Archive for the ‘Periferia’ tag
Quando a união faz a força
A vida de Seu Zé
Publiquei hoje no YouTube um curta-metragem bem simples intitulado “Seu Zé”. Gravado com o celular, conta a história do idoso José Rodrigues que divide uma casa em situação extremamente precária com a esposa na Vila Alta, na periferia de Paranavaí. Morador da Rua E, a última rua do bairro, Seu Zé tem alguns problemas de saúde, como a visão comprometida e a dificuldade para andar, consequência de um acidente que sofreu há alguns anos. Ainda assim, se esforça para tentar levar uma vida mais digna.
“Seu Zé” mostra a difícil realidade do casal, que é obrigado a se alimentar muito mal em decorrência da falta de recursos, já que a única renda deles são os R$ 630 recebidos por Seu Zé. Na residência de três cômodos, há furos por todo o telhado, tornando a casa um alvo fácil em dia de chuva. Quem assiste ao vídeo de um minuto e meio logo percebe que todo o cenário destaca a difícil e degradante situação do ex-boia-fria.
Como não há rede de esgoto, na entrada da casa há uma fossa aberta há quatro anos que já está cedendo. No geral, o idoso não tem uma boa perspectiva do futuro, mas gostaria que a sua realidade presente não fosse tão amarga. É um pequeno vídeo bem cru, inclusive não interferi no ambiente. Mostra a vida de Seu Zé em seu estado natural, sem qualquer artificialismo. Ele é o narrador da sua própria história.
“Tio, você já deve ter matado muita gente”
Há algum tempo, eu estava na Oficina do Tio Lu, na Vila Alta, na periferia, quando um garotinho veio conversar comigo. Curioso, sorria e não tirava os olhos dos meus braços.
— Tio, você já deve ter matado muita gente.
— Por que você acha isso?
— Por causa do tamanho do seu braço, ué. É muito forte.
— E você acha que braço forte é pra matar pessoas?
— Se não é pra matar, é pelo menos pra bater, né?
— Não, claro que não.
— Ué, não?
— Não…
— Ué, pra que então?
— Pra abraçar.
Ele ficou em silêncio me olhando.
— Não é melhor?
— É sim… — respondeu com um sorriso amarelecido.
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Um exemplo de simplicidade e sensibilidade
Fui na Vila Alta conversar com uma senhora que teve o marido assassinado com um tiro na cabeça em um bar. Ele foi usado como escudo em um acerto de contas entre jovens envolvidos com o narcotráfico. Me surpreendeu a simplicidade dela, uma pessoa de fala mansa que não sente raiva nem ódio de ninguém, mesmo depois de uma tragédia. Me disse que gostaria apenas que as pessoas parassem de se matar em vez de destruir a própria vida e a dos outros.
Quando levo pessoas de outras realidades para a Vila Alta
Quando levo pessoas de outras realidades para a Vila Alta, na periferia de Paranavaí, consigo ver o receio em seus olhos. É um medo que também vem do estranhamento em não perceber que aquela realidade só existe porque não apenas os governantes e legisladores são passivos, mas também nós mesmos.
Mazinho e o menino
Encontrei uma criança dando um tapa na cabeça de um cachorro na rua. Não foi um tapa muito violento, mas pela reação do cãozinho pareceu tão comum que suspeitei que não era o primeiro. Encostei o carro, desci e caminhei até ele.
— Oi! Tudo bem?
— Oi! Tô bem.
— Legal! Isso é bom!
— Esse cachorro bonito mora com você?
— Mora sim…
— Faz tempo?
— Desde que nasci…
— Qual é o nome dele?
— Mazinho.
— Você gosta do Mazinho?
— Gosto sim, muito.
— Isso é muito bom!
— Você lembra de mim?
— Sim, você visita o Tio Lu.
— Isso mesmo!
— Posso te fazer uma pergunta?
— Pode…
— Você acha que dói apanhar?
— Dói…dói sim…
— Você já bateu em alguém de quem você gosta?
— Não…
— Entendo. Nem no Mazinho?
— Aaaah….bati…
— Você acha que ele sente dor?
— Não sei…acho que sim…
— Ele fica feliz perto de você?
— Fica…
— Então se ele fica feliz, ele também fica triste, e se fica triste significa que tem emoções e sentimentos. E quem tem emoções e sentimentos também sente dor, concorda?
— É…verdade.
— Quando você bate no Mazinho, ele fica alegre?
— Não…
— O que ele faz?
— Ele foge de mim…
— Você gosta quando ele foge de você?
