David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Padaria’ tag

Sete pãezinhos e um fujão

without comments

Peço sete pães e aguardo a atendente selecioná-los na sua rotineira cordialidade (Foto: Reprodução)

Na padaria do mercado, peço sete pães e aguardo a atendente selecioná-los na sua rotineira cordialidade. De repente, escuto um som fofo e morredouro na sua sutilidade – do tipo “ploft” suave. O pãozinho agoniza no chão. Gerado há pouco tempo, já não tem mais razão de ser, caído sem chance de se restabelecer. Posso ver nos olhos da atendente que ela discorda. Me observa de soslaio, esperando apenas uma distração e, quem sabe, numa plena desatenção, uma oportunidade de enfiar no saco o “pãozinho sujo”, privado da própria vocação.

Não tiro os olhos dela. Ela reage virando as costas para mim, e manipula o saco de pão com uma astúcia que parece sem fim. Não desiste! E meus olhos continuam mirando-a. Escuta meus passos. Sei disso porque vejo suas orelhas vibrando e seus olhos titubeando. Estamos mais próximos do que antes. E minha sombra desarmoniza suas intenções. Ela disfarça por mais um ou outro segundo, sorri em minha direção, e encosta o pãozinho na parte externa do saco marrom.

Há um ou dois minutos, ele era igual aos outros. Ninguém pode negar, mas foi maculado, e aos seus irmãos já não pode se juntar. Que assim seja feita a justiça do alimento! Juro que por um segundo vi um traço que parecia um sorriso. Um pão sorrindo? Impossível! Ou não? A moça da padaria me entrega o saco de pão quente. Ruborizada, me dá um último sorriso, sem velar o ar de derrota.

Quando abro o saco, e, descuidado, inalo a fumaça que me esbraseia o salão, vejo sete irmãozinhos parifomes repousando. Do outro lado, o pãozinho fujão se esconde de baixo de um segundo balcão, e desaparece em um buraco do tamanho de minha mão.

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Written by David Arioch

April 9th, 2017 at 12:49 am

O pão quente e a barba

without comments

Foto: Reprodução

Por volta das 17h30, minha mãe me ligou, pedindo que eu fosse ao Cidade Canção comprar pão. Chegando lá, caminhei até a padaria e perguntei para a atendente se eu poderia ver como o pão é preparado. Atenciosa, me mostrou até a lista dos ingredientes usados no pão. Sim, o pão deles não tem nenhum ingrediente de origem animal. Satisfeito, caminhei em direção ao caixa.

Enquanto o pão quente soltava fumaça, ela sorriu e disse que talvez fosse melhor colocar o saco de pão dentro de uma sacola plástica. “Ah, é perigoso amassar”, justificou. Falei que não era necessário.

Após uma breve caminhada, assim que abri a porta do carro, me dei conta que a minha barba estava quente, defumada e com cheiro de pão. Mais de 30 minutos depois, ainda me sinto como se estivesse na padaria.

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Written by David Arioch

January 16th, 2017 at 1:51 pm

O fura-fila

without comments

maxresdefault

O homem tinha pressa em comprar quatro pães (Foto: Reprodução)

Voltando para casa, entrei em Nova Esperança e passei em um supermercado. Caminhei até o fundo e vi uma fila modesta em frente à padaria. Algumas pessoas conversavam e outras mantinham-se em silêncio. De repente, um senhor ficou ao lado de uma mulher que aguardava alguns pães. Ele furou a fila.

Quando olhou para mim, mantendo o corpo recôndito pela senhora que nos separava, ele sabia que eu sabia o que ele estava fazendo. Então desviou o olhar algumas vezes e sorrateiramente voltou a me observar. “Me vê quatro pães”, pediu à atendente com voz em tom baixo e tapando parcialmente a boca com a mão direita, como se quisesse impedir que eu o ouvisse.

Continuei assistindo aquele senhor. Arreliado e claudicante, ele desviava a cabeça, coçava os parcos cabelos brancos e esfregava o par de sandálias no piso esmerado. Seus olhos iam de caroço de azeitona à caroço de abacate em segundos. Quando a atendente entregou os quatro pães, foi como se ele se sentisse livre do meu olhar que talvez espelhasse uma confissão, revelando mais do que ele gostaria de ponderar – ou talvez não, vai saber.

Written by David Arioch

September 22nd, 2016 at 12:03 am