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O vegetarianismo na vida de Nikolai Ge, um dos mais importantes pintores russos da história
Em 1913, quando o 1º Congresso Vegetariano Russo foi realizado em Moscou, fazia quase 20 anos que o pintor realista russo Nikolai Ge havia falecido. Ainda assim, em sua homenagem, a “exposição vegetariana”, que ficou em exibição entre os dias 16 e 21 de abril, foi baseada em suas pinturas.
Foi uma justa homenagem a um dos vegetarianos russos mais respeitados pelo escritor Liev Tolstói. Em 8 de junho de 1910, Ge escreveu, em referência ao ensaio “Первая ступень” , “O Primeiro Passo”, de Tolstói, que “para que o primeiro passo se torne realmente um primeiro passo é necessário que outras etapas venham em seguida, porque o vegetarianismo em si é apenas uma limpeza que leva à hipocrisia e à exaltação da autoestima se não assumir a forma primordial de uma vida humana mais justa e inteligente.”
O ensaio, em que Tolstói qualifica a abstenção do consumo de animais como um sinal da aspiração séria e sincera da humanidade em direção a uma evolução moral que beneficie seres humanos e não humanos, atraiu a atenção de Ge no início de junho de 1892, quando ele o leu pela primeira vez. O pintor russo, que já se correspondia com Tolstói, passou a elogiar a sua defesa de uma vida moral que rejeita a exploração animal por entender as implicações dessa violência para a vida humana e não humana. Em uma das cartas, informou que estava satisfeito com suas modestas plantações de milho, batata e feijão.
A identificação de Nikolai Ge com Tolstói começou em 1882, quando o pintor leu um artigo de Tolstói sobre o censo em Moscou, publicado no jornal “Sovremennye Izvestia”. Após visitar adegas e observar o comportamento de seus infelizes frequentadores, o escritor russo escreveu uma passagem jamais esquecida por Ge: “Nosso desagrado e indiferença pelos desfavorecidos é a causa de seu estado de pobreza”. O pintor então se aproximou de Tolstói e os dois se tornaram amigos e confidentes. Nos seus últimos doze anos de vida, Nikolai Ge visitou Tolstói em Moscou e depois em Yasnaya Polyana, no Oblast de Tula.
Tatiana Sukhotina-Tolstaya, a filha mais velha de Tolstói, registrou que Nikolai Ge, que foi um bom amigo de seu pai, era um sujeito bastante peculiar – um vegetariano estrito completamente indiferente ao dinheiro, e se vestia não raramente como um indigente. De modestas predileções alimentares, o pintor russo gostava de kasha de trigo mourisco preparado com água e milho cozido.
“Muitas vezes, minha irmã e eu precisamos remendar as suas roupas. Minha mãe costurou um par de calças que o deixou muito orgulhoso. Ele vestia camisas simples e uma blusa velha e desgastada. Ficou conhecido por ir de Moscou a São Petersburgo assim, e nunca mudou seus hábitos, mesmo transitando por diferentes círculos sociais. Fiz um colete que ele usou na ocasião de seu falecimento”, narrou Tatiana.
Depois que se tornou vegetariano em 1885, e aparentemente por influência de Tolstói, Ge se preocupou em ir um pouco mais além, evitando usar mão de obra assalariada ou requerer o serviço de servos ou camponeses sob os padrões da época. Ele chegou a construir fogões para que os campônios mais desafortunados pudessem preparar pães em suas próprias casas. No início, esse novo estilo de vida singelo gerou grande desconforto na casa do artista, já que suas ações não eram muito bem vistas por sua família acostumada a um padrão mais elevado.
Um homem imerso em princípios, Ge, que foi considerado um dos maiores pintores de seu tempo, dizia que a arte não pode ser um meio de renda porque a arte não deve ser negociável sob o risco de ser maculada pelas implicações da mercantilização. Curiosamente, esse mesmo raciocínio foi partilhado no século XI pelo poeta sírio Al-Ma’arri, que também condenava a exploração e o consumo de animais e se recusava a escrever panegíricos, odes aos ricos patronos, por considerar isso uma forma de “prostituição artística”. Então Nikolai Ge adotou como profissão o trabalho de agricultor e o ofício de “fabricante de fogões”, atividade que exerceu em várias localidades. Assim ele poderia dar continuidade à sua arte em seu tempo livre, sem ter de se submeter a ninguém.
