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Flaubert e o julgamento que popularizou Madame Bovary

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O escritor dividiu a bancada dos réus com “batedores de carteira” e jovens acusados de pederastia

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Flaubert não gostou quando a Revue de Paris fez alterações substanciais em sua novela (Imagem: Reprodução)

O escritor francês Gustave Flaubert publicou Madame Bovary em 12 de abril de 1857. Mas a obra jamais despertaria tanta atenção na época se não tivesse sido considerada subversiva, o que levou o autor a um dos julgamentos mais famosos da literatura francesa.

Com tanto alarido em torno do livro, Flaubert conseguiu publicidade gratuita e Madame Bovary rapidamente se tornou um sucesso. A primeira novela exigiu cinco anos de dedicação do escritor e um retorno de 800 francos, uma quantia insignificante se levarmos em conta que só o estenógrafo que atuou em seu julgamento cobrou o mesmo valor por duas semanas de trabalho.

Porém, apesar do prejuízo, a novela e o julgamento fizeram a reputação de Gustave Flaubert, mais tarde reconhecido como criador de um novo estilo de escrita, com rítmica versada e precisão que remetia à linguagem científica. Com o veredito a seu favor, o escritor conseguiu assegurar que ninguém comprometesse o retrato detalhista e inédito na literatura francesa de uma realidade considerada “ignóbil” e tão costumeiramente velada em Paris.

Tudo começou quando Flaubert quis publicar sua obra na revista Revue de Paris e recebeu a resposta de que Madame Bovary precisava passar por cortes. “Você enterrou seu romance sob uma pilha de detalhes supérfluos. Ele não é claro o suficiente, porém é uma tarefa fácil que daremos a alguém experiente e inteligente. O trabalho vai custar 100 francos”, informaram.

Durante a sessão, o escritor foi obrigado a ouvir como o seu trabalho era de “mau gosto”, um tipo desprezível de “poesia do adultério” (Arte: Reprodução)

Durante o julgamento, o escritor foi obrigado a ouvir como o seu trabalho era de “mau gosto” (Arte: Reprodução)

A revista acabou publicando o livro em partes e fez alterações que não foram aprovadas pelo escritor. Quando soube, Flaubert exigiu que a Revue de Paris divulgasse uma nota em que ele deixava clara a sua reprovação. Logo que a crítica foi publicada, as autoridades francesas acusaram todos os envolvidos de ofensa à moral pública.

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Primeira versão de Madame Bovary, lançada em 1857 (Foto: Reprodução)

No dia do julgamento, Flaubert dividiu a bancada dos réus com “batedores de carteira” e jovens acusados de pederastia. Durante a sessão, o escritor foi obrigado a ouvir como o seu trabalho era de “mau gosto”, um tipo desprezível de “poesia do adultério”. Ainda assim conseguiu a absolvição e sua obra acabou eternizada na história da literatura mundial.

De acordo com o escritor canadense e professor de literatura Steve King, dentro de um ano, mais uma vez a vida imitou a arte. Em Hamburgo, na Alemanha, os veículos que transportavam as prostitutas começaram a ser chamados de Bovaries.

Madame Bovary

Infeliz no casamento, Emma Bovary é uma mulher sonhadora que vive no interior da França e se vê limitada por uma vida partilhada com um homem de fraca personalidade. Então ela decide mudar a própria realidade, deixando de ser apenas uma lastimosa dona de casa. Com características de heroína e anti-heroína, a senhora Bovary é a protagonista de um retrato fiel que revela a crise existencial de tantas pessoas trilhando caminhos que não são os seus, amargando um presente que antecipa um futuro indesejável.
Além disso, o que fez Madame Bovary ser considerada a maior obra-prima de Flaubert foi a sua originalidade em explorar com acuidade a condição psicológica de seus personagens, caminho que mais tarde seria percorrido por nomes como James Joyce, Marcel Proust, Virginia Woolf e Clarice Lispector. Em síntese, Flaubert se lançou substancialmente dentro da novela, tanto que ele costumava dizer: “Madame Bovary c’est moi”. Ou seja, “Madame Bovary sou eu”.

