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Quando o Le Figaro desprezou a obra-prima de Baudelaire
O poeta sabia que seus poemas teriam grande impacto na sociedade francesa
Em 25 de junho de 1857, o poeta francês Charles Baudelaire publicou a obra-prima Les Fleurs du Mal (As Flores do Mal), criando uma ponte entre o romantismo e o modernismo. Eleita pela crítica como a mais importante e influente coleção de poemas do século 19, a obra dividiu opiniões e chegou a ser vilipendiada pelo jornal parisiense Le Figaro em 20 de agosto do mesmo ano.
“Nunca em um espaço de poucas páginas vi tantos seios mordidos, ou melhor, mastigados. Nunca vi tamanha procissão de diabos, demônios, fetos, gatos e vermes. O livro é um verdadeiro hospital de insanidades da mente humana, de toda a podridão do coração humano. Se a obra tivesse sido criada para curá-los, sem dúvida seria permissível, mas ela mostra que eles não são curáveis.”
Reações como a do Le Figaro colocaram o Escritório de Segurança Pública de Paris no encalço de Baudelaire. O julgamento de Les Fleurs du Mal foi encarado pelas autoridades francesas como uma boa oportunidade de recuperarem a credibilidade após a absolvição de Gustave Flaubert, acusado de imoralidade em 7 de fevereiro de 1857 pela autoria do clássico Madame Bovary.
Baudelaire sabia que seus poemas teriam grande impacto na sociedade francesa e inclusive os produziu com a intenção de torná-los uma bandeira. Por questão de segurança, enviou cópias do seu trabalho para o poeta estadunidense Henry Longfellow e ao poeta inglês Alfred Tennyson. Visto como um lunático por parte da sociedade parisiense, o escritor também pediu ao seu editor Auguste Poulet-Malassis para esconder a maior parte do material. A precaução foi considerada prioritária quando o francês descobriu que alguém divulgou previamente o conteúdo de “As Flores do Mal”, o qualificando como um trabalho subversivo.
Mesmo com a influência de Poulet-Malassis, Charles Baudelaire não conseguiu impedir que a investigação preliminar o levasse ao tribunal, tanto que de um total de 100 poemas seus que foram citados durante o julgamento, 13 foram considerados como manifestações de desprezo às leis que protegem a religião e a moral. Por outro lado, a sentença também garantiu boa visibilidade a Baudelaire. E mais, chamou a atenção dos entusiastas para um estilo de vida incomum à época.
Seus acusadores insistiram para que o poeta fosse condenado por comportamento irreligioso, mas essa vitória não foi concedida aos detratores. Ao final, Baudelaire teve de abdicar de seis poemas publicados na primeira edição de Les Fleurs du Mal. Foram eles: “Le Léthé”, “Femmes Damnées”, “Les Bijoux”, “A Celle Qui est Trop Gaie”, “Lesbos” e “Les Metamorphoses du Vampire”.
O primeiro poema de “As Flores do Mal” a ser publicado no Brasil foi “Le Balcon”, no livro Alcíones, de Carlos Ferreira, lançado em 1872. Das inúmeras versões da obra traduzida em língua portuguesa, uma que agradou bastante os leitores foi a do tradutor Ivan Junqueira, publicada em versão bilíngue pela Editora Nova Fronteira em 1985 e relançada em 2015.
Logo abaixo, transcrevo a versão de Junqueira para a primordialmente banida “A Celle Qui est Trop Gaie”:
A que está sempre alegre
Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.
A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.
As fulgurantes, vivas cores
De tuas vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de As Flores.
Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!
Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;
E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.
Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,
Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,
E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Baudelaire, Charles. Richard Howard. Les Fleurs Du Mal. David R. Godine Publisher, 1983.
University of Chicago Press. Selected Letters of Charles Baudelaire, 1986.
Huneker, James. Introductory preface to: The Poems and Prose Poems of Charles Baudelaire. New York: Brentano’s, 1919.
Baudelaire, Charles. Ivan Junqueira. As Flores do Mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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Saboteur e o antinazismo de Hitchcock
Um filme-propaganda lançado pelo mestre do suspense em 1942
O thriller Saboteur (Sabotador) é um filme do mestre do suspense Alfred Hitchcock. Ele soube muito bem aproveitar a Segunda Guerra Mundial para criar uma obra que ressalta a antipatia aos nazistas e a exaltação aos norte-americanos. Lançada em 1942, a película é a reação do cineasta inglês de 42 anos que, como não podia ir para o campo de batalha por diversos fatores, decidiu usar o cinema como ferramenta de combate.
A obra conta a história do operário Barry Kane (Robert Cummings) que testemunha o bombardeamento da fábrica de aviões onde trabalha. Na explosão, o melhor amigo do protagonista morre e Barry é injustamente acusado pelo crime. Na tentativa de provar a inocência, Kane inicia uma busca pelo verdadeiro criminoso. Durante a jornada, conhece a bela e desconfiada Pat (Priscilla Lane) que ameaça denunciá-lo, mas depois muda de ideia.
O filme tem um forte caráter de propaganda, além de uma abordagem, por vezes, maniqueísta. Como é ambientado nos Estados Unidos de 1942 aproveita por explorar a rejeição aos nazistas e exalta tendenciosamente as qualidades dos norte-americanos. Há uma supervalorização ficcional que se alinha ao idealismo e se distancia do realismo. Um grande exemplo é a exagerada solidariedade recebida por Barry enquanto viaja pelo país.
Em Nova York, a cena mais eletrizante acontece no topo da Estátua da Liberdade, quando o operário confronta o sabotador. É sempre destacável a maneira como o cineasta manipula luzes e sombras para despertar dúvida, apreensão e expectativa, além de outras emoções e pensamentos.
Com preciosismo e rigor técnico, Alfred Hitchcock conseguiu transmitir o ideal estadunidense da época; o triunfo hollywoodiano como prelúdio do fim da guerra. Embora não menos importante, a obra é uma das produções mais subestimadas do cineasta, até pelo caráter propagandístico que tornou o filme muito popular nos Estados Unidos e Inglaterra, mas nem tanto em outros países.