David Arioch – Jornalismo Cultural

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O dia em que a Rússia chorou com Dostoiévski

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“Eles prometeram que não iriam mais odiar, mas simplesmente amar uns aos outros”

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Discurso histórico de Dostoiévski marcou inauguração de monumento a Pushkin (Foto: Moscow Times)

Em 8 de junho de 1880, seis meses antes de sua morte, Fiódor Dostoiévski discursou na inauguração do monumento em homenagem a Alexander Pushkin, à época reverenciado como o poeta nacional da Rússia. A estátua construída por Alexander Opekushin, um escultor de origem humilde, foi custeada através de doações e logo se tornou um marco histórico.

Naquele dia, milhares de curiosos foram até a Praça Pushkin, no centro de Moscou, pensando em encontrar um campo de batalha em que a consciência literária russa seria definida por Ivan Turgueniev e Dostoiévski. Liev Tolstói, que também foi convidado a participar da cerimônia, recusou o convite por causa de suas inclinações religiosas. Enquanto Turgueniev, que vivia em Paris, representava os escritores mais ocidentalizados, com uma perspectiva mais europeizada, Dostoiévski seguia na contramão, como um camponês apaixonado e devotado ao que era essencialmente russo.

Com a saúde debilitada, porém lúcido, Dostoiévski aproveitou a oportunidade para promover uma mistura de nacionalismo místico e cristianismo em oposição ao refinado liberalismo de Turgueniev. O autor da obra-prima “Pai e Filhos” teve o seu discurso calorosamente recebido, mas não tanto quanto o de seu conterrâneo existencialista. Fiódor Dostoiévski superou todas as expectativas com palavras que soaram como um hino ao espírito russo, uma profecia de grandeza e um chamado messiânico. Quando o escritor subiu no palco o auditório trovejou em aplausos. Ele se inclinou e fez sinais pedindo para que o deixassem ler.

Discurso foi feito seis meses antes da morte do escritor existencialista (Arte: Reprodução)

Discurso foi feito seis meses antes da morte do escritor existencialista (Arte: Reprodução)

Em meio ao alarido, começou a leitura de seu discurso. Em cada página, Dostoiévski foi interrompido por rajadas de aclamações. Leu em voz alta, com grande entusiasmo, e destacou a importância da união da humanidade, a definindo como o único caminho para a sobrevivência harmoniosa. Do início ao fim se surpreendeu ao ouvir gritos vindo da plateia. Desconhecidos começaram a chorar e jogar-se sobre os braços de familiares, amigos e estranhos. “Eles prometeram que não iriam mais odiar, mas simplesmente amar uns aos outros”, escreveu Fiódor Dostoiévski emocionado em carta à esposa Anna Dostoyevskaya em junho de 1880.

Uma testemunha declarou que teve a impressão de que as paredes do auditório foram substituídas por uma desmesurada fogueira. Dostoiévski foi visto como um grande profeta diante da escultura de Pushkin. Movidos por impetuoso paroxismo, muitos gritaram que estavam dispostos a morrer pela Rússia se necessário.

Ao final da noite, mais de cem mulheres se apressaram, compraram uma enorme coroa de flores e coroaram o soberano da noite – Dostoiévski, diante de uma audiência de milhares de pessoas. Mesmo com as transformações vividas pela Rússia no século 20, o monumento ao poeta nacional e a Praça Pushkin perseveraram não apenas como símbolos do espírito russo, mas também da esperança na humanidade, tanto que o local continua sendo o preferido dos russos para se reunir e ler poemas.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Dostoevsky, Mikhailovich Fyodor. Letters of Fyodor Michailovitch Dostoevsky to His Family and Friends – 1917.

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Esculpindo vidas

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Jesus Soares descobriu a identidade artística na figura dos marginalizados

Soares eterniza pessoas com quem se depara no cotidiano (Foto: David Arioch)

Em 1986, quem via o garotinho Jesus Soares esculpindo faces desconhecidas em barrancos, nem imaginava que ele se tornaria um dos grandes nomes das artes plásticas em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com trabalhos expostos em diversos países da América Latina e Europa.