Em 1876, antes da amizade com Tolstói, Ge abandonou o conforto de sua casa em São Petersburgo e migrou para a aldeia de Ivanovo, na Província de Chernigov, no Oblast de Chernihiv, atual Ucrânia. Sobre o motivo dessa mudança, ele escreveu que quatro anos conciliando a arte e a vida agitada e cara em São Petersburgo mostrou que não valia a pena continuar vivendo daquela maneira. “Qualquer coisa que pudesse constituir meu bem-estar material estava em franca oposição ao que senti no fundo de minha alma. Como amo a arte como ocupação espiritual, tenho que encontrar um caminho para mim, independente da arte. Fui para a aldeia e pensei: “Com uma vida mais barata e mais fácil, conseguirei viver essa realidade, e a arte será livre’”, justificou.
Com o crescimento da amizade entre Tolstói e Ge, os dois se tornaram cada vez mais semelhantes no que diz respeito à aspiração de uma vida voltada à evolução moral e espiritual. Em agradecimento a Tolstói, o pintor fez um retrato do escritor em 1884 na famosa casa em Kharmovniki, em Moscou, obra que pode ser vista na Galeria Tretyakov, em Moscou, nas proximidades do Kremlin.
Na pintura reconhecida como uma das mais simples e verdadeiras do autor, Tolstói está sentado diante de uma mesa. Em suas pinturas que fugiam à recorrente pretensão de muitos artistas da época, Nikolai Ge passou a imprimir um realismo cada vez mais bucólico, que remetia ao despojamento e lhaneza – traduzindo as transparências de sua própria essência artística e anseio em transmitir nada mais do que a singeleza.
Até mesmo temas espirituais eternizados em seus quadros descortinavam e quebrantavam a ideia de uma realidade em que o ser humano está acima de tudo e de todos. Ainda assim, jamais deixou de revelar esperança no ser humano ou de direcionar sua energia para a fé utópica em um tipo de protesto espiritual que vê no sofrimento humano, físico ou não, um chamado para a renovação e evolução. Ge transmitia o conceito de uma unidade que habita todos nós, humanos, não humanos e a própria natureza.
Nikolai Ge ficou conhecido em seu tempo como um “pregador da beleza espiritual” que manipulava com rara habilidade as cores, as sombras, a composição e a complexidade do despertar humano. Por causa dessas características, que fatalmente o colocavam na contramão do apreço em voga, Ge era visto como uma figura solitária não apenas da arte russa como da arte europeia em geral. Se por um lado, ele evocava em certas obras um romantismo inabalável em relação à sua interpretação espiritual da natureza, por outro, Ge retratava também uma natureza inexpugnável, concreta ou mutável, e completamente diferente. Em 1886, ele renunciou à sua propriedade e comunicou a sua decisão à esposa Anna Petrovna e aos filhos, assim vivendo os seus últimos anos despojado de qualquer bem material.
Nikolai Ge
Nikolai Nikolaevich Ge nasceu em 15 de fevereiro de 1831 em Voronezh. Em 1841, ele foi levado a Kiev onde estudou a maior parte da sua juventude e ingressou na Faculdade de Física e Matemática da Universidade de Kiev. Depois transferiu os estudos para a Universidade de São Petersburgo, até que em 1850 ingressou na Academia de Artes, onde dedicou sete anos.
Em 1855, recebeu uma medalha de ouro, o seu primeiro prêmio como artista pela pintura “Aquiles lamenta a Morte de Pátroclo”. Em 1857, foi novamente premiado – dessa vez com uma grande medalha de ouro e uma viagem para a França e para a Itália. Em 1860, deixou Roma e se mudou pra Florença, onde produziu diversas obras, até que decidiu retornar a São Petersburgo em 1870.
Então passou a se dedicar a temas históricos e lançou em 1817 uma de suas pinturas mais famosas – “Pedro O Grande interrogando o Tsarevich Alexei Petrovic”, que mais tarde alcançaria projeção internacional. Em 1875, Ge tomou a decisão de migrar para a área rural de Chernigov, na Ucrânia, onde, mais tarde rejeitou a exploração animal e humana, assumindo a sua responsabilidade de levar uma vida mais ética e mais espiritual. O artista viveu assim até falecer em 13 de abril de 1894.
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Entre as suas obras mais famosas estão “O Julgamento de Sanhedrin”, “A Última Ceia”, “Quod Est Veritas?”, “Pedro O Grande Interrogando o Tsarevich Alexei Petrovich”, “Liev Tolstói”, “Consciência: Judas”, “Sophia Tolstói”, “Alexei Potechin” e “Calvário”.
Referências
Sukhotin-Tolstoy,T.L. Memoirs. Moscou. Páginas 262-263 (1976).
Golovko, Oxana. 10 картин Николая Ге, которые стоит увидеть Pravmir (2014).
Tolstói, Natalia. Николай Ге: жизнь в поисках истины. Наука и жизнь (2012).
Н. Н. Ге. Толстовец avant-la-lettre. Vegetarian.ru (2007).
