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Que tipo de coisas boas o veganismo pode levar para a vida de alguém?
Bom, acredito que a vida em geral passa a ter mais valor. E não falo da vida na individualidade, me refiro à coletividade mesmo. O eu se torna menor, e ajuda inclusive na reflexão do nosso papel no mundo. Por exemplo, se vivo somente para mim, me pautando nas minhas próprias necessidades, que tipo de contribuição estou dando? Vejo pessoas reclamando o dia todo, e muitas vezes não são pessoas que fazem algo por quem não pode proporcionar-lhes algum tipo de vantagem.
E o veganismo na sua essência vai na contramão disso. Você não é somente você. A individualidade é menor, porque você sabe que está ligado a muitas outras formas de vida, e que não há porque não buscar um equilíbrio, não fugir daquilo que representa o fim da vida, a perpetuação da exploração.
“O mundo é como ele deveria ser.” Esta é uma das falácias mais comuns espalhadas por conformistas ou por quem defende o status quo. Não, o mundo é como ele não deveria ser. Desde sempre, há muitas coisas maliciosamente planejadas, assim como muitas coisas acidentais e inconsequentes, e até mesmo geridas pela ignorância. Porém, o mundo é como foi levado a ser por fatores tão diversos que não caberiam em uma resposta meramente maniqueísta.
Costumo dizer que os animais são explorados em níveis industriais porque são matérias-primas baratas, exploradas exaustivamente, e que rendem muita grana, já que as vítimas não ganham nada com isso. Claro, ninguém é perfeito, mas se você respeita ou pelo menos se esforça para respeitar todas as formas sencientes de vida, você já está desempenhando um papel positivo. Não há como não ver solidariedade e altruísmo nisso.
Acreditar que não apenas os seres humanos têm direito à vida é o reconhecimento e o exercício da empatia além da esfera especista e antropocêntrica. Afinal, respeitar um vulnerável ser não humano, entendendo que ele não merece morrer para nos beneficiar, é reflexo de uma moral que está além das nossas conveniências.
Não há como fugir da exploração no mundo em que vivemos. Então como é possível ser vegano nesse contexto?
Às vezes, algumas pessoas falam em ser ou não ser vegano 100%, e essa confusão e descrença é algo que agrada a indústria da exploração animal, porque ninguém mais do que ela deseja que as pessoas vejam o veganismo como inviável em suas vidas, ou que questionem o seu papel como veganos. Não raramente, alguém diz: “Não me sinto como se fosse realmente vegano. ” Minha pergunta é: “Você faz o que está ao seu alcance?” Se sim, está tudo bem.
O veganismo foi gestado em âmbito urbano, dentro de uma realidade pós-revolução industrial. Não há motivo para as pessoas o complicarem. Nada do que as pessoas dizem a respeito do que é ser ou não ser vegano, apresentando prováveis impossibilidades e contradições, me causa qualquer desconforto ou dúvida. Há inclusive literatura anti-vegana, e já li obras consideráveis sobre isso, mas nenhuma delas me tocou porque faltou um importante ponto de percepção – entender o veganismo sob a ótica vegana. Sou bem consciente de minhas limitações, e nenhuma delas me leva a desacreditar no veganismo, e simplesmente porque não há motivo.
Mesmo quando o veganismo surgiu na Inglaterra em 1944, ninguém disse que veganos seriam pessoas perfeitas, que nunca tomarão parte na exploração animal em suas vidas. Não se trata disso. Se alguém aponta o dedo pra mim e diz: “Ah, cara, você não tem como evitar exploração o tempo todo. Como pode ser vegano?” Sim, eu não tenho como evitar tomar parte na exploração o tempo todo, porque naturalmente existe um sistema que é maior do que todos nós, mas é justamente por isso que sou vegano, porque é uma luta constante.
Se eu não precisasse questionar nada, isso significaria que o mundo já é vegano, e ninguém que é contra a exploração animal teria do que se queixar. Mas se reclamamos e até encontramos dificuldades nessa jornada, é porque ainda temos muito o que fazer. Acima de tudo, é a insatisfação e a exigência de novas alternativas que levem às mudanças, não à aceitação, rótulos ou apego ideológico. Veganismo é sobre redução de impactos.
Você deve fazer tudo que está ao seu alcance para não tomar parte na exploração animal, simplesmente. Ou seja, é sobre dedicação, força de vontade, empatia. Evita-se comer tudo de origem animal, assim como usar qualquer produto de origem animal. Porém, há situações que às vezes fogem do nosso conhecimento por vivermos em uma realidade baseada em um sistema que usa os animais até para as finalidades mais desnecessárias.
A maioria da população não tem a mínima ideia de como os animais não estão apenas em seus pratos, mas praticamente em tudo que elas usam, tudo mesmo. Quando um animal explorado pela indústria morre, muitas vezes não há o que enterrar, porque tudo que um dia fez parte de uma vida é transformado em algum produto. Isso não é estranho? Tem gente que qualifica isso como consequência e aproveitamento. Mas ignora-se que quanto mais um animal é qualificado como produto, mais ele se distancia de ser visto como vida para ser definido como objeto. E isso é um absurdo.
