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Lelinho: usuário de drogas, ladrão e possível aidético

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Rapaz se tornou refém do narcotráfico com 12 anos e hoje não pode sair às ruas quando quer

Luiz Carlos: "Ele entrou num estado profundo de decomposição social e moral" (Foto: David Arioch)

Luiz Carlos: “Ele entrou num estado profundo de decomposição social e moral” (Foto: David Arioch)

Ao longo dos anos, vi muitas vezes na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, um garoto magricela de estatura mediana com as pupilas dilatadas, olhar sempre desconfiado, cabelos desgrenhados, rosto relativamente sujo e pés encardidos, que há muito tempo não recebem outro calçado que não seja um velho par de chinelos surrados. Para preservar sua identidade, o chamo de Lelinho. Hoje, com 18 anos, não gosta de ser observado, apesar de não reclamar, mas há muito tempo deixou de ser sociável. A forma como percorre as ruas do bairro em horários estratégicos denuncia que é procurado por integrantes de uma facção criminosa. Usuário de drogas, Lelinho está devendo, só que nem a camaradagem dos tempos de “laranja” do narcotráfico é capaz de garantir a sua integridade física. De vez em quando chega em casa todo machucado, com hematomas dos pés à cabeça.

Por enquanto o jovem está autorizado a viver. Até quando? Ninguém sabe. Já recebeu inúmeras visitas de homens armados avisando que qualquer dia a dívida vai ser cobrada com muito sangue. Refém do vício em crack, Lelinho já invadiu muitas casas para furtar fiação elétrica. Dava preferência por residências com placas de “aluga-se”. Quando os espólios eram insuficientes para sustentar o vício, apelava aos mais próximos. Chegou a furtar uma coleção de calcinhas novas de uma tia. Também vendeu o chuveiro de casa, as galinhas da avó e as ferramentas de ferraria e marcenaria do pai e do avô. Em síntese, “tudo virava pedra”.

Durante algum tempo trabalhou recolhendo produtos recicláveis. Motivado pela dependência química ainda furtava materiais e ferramentas que encontrava em áreas de construções. Ocasionalmente Lelinho circula de bicicleta por outros bairros e pelo centro de Paranavaí. Não se incomoda com o som ruidoso, o desconforto e os perigos das duas rodas sem pneus. Inclusive usa um rabicho improvisado para arrastar um carrinho barulhento, sem os aros de borracha. Sempre que recebe uma nova ameaça se afasta das ruas e se esconde dentro de casa por pelo menos um mês. Tem o apoio dos avós que se negam a reconhecer que o neto é usuário de drogas.

Um dia o avô pediu a um vizinho para chamar a polícia, alegando que Lelinho teve um surto e estava quebrando tudo dentro de casa. Quando a viatura chegou o idoso sorriu e tentou explicar que era só pra dar um susto no neto. “Não leva ele não, por favor!”, suplicou, se negando a admitir a seriedade da situação. Diariamente, assim que a escuridão toma conta de uma das ruas mal iluminadas da Vila Alta, Lelinho caminha até a entrada da casa de um vizinho, se agacha e recolhe as sobras de alguns cigarros de maconha. Em seguida, pacientemente transforma os restos misturados à fuligem e sujeira em um “baseado”. Depois de acendê-lo, senta sobre uma calçada estreita de cimento e ignora tudo à sua volta, até mesmo a presença de outras pessoas. É surpreendente o seu empenho em se distanciar da realidade.

Um dos trabalhos feitos por Lelinho quando participava da Oficina do Tio Lú (Foto: David Arioch)

Um dos trabalhos feitos por Lelinho quando participava da Oficina do Tio Lú (Foto: David Arioch)

O artista plástico Luiz Carlos Prates já tentou ajudá-lo muitas vezes, só que o rapaz se nega a ouvi-lo. “Entrou num estado profundo de decomposição social e moral. Quando não está se drogando, ele passa muito tempo dormindo. Acorda de madrugada e fica vagando por aí”, lamenta Luiz Carlos. Na época em que comercializava crack, a entrada da casa dos avós virava ponto de venda. Sentado em uma cadeira na calçada, e entre um gole e outro de cachaça, o avô virava o rosto e fingia que não via nada. Ao anoitecer, encostavam carros, motos e bicicletas de vários bairros de Paranavaí. “Parecia um ‘enxame de abelhas’, onde tem droga tem gente. Era aquele desfile. Lá encostava cada carrão”, garante o artista plástico.

