David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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A queda da ponte do Rio Santo Anastácio

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Pioneiros de Paranavaí tiveram de reconstruí-la em 1927

Local onde 300 famílias passaram sufoco em 1927 (Foto: Reprodução)

Em 1927, o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros teve de viajar até Pirapora, Minas Gerais, para buscar 300 famílias de migrantes para levar à fazenda que se tornaria a cidade de Paranavaí. Entretanto, a viagem foi interrompida por causa da queda de uma ponte.

Paranavaí era apenas uma fazenda situada no Norte do Paraná nos anos 1920, e que fazia parte da Gleba Pirapó, administrada pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), à época conhecida apenas como “Companhia Brasileira”. Inclusive por tal motivo, após 1930, a  área foi chamada de Fazenda Brasileira, uma pequena colônia que começou a se desenvolver em 1924, sob coordenação de Joaquim da Rocha Medeiros que naquele tempo tinha apenas 28 anos. Foi o jovem engenheiro agrônomo quem teve de viajar até Pirapora, no Norte de Minas Gerais, onde 300 famílias o aguardavam para trabalhar como colonos na área rural da Vila Montoya.

Medeiros conheceu a futura Paranavaí em 1924 (Foto: Reprodução)

Para trazer toda aquela gente a Paranavaí, Medeiros alugou um trem especial que levava passageiros até Presidente Prudente, no Oeste de São Paulo. A viagem foi interrompida por causa de chuvas torrenciais que se prolongaram por mais de um mês, causando enormes estragos. “A nossa sorte é que ficamos sabendo que a nove quilômetros havia dois galpões para a criação de bicho da seda que estavam abandonados. Também havia outras coberturas desocupadas. Lá, conseguimos acomodar todo mundo”, relatou o engenheiro agrônomo em um registro pessoal sobre a colonização do Norte do Paraná.

Quando a chuva cessou, Joaquim Medeiros chamou a atenção de todos e explicou que logo chegariam a uma estrada de terra próxima do Rio Santo Anastácio. Por azar, um pouco mais adiante havia uma ponte de madeira que não resistiu às chuvas e cedeu, indo por água abaixo. De acordo com o engenheiro, logo voltou a chover e tiveram de voltar aos barracões. “À nossa esquerda, as terras se resumiam a um massapé preto numa densa mata”, comentou Medeiros.

Estrada percorrida pelas 300 famílias de colonos (Acervo: Diederichsen & Tibiriçá)

No local onde a ponte caiu, o engenheiro selecionou o maior número possível de homens para ajudar a reconstruí-la, pois não havia nenhum outro meio de atravessar tanta gente pelo Rio Santo Anastácio. Além disso, não podiam abandonar os veículos usados no transporte dos colonos. “Fizemos nove quilômetros de estiva e depois iniciamos a transposição até a área do cerrado”, relatou Joaquim da Rocha, acrescentando que foi um trabalho surpreendente, que jamais seria completado com êxito se não fosse pelo tanto de pessoas dispostas a ajudar.

Mais tarde, os centenas de migrantes enfrentaram outro problema. Os caminhões atolavam com extrema facilidade no solo do arenito Caiuá, o que afetou tanto a viagem que entre atolar e desatolar os veículos passou-se uma semana. “Só mesmo o nordestino para suportar tanto desconforto”, admitiu o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros. Na fazenda da Companhia Brasileira, futura Paranavaí, os migrantes trazidos de Pirapora foram responsáveis pelo plantio e alinhamento de 1,2 milhão de cafeeiros, tendo somente a ajuda de 20 caminhões Ford.

Mapa da área que pertencia a Braviaco nos anos 1920 (Foto: Reprodução)

Saiba Mais

O pioneiro e engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros que conheceu a futura Paranavaí em 1924 nasceu em Alcobaça, no Sul da Bahia, em 16 de dezembro de 1895. O engenheiro faleceu em 15 de setembro de 1978, aos 82 anos, em São Carlos, na região central de São Paulo.

Medeiros foi Secretário da Agricultura da Bahia, no governo de Landulpho Alves de Almeida. Ficou conhecido por modernizar a agricultura baiana tendo como modelo a agricultura estadunidense.

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Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira

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Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema

Paranapanema, cenário de muitos crimes nos tempos da colonização (Foto: Reprodução)

Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.

A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.

No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.

No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.

Frutuoso Sales vivenciou período mais obscuro da história local (Foto: Reprodução)

Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.

No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.

Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.

A morte à espreita no Rio Paranapanema

De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.

Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.

Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.

O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.

Curiosidade

Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.

Aeroclube unia a população de Paranavaí

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Bailes e festas uniam a comunidade (Foto: Reprodução)

Em 14 de dezembro de 1952, quando Paranavaí se tornou município, já havia uma sociedade bastante heterogênea. Imigrantes europeus, asiáticos e pessoas de Norte a Sul do país se mudavam para o Noroeste do Paraná em busca de estabilidade financeira.

À época, viviam aqui portugueses, italianos, alemães, japoneses, gaúchos, catarinenses, nordestinos, paulistas e mineiros. Segundo o empresário e pioneiro Ephraim Machado, no início da década de 1950, o maior problema era estabelecer relações sociais em meio a tanta diversidade.

“A situação era inédita porque os gaúchos, por exemplo, eram muito festivos enquanto que os nortistas não eram muito sociáveis. Esse era o tipo de sociedade que havia na época”, explica Machado, acrescentando que quando chegou a Paranavaí, no final da década de 1940, não havia mais do que 50 casas.

“Pra mim, essa variedade já representava uma evolução. Mas a maior dificuldade mesmo era a falta de entretenimento. Lembro que por causa disso não havia muita interação entre as pessoas, cada um ficava mais próximo dos seus”, relata o pioneiro que considera o Aeroclube de Paranavaí um marco na história das relações sociais da população local.

Com o surgimento do Aeroclube (atual Tênis Clube), o primeiro clube local, houve uma mudança radical. O espaço contribuiu para um melhor relacionamento da população, já que lá as pessoas podiam se conhecer melhor durante as festas, bailes e outros eventos. “Antes era diferente porque cada um comemorava suas festas dentro de casa, então era algo privado, não pra todos”, assinala Ephraim Machado, ex-presidente do extinto Aeroclube.

Na década de 1960, alguns pioneiros trilharam o mesmo caminho e fundaram outros clubes. “Depois melhorou muito mais, já tínhamos diversas opções. Não era mais necessário sair da cidade pra encontrar diversão”, pontua o pioneiro.

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