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Uma mensagem de Natal
Natal, época de solidariedade entre seres humanos e aumento da crueldade contra não humanos
Uma breve reflexão de Natal
Te convido a refletir sobre o consumo de alimentos de origem animal no Natal.
Ninguém precisa da Perdigão para fazer uma boa ação
A Perdigão diz que se você comprar um Chester uma família atendida por instituições de assistência social ganha outro. Ou seja, você não paga para matar apenas um, mas dois animais. Ok. Isso parece uma bela ação, não? Mas onde estava essa iniciativa da Perdigão anos atrás? Por que apenas no ano passado eles começaram esse trabalho?
Me parece uma iniciativa baseada em uma reação há uma desaceleração no consumo e na venda do Chester. Como não está sendo fácil conquistar o estômago e o bolso dos consumidores, eles viram uma boa oportunidade de apelar ao coração. Claro, muitos poderão dizer de boca cheia: “Já fiz a minha boa ação neste Natal. Graças a mim uma família está sendo bem alimentada.”
Outro aspecto a se considerar é que essa ação reforça a equivocada ideia da importância do consumo de carne no Natal, e alça o Chester a símbolo da “boa alimentação natalina”, o que não tem qualquer respaldo substancial. Afinal, o que tem de coerente em celebrar o Natal se alimentando da morte de um animal? “Ok, mas e daí, pelo menos uma família carente vai ter o que comer no Natal e sem precisar pagar por isso.” Certo, mas será que o que essas famílias mais precisam ou desejam é um Chester?
Dizem que essa época torna as pessoas mais solidárias e fraternas. Porém, aos animais não tenho dúvida nenhuma de que a chegada do Natal marca um tempo de trevas, em que a matança cresce vertiginosamente. Ou há como negar que milhões de animais são mortos nesse período? Uma suposta boa ação em prol de seres humanos deveria justificar isso? Não há alternativas?
O Chester, com seu parco valor existencial atrelado a datas comemorativas e à marca Perdigão, é uma criatura que vive em média 50 dias antes de ser degolado, sangrado, escaldado, depenado, eviscerado e resfriado. Claro, me refiro aos machos, porque as fêmeas são mortas com 35 dias. Imagine como seria viver por tão pouco tempo.
Acredito que ninguém precisa da Perdigão para fazer uma boa ação em qualquer época do ano. Basta se inteirar da realidade local, agir por conta própria ou se juntar a grupos de voluntários. Muitas vezes não é necessário nem dinheiro, mas somente tempo livre e vontade de ajudar.
Mais um especial de Natal da Sadia
Tradicionalmente, nesta época, muitos se emocionam com o comercial da Sadia, um especial de Natal, mas poucos se sensibilizam com os animais reduzidos a produtos. Alegria, família, crianças sorrindo, abraços, confraternização, uma verdadeira lição de harmonia e fraternidade. Muito amor envolvido. Embalagens bonitas, rótulos bem elaborados, tudo para dissociar o que se come da realidade.
E claro, um peru feliz divulgando a própria carne, como se estivesse se oferecendo para morrer. Como sempre, uma utopia que vela uma distopia. Afinal, a realidade do peru e de outros animais mortos, embalados (inteiros ou não) e servidos sobre uma mesa funestamente colorida, a Sadia e nenhuma outra indústria alimentícia faz questão de mostrar.
A realidade do pato antes de chegar ao prato
Um animal que também entra na lista dos mais procurados para o Natal é o pato. Claro, preferido enquanto comida. Entre as receitas mais populares envolvendo esse ser senciente, consciente e inteligente está o “Pato ao Molho de Laranja”, em que depois de morto nos primeiros meses de vida, ele é preparado cozido ou assado. Em vez de adorná-lo com fatias de laranja, há quem goste de colocá-lo também em uma travessa rodeada por batatas, cheiro verde e outros belos e nutritivos alimentos do reino vegetal que ajudam a criar um cenário mais favorável de dissimulação estética.
Será que muitas pessoas já refletiram conscienciosamente sobre a maneira como esse animal foi parar no forno ou na panela de alguém? Como era a sua vida antes de ser reduzido a alimento? Acredito que poucos pensem a respeito. Nem mesmo aqueles que criam esses animais com essa finalidade, já que há uma dissociação predominante que faz com que o animal não seja visto como um sujeito de uma vida, como diria Tom Regan, o que favorece a sua morte.