A relação de Jesus Soares com a arte começou por acaso, aos 11 anos, quando ele e os irmãos Paulo, Gílson e Adauto Soares se divertiam criando os próprios brinquedos e dando novas formas a alguns espaços. O que para a maioria era apenas um cenário ordinário e natural, na perspectiva de Jesus e seus irmãos era um universo de possibilidades de transformação.

“Uma vez vimos a capa de um livro e aquilo nos influenciou a criar algumas faces em barrancos”, conta o artista plástico Jesus Soares. O feito dos quatro irmãos pode ser interpretado como uma peculiar, mas ocasional concepção artística do Monte Rushmore, monumento rochoso situado nos EUA.

À época, ainda crianças, Jesus e os irmãos, que cultivavam uma profunda relação de amizade entre eles, produziam arte sem perceber, perdidos em uma realidade lúdica. “A gente fazia apenas porque gostava, era uma forma de divertimento”, afirma e acrescenta que encarou o próprio trabalho como arte somente a partir de 1998.

Naquele ano a artista Tânia Volpato foi até a residência do artista e se deparou com um presépio. “Quando disse a ela que fui eu quem fiz, a Tânia ficou surpresa, e eu mais ainda porque já tinha feito um monte de peças, mas nunca pensei que fossem arte”,  admite Soares, que se destaca pelo talento em criar esculturas com as mais diversas matérias-primas, como arame, madeira, resina, gesso, sisal e fibra de média densidade (MDF).

Embora já tenha manipulado muitos materiais, Jesus é mais conhecido pelas esculturas em arame, sua marca registrada. “Nessa linha de trabalho, já atendi a Fundação Cultural, Rotary, Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí [Fafipa], Universidade Paranaense [Unipar], Secretaria Municipal de Esportes e Lazer e Associação Comercial e Empresarial de Paranavaí [Aciap], além de outros”, acrescenta.

Quem conhece o trabalho de Jesus Soares, logo identifica características do realismo surgido no século XIX. É algo que se deve não ao fato do artista seguir tal tendência, mas sim ter descoberto a identidade artística na figura dos marginalizados. Soares tem o dom de eternizar pessoas com quem se depara no cotidiano, aquelas que parecem inexistir socialmente.

Algumas das obras do artista estão em exposição no corredor do Teatro Municipal (Foto: David Arioch)

Algumas das obras do artista estão em exposição no corredor do Teatro Municipal (Foto: David Arioch)

“Pra mim a escolha de um personagem a ser transformado em escultura depende muito do contexto. Além disso, quando me pedem algum trabalho sob encomenda, já me foco no tema, daí faço um esboço levando em conta questões sociais, históricas e econômicas”, revela o artista que encontra na arte de esculpir um exercício de introspecção e reflexão sobre a vida e o mundo.

É impossível mensurar quantas obras Jesus Soares já produziu, mas muitas estão espalhadas pelo Brasil, além das enviadas para exposições na Áustria, Alemanha, República Dominicana e outros países. “Há poucos dias, recebi o convite para enviar peças ao Chile”, enfatiza o artista.

Material embutido de significados

A escolha do material para se trabalhar a confecção de cada peça carrega alguns significados. Um exemplo são três obras criadas pelo artista sob influência de Guernica, pintura de Pablo Picasso. “Foi uma encomenda que me fizeram em Amaporã. Selecionei três personagens do quadro e criei as peças”, conta.

Em uma das obras recheadas de crítica social, é possível ver uma criança no colo da mãe. O bebê em óbito foi idealizado a partir de uma minúscula colher. Levando em conta o contexto da guerra, principalmente os bombardeios alemães a pequena cidade espanhola de Guernica em 1937, Soares usou o talher para destacar uma metáfora; a infância perdida como sobremesa germânica.

O artista plástico, que também trabalha com cenografia em parceria com os irmãos Paulo e Adauto Soares, está sempre atendendo pedidos de novas encomendas. “Pra ter uma ideia, recentemente fiz cenários para a peça ‘As Aves’, do Grupo de Teatro da Unipar, também criei três obras em MDF e ainda preciso entregar mais de 300”, assinala o artista que cobra de R$ 35 a R$ 150 por peças de 35 a 50 centímetros.

Serviço

Para entrar em contato com o artista plástico Jesus Soares, basta ligar para (44) 8806-9585.