Mesmo atuando no narcotráfico, o rapaz nunca conseguiu comprar nada, inclusive se tornou laranja porque ficou devendo para a mulher que lhe deu as primeiras pedras de crack. Em uma rara ocasião o garoto apareceu na casa do artista plástico para mostrar o “presente” que recebeu. Ingênuo e orgulhoso exibiu um telefone celular. Um aparelho velho sem a tampa traseira. “Tu não vê que essa mulher só quer te usar? Ela só lucrando e você aí na merda, se afundando cada vez mais. Te deu essa porcaria pra tu avisar ela quando a polícia chega e te complicar mais ainda. Vai ficar andando todo sujo com esse chinelo de dedo velho até quando?”, disse Prates exaltado e preocupado. Mais tarde, a traficante que o introduziu no mundo das drogas foi expulsa do bairro, o que não o livrou desse caminho porque o garoto começou a trabalhar em outra “boca de fumo”. Hoje não atua mais no narcotráfico, mas ainda é perseguido pelas dívidas que contraiu com o vício.

Ontem o artista conversou com Lelinho e o irmão mais velho do rapaz. Os dois usuários de drogas saíram há poucos dias da prisão por envolvimento com furtos. “O verdadeiro malandro sou eu que estou nesta vida com 85 anos e nunca fui preso, nunca usei drogas, nunca fumei. Tu acha que é malandragem estar preso, sem liberdade pra fazer nada? Perde os melhores anos de sua vida na cadeia, uma luta inglória, não ganha nada!”, aconselhou Luiz Carlos. Para piorar, Lelinho e o irmão tiveram relações sexuais com uma moça do bairro diagnosticada com Aids. Ainda assim o jovem evita falar sobre o assunto e deixa claro o seu desinteresse em procurar ajuda médica. “Está cada vez mais seco e vive fedendo. Quem cuida das roupas dele é uma prima que busca, lava e passa. Faz até compras no mercado pra ele. Segue nessa vida de dependência química há seis anos. Não percebe que isso o destruiu”, destaca o artista plástico.

“Olha, filho da puta, quando eu crescer vou comprar um 22 e te dar um tiro na cara”

Morador da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, Lelinho começou a ficar agressivo aos sete anos, quando o pai o levava para a escola. Com o tempo o garotinho não quis mais saber de estudar. Rebelde, corria o máximo que podia, se embrenhando na mata do Bosque Municipal de Paranavaí. Para coibir as fugas, um vizinho se dispôs a ajudar. Ia atrás de bicicleta para segurá-lo, caso corresse.

Em uma das vezes que foi segurado pelo braço e não conseguiu escapar o menino esbravejou: “Olha, filho da puta, quando eu crescer vou comprar um revólver 22 e te dar um tiro na cara.” Apesar das ameaças, até hoje nunca segurou uma arma. Nem mesmo reagiu nas muitas vezes em que foi espancado depois de se tornar usuário de drogas. Quando Lelinho estava com 10 anos, o artista plástico Luiz Carlos Prates o convidou para participar da Oficina do Tio Lú, projeto que ensina crianças e adolescentes a criarem obras de madeira. O garoto concordou. Na realidade, mais do que isso, ficou eufórico. Logo se tornou um dos melhores alunos da oficina, tanto que Luiz Carlos se emociona ao se recordar da dedicação de Lelinho. “Fazia cada coisa linda. Era caprichoso demais”, lembra.

No entanto, houve um período em que o artista plástico precisou interromper a Oficina do Tio Lú para produzir obras a serem comercializadas na ExpoParanavaí. Com o fim da feira agropecuária que exigiu dez dias de dedicação do artista, Luiz Carlos procurou Lelinho e logo ficou receoso por não encontrá-lo. “Um traficante foi preso e a mulher dele assumiu a boca de fumo, então ela começou a iludir crianças e adolescentes para entrarem no esquema. Uma dessas crianças era o meu aluno que na época não tinha completado nem 12 anos”, revela. Lelinho não era mais o mesmo. Não queria mais conversar com Luiz Carlos e adquiriu o hábito de se esconder. Quando passava perto da casa do artista, atravessava a rua ou virava o rosto.

