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Musa de Jean-Luc vive a prostituta Nana (Foto: Reprodução)

Vivre Sa Vie, Lançado no Brasil como Viver a Vida, é um clássico da Nouvelle Vague de 1962, do controverso cineasta francês Jean-Luc Godard. O filme conta a história de Nana, uma garota de programa que sonha em ser atriz e vive o paradoxo de preservar a própria integridade.

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Natureza de Nana revela humanismo em crise (Foto: Reprodução)

Viver a vida é protagonizado por Anna Karina que empresta beleza a personagem Nana. Por si só, o rosto angelical e expressivo da atriz propõe um paradoxo ao encarnar uma meretriz. Sem cenas tórridas de lascívia, exibicionismo, exaltação da sexualidade ou até mesmo beijos quentes, o filme é uma perspectiva humanista sobre uma personagem marginalizada. Na obra, a garota de programa assume uma notoriedade idiossincrásica em que citações literárias e filosóficas determinam o cotidiano.

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Protagonista assiste ao enlace entre a modernidade e a decadência (Foto: Reprodução)

Embora depreciada pela sociedade, Nana é uma caricatura expressionista vivendo sob um prisma de valores criados por ela mesma, totalmente desvinculada do caráter maternal imposto às mulheres. O contexto, quando imaterial, se resume a um universo reflexivo, onde a objetividade e o concreto só existem em razão da subjetividade. Tudo é transmitido no filme por etapas, já que Viver a Vida se divide em doze atos.

Do início ao fim, é permitido invadir a intimidade de Nana, representante de um ideal de liberdade que tenta ignorar tudo a sua volta. Mas nem sempre consegue. A protagonista se mostra frágil ao entregar o corpo por exigência do ofício. Sente que algum tipo de emoção e sentimento nasce ou morre antes de cada relação sexual.

O espectador, que assume os olhos de Godard, presencia muitas das cenas como testemunha; alguém o tempo todo ao alcance de Nana. A primeira cena em que a câmera, de uma posição privilegiada, destaca as costas e os ombros da personagem, mantendo o rosto oculto enquanto conversa em um café, é o exemplo primordial.

A natureza de Nana ratifica a ideia de que o humanismo está em crise há muito tempo. Como sobrevivente do submundo parisiense, ela assiste ao enlace entre a modernidade e a decadência. Na capital francesa, surgem cinemas, cafés e máquinas de fliperama enquanto morrem pessoas, sonhos e ideais.

A Boate da Cigana

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Boate era a grande diversão dos homens de Paranavaí nos anos 1950

Capitão Telmo era frequentador assíduo da Boate da Cigana (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

Capitão Telmo era frequentador assíduo da Boate da Cigana (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

Na década de 1950, sem dúvida, o ambiente mais frequentado pelos homens de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era a Boate da Cigana, uma casa situada na então Zona do Baixo Meretrício.

Ninguém sabe ao certo o ano em que foi fundada a Boate da Cigana, situada algumas quadras abaixo do antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP). Mas estima-se que surgiu antes de 1955 e logo se tornou o principal ponto de entretenimento do público masculino adulto. A boate, que tinha como principal via de acesso a avenida que recebeu o nome de Heitor Alencar Furtado, foi fundada por uma gaúcha conhecida apenas como “Cigana”.

Segundo pioneiros, era uma loira de beleza estonteante que antes de vir a Paranavaí vivia em Paranaguá, na Região Metropolitana de Curitiba. A Cigana também chamava atenção pelo carisma e cordialidade com que tratava os frequentadores da casa. “A boate atraía não apenas homens de Paranavaí, mas de toda a região, e funcionava tanto de dia quanto de noite”, relatou o pioneiro cearense João Mariano, acrescentando que naquele tempo o local era a maior fonte de entretenimento dos homens.

Para os clientes da casa, a gaúcha disponibilizava mais de vinte moças. Eram todas muito bonitas. Apesar do serviço oferecido não ser bem visto por uma camada da sociedade, é importante lembrar que a Cigana não permitia atitudes desrespeitosas, nem confusões no interior da boate. “A casa era frequentada até por gente importante, autoridades influentes de Curitiba e de outros estados que visitavam Paranavaí”, confidenciou Mariano, mas se recusando a citar nomes.

O movimento na Boate da Cigana sempre aumentava nos finais de semana, quando os peões que atuavam na derrubada da mata e criação de estradas retornavam a Paranavaí. “Muitos se empolgavam tanto que deixavam todo o salário na casa”, comentou o pioneiro, referindo-se a algo que era muito comum nos anos 1950, quando os mais humildes se contentavam com o prazer efêmero proporcionado pelo álcool e pelas damas da noite.

O que chama muita atenção até hoje quando o assunto é a Boate da Cigana é o fato do espaço ter sido frequentado por pessoas de todas as classes sociais, desde os mais abastados até os mais desfavorecidos. Todos se tratavam muito bem, como se as diferenças sociais não existissem.

Dentre as figuras de maior destaque da história de Paranavaí, e que se tornou um assíduo frequentador da Boate da Cigana, está o Capitão Telmo Ribeiro. Quando chegava à boate, normalmente à noite, o capitão sempre dizia: “Quem tá dentro não sai, quem tá fora não entra.” E ninguém ousava contrariá-lo. A casa imediatamente era fechada e só abriam as portas quando ao amanhecer o galo cantava.

Pela manhã, Telmo Ribeiro pagava as despesas de todos os clientes. Também era conhecido por presentear as damas da noite. Segundo pioneiros, a boate nunca teve um cliente como o capitão que gostava de passar muitas horas conversando e bebendo em companhia da cigana gaúcha.

Curiosidade

A Boate da Cigana era tão famosa que havia um ponto de charrete em frente ao local.