Embora muita gente ignore, patos são animais bastante sociáveis que costumam ser abatidos com três a cinco meses de vida; isto porque com essa idade a sua carne é muito mais macia. Ou seja, mata-se precocemente um animal que poderia chegar aos dez anos porque a sua carne é considerada “saborosa”. Uma nobre justificativa, não?
Antes do abate, os patos são deixados em jejum por um período mínimo de seis horas. O objetivo é favorecer o esvaziamento gástrico, assim facilitando a limpeza da “carcaça”. Segundo produtores de patos, o conteúdo do intestino dessas aves pode amargar e comprometer a qualidade da carne. Então eles são deixados com fome para que possamos nos deliciar com a sua carne não comprometida por uma necessidade fisiológica.
Um dos meios mais eficazes e comuns de se abater patos é por meio da degola, que costuma ser feita com faca ou com um machado. Depois de morto, o pato é deixado de cabeça para baixo até o sangue escoar completamente. Em matadouros especializados, ele é pendurado sobre grilhões, assim como frangos, galinhas, perus e outras aves.
A próxima etapa é a depenagem, que consiste em mergulhar a carcaça do animal em água quente por dois minutos. O pato também é decapitado, seus intestinos são esvaziados e seus órgãos, vulgarmente chamados de “miúdos”, são retirados e também comercializados. Recomenda-se nessa etapa o máximo de cuidado porque se houver algum rompimento da vesícula biliar, a carne estará perdida. Muito sensível, não?
Mais tarde, ele é comprado, e já dissociado de uma vida, é preparado cozido ou assado para o deleite de uma família que jamais conheceu a sua história ou considerou o seu desejo de não morrer. Toda essa cultura de abate de patos e desconsideração do valor de suas vidas enquanto seres sencientes não tem uma razão plausível.
Um exemplo científico? Em 15 de junho de 2016, foi publicado na prestigiada revista Science um artigo intitulado “Ducklings imprint on the relational concept of ‘same or different”, de Antone Martinho III e Alex Kacelnik, do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford, na Inglaterra. No artigo, eles afirmam que patos, além de serem animais sensíveis, são capazes de reconhecer a própria mãe 15 minutos após o nascimento.
O estudo provou que os patos têm capacidade de abstração cognitiva, tanto que sem qualquer tipo de treinamento, eles conseguiram distinguir pares de objetos iguais e diferentes. Ou seja, como se fosse um quebra-cabeças. A pesquisa deixou claro que subestimamos a inteligência animal e ignoramos o quanto os patos são seres capazes. Claro que não estou citando esse exemplo para associar inteligência com direito à vida, até porque inteligência não é parâmetro de direito à vida.
Porém o reconhecimento científico da inteligência dos patos mostra como estamos imersos em uma cultura tão especista, de objetificação animal, que levamos tempo demais para começar a reconhecer algo que deveria ser óbvio. Sendo assim, te convido a refletir sobre isso quando for se alimentar de um animal.
Dezembro é o mês mais violento para os animais
Dezembro é o mês mais violento para os animais. O mês em que é celebrado o Natal, o espírito natalino, um tempo de paz, é marcado por muita violência. Mas como assim? É em dezembro que a demanda por carne é muito superior a de qualquer outro mês. Há muitas encomendas, de animais inteiros, com olhos, com boca, decapitados, eviscerados, fatiados, etc. Vai do gosto e da (in)sensibilidade do freguês.
Pelo menos no Ocidente, é costume as pessoas encherem os carrinhos de carne nessa época do ano. Compram quilos e mais quilos de aves, bovinos, suínos, ovinos, caprinos e “peixes nobres”, preparados das mais diferentes maneiras. Em muitas casas, é possível juntar pedaços de animais e fazer um presépio. “É preciso oferecer uma mesa farta”, dizem apontando para uma grande variedade de carnes, que nada mais são do que partes fatiadas ou inteiras, e normalmente assadas, de espécies mortas (você pode preferir abatidas) para a celebração do nascimento de Jesus.
Segundo a tradição cristã, quando Jesus nasceu, os animais estavam bem próximos à manjedoura, e o calor de seus corpos o aqueceu. Atualmente, no Natal, são as pessoas que aquecem os corpos desses animais, mas nas brasas da churrasqueira, no forno, na grelha. Com a chegada do Natal, mais do que nunca, bebês, pais e mães de outras espécies são servidos sobre uma mesa.
