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A passionalidade e a autoridade na crítica à exploração animal
Normalmente não é fácil para um vegetariano ou vegano lidar com situações em que as pessoas realmente demonstram pouco interesse em mudar seus hábitos que envolvem a exploração de animais. Até mesmo simples atos como o de socializar podem parecer não tão auspiciosos quando você sabe que terá de testemunhar pessoas consumindo alimentos que até pouco tempo atrás eram partes de um animal que caminhava, respirava, se alimentava e dormia – e até mais relevante do que isso, tinha sentimentos, anseio de não morrer precocemente.
Realmente não é fácil reconhecer que existe uma desarmonia entre o que você deseja para o mundo e o que o outro deseja, quando este não considera, de fato, que os animais não merecem morrer para serem reduzidos a alimentos e outros produtos. Claro, alguém pode dizer: “Tenho dó dos animais”. Mas se essa pessoa se alimenta deles, há uma evidente inconsonância entre o que ela pensa e faz.
Então para não refletir a respeito de algo que não lhes agrada é comum as pessoas recorrerem aos mais diferentes tipos de escusas e camuflagens da realidade. Sem dúvida, isso conta com o grande contributo da indústria que oferece todo o suporte necessário nessa jornada que perpetua a desconsideração à contumaz coisificação ou objetificação animal. Quero dizer, a indústria te ajudar a não se preocupar com os animais, porque ela te diz o que deve ser considerado e desconsiderado. E isso acontece de forma muito simples – trabalhando e perpetuando a crença de que o “benefício vale o sacrifício”.
Isso é parte majoritária da realidade em que vivemos, historicamente e culturalmente. Por mais que a indústria que comercializa produtos de origem animal venda ilusões, produtos imersos em realidades (des)conhecidas e negligenciadas que proporcionam prazeres efêmeros, as pessoas, principalmente adultos, compram essa ideia porque elas não apenas aceitam essa ilusão como a aprovam e a apreciam. Afinal, foram criadas nesse contexto.
Sim, a maioria dos adultos sabe que ninguém, nem mesmo um animal não humano, morre feliz por uma intervenção alheia à sua própria vontade, mas se as pessoas acreditam que uma morte não foi tão dolorosa há uma tendência ádvena de crer que “os fins justificam os meios”. E quando lidamos com essa consciência, acredito, e aqui simplesmente expresso a minha opinião, que a passionalidade e o exercício de autoridade podem dificultar ou até minar a conscientização quando não pesamos nossos discursos e ações.
De fato, a humanidade é despótica com os animais não humanos. Seria muito melhor se as pessoas entendessem que se alimentar de criaturas sencientes é sempre resultado de uma imposição legitimada, de uma ausência de escolha que não oferecemos ao outro por considerá-lo inferior e submetê-lo ao nosso jugo constante. Porém, tenho a consciência de que se tenho uma perspectiva vegana em relação ao valor da vida animal, não posso rejeitar o fato de que muitos outros não a têm, e esses outros são a maioria; e é com esses que devo dialogar caso eu queira uma mudança realmente significativa.
Nenhuma transformação coletiva, por mais claros que sejam seus benefícios, é alcançada sem que para isso seja necessário mudar a mente das pessoas. Por isso, defendo a posição de que compartilhar sensibilidade, conhecimento e argumentar de forma ponderada sobre a exploração animal, sem os arroubos negativos da passionalidade, é o melhor caminho. Até mesmo diante de piadinhas infames, quando alguém age de forma a subverter a expectativa do interlocutor, o surpreendendo ao não reagir em nível equiparável de vazia provocação, há uma maior possibilidade de consideração em relação ao que foi expressado. Ou será que ser ofensivo seja melhor? Não creio.
Quando falamos com alguém sobre a exploração animal, talvez seja interessante conjecturar previamente a reação do outro. Uma reflexão que considero válida é a seguinte: “Se alguém estivesse falando comigo dessa forma, e eu não tivesse a consciência que tenho, será que eu refletiria sobre isso?” A transformação depende dos meios que usamos para alcançar a consciência do outro, e se isso é eficaz. Não importa se tenho a maior vontade do mundo em relação à libertação dos não humanos explorados e reduzidos a alimentos e outros produtos, porque não é unicamente dessa vontade que depende a conscientização humana em relação à exploração animal.
