David Arioch – Jornalismo Cultural

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O Garganta de Ouro que deixou Terra Rica para conquistar o Brasil

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Antes do estrelato, quando vivia em Terra Rica, José Rico cantava em troca de doces 

José Rico não passava mais de seis meses sem visitar Terra Rica (Foto: Divulgação)

José Rico não passava mais de seis meses sem visitar Terra Rica (Foto: Divulgação)

Na infância, o pequeno José Alves dos Santos começou a se destacar em Terra Rica, no Noroeste do Paraná, ao cantar em troca de doces. Quando cresceu, a necessidade o obrigou a exercer serviços braçais para sobreviver. Porém, como profetizara um padre, José ainda seria rico. Após mais de 40 anos de sucesso, infelizmente, José Rico, que tocaria na 44ª ExpoParanavaí no dia 13 de março, faleceu hoje em Americana, interior de São Paulo, em decorrência de complicações envolvendo coração e rins.

O músico José Alves dos Santos, conhecido como José Rico, o Garganta de Ouro do Brasil, nasceu em São José do Belmonte, Pernambuco, em 1946, mas em 1948 se mudou com a família para Terra Rica, onde viveu até os 19 anos. De acordo com Wilson Alonso, amigo de infância do cantor, José Rico sempre foi um grande personagem da cidade. “Ele nunca foi como aqueles artistas que esquecem da própria origem. Não ficava mais de seis meses sem aparecer aqui”, explicou em tom de orgulho em entrevista que me foi concedida em 2006.

Ao se mudar para o extremo Noroeste do Paraná, no início, o pai de José Rico conseguiu manter a família com o ofício de barbeiro. No entanto, logo surgiram dificuldades e ainda criança José Alves dos Santos teve de trocar a chupeta por uma enxada. “Ele trabalhou muito na lavoura. Também atuou como pintor, sorveteiro, engraxate e servente de pedreiro. Lembro como se fosse hoje”, contou Alonso, se calando por alguns segundos, disperso em pensamentos.

Quando não estava trabalhando, o pequeno José gostava de cantar. A boa voz foi determinante para ser convidado a participar de eventos locais em que o cachê se resumia a paçoquinha e sorvete. “Era uma figurinha carimbada nas quermesses e festas juninas. Quem tinha muito dinheiro na época, sempre o chamava para se apresentar”, relatou Alonso, sem velar o sorriso nostálgico.

Com milionário, o cantor formou uma das maiores duplas de música sertaneja do Brasil (Foto: Reprodução)

Com Milionário, o cantor formou uma das maiores duplas de música sertaneja do Brasil (Foto: Reprodução)

O interesse pela música sertaneja foi precoce, mas naquele tempo o desconhecido José dos Santos embalava o público com canções românticas e boêmias. “Eram composições de Altemar Dutra e Nelson Gonçalves. O pessoal gostava mais desses cantores que estavam no auge”, revelou Alonso. No fim da adolescência, José Alves dos Santos começou a participar de programas de rádio. Alonso citou um episódio em que o cantor veio a Paranavaí para participar de um programa de auditório. “Ele conseguiu chegar a tempo de se apresentar na Rádio Paranavaí, graças ao sargento Vieira”, reitera.

Quando ainda sequer cogitava a possibilidade de gravar um disco, o jovem José conheceu o pároco Eduardo Bassil que o incentivou. “O padre falou que ele seria um José Rico, ficaria realmente rico, e isso aconteceu. Foi merecido porque ele lutou muito por isso, não caiu do céu”, avaliou Wilson Alonso.

José Rico gostava de comer arroz, feijão e ovo

Na adolescência, as mãos do cantor sertanejo José Rico não se sentiam atraídas apenas pelas cordas do violão. “Briga era com ele. Lembro que antigamente tinha luta em circo, então normalmente no segundo dia ele já estava lá na arena lutando. O Zé gostava muito disso”, informou o amigo Wilson Alonso.

Emocionado, Alonso destacou a simplicidade como a principal característica do cantor. “O Zé chegava aqui em casa e dizia que queria comer arroz, feijão, ovo frito e quiabo. Além disso, adorava sair na rua de bermuda, camiseta e tênis”, enfatizou o amigo.