Россия неизвестная. История культуры вегетарианских образов жизни от начала до наших дней (2006).
Ге Николай Николаевич. (1831-1894). Продолжение. Artsait.ru (2014)
“A Vaca Deitada” de Van Gogh
1883 – “A Vaca Deitada” não é uma pintura muito conhecida de Van Gogh, mas é uma das minhas preferidas, porque foi pintada depois que ele decidiu não consumir mais animais ao testemunhar o sofrimento dos bovinos nos matadouros franceses. Por isso, creio que ele transferiu para a obra a prospectiva inerente, de quem já via algo nos animais que o impedia de se alimentar deles.
Talvez “A Vaca Deitada”, com seu olhar espartano, e sob uma perspectiva consideravelmente diluída, tenha sido uma manifestação de Van Gogh em eternizar o instante de paz de um animal que provavelmente não viveria muito.
“O Porco Abatido”, de Lovis Corinth
Um dos mais importantes nomes do impressionismo alemão, Lovis Corinth foi um dos primeiros artistas a registrar com um olhar humanizado a realidade dos animais mortos para consumo humano. Diversas de suas pinturas retratam o cotidiano dos matadouros, dos animais antes e após o abate.
Em “Geschlachtetes Schwein”, obra de 1906-1907, ele retratou a escuridão que permeia a morte de um porco recém-abatido. A única claridade é emanada do corpo do próprio animal. Ao seu redor parece restar apenas o vácuo da inexistência.
Dana Ellyn: “Por que amamos alguns animais e comemos outros?”
“Quanto mais pesquisarem de onde vêm sua comida, mais se inclinarão a tornarem-se veganas”
Muitas pessoas que gostam de animais normalmente ficam aborrecidas ou furiosas quando veem um animal doméstico sofrendo ou passando por algum tipo de privação. Por outro lado, não partilham do mesmo sentimento quando se trata de animais enviados aos matadouros. Foi justamente pensando nisso que um dia a artista vegana estadunidense Dana Ellyn decidiu pautar o seu trabalho em uma questão retórica: “Por que amamos alguns animais e comemos outros?”
Sim, não é difícil entender que se trata de um fator cultural, contudo, não deixa de ser uma forma de hipocrisia de nossa parte, principalmente se afirmamos que amamos animais, e ainda assim os comemos. “Os animais têm aparecido na minha arte há anos, mas foi só em 2013 que fiz deles o meu tema de trabalho. Colocar um adorável leitão ao lado de um pedaço de bacon [como ela fez na série ‘Olhe em Meus Olhos e Diga-me que Sou Delicioso’] pode causar desconforto em quem come carne, porque faz com que pensem sobre a origem da comida”, disse Dana em entrevista ao Compassion Over Killing (COK), uma entidade filantrópica de Washington, D.C., que atua em defesa dos direitos animais, em 22 de abril de 2014.
A artista reconhece que suas obras podem despertar os mais diferentes sentimentos, desde compaixão ao escárnio, até porque, além do veganismo, ela aborda também religião, política, divórcio e a opção em não ter filhos. “Quando comecei a me concentrar na criação de quadros com temática veg, pensei que estava me aventurando em um território menos controverso. Eu estava definitivamente errada”, admite.
Ela achava que algumas de suas pinturas, como “Baby Back Ribs” e “Independente (from Meat) Day” transmitiam mensagens óbvias, resultados do reconhecimento de como a carne chega aos nossos pratos. “Acontece que a maioria das pessoas não gosta de pensar sobre isso. Mesmo criando muitas pinturas com temáticas veganas, eu equilibro elas com uma coleção de obras gentis, que apresentam doces animais que olham para o espectador com olhos inocentes e enviam mensagens como: ‘Tenho sentimentos, por favor, não me coma’”, declarou a pintora a COK.
A habilidade pictórica, a evidência das contradições e o humor peculiar de Dana Ellyn estão em suas obras de cores vívidas e intensas que apresentam um forte e desafiador conteúdo crítico das mais diferentes questões sociais. Portanto, pode-se definir o trabalho de Dana como uma combinação do expressionismo com o realismo social, principalmente se levarmos em conta que ela tem como grandes inspirações a expressividade emocional e a perspectiva sombria dos expressionistas alemães; além da crueza e da confrontação da realidade influenciada por artistas mais contemporâneos e outsiders.
Muitos dos trabalhos de Dana com temáticas veganas são reconstruções de flashes artísticos de sua infância, um olhar adulto e vegano sobre o condicionamento em consumir carne e outros alimentos de origem animal. “Olhando para trás, percebo que sou vegetariana em meu coração desde a infância. Carne sempre me incomodou. Qualquer sinal de líquido vermelho era um tormento. E frango no osso era um grande problema, porque ainda parecia um animal. E nem falo sobre tendões em uma asa de frango, ou roer a carne de uma sobressalente costela em um restaurante chinês”, relatou em entrevista a Jodi Truglio, da revista Global Looking Glass em 23 de agosto de 2013.
