David Arioch – Jornalismo Cultural

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Os pianos de cauda da Vila Montoya

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Como os instrumentos chegaram a Paranavaí numa época em que não existia estrada?

Pianos Steinway foram trazidos a Paranavaí pela Braviaco (Foto: Reprodução)

Um dos fatos mais curiosos sobre a colonização de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, é que na década de 1920, antes do surgimento da Vila Montoya, o povoado contava com diversos pianos de cauda dispersos por residências próximas da Fazenda Experimental do Estado. Como isso era possível se cada um dos instrumentos tinha de 250 a 300 quilos e à época não havia nenhuma estrada que permitia o ingresso de grandes veículos na colônia?

Dos anos 1930 a 1945, vários pioneiros que chegaram a Paranavaí, então Fazenda Brasileira, se depararam com mais de 40 casas de madeira de louro-pardo, uma matéria-prima nobre. As residências, algumas tinham características da arquitetura francesa, passavam despercebidas pelos mais desatentos, pois a mata primitiva já tomava conta da vegetação cortada, além dos antigos cafezais que ao longe se ofuscavam diante do profundo abandono. “Nas casas ocupadas pela diretoria da Brasileira, encontrei diversos pianos de cauda em 1941”, afirmou o pioneiro gaúcho Otávio Marques de Siqueira em entrevista à Prefeitura de Paranavaí há algumas décadas, acrescentando que a maior parte estava em boas condições de uso.

De acordo com o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, que se mudou para a Vila Montoya em 1929, quando chegou ao povoado os instrumentos já estavam instalados nas residências da diretoria da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), responsável pela administração local. Na atualidade, cada um daqueles pianos de cauda importados custaria pelo menos R$ 40 mil, possivelmente mais valiosos que as casas que abrigavam os colonizadores. “O mais estranho é que ainda não tinha estrada até aqui. Os caminhões que vinham pra cá naquele tempo paravam a quilômetros de distância da colônia porque havia uma mata primitiva muito densa”, relata o pioneiro cearense João Mariano.

Salles também deixou claro em vida que só pouco tempo depois de formada Vila Montoya é que surgiu a primeira estrada. A futura Paranavaí era um povoado recôndito na selva, quase alheio à civilização. A única explicação palpável sobre a chegada dos pianos é que a diretoria da Braviaco incumbiu dezenas de empregados a percorrerem quilômetros a pé, em meio mata virgem, para transportarem cada instrumento que pesava mais de 200 quilos.

Há pioneiros que afirmam que alguns do pianos podem ter chegado ao povoado muito antes do que se imagina, na década de 1910, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio começou a desbravar o Noroeste do Paraná, dando a Paranavaí e região o nome de Pirapó. Segundo Frutuoso Joaquim, os instrumentos musicais eram a única diversão de muitas famílias em 1929.

A maior parte dos instrumentos ficava perto da sede da Vila Montoya (Foto: Reprodução)

Enquanto os encarregados comandavam o trabalho de centenas de migrantes, quase todos analfabetos, trazidos ao Distrito de Montoya para plantar e colher café no seio da mata primitiva noroestina, as mulheres dos funcionários da Braviaco passavam a maior parte do tempo dentro de casa cuidando dos filhos, dos afazeres domésticos ou tocando excertos de canções de compositores alemães como Johannes Brahms, Richard Wagner e outros expoentes do romantismo clássico em sofisticados pianos Steinway.  Vez ou outra, quando alguns peões retornavam da mata, ouviam ao longe vozes femininas cantarolando. Achavam bonito, mesmo que a completa ignorância os impedisse de decifrar o código musical. Tempos depois, a partir de registros pessoais, descobriu-se que eram trechos de óperas dos compositores italianos Giuseppe Verdi e Arturo Toscanini.

É possível crer que dois “mundos” se chocavam na Vila Montoya: a cultura intelectual – ostensiva e abstrata da burguesia, sob a imponente figura da Braviaco, e a cultura inculta – ingênua, frágil e estritamente rural do pobre migrante afiançado ao colonato. Desde o começo, Paranavaí já representava muitas realidades, mas o que mais chama atenção é que antigamente existia uma harmonia surreal nisso tudo.

Os pianos de cauda de Montoya foram abandonados em 1930, quando o Governo Vargas revogou a concessão da Companhia Brasileira de Viação e Comércio. Os funcionários da Braviaco e seus familiares partiram, deixando para trás todos os instrumentos musicais. Os pianos resistiram ao tempo, sobreviveram, mas desapareceram quando a colônia se transformou em Paranavaí. “Ninguém sabe ao certo o que houve depois com os instrumentos”, comenta João Mariano em tom de dúvida e mistério.