Apesar de não tocar nenhum instrumento, Wilson Alonso guardava com esmero um violão cuidadosamente envernizado e sempre brilhante. O instrumento sempre ficava à espera do amigo José Rico. Por muito tempo, ao toque do primeiro acorde sempre levava à tona a nostalgia e graça da época em que usava o talento para ganhar um pedaço de doce.

Saiba Mais

O texto acima é resultado de uma entrevista que fiz com Wilson Alonso em 2006. Infelizmente, Alonso faleceu em 10 de setembro de 2011, três anos e cinco meses antes da partida de José Rico, a quem ele considerava um de seus melhores amigos.

Curiosidades

Além da música sertaneja, José Rico apreciava música gaúcha, mexicana, paraguaia e cigana. Tais influências são perceptíveis nas composições do artista.

A música “Estrada da Vida”, de autoria de José Rico, garantiu a venda de mais de dois milhões de discos.

A dupla Milionário e José Rico surgiu em 1973. Desde então, lançaram 29 discos e dois filmes: “Na Estrada da Vida” e “Sonhei com Você”.

O filme “Na Estrada da Vida” foi dirigido por Nelson Pereira dos Santos, expoente do cinema novo brasileiro.

O amor caboclo do Som da Viola

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Grupo de violeiros já percorreu toda a região divulgando a música sertaneja de raiz

Por onde passa, o Som da Viola emociona o público (Foto: Amauri Martineli)

Por onde passa, o Som da Viola emociona o público (Foto: Amauri Martineli)

Criado em 2002, o Grupo Som da Viola já percorreu toda a região de Paranavaí divulgando a música sertaneja de raiz e despertando em pessoas de todas as idades uma identificação com a essência cabocla.

“Narramos a nostalgia do campo, que está no sangue”. Com essa afirmação, o coordenador do Grupo Som da Viola, Francisco Antônio de Souza, conhecido como Seu Chico, define a temática do grupo composto por 19 membros de 12 a 60 anos.

Conversador e bem-humorado, Seu Chico conta que o grupo surgiu em abril de 2002, quando a música sertaneja de raiz era apreciada por poucos. “Na época, comprei minha primeira viola, mas ainda não tínhamos conhecimento de nada, apenas força de vontade”, lembra e acrescenta que desde o início já contava com a parceria da filha e violeira Érica Coutinho de Souza, do músico Arnaldo dos Santos e do amigo e violeiro Aparecido dos Santos, conhecido como Cido.

O Som da Viola é remanescente de uma oficina idealizada pela Fundação Cultural. De acordo com Seu Chico, as aulas eram voltadas para quem já tocava viola. “Como surgiu uma grande procura decidimos dar oportunidade para quem não sabia nada, até porque o objetivo era despertar mais ainda o interesse pela moda de viola. A ideia foi lapidada debaixo de um pé de sete-copas”, destaca o coordenador.

No começo, o grupo enfrentou inúmeras dificuldades financeiras, pois era preciso arrecadar dinheiro para remunerar o professor de música Arnaldo dos Santos. “A partir de 2004, recebemos uma ajuda da Fundação Cultural para custear as aulas do Arnaldo”, confidencia.

Hoje, já experiente, o Som da Viola empolga muitas plateias ao executar diversos gêneros da música cabocla, como moda de viola, cateretê, guarânia, pagode sertanejo, entre outros. “Já nos apresentamos em toda região de Paranavaí e também fora dela. Certa vez tocamos para mil homens em uma confraternização da Cocari [Cooperativa dos Cafeicultores de Mandaguari]. Depois, no mês seguinte, fomos convidados a nos apresentar para mil mulheres”, destaca Seu Chico em tom de orgulho.

Seu Chico: "“Narramos a nostalgia do campo, que está no sangue” (Foto: Amauri Martineli)

Seu Chico: ““Narramos a nostalgia do campo, que está no sangue” (Foto: Amauri Martineli)

O grupo também tocou em várias edições da Festa do Arroz de Querência do Norte, cidade natal do professor Jair Carvalho que durante muito tempo integrou o Som da Viola. “Ele sempre foi um exemplo. Saía de lá toda semana só pra vir tocar com a gente. Só não continuou quando tivemos de mudar os horários das aulas”, ressalta. Atualmente, por falta de tempo, o grupo tem dispensado alguns convites para tocar em outras cidades.