— Não…
— Por quê?
— Acho que porque ele fica com medo de mim.
— E por que ele fica com medo de você?
— Porque quando faço isso ele me acha mau…
— E você é mau?
— Não…
— Então que tal mostrar pra ele o tempo todo que você não precisa ser mau com ele?
— Acho que seria bom…
— Seria sim, e vai ser bom.
— Que tal experimentar?
— Vou fazer isso.
— Promete?
— Prometo.
— O que acha de pedir desculpas e dar um abraço no Mazinho?
— Tá bom…
O menino caminhou até o cãozinho que se escondia atrás de uma cerca em um terreno baldio vizinho. Hesitou com o focinho virado para uma mureta, mas aceitou o abraço. Antes que o soltasse, Mazinho lambeu-lhe a orelha. O menino sorriu e uma lágrima escorreu. “Desculpa, Mazinho…” – disse baixinho.
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O desabafo de uma criança
Na Vila Alta, ouvi uma coisa que voltou a me surpreender, e esse é um dos motivos pelo qual quero voltar a frequentar a periferia com mais frequência. Enquanto conversávamos com a Dona Maria, uma das lideranças do bairro, ela disse que uma criança de sete anos fez um desabafo doloroso no final de semana.
O garotinho disse que seu pai já lhe causou tanto mal que ele quer crescer logo para descontar tudo isso nas outras pessoas. Que elas vão ter que sentir toda a dor que ele sente. Achei aquilo bem pesado, mas, frequentando a periferia desde 2009, já ouvi crianças do bairro dizendo coisas parecidas.
E muitas vezes elas não têm nenhuma referência, alguém para lhes dar alguma direção, conhecer a realidade deles. E eles precisam de pessoas de confiança, em quem possam confiar, que não estejam lá apenas para desempenhar um trabalho, cumprir um papel profissional; mas que realmente façam questão de conhecer suas mentes e seus corações.
Um garoto com raiva
Conheci um garoto na Vila Alta que vivia com raiva, com uma notável expressão carrancuda. Ele disse que não tinha controle sobre o que sentia.
— Você está com raiva?
— Sim.
— Com que frequência?
— Todo dia, toda hora.
— Há quanto tempo?
— Não sei dizer não, senhor.
— O que te deixa alegre?
— Não sei dizer – respondeu com um sorriso tímido.
— Cadê seus pais?
— Tenho não. Moro com minha vó.
— Você tem raiva de alguém em específico?
— Tenho raiva da vida.
— Por que a vida te deixa com raiva?
— Porque eu não existo.
— O que é existir pra você?
— As pessoas me enxergarem de verdade.
— Quem te enxerga de verdade?
— Acho que quase ninguém.
— Como você sabe disso?
— Porque ninguém me elogia, nunca.
— Então ser elogiado é uma forma de existir?
— Sim…
— Por quê?
— Sei lá. Porque significa que alguém acha que faço alguma coisa certa, que tenho alguma coisa boa, qualidade.
— E quantas vezes já te elogiaram?
— Poucas.
— E como você se sentiu?
— Feliz…
— Se você recebesse um elogio sincero por dia acha que não sentiria mais raiva?
— Acho que sim, né?
— Que tal começar a anotar os elogios que recebe das pessoas para não esquecê-los?
— É…pode ser.
— Talvez você não se recorde dos elogios que já recebeu porque recebe mais críticas, mas isso não significa que tenha recebido poucos elogios ao longo da sua vida. A verdade é que quando somos criticados com muita frequência, temos uma tendência a esquecer as coisas boas que já nos disseram. Nossa mente nos força de algum modo a relegá-las à insignificância quando nos mantemos em estado de negatividade. Coisas boas acontecem, mesmo que não tanto quanto gostaríamos. Elas existem, e surgem, em algum lugar, até quando fechamos os nossos olhos. Os elogios podem saltar da nossa própria mente, como um presente para nós mesmos.
— Acho que sim…
— Sempre que alguém te falar algo de bom, memorize e anote.
— Você vê alguma qualidade em si mesmo?
— Às vezes…
— Me dê um exemplo…
— Nunca prejudiquei ninguém…
— Isso é muito bom.
— E por que você nunca prejudicou ninguém?
— Porque é errado. Não gosto de fazer mal para ninguém, nem gente nem bicho.
— Isso é um exemplo de que você tem um bom caráter.
— Será?
— Sim.