Curiosidade

Os pianos Steinway, criados por Heinrich Steinweg, surgiram em 1853 nos Estados Unidos, mas também foram fabricados na Alemanha a partir de 1880.

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A história de frei Estanislau

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 Hobby do frade era se aventurar na selva de Paranavaí

Frei Estanislau se mudou para Paranavaí em 1951 (Acervo: Ordem do Carmo)

Frei Estanislau é um personagem histórico de Paranavaí. Se mudou para o Noroeste do Paraná em 1951 e viveu aventuras inesquecíveis numa época em que a mata virgem envolvia a cidade.

O pernambucano Agripino José de Souza, conhecido como frei Estanislau, deixou muitas lembranças. Carismático, o frade tinha o poder de cativar os mais jovens. “Ele brincava com as crianças como se pertencesse a elas, e os pequenos o obedeciam como se fosse o pai deles”, relatou o frei alemão Ulrico Goevert no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

O frade foi noviço do frei Ulrico na Ordem do Carmo, em Recife, Pernambuco, onde recebeu o convite para vir a Paranavaí trabalhar com o frade alemão. Chegou aqui em outubro de 1951 e estranhou as dificuldades em se conseguir carne. “Só havia carne na cidade uma vez por semana”, frisou Goevert.

Foi aí que Estanislau disse ao frade alemão que conseguiria carne sem gastar nenhum centavo. No dia seguinte, o pernambucano saiu cedo e retornou às 20h. Frei Ulrico se surpreendeu ao ver a mochila cheia de aves e outros pequenos animais caçados por frei Estanislau. “Ele mesmo preparou e por vários dias tivemos uma mesa farta. Eu lhe dava licença para caçar duas vezes por mês”, revelou Goevert. Além de pássaros silvestres, o frade caçava veados, queixadas e pacas.

Um fato jamais esquecido pelo frei pernambucano foi uma caça a um grupo de macacos que comiam todo o milho da plantação de um colono local. “Acertei um dos animais e ele caiu ferido aos meus pés. Gritava igualzinho a uma criança e ainda estendia as mãozinhas ensanguentadas, pedindo ajuda. Foi terrível! Nunca mais atiro em macaco, mesmo que roubem todo o milho”, desabafou frei Estanislau quando retornou para casa.

Frade pernambucano (segundo da esquerda à direita) era ótimo caçador (Acervo: Ordem do Carmo)

A caça era o grande hobby do frade pernambucano que sempre reunia um grupo para se embrenhar na mata virgem do Noroeste Paranaense. Iam a cavalo e as caçadas duravam de dois a três dias. No entanto, um acontecimento desestimulou o frei. “Uma vez, amarramos os cavalos nas árvores e providenciamos as coisas para passar a noite. De repente, escutamos o rugido de uma onça. Ficamos muito assustados e pegamos nossas espingardas. Duas luzes esverdeadas brilharam e desapareceram”, contou frei Estanislau.

Com o susto, o frade e os companheiros não conseguiram se mover. Mais tarde, ouviram mais um esturro de onça. A experiência foi tão impactante que ninguém dormiu. Desde então, as caçadas se tornaram cada vez mais raras e o frade pernambucano nunca mais dormiu na mata.

As velas do frade 

Nos anos 1950, nenhuma casa comercial de Paranavaí vendia velas, então com a proximidade do feriado de Páscoa, o frei Estanislau teve a ideia de buscar cera na selva que cercava a cidade, onde havia muitas colmeias de abelhas silvestres. “Ele foi para o mato na Semana da Paixão. Com a ajuda de dois amigos, derrubou em dois dias uma peroba parecida com o carvalho alemão”, assinalou frei Ulrico.

Da colmeia de um metro de diâmetro que estava próxima ao topo da árvore extraíram cinco litros de mel. O restante escorreu pelo chão com o impacto da queda. Segundo o frade alemão, os três caçadores fizeram uma bola enorme com a cera derretida em uma caçarola.

Frei Estanislau (sentado à esquerda) passava até três dias na mata (Acervo: Ordem do Carmo)

“Na noite do Domingo de Ramos, o frei Estanislau voltou para casa com o rosto tão inchado que nem o reconheci. Levou muitas ferroadas. Mesmo assim, ele sorriu e disse que trouxe quase dez quilos de cera”, enfatizou Goevert. O frade pernambucano confeccionou as velas e deixou toda a igreja iluminada. Pioneiros lembram que sentiam de longe o cheiro de mel tomando conta da igreja no Domingo de Páscoa.