Onde se apresenta, o Grupo Som da Viola tem um público cativo de pelo menos 50 pessoas. Segundo Seu Chico, o que faz a diferença é saber que cada um dos presentes está ali pelo amor à moda de viola. “São pessoas de todas as idades se emocionando, até chorando ao relembrar do passado no campo ou das histórias que os pais contam”, enfatiza.

Atualmente o grupo discute a possibilidade de lançar um disco com canções autorais. Seu Chico avalia que até o final do ano terão pelo menos 10 músicas prontas. As letras versarão sobre as lembranças da roça e a viola dos antepassados.

Grupo se apresenta pelo menos duas vezes por mês

O Grupo Som da Viola se apresenta em Paranavaí pelo menos duas vezes por mês. “Esse é o número de apresentações que fazemos pela Fundação Cultural, mas sempre vamos além, nos apresentamos com certa frequência”, conta o coordenador do Grupo Som da Viola, Seu Chico.

Quem não conhece o grupo se surpreende com a dedicação. Em setembro de 2002, com poucos meses na ativa, os violeiros se apresentaram no Jardim Morumbi, do alto de um palco improvisado sobre a carroceria de um caminhão. “Estava muito frio, só que valeu a pena. As pessoas ficaram felizes e emocionadas”, afirma Seu Chico.

O grupo contribuiu tanto em despertar o interesse pela música sertaneja de raiz em Paranavaí que o reflexo foi percebido até no comércio. Algumas lojas de instrumentos musicais tiveram de investir mais na compra de violas para atender a demanda. “Nosso grupo realmente ajudou o comércio local. Trouxemos algo diferente a Paranavaí”, pontua Seu Chico sem esconder a satisfação.

Hoje em dia, os encontros do Grupo Som da Viola ocorrem uma vez por semana. Caso alguém tenha interesse em participar do grupo, antes é preciso passar por um processo de acompanhamento. “É uma forma de preparar a pessoa até que ela esteja apta a fazer parte do Som da Viola”, argumenta.

Seu Chico e o sonho de violeiro

Desde os sete anos, o coordenador do Grupo Som da Viola, Francisco Antônio de Souza, conhecido como Seu Chico, sonhava com uma viola. Ele queria musicalizar a própria essência de garoto do campo. “Nasci no mato, então tinha um sentimento caboclo muito forte, algo que carrego até hoje”, afirma o homem que em momento de nostalgia parece reviver o pequeno Francisco, ilhado em um fragmento da infância.

“Minha inspiração pra me tornar violeiro veio do meu tio. Lembro que ele tinha 16 anos quando estávamos sentados na barranca de um rio e ele disse que ainda me daria uma viola. Mais tarde, ele morreu, mas o desejo dele sempre carreguei comigo”, assegura, acrescentando ser de uma família que sempre cultivou estreita relação com a música.

Com o tempo, os compromissos familiares se tornaram cada vez maiores para Francisco. Contudo, o sonho de ser violeiro sempre o acompanhou. “Comprei minha primeira viola aos 50 anos, no dia 8 de abril de 2002. Fiquei feliz porque naquele dia também pude dar uma viola pra minha filha que tinha dez anos e outra para o meu filho que estava com 14”, relembra, acrescentando que sonhos sempre são possíveis, independente da faixa etária e das dificuldades.

Hoje, mesmo morando na cidade, longe da realidade do campo, Seu Chico vive o sonho de violeiro – já compôs diversas canções e escreveu centenas de poemas sobre a viola e a vida no campo. “Em uma edição do Tributo a Tião Carreiro apresentei a minha composição ‘Estilo Tião Carreiro’”, revela em tom de alegria.

Saiba mais

Para entrar em contato com o Grupo Som da Viola, basta ligar para a Fundação Cultural de Paranavaí: (44) 3902-1128

O Garganta de Ouro de Terra Rica

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Antes do estrelato, José Rico cantava em troca de doces em Terra Rica

"“O padre falou que ele seria um José Rico, ficaria realmente rico, e isso aconteceu"

““O padre falou que ele seria um José Rico, ficaria realmente rico, e isso aconteceu”

Na infância, o pequeno José Alves dos Santos começou a se destacar em Terra Rica ao cantar em troca de doces. Quando cresceu, a necessidade o obrigou a exercer serviços braçais para sobreviver. Porém, como profetizara um padre, José ainda seria rico.