“Tentei falar com os avós do menino, contar que o comportamento dele era de um usuário de drogas. Não quiseram acreditar. Só que não demorou pra ele começar a furtar. Quando eu tentava aconselhar, justificavam que tinha gente tentando incriminar o garoto”, enfatiza Prates que até hoje não desistiu de livrá-lo do mundo das drogas. Outro agravante na vida de Lelinho é a falta de estrutura familiar. A mãe abandonou o filho e o marido para viver com outro homem. Quando o relacionamento não deu certo, o amante encomendou o assassinato da mulher. Para não morrer, ela fugiu para São Paulo e só retornou quando pararam de procurá-la. “O pai dele era um homem bom. Não posso dizer o mesmo da mãe que nunca se importou com o filho e o marido. Hoje ela circula pelo bairro como um farrapo humano e ainda virou traficante. Só anda com drogados. Não sei se está louca ou finge estar”, comenta Luiz Carlos.

Quem mais se importava com Lelinho era o pai, falecido recentemente em Arapongas, no Norte Central Paranaense, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC). De acordo com Prates, um homem trabalhador e de boa índole. O problema era o vício em cocaína, mal que o matou com apenas 36 anos. “Apesar de tudo, ainda vejo bondade no Lelinho. Se a família desse uma força, tenho certeza que conseguiriam recuperá-lo. Eles estão em negação, preferem fazer vista grossa. Não percebem que a qualquer momento o menino pode morrer de overdose ou ser morto”, reclama Luiz Carlos Prates.

Frase do artista plástico Luiz Carlos Prates

“Todo viciado é ladrão. Pode ser podre de rico, ainda assim ele sente necessidade de furtar ou roubar.”

Vivendo na Vila Alta

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Garotos de 12 anos contam histórias sobre o cotidiano em um dos bairros mais pobres de Paranavaí

A Vila Alta também é um dos bairros mais marginalizados de Paranavaí (Foto: David Arioch)

Vila Alta, um lugar onde crianças passam por situações surpreendentes (Foto: David Arioch)

No último sábado, passei a tarde toda na Vila Alta, um dos bairros mais pobres e isolados de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Foi o suficiente para ouvir muitas histórias sobre a realidade de cinco garotos de 12 anos.

Enquanto brincavam, chamei a atenção de um e perguntei se sabia o significado do símbolo na camiseta que ele vestia. Respondeu negativamente com a cabeça e sanei sua curiosidade explicando que era o logotipo da banda cristã de metalcore (uma mistura de heavy metal com hardcore) Devil Wears Prada, dos Estados Unidos.

Quando questionei sua idade, hesitou um pouco, mas contou que tem 13 anos. O amigo ao lado o corrigiu, dizendo que são 12 anos. “Vixi, você não sabe nem sua idade!”, repreendeu. O garoto que vou chamar de R. para preservar a sua identidade justificou que nunca viu os próprios documentos. “Fica tudo com minha vó, ela que sabe dessas coisas”, se defendeu enquanto coçava a cabeça.

R. continuou falando e ressaltou que foi jogado na rua pela mãe quando tinha três anos. “Ela me batia muito, não gostava de mim. Quem me tirou da rua foi minha avó. Se não fosse por ela, eu ainda ‘tava’ lá”, garante. V. aproveita a confidência do amigo para revelar que seu pai sempre bate na sua mãe. Por isso, hoje só dorme na casa da avó. “Não consigo mais dormir com eles. Não durmo em nenhum outro lugar, só na minha avó”, enfatiza.

R.: "O que mais aparece é gente chamando pra roubar alguma coisa ou vender drogas" (Foto: David Arioch)

R.: “O que mais aparece é gente chamando pra roubar alguma coisa ou vender drogas” (Foto: David Arioch)

R., que abandonou a escola, assim como outros dois garotos de uma turma de cinco amigos, já passou muito tempo nas ruas. Com nove anos, além de usuário de drogas, se tornou “laranja” do narcotráfico. “Eu roubava [furtava] também. Um dia, a gente ‘passou a mão’ em uns canos de alumínio e levamos pra uma dona de um ferro-velho. Falamos que a Copel [Companhia Paranaense de Energia] descartou tudo no “Lixão”. Era mentira. A polícia veio atrás e a gente teve de correr”, explica. As histórias de R., contadas com singela inocência e peculiar ausência de noção moral, são confirmadas por um adulto que o conhece há mais de três anos.

Acostumados a passar bastante tempo fora de casa, é costume os garotos retornarem ao convívio familiar tarde da noite. “Fico na casa do V. até as 22h. Tem época que vou embora só pra dormir”, relata R. O tempo livre é ocupado jogando bola, matando passarinhos e brincando no bosque ou em uma área conhecida como “Barragem”.