Saiba Mais

Gustave Flaubert nasceu em 12 de dezembro de 1821 e faleceu em 8 de maio de 1880 em decorrência de uma hemorragia cerebral.

Além de Madame Bovary, outras obras que fizeram a fama de Flaubert são Salambô e A Educação Sentimental.

O livro Madame Bovary foi adaptado para o cinema pela primeira vez em um filme de Albert Ray, lançado em 1932. Porém, aquela que ficou conhecida como a melhor versão surgiu em 1949 com o cineasta Vincente Minnelli. Em 2014, e sob direção de Sophie Barthes, a obra foi relançada no cinema com um elenco composto por Mia Wasikowska, Henry Lloyd-Hughes, Paul Giamatti e Ezra Miller.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Laurence M. Porter, Eugène F. Gray. Gustave Flaubert’s Madame Bovary: a reference guide. Greenwood Publishing Group (2002).

Gustave Flaubert’s Life, Madame Bovary, Alma Classics edition (2010).

Gustave Flaubert, Francis Steegmüller (1980). The Letters of Gustave Flaubert: 1830–1857. Harvard University. 

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Uma metamorfose social

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Lord of the Flies mostra como a necessidade de sobrevivência transforma as pessoas

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A liderança de Ralph encontra resistência no autoritarismo de Jack (Foto: Reprodução)

Lançado em 1990, Lord of the Flies, inspirado no livro homônimo de William Golding – vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, é um filme do cineasta inglês Harry Cook que chegou ao Brasil com o título O Senhor das Moscas e mostra como a necessidade de sobrevivência transforma os seres humanos. Na obra, um grupo de crianças resiste a uma queda de avião no oceano e encontra abrigo em uma ilha.

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No início, os garotos seguem um programa diário de direitos e deveres (Foto: Reprodução)

Logo nos primeiros dias, Ralph (Balthalzar Getty), o mais maduro dos garotos, demonstra aptidão para a liderança, deixando claro, apesar da pouca idade, que o melhor meio de sobreviver e manter o equilíbrio é seguindo um programa diário de direitos e deveres. Para Ralph, todos na ilha desempenham papel importante e insubstituível, o que remete à democracia.

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Situação sai de controle quando Jack se torna líder (Foto: Reprodução)

Contudo, Jack (Chris Furrh) antagoniza o idealismo de Ralph. Assim como muitos líderes se aproveitaram de um momento de fraqueza de suas nações para instituir um sistema ditatorial, Jack faz o mesmo na ilha. Com a proposta de oferecer caçadas e brincadeiras aos comparsas, o garoto consegue persuadir quase todos os seguidores de Ralph, com exceção de Simon (James Badge Dale) e Piggy (Danuel Pipoly).

O primeiro é uma criança com uma essência mística que se destaca dos demais pela sensibilidade aguçada. O segundo representa a ciência, o juízo e a razão. Mas ninguém personifica melhor a metamorfose social do homem do que Jack. O garoto aparentemente amistoso se torna agressivo após formar um grande grupo de dissidentes. Embriagado pelo poder, se recusa a refletir sobre as propostas dos companheiros. O novo líder mergulha os passivos discípulos em uma realidade truculenta, chegando a perder a capacidade de ver a si e aos outros como crianças e adolescentes.

Jack cede espaço ao ódio indiscriminado e se isenta de culpa por todos os atos de injustiça, crente de que sacrifícios são válidos por um “bem maior”. O cineasta Harry Cook explora a transformação do personagem através de fortes expressões faciais, maquiagem pesada e vestimentas que se definham. Tudo se soma na construção simbólica da decadência do homem como ser social, marcado pelo retorno ao estado primitivo.

Curiosidade

O primeiro filme baseado na novela de William Golding, de 1954, foi lançado em 1963 pelo cineasta britânico Peter Brook.