Acredito que preciso sempre ter em mente que se a minha intenção é conscientizar ou sensibilizar quem não vê nada de errado com a exploração animal, devo mostrar um caminho que o leve a aquiescer, a entender por que é importante a abstenção de alimentos e produtos de origem animal. E esse caminho é variável, porque seres humanos não são sensibilizados ou conscientizados pelos mesmos motivos. Até porque pessoas têm suas individualidades, bagagens culturais, histórias de vida, e predisposição ou não a enxergarem os animais como sujeitos de uma vida.
Por tais razões, acho importante ser prudente, provocativo em algumas circunstâncias específicas, porém não ofensivo; o que significa que demando constante controle sobre a passionalidade, os meus impulsos, não permitindo que tenham controle sobre mim. É fácil? Não, porque tudo que diz respeito aos animais objetificados e à nossa impossibilidade de garantirmos que eles vivam sem sofrimento nos toca à sensibilidade e evidencia a nossa impotência em níveis diversos.
No entanto, vale a pena ofender pessoas ou usar termos que façam com que acreditem que há um mundo segregado entre veganos e vegetarianos e não veganos e não vegetarianos? Como isso pode estimulá-las à reflexão? Claro que seres humanos estão em níveis dissemelhantes ou díspares de conscientização, sensibilidade e renúncia, o que significa que há muito a ser estudado e trabalhado. Também reconheço que nem sempre nossas palavras, por melhores que sejam ou mais bem fundamentadas, vão promover qualquer mudança. Mas creio que menos ainda colherão bons resultados aquelas que, como em um exercício de autoridade, estão carregadas de ofensas e vulnerabilidade; e fragilizadas em seus próprios argumentos. Afinal, derramar-se em emoção também pode ser uma forma de negar-se à razão.
Sobre a passionalidade
A passionalidade pode ser muito positiva, motivadora, mas não podemos deixá-la nos cegar ou afunilar nossa perspectiva diante das coisas. Tenho sempre em mente que é importante que não deixemos a passionalidade nos transformar naquilo que parecemos mas não somos.
Não há nada de enobrecedor em apelar em vez de argumentar
Estamos em 2016 e até hoje me deparo com pessoas xingando presidentes e ex-presidentes diariamente, e com palavras que não têm qualquer relação com o desempenho de um cargo público – como piadas sobre a aparência, defeitos físicos e analogias com animais. É esse tipo de passionalidade que sempre me esforço para evitar. Não vejo nada de enobrecedor em apelar em vez de argumentar.
Se quiser convencer alguém, faça mais do que o óbvio ou trivial, até porque nessas situações a primeira coisa que os mais ponderados imaginam é alguém encolerizado e fragilizado intelectualmente, dominado pelos rompantes da negatividade; e se isso acontece pode ter certeza que o principal afetado é você.
Mesmo que a realidade não seja tão visceral, essa é a imagem que você transmite numa rede social por exemplo. Acredito que nem todo desabafo motivado pela agressividade merece ser levado ao público, ainda mais levando em conta que ofensas não têm nenhum peso no desenvolvimento de ideias.
Passionalidade pode ser boa ou ruim
Vejo a passionalidade como uma coisa boa e uma ruim. Ela é excelente quando te motiva a seguir em frente, mas péssima quando te cega a ponto de você encarar algo como verdade absoluta. É muito fácil encontrar isso em quem segue ideologias, porém pouco se abre ao diálogo. Sem comedimento, fazem do ser humano o seu próprio ditador sem que ele perceba.
A contradição de clamar por democracia sendo antidemocrático
Vejo muita passionalidade envolvida, e muitas vezes me parecem armadilhas do ego e da vaidade
Esses dias, testemunhei na internet um camarada sendo chamado de “comunista”, no sentido mais pejorativo do termo, aquele que hoje povoa o ideário comum, porque publicou um vídeo mostrando um general da época da ditadura militar impedindo um jornalista de exercer a própria função. Esse sujeito que o ofendeu com palavras baixas e declarou que o camarada deveria ser fuzilado por ser “comunista” é um exemplo de uma efervescência perigosa e sem precedentes que tenho visto na internet.
