David Arioch – Jornalismo Cultural

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Dona Maria e o carrinho branco

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Dona Maria criou nove filhos com a renda de um carrinho de doces

Dona Maria em frente ao companheiro de longa data (Foto: David Arioch)

Abandonada pelo marido na juventude, a vendedora ambulante Maria Vieira dos Santos, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, conseguiu se reerguer e sozinha criou nove filhos com a renda de um carrinho branco de doces.

No início da década de 1970, Dona Maria, como é mais conhecida, trabalhou como diarista e lavadeira. À época, era mal remunerada. Recebia o equivalente a R$ 2,50 para lavar dois sacos grandes de roupa que pesavam cerca de 20 kg. Para a mulher que falava das dificuldades do passado com um sorriso tímido, era inevitável mostrar os calos remanescentes, lembranças de uma fase de agruras.

Quando atuava como diarista era muito comum Dona Maria iniciar a jornada de trabalho às 6h e retornar para casa somente à noite, carregando no bolso um punhado de notas que garantia a subsistência da família. Na moeda de hoje, não passaria de R$ 5. Quando não ofereciam alimentação no serviço, Maria ficava sem comer.

Além do trabalho pesado e dos nove filhos pequenos para criar, ela teve de lidar com a indiferença do marido, alguém que passava o dia em casa, desinteressado em procurar emprego. Um dia, sem avisar, o homem foi embora para o Mato Grosso. A situação ficou tão difícil que teve dúvidas sobre o que fazer da vida, então surgiu uma oportunidade. “Minha irmã que vivia em São Paulo adoeceu. Pediu que eu fosse até lá visitá-la. Quando cheguei, vi um negócio compridinho de diversas cores. O marido de minha irmã falou que chamava ‘gelinho’, então decidi trazer a Paranavaí”, relembrou.

O cunhado de Dona Maria comprou 10 mil saquinhos para geladinho e 10 litros de liga para o preparo. “Quando cheguei aqui, percebi que ninguém nunca tinha visto geladinho. O problema era que eu não tinha um freezer para conservá-los”, reiterou. Solidários com a situação, alguns amigos compraram o refrigerador. “Me deram o freezer e falaram que eu iria pagar com as vendas. Foi o que aconteceu, paguei cada centavo”, destacou orgulhosa. A princípio, se limitou a comercializar geladinhos, até que encontrou um amigo disposto a trocar um carrinho de doces por uma bicicleta.

Já com o novo veículo, Dona Maria comercializou uma grande gama de produtos ao preço de dez a cinquenta centavos. Chips, geladinho, goma de mascar, cocada, doce de abóbora, mariola, maria-mole, bala, pirulito e muitos outros que sempre estiveram alinhados cuidadosamente por trás da vidraça do velho companheiro. “Graças a esse carrinho, consegui comprar uma casa e criar meus nove filhos. São seis mulheres e três homens”, enfatizou.

Madalena dá continuidade ao legado da mãe (Foto: David Arioch)

Madalena dá continuidade ao legado da mãe (Foto: David Arioch)

Desde 1974, a vendedora estacionava o velho carrinho branco em frente ao Colégio Estadual Sílvio Vidal. “Vi muitas crianças se formarem nesse colégio, inclusive os meus filhos. Os pais daqueles que hoje estudam aqui também compravam doces comigo”, revelou. Infelizmente, após mais de 30 anos dedicados a mesma atividade, em dezembro de 2008, Maria Vieira dos Santos foi vítima de um ataque cardíaco, mal que a separou do carrinho branco, da família, amigos e estudantes do Sílvio Vidal. Hoje, Madalena Vieira dos Santos, uma das filhas de Dona Maria, é quem com a parceria do velho carrinho branco dá continuidade ao legado da mãe.

Saiba mais

A reportagem acima homenageia a bem-humorada mineira Maria Vieira dos Santos, a quem tive o prazer de entrevistar em 2006/2007. É uma personalidade que faz parte da história de milhares de pessoas, principalmente na infância, que estudaram no Colégio Estadual Sílvio Vidal.

No dia da entrevista, Dona Maria disse uma frase inesquecível e que fez jus à sua personalidade aguerrida e perseverante. “Sinto uma paz de espírito muito grande quando estou trabalhando. Me falaram que eu já devia ter parado, mas eu digo que enquanto estiver mexendo as pernas vou continuar.”

A vendedora Maria Vieira dos Santos começou a trabalhar no campo com oito anos de idade. Atuou nas lavouras de mamona, algodão, arroz e feijão.

