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Um ataque suicida por um lugar no paraíso
Crianças e adolescentes respondem por 80% dos ataques terroristas no Afeganistão
No início de 2013, o jornalista canadense Shane Smith, um dos fundadores da companhia de mídia Vice, esteve no Afeganistão para produzir o documentário “The Killer Kids of the Taliban”, lançado em abril do mesmo ano. Na ocasião, teve a oportunidade de entrevistar muitas crianças e adolescentes convocados pelo Taliban para participarem de ataques suicidas. São jovens que só não morreram porque a Polícia Secreta Afegã conseguiu impedir que as bombas fossem acionadas.
Ainda hoje muita gente se pergunta por que o maior movimento fundamentalista islâmico do Afeganistão usa crianças em seus ataques terroristas. A reposta é simples. Os mais jovens passam pelos postos de segurança com facilidade e podem circular por qualquer lugar sem serem notados. O porta-voz do Diretório Nacional de Segurança (DNS) da Polícia Secreta Afegã, Lutfullah Mashall, disse a Smith que desde a invasão dos Estados Unidos o país registra todos os anos mais de cem ataques suicidas. Do total, pelo menos 80% são cometidos por crianças e adolescentes. “Eles são os preferidos do Taliban porque muitos são pobres, analfabetos e não conhecem de verdade o Alcorão”, revelou.
De acordo com Mashall, um talib, estudante do livro sagrado, é capaz de lutar e morrer pelo que acredita, mas jamais usaria um colete-bomba. “The Killer Kids of the Taliban” mostra que as crianças não têm real conhecimento das consequências de seus atos. “O imã Marouf [uma autoridade religiosa] nos disse para ir até a província de Logar e cometer suicídio. Ele falou: ‘Coloque as bombas em seu corpo e aperte o botão. Eles morrerão e você continuará vivo’”, relatou um garoto não identificado.
Entre os convocados pelo Taliban, há muitos jovens que não sabem que os coletes são explosivos. Alguns pensam que estão apenas transportando documentos. Em 2013, para se ter uma ideia da gravidade da situação, uma criança de seis anos conduziu um ataque suicida na Província de Paktika, a 244 quilômetros de Cabul. Com base nesses exemplos, o jornalista da Vice deixa claro que o poder de persuasão, mesmo baseado em mentiras, é a principal ferramenta do Taliban na hora de recrutar crianças e adolescentes.
O discurso de que é preciso ficar em frente a um hotel até a hora certa se repetiu muitas vezes. Normalmente, as bombas são acionadas por controle remoto quando chega algum comboio estadunidense, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou Força Internacional de Assistência para Segurança (Fias). Um garoto afegão preso na sede do DNS, chamado Kanjar, recebeu treinamento quando estudava no Paquistão. Os próprios professores o ensinaram a cometer suicídio, afirmando que assim ele iria para o paraíso.
“Não tivemos tempo de ler o Alcorão o suficiente para entendê-lo. Só nos disseram que o suicídio era permitido e deveríamos nos preparar para o paraíso. Quando coloquei o colete, me perguntei por que eu iria explodir a mim mesmo?”, contou Kanjar que em um grande momento de tensão só pensou na possibilidade de ficar em pedaços. Depois de preso, o jovem percebeu que o suicídio não poderia lhe proporcionar nada de bom. Além disso, a prática é condenada pelo Alcorão. Embora esteja arrependido, Kanjar continua preso, acusado de crime hediondo.
Abdul, outro adolescente entrevistado por Shane Smith, justificou que quis colaborar com o Taliban porque soube que há muitos infiéis rasgando o Alcorão e o jogando na latrina. “Fiquei nervoso ao saber que o nome do profeta é profanado”, comentou. Abdul, que nunca leu o Alcorão, também recebeu treinamento para usar um colete-bomba, crente de que assim ganharia um lugar no paraíso. Na turma do adolescente havia centenas de garotos se preparando para cometer ataques suicidas.
Em 2013, pouco antes da chegada da equipe da Vice a Cabul, um santuário foi alvo de um ataque terrorista que matou 58 pessoas. Entre as vítimas estavam nove familiares de Tarana Akbari, uma garotinha que sobreviveu, mas ficou marcada por estilhaços da bomba. Naquele dia, o fotógrafo afegão Massoud Hossaini tinha ido ao local para registrar a procissão do flagelo com correntes. “Foi quando tudo aconteceu. Vi muitas pessoas correndo da fumaça e, de repente, ela desapareceu. Me vi cercado por cadáveres de crianças, mulheres, homens jovens e idosos”, explicou ao canadense. Hossaini testemunhou o momento em que Tarana começou a chorar e gritar.
Caída ao chão, a mãe de Tarana pediu ao fotógrafo para ajudá-la a pegar o seu filho, uma criança pequena. Um homem que estava mais próximo recolheu o menino do chão e viu que havia muito sangue saindo da cabeça. “Aí ele me disse: ‘Esse menino já foi’. O pôs no chão e simplesmente foi embora”, destacou Hossaini. Tarana enfatizou que os corpos caíram como se fossem ovelhas. No ataque terrorista, além do irmão, a jovem perdeu tias e primos.
“Todas as mulheres estavam lá, assim como muitas crianças. Era um santuário. Não havia um lugar melhor para eles atacarem, como um gabinete do governo? Eles atingiram só pessoas inocentes e indefesas!”, desabafou o pai de Tarana. Outro familiar questionou por que a Al-Qaeda está matando tanta gente no Afeganistão se isso vai contra tudo o que está no Alcorão. “Será que nunca leram o livro sagrado? Se tivessem lido, saberiam que não é permitido matar!”, disparou.
Mesmo com o intenso trabalho do Diretório Nacional de Segurança, que tenta evitar que jovens se tornem terroristas, a prática ainda é frequente e reincidente. Após o lançamento do documentário “The Killer Kids of the Taliban”, Shane Smith foi informado que dois garotos perdoados por serem jovens demais foram coagidos mais uma vez e flagrados se preparando para novos ataques.
Com um calmo tom de voz, um dos homens mais importantes do Taliban, Syed Mohammad Akbar Agha, um ex-jihadista e mujahidin que lutou contra os russos e comandou muitas tropas, deixou claro a Smith que enquanto os EUA estiverem no Afeganistão os ataques vão se intensificar cada vez mais. “Tudo vai Continuar. Não tenha dúvida”, garantiu. Quando o jornalista da Vice o interpelou sobre os ataques suicidas, defendendo que são condenáveis pelo Alcorão, Akbar Agha sorriu e respondeu apenas que o Taliban tem grandes muftis, estudiosos islâmicos, que reconhecem a legitimidade da prática.
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