Primeiro porque o camarada não é “comunista”. Ainda assim, tentei entender o posicionamento do rapaz, mas foi impossível porque ele vive uma estoica contradição – uma pessoa que diz estar lutando pela democracia e ao mesmo tempo se coloca no direito de dizer que muitos brasileiros deveriam ser deportados ou fuzilados porque não pensam como ele. Me refiro a alguém que entra na internet para impor sua opinião de forma agressiva em páginas de pessoas com quem não partilha as mesmas ideias.
Penso que se não sou seu amigo e entro na sua página para comentar algo sem ser convidado, devo pelo menos ser educado e defender o meu posicionamento de forma ponderada e lúcida – o mínimo que se pode esperar de um ser humano que deveria respeitar o outro tanto quanto respeita a si mesmo. Não é correto invadir um perfil pessoal no Facebook para impor nada, até porque esse espaço pode, porém não precisa ser democrático. Ninguém tem o direito de fazer isso, independente de qualquer coisa.
Sinceramente, não há como negar que comportamentos como o do rapaz citado têm relação direta com a indigência cultural, já que generalizações e ofensas costumam ser usadas com mais frequência por pessoas que não são capazes de argumentar ou defender um ponto de vista sem apelar para clichês ou estereótipos. O sujeito que ofendeu esse meu camarada trabalha como instrutor em uma academia onde paro em frente quase todos os dias quando o sinal vermelho do semáforo está acionado.
Já o vi algumas vezes rindo e fazendo brincadeiras com alunos e colegas de trabalho, o que torna tudo mais chocante porque mostra como um ser humano aparentemente pacífico pode na realidade esconder uma faceta agressiva e tirânica, o que é interpretado por estudiosos do comportamento humano como sinais de sociopatia.
Acho válido citar também pessoas mais próximas que conheço há muito tempo e que presenciei e ainda presencio defendendo discursos de ódio em mídias sociais. Posso dizer que não é fácil olhar para a pessoa e não associá-la ao que li na internet. A vida segue, mas um resquício de fel na boca persiste.
Vejo muita passionalidade envolvida, e muitas vezes me parece armadilha do ego e da vaidade, aliada a uma visão canhestra do mundo; até um anseio jactante e quase totalitarista de redefinir o que é certo e errado. É incrível como nos deparamos todos os dias com pessoas hostilizando alguém. Tudo isso porque não foram preparadas para lidar com as diferenças, e acho que esse é um problema que surge na infância e adolescência.
Diariamente encontramos pessoas querendo moldar o mundo e as pessoas à sua maneira, o que não significa que seja algo basicamente ruim, já que no fundo todos fazemos isso de algum modo. E claro, muitas coisas nesse sentido podem ser realmente positivas. No entanto, a preocupação surge quando as negativas se sobrepõem, porque aí o respeito é relegado à farelagem e o ser humano deixa de ser humano.
A importância da tolerância em tempos sombrios
A maneira como nos expressamos diz muito mais do que imaginamos
Nos últimos dias, algumas pessoas me perguntaram o que eu acho do momento político que vivemos no Brasil. O que eu acho? Acho que existe passionalidade demais de todos os lados, o que na realidade não me surpreende, já que essa é uma característica comum do brasileiro – a de se deixar levar pela emoção, de se exaltar. Há predicados bons e ruins. Mas são exatamente os negativos que afetam não apenas nós mesmos, mas todos à nossa volta.
Quando digo que muitos são dominados pela passionalidade, me refiro em específico ao fato de xingarem e repercutirem a esmo publicações que pouco contribuem para um debate. Exemplo são os textos que partem diretamente da conclusão, que não permitem abertura para o leitor trilhar seu próprio caminho. Esse tipo de material costuma ser deletério porque na realidade ele não te instiga a pensar, mas sim a compartilhar e defender uma opinião já definida.