A revolução industrial ocorreu entre 1760 e 1840, e com ela surgiu toda uma cultura que intensificou o uso de animais como produtos, e a níveis inimagináveis. E isso não teve impacto somente para os animais não humanos, como podemos perceber em obras como “The Jungle”, de Upton Sinclair, que relaciona as duas formas de exploração, humana e não humana, por entender que são vilmente análogas em muitos aspectos.
Claro, o uso de animais como produtos também é um infeliz fator cultural, já que se trata de prática socialmente legitimada, mas é exatamente esse fator da depreciação da vida que nos leva à banalização de tantas coisas. Se um vegano é, por uma eventualidade, obrigado a usar algo que seja proveniente da exploração animal, por não haver alternativas, isso não significa que ele não é vegano, mas sim que há muito a ser feito e cobrado. Sendo assim, ser vegano neste mundo não é apenas possível como necessário.
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Respondendo perguntas sobre veganismo
Me perguntaram qual seria a melhor forma de reverter a exaltação ao consumo de alimentos de origem animal na atualidade. Qual a melhor estratégia para ajudar os animais?
É importante se aprofundar cada vez mais nessas questões, até porque acho importantíssimo ampliar sempre as possibilidades de argumentação. Mas, a princípio, acredito que o primeiro passo, sem dúvida alguma, é a conscientização. Mostrar para as pessoas que elas não dependem da exploração animal, que isso é um fator cultural, não essencial.
Talvez pareça “essencial” hoje para muita gente porque elas não levam em conta que os animais sempre foram vistos como matérias-primas de alta disponibilidade, logo eles são explorados porque a indústria deu a entender que sem esse tipo de exploração a vida como conhecemos hoje não seria possível. Mas isso é um grande engano. Exploramos os animais por comodismo e facilidades; porque quando começamos a reduzi-los à comida, o ser humano percebeu que seria ainda mais rentável aproveitar mais do que sua carne.
“Se já fazemos comida com os animais, se eles vão morrer de qualquer jeito, por que não usar inclusive os cascos e os chifres?”, alguém pensou, e assim a vida animal acabou sendo ainda mais desvalorizada do que já era antes da Revolução Industrial. Todos esses produtos criados a partir de animais como fonte de matéria-prima existem basicamente porque a indústria viu nisso um negócio altamente lucrativo, de baixo custo.
A maior prova disso é o processo de fabricação de artigos de couro. Uma peça de couro cru de pouco mais de um metro pode custar menos de R$ 50 no varejo hoje em dia. Esse é o valor da pele de um animal que um dia respirou, assim como eu e você. Com essa peça, não é difícil obter um lucro de 1000% dependendo do produto a ser feito.
Acredito que a reflexão sobre a questão animalista deve ser estimulada não apenas de forma passional, mas com argumentos, mostrando as falhas desse sistema e suas consequências. A conscientização, mais do que nunca, precisa estar acompanhada de pesquisas que apresentam alternativas para suprir as lacunas que devem ser deixadas pela indústria, até para realocação de recursos, empregabilidade, entre outras consequências que poderiam gerar crises econômicas.
Além disso, o aprofundamento é uma boa forma de rebater falsos argumentos disseminados por uma indústria que não poupa esforços, que patrocina a produção de muitos artigos acadêmicos com finalidades escusas, assim ampliando o escopo de desinformação. Sem dúvida, na atualidade muita gente depende do sistema de exploração animal, e claro que porque isso não se firmou agora.
Estamos falando de um sistema que começou a se desenvolver exponencialmente e nos moldes industriais no período da Revolução Industrial, ou seja, desde o século 18. É muito tempo incutindo na mente das pessoas uma quantidade absurda de falsas necessidades. Infelizmente, é um fator negativamente cultural, reforçado por meio de propaganda. E os meios de comunicação, como vetores, têm grande parcela de culpa nisso.
Creio que hoje a missão mais importante seja fazer o caminho reverso da indústria de exploração animal. As transformações, as mudanças, devem acontecer dia a dia. Por enquanto, é imprescindível a contínua disseminação de informações que induzem à discussão, à reflexão, à produção de soluções e de provas de que o abolicionismo animal busca e prevê o melhor futuro para a humanidade e os animais.
Também acho importante mostrar que os vegetarianos e veganos nunca estiveram sozinhos. A história do vegetarianismo e do veganismo precisa ser contada sempre, para mostrar que não se trata de uma tendência. Sempre tivemos bons representantes dos direitos animais e do vegetarianismo, e, desde 1944, do veganismo. Essa preocupação sempre existiu, ao contrário do que muitas vezes é veiculado de forma equivocada pelos meios de comunicação. Em síntese, quanto mais informação e mais pesquisa, melhor.