— Não tenha dúvida disso, porque nesse caso a dúvida serve apenas para dificultar a sua própria aceitação. Quero dizer, se você não reconhece uma qualidade que atribuem a você, isso pode ser um problema, porque significa que você se recusa a se ver como os outros o veem. Se fosse mentira, tudo bem, mas não é o caso. Se falam de uma qualidade genuína, que tem a ver com a forma como você vive e age, não tem porque não concordar.
— É…acho que sim.
— Em muitos casos, as pessoas dizem coisas ruins não porque elas são más. É uma forma de defesa. Por exemplo, estou incomodado com algo, logo me sinto vulnerável, e acabo por direcionar isso para alguém. Então se eu não tiver controle, acabo por ofender e magoar as pessoas. Você já fez isso?
— Sim…
— Foi bom?
— Não…
— Pois então…
— Você ainda está com raiva?
— Não.
— Por quê?
— Porque você disse que tenho bom caráter, e eu tenho mesmo.
É importante enxergar a intenção para além das palavras. Muitas vezes o que parece ácido ou agressivo pode ser a couraça da sensibilidade.
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Nem todos os jovens que cometem delitos são irrecuperáveis
Me recordo que na minha adolescência eu e alguns amigos assistíamos aqueles filmes em que professores realizavam trabalhos de recuperação social dos piores estudantes em escolas dos Estados Unidos. Alguns alunos eram usuários de drogas, ladrões, entre outros. Isso emocionava toda a gente.
Achavam lindo ver aquela transformação na telinha. inclusive quando os filmes eram exibidos nas escolas, todo mundo ficava emocionado. Alguns até choravam. As pessoas amavam esse tipo de filme. Será que é porque era apenas ficção e se passava nos Estados Unidos? Quero dizer, se for algo real e próximos de nós, não devemos cogitar a possibilidade de um trabalho de recuperação?
Acredito que podemos sim. E posso citar como exemplo a minha experiência. Frequento a Vila Alta, um dos bairros mais pobres de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, desde 2009, onde tento contribuir como posso, e de forma voluntária. Quero dizer, não ganho nada pra isso. Nunca ganhei. Claro, a não ser satisfação em contribuir. Inclusive fiz reportagens, artigos e documentários sobre essa realidade.
Lá, conheci dezenas de garotos que já cometeram delitos, e muitos são recuperáveis. Posso citar inúmeros que não praticaram mais nenhum crime. Um deles mudou de vida depois que conseguimos uma mochila e uma porção de materiais escolares. Então, sim, em oito anos mantendo contato com jovens que já se envolveram em “coisas erradas”, posso dizer com alguma propriedade que vale a pena acreditar nessa molecada, nem todos estão perdidos. Se você não acredita, que tal se perguntar o que você pode fazer para ajudar a mudar isso?
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Idoso precisa de ajuda para tratamento de doença infecciosa aguda
O aposentado Juvenal Ferreira, que sobrevive com apenas um salário mínimo, e há muito tempo deixou de andar em decorrência de graves problemas de saúde, passa o dia em uma cadeira de rodas. Morador da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, ele sofre em decorrência de uma doença infecciosa aguda chamada erisipela, que provoca extremo inchaço nos pés e nas pernas.
“Tenho outros problemas de saúde, mas esse é o pior. Tem dia que não consigo dormir, porque a dor é muito grande. O medicamento não é oferecido pelo SUS, então a gente tem que comprar na farmácia. Já estou endividado e não tenho mais condições de continuar comprando os remédios; e são caros pra gente. Não é fácil, meu filho”, explica.
Seu Juvenal conta com o apoio da esposa, Dona Neide, que é quem se responsabiliza por todas as suas necessidades diárias, já que ele não consegue andar. Os únicos medicamentos usados pelo aposentado até hoje e que deram bons resultados foram as pomadas SAF-Gel, um gel hidratante com alginato de cálcio e sódio, e Quadrilon – indicado para dermatoses causadas por infecção bacteriana ou fúngica.
“Gasto dois tubos de cada por mês. E quando falta, a minha situação piora”, garante Seu Juvenal. A pomada SAF-Gel custa de R$ 50 a R$ 60, e a pomada Quadrilon pode variar de R$ 22 a R$ 35. O sonho de Juvenal Ferreira, que quase teve as pernas amputadas por causa da doença, é voltar a andar ou pelo menos ficar em pé sem a ajuda de ninguém. Para mais informações, ligue para (44) 98837-5322.
Saiba Mais
O endereço do Seu Juvenal é Rua das Ameixas, Nº 19, Quadra 15, Lote 18, na Vila Alta.