O costume de matar animais não domésticos surgiu com a fome, mas acontece também de algumas crianças fazerem isso sem justificativa aparente. “Parei porque não é legal”, comenta A. O mais intrigante é que a maneira como falam sobre o assunto não demonstra crueldade, e sim falta de referência entre certo e errado, o que é permitido ou não.

É proeminente o desconhecimento sobre a importância da vida animal. Dois garotos disseram que raptaram filhotes de quati e diversas vezes perseguiram outros animais no Bosque Municipal de Paranavaí apenas por diversão. Esse tipo de situação é incentivada pelas atitudes dos mais velhos. Exemplo é um episódio protagonizado por um pai de família que aproveitou um incêndio no bosque para matar quatro macacos-prego em fuga. Um vizinho denunciou que o homem cozinhou, assou e comeu os animais, acompanhado da mulher e dos filhos.

“Aí já aconteceu de tudo. Teve uma época que a gente vivia fumando maconha lá dentro” (Foto: David Arioch)

“Aí já aconteceu de tudo. Teve uma época que a gente vivia fumando maconha lá dentro” (Foto: David Arioch)

“Aí já aconteceu de tudo. Teve uma época que a gente vivia fumando maconha lá dentro”, salienta R. enquanto aponta em direção a um buraco feito com alicate na cerca lateral do bosque. W. aproveita a “deixa” do amigo para confidenciar que há dois anos testemunhou um assassinato na “Barragem”. “Vi uma turma matando um cara com golpes de ferro de portão. Só me falaram pra sair de lá”, garante. O local é citado pelos moradores mais velhos como uma área neutra, onde facções criminosas resolviam desavenças e se livravam de cadáveres.

Curioso, um garoto ainda mais jovem e que não faz parte da turma pergunta se estou entrevistando eles. Respondo que sim e pede para escrever que o sonho dele é ter duas armas, andar de “carrão” com uma mulher no colo e ir pra “zona” tomar pinga. “É isso que quero pra minha vida”, complementa sorrindo.

Na sequência, R. lembra que há pouco tempo achou no “Lixão” um saco de balas de revólver. “Só tinha bala vermelha”, afirma. Da turma de cinco amigos, M. é o único que não reprovou na escola e se orgulha do feito, considerado raro entre os garotos do bairro que têm a mesma faixa etária. Muitos crescem sem incentivo para estudar.

Não é tão incomum encontrar crianças se alimentando de restos no Lixão (Foto: David Arioch)

Não é incomum encontrar crianças se alimentando de restos no “Lixão” (Foto: David Arioch)

“Falam que é bobeira, que estudar não vai dar em nada. Tem pai até que proíbe de ir pra escola”, assegura R. que mal sabe ler e escrever. Também é preocupante o quadro de analfabetismo funcional. Na Vila Alta, muitas crianças leem, mas poucas assimilam o aprendizado a ponto de explicar o que entenderam. Para reforçar o problema, cito como exemplo outra ocasião em que entrevistei dez garotos e seis disseram que estudaram em sala especial.

Em contraponto, é fácil perceber que muitos jovens do bairro são espertos e tem dons que não são aproveitados ou estimulados. Crentes de que o futuro dificilmente vai melhorar, acabam aceitando o convite para ingressar no mundo do crime. “O que mais aparece é gente chamando pra roubar alguma coisa ou vender drogas. Às vezes, você decide roubar porque ‘tá’ com fome”, destaca R., acrescentando que tem crianças do bairro que passam o dia na rua procurando algo pra comer, principalmente as que vivem a dura realidade do abandono ou ausência familiar.

Um dia, me deparei com uma criança no fim da Vila Alta, no “Lixão”, sentada sobre uma placa de “vende-se”, comendo restos de comida descartados por um restaurante do Centro de Paranavaí. Ela parecia não se incomodar com a presença de um urubu se alimentando da carniça de um cachorro a alguns metros de distância. Me aproximei, dei algum dinheiro, ela agradeceu assustada e foi embora. Moradores das imediações me informaram que essa cena não é incomum. “A sua intenção foi boa, mas pode acreditar que isso não vai acabar assim. Precisamos de muita ajuda aqui”, avalia a dona de casa Maria Cândida de Oliveira.

“Sempre vejo os meninos vendendo drogas”

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Luiz Carlos Prates fala sobre a realidade dos jovens da Vila Alta

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Prates é um artista que recupera menores em situação de risco (Fotos: David Arioch)

Morador da Vila Alta, um dos bairros mais pobres de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o artista plástico gaúcho Luiz Carlos Prates há mais de 15 anos acompanha de perto tudo que acontece na comunidade, onde desenvolve um trabalho de recuperação de menores em situação de risco. Para Prates, a única forma de livrar os jovens do narcotráfico é fazendo um intenso trabalho social.