Sim, somos arrogantes e pernósticos todas as vezes em que dividimos uma opinião impositiva, logo autoritária, que não permite qualquer tipo de diálogo ou discussão saudável. A realidade é que vivemos tempos sombrios, em que alguém é capaz de desqualificar o outro, seja nas suas particularidades profissionais ou sociais, por causa de uma opinião ou posição política. Quando alguém age assim, uma questão sempre ecoa pela minha mente: “Será que esse sujeito já pensou que, em menor ou maior proporção, ele absorve cultura de alguém que pensa completamente diferente dele?” Seja por meio de filmes, livros, músicas, etc.
De um lado, vejo pessoas que compartilham frases de Gabriel García Márquez e Julio Cortázar xingando quem se identifica com políticas de esquerda. Do outro, pessoas parafraseando Jorge Luis Borges e Mario Vargas Llosa e ofendendo quem se alinha com políticas conservadoras. O ser humano pouco percebe o quanto recai em contradição quando condena alguém por suas disparidades.
Se você é estoico a ponto de desprezar ou odiar alguém por sua posição política, acredite, você vive uma ilusão, já que é impossível, ainda mais com o advento da globalização, se privar de reconhecer valor em algo gestado por alguém que vá na contramão de sua inclinação política. Você pode não saber, mas você é sim influenciado por pessoas muito diferentes de você em inúmeros aspectos, inclusive políticos. E compreender a complexidade disso é o primeiro passo para entender a importância da diversidade.
Não é novidade que nas mídias sociais pululam muitas ofensas gratuitas, xingamentos ostensivos, desnecessários e generalizados por causa de política. Porém, quem deve ser julgado são os políticos, mas dentro da legalidade, não pessoas que apenas fazem valer o seu direito de pensar diferente de mim ou de você, independente do nível de influência que elas tenham.
Considero a situação preocupante porque me surpreendo cada vez mais com a baixeza das publicações na internet. Pessoas disseminando ódio, trocando ameaças, entrando em conflito com amigos de longa data, tudo isso por indisposições que muitas vezes não chegam nem a ser ideológicas.
Acho justo e imprescindível não rotular pessoas por suas opiniões políticas. A defesa de algo em um momento específico pode e também deve ser encarada como resultado de uma avaliação contextual, ainda mais quando os envolvidos são apartidários. Se você não é capaz de aceitar isso, talvez você não esteja preparado para viver em sociedade.
Hoje em dia, mesmo com todas as facilidades advindas das novas formas de comunicação, muitas pessoas estão mais preocupadas em entrar em conflito por nada ou quase nada – simplesmente porque há uma crença de que algo dentro de você fará com que você se sinta inferiorizado se você não se manifestar, mesmo que de forma obtusa.
Muitos se mostram dispostos a exercer violência – até matar ou morrer por causa de política. Acredite, se você está preparado para chegar a esse ponto significa que você não defende de fato a democracia. Na era da guerra da informação, supor que a solução seja a irrupção de uma guerra nos moldes mais antigos é um retrocesso descomunal, desconsiderado até mesmo por militares que participaram da deposição de Jango em 1964.
Quando você tiver vontade de xingar ou ofender alguém por causa de política, não se esqueça que vivemos em um país democrático onde a maior parte da população quer o fim da corrupção e da impunidade. Não é motivo o suficiente para pelo menos perseverar o respeito? Políticos e seus asseclas são minoria em um país com mais de 200 milhões de pessoas; e muitos são capazes de qualquer coisa para segmentar a população, assim como aconteceu em muitos países.
Outro fator a se considerar é que não se estimula alguém a refletir com xingamentos. Quer que levem sua opinião a sério? Argumente. Do contrário, será apenas mais um desabafo fragilizado ou ofensa vazia. A maneira como nos expressamos diz muito mais do que imaginamos. A forma como você apresenta uma linha de raciocínio pode desqualificar todo o conteúdo se ele transparecer excessos como jactância, intransigência, destempero e excesso de vaidade. Seja tolerante. A tolerância é uma das qualidades mais importantes do ser humano porque ela assegura a manutenção da vida.