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Quando a população ignorou o futuro governador

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O dia em que Bento Munhoz da Rocha Neto falou sozinho no centro de Paranavaí

Discurso em prol da pecuária despertou a antipatia da população (Foto: Toshikazu Takahashi)

Discurso em prol da pecuária despertou a antipatia da população (Foto: Toshikazu Takahashi)

Em 1950, durante a campanha para governador do Paraná, Bento Munhoz da Rocha Neto fez uma visita a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde criticou a cafeicultura e falou sobre as possibilidades de prosperidade da pecuária extensiva na região do arenito Caiuá. Antes de terminar o discurso, a população foi embora e o deixou falando sozinho.

Bento Munhoz da Rocha Neto deu início ao discurso afirmando que a cafeicultura, implantada desde a época da Vila Montoya, pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), “deu o que tinha que dar” e que era mais do que hora do café ser substituído pelo gado. Usou como justificativa não apenas o rendimento que o gado poderia proporcionar, mas também a fragilidade do solo arenoso.

Segundo o então futuro governador, a lavoura aliada as chuvas castigaram demais as terras do Noroeste Paranaense. Hoje, avaliando o discurso de Rocha Neto e o comparando a realidade atual, pioneiros afirmam que Bento Munhoz veio a Paranavaí para ludibriar os mais humildes e abrir espaço para os latifundiários. “Como que uma pessoa que tinha uma rocinha e tirava dela apenas o sustento pra sobreviver ia ter condição de criar boi?”, questiona o pioneiro João Mariano.

Por isso, no dia da visita, em discurso no centro da cidade, ninguém gostou das palavras de Rocha Neto. Depois de tanto elogiar a pecuária e criticar a cafeicultura, toda a população, já irritada pelo desdém do futuro governador a uma cultura que existia em Paranavaí há mais 20 anos, o deixou falando sozinho, com exceção de um engraxate que só continuou ali na esperança de amealhar algumas moedas.

Rocha Neto chegou a Paranavaí sem ter a mínima noção da importância da cafeicultura para a população (Foto: Reprodução)

De qualquer modo, Bento Munhoz da Rocha Neto parecia prever o futuro. Ainda assim, ninguém esperava que as pequenas propriedades rurais de Paranavaí seriam substituídas pelos latifúndios. A previsão se concretizou, tanto que a partir de 1962, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pecuária ampliou as desigualdades sociais que eram bem menores na época da Fazenda Brasileira e Colônia Paranavaí. Naquele tempo, a administração pública limitava a distribuição de terras para tentar conter a formação de latifúndios e a política de base coronelista.

“Quando a Brasileira estava sendo colonizada de novo, na década de 1940, o Francisco de Almeida Faria, tio do Ulisses Faria Bandeira [ex-prefeito de Paranavaí], era o responsável por colonizar o povoado. Uma vez, ele chamou todo mundo lá na inspetoria e disse: ‘essa terra é só pra brasileiro nato, e para os pobres, os humildes’”, lembrou o pioneiro paulista João da Silva Franco em entrevista à Prefeitura de Paranavaí e registra no livro “História de Paranavaí”, de Paulo Marcelo Soares da Silva. Anos depois, ninguém mais defendeu o ideal dos colonizadores.

Com a implantação da pecuária em Paranavaí houve um esvaziamento populacional sem precedentes. Milhares de colonos foram expulsos do campo. Sem ofertas de trabalho na área urbana, não tiveram alternativas, foram obrigados a ir embora. Para se ter uma ideia do impacto da pecuária, até 1960 havia mais de 300 mil trabalhadores rurais vivendo na região de Paranavaí e 20 anos depois o total caiu para pouco mais de 70 mil, segundo informações do IBGE.

Saiba Mais

Mesmo sem contar com grande apoio da população de Paranavaí, Bento Munhoz da Rocha Neto foi eleito governador. Assumiu o Governo do Paraná de 1951 a 1955.

Curiosidade

O nome oficial do Colégio Unidade Polo é Colégio Estadual Professor Bento Munhoz da Rocha Neto em homenagem ao ex-governador.

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A velha jardineira deixou saudades

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Catita e Pavão foram os principais meios de transporte em Paranavaí nos anos 1940 e 1950

Jardineira chegou a Paranavaí graças ao empresário Celso Garcia (Foto: Reprodução)

Jardineira chegou a Paranavaí graças ao empresário Celso Garcia, de Londrina (Foto: Acil)

O antigo ônibus jardineira da Viação Garcia deixou muitas saudades para os pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. São lembranças que começam em 1939, quando a empresa de transporte londrinense começou a investir na Fazenda Brasileira, atual Paranavaí.

Até 1938, todos os pioneiros que se aventuravam na Brasileira chegavam ao povoado de jipe, caminhão, carroça, cavalo ou a pé. A escassez de estradas, e também o fato da colônia se situar em uma área isolada, fazia com que somente os corajosos viessem para cá.

O pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles contou em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás que o povoado estava distante do resto do Paraná. “A gente tinha que viajar até Presidente Prudente [interior de São Paulo], daí lá pegava um trem até Ourinhos e depois a cavalo ou a pé ia pra Tibagi [no Centro Oriental Paranaense]. Dava toda essa volta pra chegar em outras cidades do Paraná”, contou.

Foi assim até 1936, quando o Capitão Telmo Ribeiro reabriu a Estrada Boiadeira ligando Paranavaí ao resto do Paraná. Três anos depois, a iniciativa despertou o interesse do empresário Celso Garcia Cid que viu grande viabilidade comercial no povoado. Em 16 de dezembro de 1939, o empreendedor que atuava no ramo de transportes há cinco anos inaugurou a linha Londrina-Fazenda Brasileira. Naquele dia, Celso Garcia conduziu a jardineira “Catita”, adaptação de um caminhão Ford TT de 1933, até o seu destino.

Muitos pioneiros chegaram à Brasileira no “Pavão”

Segundo o ex-prefeito Ulisses Faria Bandeira, em entrevista à prefeitura há algumas décadas, a viagem teve início às 17h30. “Chegamos aqui por volta das 14h do dia seguinte”, afirmou. Além de Faria Bandeira, entre os passageiros da primeira viagem da Viação Garcia a Paranavaí, estavam o prefeito de Londrina, João Lopes, e o fazendeiro Humberto Alves de Almeida.

Os viajantes logo apelidaram a estrada Londrina-Fazenda Brasileira como “Túnel Verde” por causa da mata densa e virgem que predominava na região Noroeste do Paraná. De acordo com pioneiros, o cenário era tão bonito que chegava a ser inacreditável. Durante o percurso era comum muitos mosquitos e borboletas invadirem a jardineira nas imediações da Capelinha, atual Nova Esperança.

Os insetos circulavam livremente no interior do veículo. “Isso acontecia porque os ônibus eram abertos como bondes”, relatou o pioneiro Oscar Gerônimo Leite. Por um bom tempo, o Governo do Paraná bancou as despesas da Viação Garcia, pois a demanda era pequena e a realização de duas viagens por mês não cobria o investimento.

O “Pavão” da Brasileira

Durante a Segunda Guerra Mundial, o ônibus que mais fez a linha Londrina-Paranavaí era conhecido como “Pavão”. O ônibus movido a gasogênio era econômico, ideal para o período de guerra que ficou marcado pelo racionamento de combustível. Na década de 1940, o veículo chegava a Paranavaí em 16 horas.

Viagem de Londrina a Paranavaí durava até 18 horas

Por vários anos, a Viação Garcia transportou passageiros que não tinham condições de comprar passagem. Cada um pagava conforme podia, até mesmo com galinhas. Quando chovia durante a viagem, o motorista encostava o ônibus e amarrava correntes nos pneus para evitar que atolasse. “Lembro que uma vez a gente levou oito dias de Londrina até aqui. Cheguei com os peitos doendo de ajudar a empurrar um carro velho da Garcia pelo picadão”, revelou o pioneiro José Francisco Siqueira, conhecido como Zé Peão.

O pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros disse que nunca se esqueceu das viagens com o “Pavão”. “A gente tinha que atravessar um barro preto lá perto de Mandaguari e depois o areião de Maringá pra cá”, assinalou. Muitos pioneiros chegaram a Paranavaí com a jardineira. Alguns exemplos são o catarinense Carlos Faber, o gaúcho Severino Colombelli e os mineiros Enéias Tirapeli e José Antonio Gonçalves.

Naquele tempo em que as viagens duravam de 17 a 18 horas, o “Pavão” nunca deixou de cumprir a linha, nem quando havia só dois ou três passageiros. Com o passar dos anos, a demanda aumentou e a Garcia quadruplicou o número de viagens. “Em vez de duas por mês, ampliou para duas por semana”, enfatizou a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger.

Ônibus também trazia notícias (Foto: Francisca Schueroff)

Com as jardineiras não chegavam apenas pessoas, mas também informações, conforme palavras da pioneira Inês Colombelli. “Sempre às 11h e às 14h, mulheres e crianças corriam até os ônibus para saber das notícias”, explicou. Era o único jeito da população se informar sobre o que acontecia no Paraná, no país e no mundo.

Frases dos pioneiros sobre a época das jardineiras

Joao da Silva Franco

“A jardineira era velha, não era estofada, e se entrasse de um lado saía do outro.”

Cincinato Cassiano Silva

O ônibus era todo aberto e só com as bancadas pregadas, e duro que nem pau.”

Salatiel Loureiro

“O fundador da primeira empresa de ônibus da Brasileira foi o Manezinho. Esse coitado acabou em nada e os ônibus dele não aguentavam nem fazer daqui até o Porto São José.”

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