“Seu Luiz”, de 82 anos, como é mais conhecido, costuma circular com frequência pelas ruas da Vila Alta. Só em um sábado à tarde, contabilizou 13 crianças comercializando crack. “Sempre vejo os meninos vendendo drogas. É comum virar passador, bode expiatório, testa de ferro ou laranja. Mas a parte mais triste é que o destino deles nesse caminho é a cadeia ou a morte”, diz. No bairro, há casos de adolescentes com 15 anos que já se envolveram tanto com o narcotráfico que não se imaginam desempenhando outra atividade.

Prates relata com tristeza o exemplo de um adolescente para quem estava dando lições de artesanato. “Em 2011, passei por uma fase difícil e tive que interromper as aulas voluntárias por alguns dias para fazer algumas peças pra vender. Quando retomei a oficina, o menino sumiu. Fui procurar ele e descobri que um ‘traficante já tinha tomado conta’”, lamenta.

No bairro, é grande a quantidade de crianças e adolescentes fora das escolas. Muitos não têm pais e são criados pelos avós, segundo informações dos moradores da Vila Alta. “Não têm estrutura familiar e ficam disponíveis ao mundo das drogas”, avalia uma das lideranças do bairro, a catadora de recicláveis Maria de Fátima Oliveira que quando caminha pela Vila Alta sempre se depara com restos de drogas nas ruas, principalmente saquinhos de plástico com vestígios de crack.

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Maria de Fátima conta que sempre encontra vestígios de drogas nas ruas

Seu Luiz, que coordena um grupo de 12 crianças e adolescentes, afirma estar feliz por tê-los livrado do mau caminho, embora ressalte que ainda há muito trabalho a ser feito. “De todas as crianças que cuido hoje, a maioria não tem pai e mãe em casa. Mas o problema maior é que aqui no bairro não são poucos os jovens envolvidos com drogas que são filhos de desempregados, ladrões, prostitutas, traficantes e viciados”, comenta.

Como o bairro é distante da região central, o consumo de narcóticos começou por volta de 1980, de forma discreta e restrita. Mas a situação se agravou, tanto que muitas crianças conhecem a forma e o cheiro da droga. Os 12 alunos do artista plástico são um exemplo. “O meu neto de oito anos também identifica com facilidade quando estão usando alguma coisa”, complementa Maria.

L.F.B, de 10 anos, que em função da alimentação deficiente aparenta ter de sete a oito, já experimentou cola de sapateiro, tiner, éter, maconha, crack e cocaína por influência de falsos amigos. “Quando conheci não sabia nem o nome certo dos produtos. Não ‘tô’ mais nessa onda não, mas conheço muita gente que ‘tá’”, declara enquanto desvia os olhos e ajeita o boné surrado sobre a cabeça.

Luiz Carlos: "A Vila Alta sempre foi abandonada pelo poder público"

Luiz Carlos: “A Vila Alta sempre foi abandonada pelo poder público”

Seu Luiz se recorda do episódio em que um garoto estava trabalhando em uma cooperativa de recicláveis quando denunciaram ao Conselho Tutelar. “Foram até o local, tiraram o menino de lá e advertiram a cooperativa. Não apresentaram nenhuma solução, tanto que pra ganhar algum dinheiro hoje o garoto vende drogas em frente a própria casa”, relata.

Para as lideranças do bairro, até os anos 1990, a participação do Conselho Tutelar e de outras autoridades era mais efetiva. A criança ou adolescente com problemas era obrigado a assinar um documento em que se comprometia a mudar, recebendo todo o acompanhamento necessário. “Este lugar sempre foi abandonado pelo poder público. Falo da Vila Alta, não da Vila Operária. As pessoas precisam aprender a diferenciar os bairros”, desabafa Luiz Carlos Prates e sugere que o primeiro passo seja educar os moradores da Vila Alta.

O boia-fria Jurandir Oliveira defende que pessoas de outros bairros e cidades costumam cometer crimes e se refugiarem na Vila Alta. “É triste porque fica a impressão de que faz parte da comunidade, o que não é verdade. Nem tudo que acontece de ruim na cidade deve ser atribuído a nós. É injusto”, reclama.

Curiosidade

A Vila Alta tem pouco mais de três mil moradores.