Antes há muitos abraços. As pessoas desejam o melhor umas às outras, menos aos animais, que devem continuar cumprindo o seu papel enquanto comida, e sendo rejeitados como seres sencientes e conscientes. Às vezes, com sorte, pode ser que dividam o mesmo espaço sobre a mesa. Claro, não na mesma forma ou travessa, mas talvez nas imediações, pedaços sem vida combinando a poucos centímetros. Seria uma baita coincidência, não? Talvez um gesto inconsciente de bonomia? Difícil dizer.
No Natal, o espírito de solidariedade e fraternidade emerge como nunca. Sorrisos, lembranças e olhares que miram grandes pedaços de carne, mas que se recusam a racionalizar que cada fragmento já foi parte de uma vida; da vida de uma criatura que até o seu último momento não desejou morrer precocemente, assim como qualquer outro animal, humano ou não.
Será que o bacalhau sofre antes de morrer? Com certeza!
Outro animal que costuma compor a ceia de Natal é o bacalhau, que por ser um peixe é subestimado enquanto ser senciente. Afinal, será que ele sofre antes de morrer? Com certeza. Assim como outros peixes, o bacalhau agoniza fora da água e morre asfixiado. E claro, ele não se entrega de bom gosto. O peixe luta pela vida o máximo que pode, assim como qualquer um de nós faríamos na iminência da morte.
A espécie mais tradicional de bacalhau, o bacalhau-do-atlântico ou gadus morhua, tem uma expectativa de vida de 25 anos. Porém, devido à intervenção humana, dificilmente ele passa dos primeiros anos de vida. Depois de capturado, se estiver dentro do peso almejado, o bacalhau é degolado e tem sua barriga aberta. Após a retirada das vísceras e guelras, o animal é decapitado.
Então o abrem ao meio, retiram parte da espinha dorsal, o lavam e o cobrem com sal antes de expô-lo ao sol. Depois de passar por uma desidratação de mais de 50%, o peixe é comercializado e consumido. Embora cientistas não possam dar uma resposta definitiva sobre os níveis de consciência dos peixes, tudo indica que, além da senciência semelhante a dos mamíferos, o bacalhau tem uma singular sofisticação comportamental e cognitiva.
Mas, claro, são fatores pouco divulgados e costumeiramente ignorados. O bacalhau costuma ser visto apenas como uma “iguaria” a ser servida frita, assada, cozida ou grelhada, e sempre em pedaços, sem qualquer enfática associação com um animal. A maior prova disso é que a maioria das pessoas que consome o bacalhau não sabe citar quais espécies marinhas que lhe deram origem.
A maioria também desconhece o fato de que o gadus morhua, o melanogrammus, o micromesistius e o pollachius, espécies identificadas como “bacalhau” estão na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Ou seja, consumir bacalhau é também uma forma de aproximar essas espécies da extinção.
Isso não é fato recente. Segundo a revista científica The Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences, as populações de bacalhau começaram a entrar em colapso na década de 1990. Outro ponto crítico é que há muito tempo o bacalhau é capturado e condicionado a viver em cativeiro por até dois anos, ou seja, distante do seu habitat, simplesmente engordando até o momento do abate.
No artigo “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, publicado na revista Animal Cognition, o professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sidney, na Austrália, escreveu que peixes como o bacalhau têm suas próprias tradições, inteligência sofisticada e capacidade de cooperação e reconciliação, além de facilidade em reconhecer uns aos outros.
“O nível de complexidade mental deles está no mesmo nível de outros vertebrados, e há evidências de que eles podem sentir dor de maneira semelhante aos seres humanos”, registrou. Será que não deveríamos incluí-lo no nosso círculo moral? Ou seja, não faltam motivos para reconhecer que o bacalhau é um peixe que também tem direito à vida e não merece ser reduzido a alimento.
A trajetória do cordeiro até ser reduzido a alimento no Natal
O cordeiro é outro animal que costuma ir para a mesa no Natal. Há desde receitas como o “Pernil de Cordeiro com Batatas Assadas” até a “Paleta de Cordeiro Gourmet” e o “Carré de Cordeiro em Crosta de Erva”, estes dois últimos considerados “pratos nobres”. Claro, além de outros. Mas será que a maioria das pessoas conhece todo o processo até esse animal ser servido como se jamais tivesse vivido?