Atendia em média 80 crianças e adolescentes todos os dias e foi pioneira na comercialização de geladinhos em Paranavaí. Segundo ela, na década de 1970 os sabores que mais atraíam as crianças eram menta, uva, groselha e abacaxi.

108 anos de Rosalina Gusmão

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Centenária gosta de caminhar e se dedicar às atividades domésticas 

Antes de ser fotografada, a vaidosa Rosalina Gusmão faz questão de ajeitar o cabelo com as próprias mãos (Foto: David Arioch)

Antes de ser fotografada, a vaidosa Rosalina Gusmão fez questão de ajeitar o cabelo com as próprias mãos (Foto: David Arioch)

Aos 108 anos, mesmo depois de passar a maior parte da vida trabalhando no campo, onde enfrentou muitas dificuldades, a aposentada Rosalina Gusmão rejeita o merecido descanso. Moradora da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, a idosa prefere ocupar o tempo com caminhadas e afazeres domésticos.

Sob o auxílio de uma parteira, Rosalina nasceu em um sítio nas imediações de Coluna, em Minas Gerais. Ainda na infância, começou a trabalhar na lavoura, migrando de uma cultura a outra. “Em Minas, ela se dedicava ao cultivo de milho, feijão e arroz”, relata o filho Raimundo Gusmão.

À época, as condições de trabalho eram muito precárias e nada na vida de Rosalina contribuía para qualquer mudança, nem mesmo o casamento. Obrigada a suportar um marido alcoólatra com quem entrava em conflito diariamente, a mineira trabalhou muito para garantir a subsistência dos filhos. “Sofríamos porque víamos a dor dela. A situação em casa era muito ruim, e os patrões pagavam muito mal. Minha mãe praticamente trabalhava pela comida”, lembra Raimundo lacrimejando.

Gusmão é um dos filhos que no início da adolescência começou a ajudar Rosalina na atividade campesina. “Já passamos muita fome. Tenho apenas lembranças ruins de quando morávamos no interior de Minas Gerais. A situação só melhorou um pouco quando viemos pra cá”, afirma.

A experiência negativa com o matrimônio fez com que Rosalina nunca mais se casasse, nem mesmo se envolvesse com outro homem, após o falecimento do segundo marido há mais de 50 anos. De acordo com Raimundo, a mineira só quer a companhia de familiares e amigos.

Enquanto o filho fala, Rosalina, mesmo calada, se emociona. Transmite um olhar cintilante e disperso em um passado remoto. “Ela fala bastante. Costuma se recordar da juventude e das dificuldades que enfrentou pra criar os filhos”, garante Raimundo observando a mãe sentada sobre uma pequena poltrona.

É difícil as pessoas acreditarem que Rosalina Gusmão tem mais de cem anos, inclusive é comum pedirem para ver a carteira de identidade. “Ela gosta de lavar roupas e de limpar a casa, mas sempre controlamos pra preservar a saúde dela. Se deixar, passa dos limites. Isso prova que a minha mãe ainda é forte e saudável”, reitera. A longevidade de Rosalina Gusmão, os familiares consideram consequência da vaidade. Desde muito jovem a mineira já se preocupava com a saúde e a aparência.

A aposentada gosta de fazer caminhadas e evita o máximo possível ir para a cama fora do horário de dormir. “Sou muito mais jovem, mas digo com toda certeza que minha mãe tem mais saúde que eu”, enfatiza Raimundo Gusmão sorrindo.

Rosalina se mudou para o Paraná no auge do café

Rosalina Gusmão veio para o Paraná com um dos filhos que vivia na região Noroeste no auge da cafeicultura. “Ele ficou dois anos aqui e gostou muito. Então depois buscou a gente em Minas Gerais. Quando chegamos, começamos a trabalhar na produção de café. Foi uma época boa, tanto que minha mãe ainda se lembra”, relata o filho Raimundo Gusmão.

No Paraná, Rosalina se dedicou às lavouras de café, tendo como apoio a companhia dos filhos. Contudo, nem todos vieram para o Sul do país. De acordo com Raimundo, a filha mais velha de Rosalina ainda vive no cerrado mineiro. “Ela preferiu continuar lá, mas está bem. Hoje, ela está com 84 anos”, informa.

Saiba mais

Rosalina Gusmão nasceu em 20 de janeiro de 1901

A aposentada tem 5 filhos, 25 netos, 15 bisnetos e 12 tataranetos

Curiosidade

Antes de ser fotografada, a vaidosa Rosalina Gusmão fez questão de ajeitar o cabelo com as próprias mãos

Written by David Arioch

March 15th, 2009 at 7:15 pm