O músico José Alves dos Santos, conhecido como José Rico, nasceu em São José do Belmonte, Pernambuco, em 1946, mas em 1948 se mudou com a família para Terra Rica, onde viveu até os 19 anos. De acordo com Wilson Alonso, amigo de infância do cantor, José Rico, o Garganta de Ouro do Brasil, é um grande personagem da cidade. “Ele não é como aqueles artistas que esquecem da própria origem. Não fica mais de seis meses sem aparecer aqui”, defende.

Ao se mudar para o Noroeste do Paraná, no início, o pai de José Rico conseguiu manter a família com o ofício de barbeiro. No entanto, logo surgiram dificuldades e, ainda criança, José Alves dos Santos teve de trocar a chupeta por uma enxada. “Ele trabalhou muito na lavoura. Também atuou como pintor, sorveteiro, engraxate e servente de pedreiro. Lembro como se fosse hoje”, informa Alonso que durante alguns segundos se cala, disperso em pensamentos.

Quando não estava trabalhando, o pequeno José gostava de cantar. A boa voz foi determinante para ser convidado a participar de eventos locais em troca de um cachê baseado em paçoquinha e sorvete. “Era uma figurinha carimbada nas quermesses e festas juninas. Quem tinha muito dinheiro na época, sempre o chamava para se apresentar”, conta Alonso, sem velar o sorriso nostálgico.

O interesse pela música sertaneja foi precoce, mas o desconhecido José dos Santos embalava mesmo o público com canções românticas e boêmias. “Eram composições de Altemar Dutra e Nelson Gonçalves. O pessoal gostava mais desses cantores que estavam no auge”, relembra Alonso. No fim da adolescência, José Alves dos Santos começou a participar de programas de rádio. Alonso rememora um episódio em que o cantor veio a Paranavaí participar de um programa de auditório. “Ele conseguiu chegar a tempo de se apresentar na Rádio Paranavaí graças ao sargento Vieira”, reitera.

Sucesso com a dupla não comprometeu a simplicidade de José Rico (Foto: Reprodução)

Sucesso com a dupla não comprometeu a simplicidade de José Rico (Foto: Reprodução)

Na época em que sequer cogitava a possibilidade de gravar um disco, o jovem José conheceu o pároco Eduardo Bassil que lhe deu incentivo no início da carreira. “O padre falou que ele seria um José Rico, ficaria realmente rico, e isso aconteceu. Foi merecido porque ele lutou muito por isso, não caiu do céu”, finaliza Wilson Alonso.

José Rico gostava de lutar

Na adolescência, as mãos do cantor sertanejo José Rico não se sentiam atraídas apenas pelas cordas do violão. “Briga era com ele. Lembro que antigamente tinha luta em circo, então normalmente no segundo dia ele já estava lá na arena lutando. O Zé gostava muito disso”, garante o amigo Wilson Alonso.

Emocionado, Alonso destaca a simplicidade como a principal característica do cantor. “O Zé chegava aqui em casa e dizia que queria comer arroz, feijão, ovo frito e quiabo. Além disso, adorava sair na rua de bermuda, camiseta e tênis”, relata o amigo.

Apesar de não tocar nenhum instrumento, Wilson Alonso guarda com esmero um violão cuidadosamente envernizado e sempre brilhante. O instrumento está sempre afinado, à espera de José Rico, que ao toque do primeiro acorde leva à tona a mesma nostalgia e graça da época em que usava o talento para ganhar um pedaço de doce.

Saiba Mais

Além da música sertaneja, José Rico apreciava música gaúcha, mexicana, paraguaia e cigana. Tais influências são perceptíveis nas composições do artista.

A música “Estrada da Vida”, de autoria de José Rico, rendeu a venda de mais de dois milhões de discos para a dupla.

A dupla Milionário e José Rico surgiu em 1973. Desde então, lançaram 28 discos e dois filmes: “Na Estrada da Vida” e “Sonhei com Você”.

O filme “Na Estrada da Vida” foi dirigido por Nelson Pereira dos Santos, expoente do cinema novo brasileiro.