No Brasil, o desmame mais usual é o semiprecoce, findado quando o cordeiro está com 45 a 90 dias de idade, e peso mínimo de 23 quilos. Afastado de sua mãe, o animal é confinado por dois meses. O objetivo é fazer com que ganhe até 300 gramas de peso por dia. A dieta é mantida até o filhote de carneiro completar pelo menos 100 dias, chegando a até 42 quilos. Porém a engorda pode chegar a cinco meses, dependendo da raça.
Após um período de jejum de 16 a 24 horas, o abate é feito com um porrete ou uma pistola pneumática. O cordeiro é imobilizado e recebe uma pancada extremamente violenta na cabeça, ou então é acionado um dispositivo que atinge o seu cérebro como uma agulha grossa, o deixando atordoado. Assim que cai, é pendurado sobre grilhões pelas patas traseiras e degolado. O sangue desse filhote de poucos meses, que se debate durante o abate, é usado na culinária.
Depois de sangrado, esfolado, eviscerado, decapitado, além de ter suas patas e glândulas mamárias removidas, extrai-se os rins. Do rabo, são mantidas algumas poucas vértebras. Suas partes não comestíveis são descartadas no lixo, como se não houvessem razão para existir. Então o cordeiro é refrigerado até esfriar, quando se inicia o processo de corte.
Morto ainda muito jovem, ele poderia chegar aos 20 anos caso não fosse reduzido a produto. Depois de esquartejado, seus pedaços são vendidos no atacado e no varejo – os mais procuradas são o lombo, pernil, costela, picanha, peito, ombro e braço. Essas são as partes que as pessoas mais gostam de consumir e que são provenientes de uma criança de outra espécie.
“Mate-o e tire os cascos e miudezas do cordeiro. Misture a farinha, sal, água, ovo, gengibre e pimenta em pó”, sugere uma receita de cordeiro inteiro assado, indicada para o Natal, um tempo de paz.
Milhões de perus são mortos a cada Natal no Brasil
No Brasil, são mortos cerca de oito milhões de perus a cada Natal. Desse total, aproximadamente 90% é comercializado pela BRF, segundo a própria empresa. São milhões de vidas ceifadas para saciar o “paladar natalino”. Geralmente a ave, que viveria naturalmente até os 15 anos, é morta com pouco mais de dois meses, e peso que varia de três a seis quilos, considerado o ideal para o Natal.
As fêmeas são as preferidas porque não crescem tanto quanto os machos, assim tendo maior aceitação comercial nessa época do ano. Quando atingem o peso almejado pela indústria, os perus são deixados em jejum, para favorecer o esvaziamento gástrico. Depois são transportados até o matadouro em gaiolas apertadas sobre caminhões.
Ou seja, tudo em prol da carne, e nada em benefício do animal, mesmo que ele esteja próximo de seu fim. Chamam isso de “bem-estar animal”, desde que a ave tenha vivido por curto período em algum espaço que a permitisse mover, mesmo que desconfortavelmente, as asas e os pés. O estresse do confinamento intensivo normalmente é desconsiderado.
No matadouro, o abate é feito introduzindo uma faca de dois gumes pela garganta do animal, assim cortando as artérias e as veias do pescoço enquanto ele se debate de cabeça para baixo, com os pés presos por grilhões. Mais tarde, o peru é depenado em água bem quente, limpo, embalado e comercializado como qualquer produto jamais dotado de vida. Em pouco tempo, ele é comprado e servido no dia em que é celebrado no Ocidente o nascimento do menino Jesus.
Ao redor da mesa, as pessoas não verão nada de errado em se alimentar dessas criaturas. Dificilmente alguém vai dedicar tempo refletindo sobre a vida de quem repousa como alimento sobre a mesa. Afinal, o que tem errado em colocar o paladar acima da empatia?
Celebrar a vida com a morte, financiar a crueldade contra outros animais, há muito tempo se tornou parte da humanidade. Talvez possa parecer estranho, mas é exatamente isso que endossamos o ano todo. Claro, mais ainda em época de “espírito natalino”, um período sempre marcado pelo aumento exponencial de mortes de animais não humanos.