Um presépio à brasileira

A primeira comemoração pública de Natal realizada em Paranavaí foi preparada pelo frei Estanislau. Para a criação do presépio, o frade foi até a mata acompanhado de crianças e adolescentes para buscar matéria-prima. “Ele fez um presépio com 24 figuras de 10 cm de altura. Quando a cortina caiu durante a Missa do Galo não gostei muito do que vi. Mas percebi que a população adorou e contemplou”, salientou frei Ulrico.

Logo o frade alemão se deu conta que a obra foi feita de acordo com as tradições brasileiras. “Por ser alemão, num primeiro momento achei que muitas coisinhas não tinham nada a ver com o presépio de Belém. Depois refleti e percebi que o presépio não foi feito para um missionário alemão, e sim para o povo que mora aqui”, pontuou frei Ulrico que parabenizou o frei Estanislau durante a celebração.

Frei Estanislau, Dom Geraldo, frei Ulrico e as crianças que participaram da primeira celebração de Natal (Acervo: Ordem do Carmo)

No mesmo dia, o frade pernambucano reuniu cem crianças vestidas de branco para levarem o Menino Jesus de 40 centímetros, ladeado por duas velas, até a igreja. “Enquanto os demais cantavam ‘Noite Feliz’, de acordo com a velha melodia alemã, coloquei Jesus na manjedoura”, ressaltou o frei alemão.

Frei se dedicou à Vila Operária

Agripino José de Souza, conhecido como frei Estanislau, chegou a Paranavaí durante a Festa de Santa Terezinha, no dia 3 de outubro de 1951. Conforme informações do livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”, o frei Ulrico Goevert ficou muito feliz em recebê-lo. “No dia seguinte, fomos ao comércio comprar um fogão a prestação, utensílios para a cozinha e roupas de cama”, lembrou o frade alemão.

Frei Estanislau construiu igreja, salão de festas e paróquia da Vila Operária (Acervo: Ordem do Carmo)

Estanislau ajudou Goevert até dezembro de 1955, quando deixou a Ordem do Carmo para trabalhar no Rio de Janeiro. Retornou a Paranavaí, concluiu o ginásio na Escola Paroquial, atual Colégio Nossa Senhora do Carmo, e o clássico no Colégio Estadual de Paranavaí (CEP). Em 1970, se mudou para Curitiba, onde estudou filosofia e teologia.

Se tornou sacerdote aos 50 anos, em 16 de março de 1975. Então retornou a Paranavaí, onde se dedicou à Vila Operária. frei Estanislau construiu a igreja, o salão de festas e a paróquia do bairro. Em 1988, foi convidado a trabalhar em Querência do Norte, até que faleceu em 17 de maio de 1989. O corpo do frade foi trazido a Paranavaí e sepultado na cripta da Igreja São Sebastião.

Frases do frei Ulrico Goevert sobre o frei Estanislau

“Frei Estanislau tinha uma alma sem mácula e um coração de ouro.”

“Nunca esquecerei como preparou a primeira festa de Natal.”

“Com o seu humor sadio, me tirou muitas preocupações da cabeça. Nas dificuldades, era tão engenhoso que eu fiquei muitas vezes admirado.”

Aventuras para chegar a Paranavaí

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Migrantes enfrentaram adversidades para chegar ao povoado entre os anos 1920 e 1940

Frutuoso Salles teve de atravessar o Rio Paranapanema a nado (Foto: Reprodução)

A travessia do Rio Paranapanema a nado

Uma das histórias mais surpreendentes de chegada de migrantes a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, é a do pernambucano Frutuoso Joaquim Salles. Considerado o primeiro cidadão local, o homem foi um dos poucos remanescentes da Vila Montoya a viver aqui até os seus últimos dias. Aos 19 anos, Salles recebeu uma proposta de trabalho no Paraná e aceitou na hora. Era a chance de fugir da miséria que assolava o sertão pernambucano na década de 1920.

Deixou a terra natal, Sítio do Moreira, no primeiro semestre de 1929. A vontade de fugir da pobreza era tão grande que foi embora do povoado a pé. Salles caminhou até a cidade de Salgueiro, onde conseguiu carona em um barco a vapor até Juazeiro, na Bahia.

“Peguei outro barco até Pirapora, em Minas Gerais”, relatou o pioneiro em entrevista ao jornalista Saul Bogoni décadas atrás, acrescentando que foi de trem até São Paulo. Na capital paulista, o pernambucano teve que se submeter a um procedimento típico aplicado aos migrantes nordestinos. “Fui vacinado como se vacina égua”, frisou. Por toda a vida, carregou no braço a marca daquele dia: uma cicatriz bem visível.

