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Como achar normal a morte de 70 bilhões de animais terrestres por ano para consumo?
Um caminhão tombado, frangos na estrada
Um caminhão tombado, frangos na estrada. Ninguém via vida, apenas comida. “Ninguém morreu?” “Não, só bicho.” As aves saltaram sobre as caixas de plástico tentando atravessar a rodovia. Morrer ou viver? Ou morrer ou morrer? Distante do matadouro, não da violência humana. Coração? Mais de 300 batidas por minuto. Pedaços de carne em movimento – uma prospectiva prosaica.
Penas voando, pessoas comemorando. “Esse é meu! Esse é meu!” Um olhar invertido num mundo distorcido. Pés amarrados com fios, mais penas no chão. Cinco frangos no mesmo porta-malas, se contorcendo. Risadas. Nenhuma luz, apenas escuridão e o som dos pneus em atrito com o chão. A chegada é celebrada – degolada.
Reflexões de um minuto – É justo colocar o paladar acima do direito à vida?
O preço do pernil
Tem três pés e muita dificuldade para andar. Não desiste. Entre passos e pequenos saltos, se aproxima de um homem comendo tranquilamente um sanduíche. À sombra da sibipiruna, o rapaz de bermuda leva um susto quando sente um focinho gelado tocando-lhe a panturrilha descoberta.
Solta um gemido doloroso e aponta o focinho para o próprio ferimento. Falta-lhe uma perna. O estranho continua sem entender o que aquilo significa. Entre mastigadas e desinteresse, se irrita quando o porquinho toca-lhe a mão com a cabeça.
— Pelo amor de Deus, né? Você quase derrubou meu lanche. Vá pra lá, tá me irritando.
Mais uma vez. Persistência. Entre duas fatias de pão, o último pedaço de pernil cai sobre um punhado de folhas. O rapaz se levanta. Sisudo, furibundo, esfaimado. Suor quente. A ameaça do chute não intimida. O pequeno o observa sem se mover. Ameaça. Sim, ameaça humana.
— Te mato, caramba! Mato mesmo!
O porquinho empurra o pequeno pedaço de carne. Faz um desenho com o focinho.
— O que você tá fazendo?
Continua arrastando o focinho pelo solo.
— Hã?
Um pernil, disforme, mas um pernil riscado na terra. No núcleo, um pedaço da carne suja.
O porquinho deita no chão. Ganha uma perna incapaz de mover. Pouca carne. Carne sem vida. Riscos. É o que resta.
— Você quer dizer que comi sua perna?
O porquinho se levanta, o observa e vai embora. Dor, passos curtos e incertos, pulinhos, pulinhos alternados.
A carne já não é carne. O rapaz cava um pequeno buraco com as mãos, enterra o pedaço de pernil e cobre com terra. Escreve no chão: “Que a minha busca pelo perdão triunfe sobre o prazer da gustação.”
Nosso paladar é condicionável em proporção à nossa força de vontade
Nosso paladar é condicionável em proporção à nossa força de vontade. Se ela for pequena, há de revelar também o quanto são grandes as nossas fragilidades, e o quanto nos submetemos à nossa ausência de autocontrole. Se sou controlado pelo meu próprio paladar, também posso ser controlado por outros fatores. E tudo isso ajuda a criar uma ilusão de que temos o domínio de algo que na realidade tem o domínio de nós.
Considerações sobre compaixão e paladar
Quem diz que veganos e vegetarianos não têm bons argumentos naturalmente coloca o paladar acima do direito à vida. Mas quem pensa assim não dirá que simplesmente não se importa tanto com o fato de que alguém há de morrer para que um prazer fortuito seja saciado.
Então, para parecer justo, cria-se justificativas obtusas que são cortinas de fumaça que tentam velar anseios puramente sensoriais. Compaixão é um sentimento superior a qualquer estímulo efêmero desencadeado pelo paladar.
E acho que sobre isso, não há muito o que discutir, já que a compaixão é um dos sentimentos mais nobres da humanidade, enquanto que a gustação, um sentido condicionável, não existe com a finalidade de fazer do ser humano um refém, revelando suas fraquezas. Muito pelo contrário, é algo que o ser humano pode e deve aprender a disciplinar.
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Mata-se um ser vivo por um prazer efêmero
Quando alguém come um animal, e diz que aquele ser morreu cumprindo o seu papel, eu pergunto: Será que a mãe, o pai, o filho ou a filha daquele animal partilha da mesma opinião? Se eles nascem com essa finalidade, por que então eles e os seus se emocionam, não reconhecem a morte precoce como natural e até mesmo ficam enlutados?
Os animais têm emoções, sentimentos, e aqueles que colocamos sobre a mesa nunca morrem sorridentes ou satisfeitos em tornarem-se comida. Ademais, demonstram dor e sofrimento de maneira bastante óbvia. É triste reconhecer que mata-se um ser vivo por um prazer efêmero, que não ultrapassa minutos.
Aquele que se regozija com a morte em benefício do próprio paladar ignora o fato de que a morte também o habita, já que somos aquilo que fazemos, comemos, pensamos e sentimos. Como podemos almejar a paz enquanto nos alimentamos de morte?
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