De São Paulo, Joaquim Salles viajou para Presidente Prudente, no Oeste Paulista, acompanhado de quase 300 pessoas com menos de 30 anos. De lá, seguiram para o Porto Ceará, na divisa com o Paraná. Como a balsa não comportava tanta gente, os centenas de migrantes tiveram de atravessar o Rio Paranapanema nadando. Do outro lado da margem, percorreram mais de cem quilômetros a pé até chegarem à Vila Montoya no dia 24 de julho. A sede administrativa da colônia ficava onde é atualmente o Distrito de Piracema.

Nove dias esperando uma carona

Caminhões trouxeram muitos pioneiros a Paranavaí (Foto: Reprodução)

Aventuras também foram vividas mais tarde pelos paulistas João Silva Franco e Salatiel Loureiro. Os dois pioneiros pegaram um trem em Ourinhos, no interior paulista, e viajaram até Apucarana, no Norte Central Paranaense.

“Apucarana era do tamanho do Distrito Deputado José Alfonso [Quatro Marcos], tinha pouca gente e algumas casinhas. Ficamos ali nove dias esperando uma carona pra trazer a família pra cá”, ressaltou Franco, lembrando que passaram por Lovat, atual Mandaguari, antes de virem para a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí.

De acordo com a pioneira catarinense Francisca Schueroff, nas viagens de caminhão, os passageiros que iam na carroceria tinham de se abaixar muitas vezes para evitar que fossem atingidos pelos galhos das árvores. Outro fato interessante é que na época da Brasileira não se via quase veículos motorizados. Era um bem acessível a poucos, tanto que muitos migrantes chegaram ao povoado inclusive de carona ou a pé. “O movimento mesmo era de carroças e cavaleiros”, enfatizou João Franco, se referindo ao tempo em que o pioneiro paulista Valdomiro Carvalho e muitos outros migrantes ganhavam a vida realizando fretes com carretão de bois.

Nos anos 1940, o pé-de-bode era um bem acessível a poucos (Foto: Reprodução)

Caminhões patinavam na estrada

Automóveis começaram a fazer parte da rotina dos paranavaienses somente no início dos anos 1950. Segundo o pioneiro mineiro José Alves Oliveira, conhecido como Zé do Bar, Paranavaí se situava no meio do nada e o picadão para chegar ao povoado era tão precário e arenoso que os caminhões até patinavam, quase indo ao encontro da mata virgem.

“Cheguei aqui com um caminhão que quebrou no caminho, lá perto da Capelinha [atual Nova Esperança]. Acontecia muito isso”, revelou Zé do Bar. Imprevistos custavam dias de atraso. O pioneiro catarinense Carlos Faber sabia o que isso significava. Nunca se esqueceu das viagens para visitar os parentes em Rolândia, no Norte Central Paranaense.

Naquele tempo, entre os veículos motorizados, o mais popular na região da Brasileira era o jipe Land Rover, de fabricação britânica, que se destacava pela capacidade de trafegar no solo arenoso e irregular da colônia. O veículo comercializado até por 20 mil réis perdeu espaço na década de 1950, quando a população do povoado começou a viajar com as jardineiras e os monomotores.

Povoado não tinha carro, mas tinha mecânico

Fluxo de automóveis cresceu apenas na década de 1950 (Foto: Reprodução)

O pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, lembrou que quando chegou a Fazenda  Brasileira havia apenas um automóvel.

“Era um pé de bode, um ‘fordinho’ cabeça de cavalo do Lindolfo Alves que tinha uma oficina com aparelho de solda. Aqui não tinha carro, mas tinha mecânico”, garantiu Araújo. Sem automóveis para consertar, a oficina de Alves era mais requisitada para soldar ferramentas de trabalho e cortar madeiras para a construção de casas.

Curiosidades

Nos anos 1940, uma viagem de caminhão custava até 1,5 mil cruzeiros.

O primeiro posto de combustível da colônia foi fundado pelo pioneiro espanhol Thomaz Estrada.

Em 1929, a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) mantinha uma frota de 25 caminhões na Vila Montoya.

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Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira

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Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema

Paranapanema, cenário de muitos crimes nos tempos da colonização (Foto: Reprodução)

Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.

A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.

No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.

No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.

Frutuoso Sales vivenciou período mais obscuro da história local (Foto: Reprodução)

Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.

No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.

Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.

A morte à espreita no Rio Paranapanema

De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.

Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.

Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.

O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.

Curiosidade

Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.