Dana Ellyn, que se tornou vegetariana em 2001 e vegana em 2013, cresceu em uma pequena cidade costeira em Connecticut nos anos 1980. A cultura predominante de consumo de alimentos naquela época era do tipo “coma o que vier em seu prato e não faça perguntas”. “Minha família via o consumo de carne como um estilo de vida, uma maneira de pertencimento. Em minha infância, eu me sentia desconfortável quando me serviam pratos com cadáveres”, contou em entrevista à blogueira Zahava Katz-Perlish, do I’m An Animal Too, em 30 de junho de 2016.
Ainda criança, já preferia comer grãos e vegetais. Ela afirmou que despertou quando percebeu que a carne que era encorajada a comer para “viver”, nada mais era do que uma escolha, já que é possível viver muito bem sem consumir partes de animais. “Sempre fui sensível sobre o sofrimento dos animais reduzidos à comida ou usados com outros propósitos destrutivos. Ao me tornar vegana, abriu-se um novo mundo de experiências culinárias que eu e meu marido [que também é vegano] exclamamos com um pouco de frustração, por que alguém precisa comer carne?”, confidenciou.
O que levou a artista a ter fortes sentimentos sobre os direitos animais e o veganismo foi o reconhecimento de que estava sendo conivente com o sofrimento de outros seres vivos. “Assistir vídeos no YouTube, de galinhas sendo pisoteadas é um bom começo para qualquer um. Quanto mais as pessoas pesquisarem de onde vêm sua comida, e se conscientizarem da violência nas indústrias de carnes e laticínios, mais elas se inclinarão a tornarem-se veganas. Gosto de me considerar uma consumidora informada, e um consumidor especialmente informado pesquisa sobre o que coloca em sua boca. Ser vegano faz todo o sentido”, ponderou.
Dana Ellyn gosta de atrair a atenção de consumidores de carne com suas pinturas que questionam a conduta especista humana. “Quem come frango, carne bovina ou de porco fica todo sentimental quando vê os coelhos e gatinhos sendo vendidos como comida em minhas pinturas. Em um nível intelectual, eles entendem que minha referência é sobre diferenças culturais, mas eles não são capazes de direcionar o espelho para si mesmos e admitir plenamente que o que eles comem não é diferente”, explicou ao portal Viva La Vegan! em 20 de junho de 2013.
A artista, que vive em Washington, D.C., se graduou em história da arte e belas artes em 1992 pela George Washington University. Desde 2002, ela se dedica à pintura em tempo integral. Além de participar de muitas exposições nos Estados Unidos, seu trabalho também já foi prestigiado na Europa e no Marrocos.
“Foi essa mudança do vegetarianismo para o veganismo que me influenciou a começar a me concentrar principalmente nas questões dos direitos animais. Descobri que [muitas] pessoas que comem carne preferem negar as vantagens do veganismo. Eles gostam de zombar ou fazer piadas sobre a ideia de ser vegano. Agem como se eu fosse uma extremista por fazer uma escolha em ser vegana; como se eu fosse a estranha ou a errada [sendo que eles que financiam a morte dos animais ao consumirem carne]”, reclamou ao I’m An Animal Too.
Segundo Dana, é fácil para as pessoas negarem a realidade quando elas se mantêm alheias à origem da comida. “Eles compram a carne que é embalada em um invólucro plástico, e isso pouco se assemelha ao animal de onde veio. Tenho tido muitas conversas ao longo do ano sobre ser vegetariana. Quando falo sobre as horríveis condições dos animais na agroindústria, as pessoas balançam suas cabeças e sempre afirmam que sabem, mas não querem saber. Eles basicamente reconhecem que se eles admitirem a si mesmos como isso é horrível, eles teriam que parar de comer carne. Não entendo isso. Então por que não simplesmente parar de comer carne em vez de enfiar a cabeça na areia e fingir que não vê qual é o problema?”, lamentou ao Viva La Vegan!.
Em “Meet Your Meats”, ou “Conheça Suas Carnes”, inspirada na negação da realidade, Dana Ellyn criou um cenário em que uma pessoa abre o refrigerador para retirar comida e, de repente, se vê obrigada a lidar, face a face, com os animais que está pensando em jantar. “Em várias ocasiões, colaborei com a [entidade filantrópica em defesa dos direitos animais] Compassion Over Killing, disponibilizando minha arte para venda em seus eventos de arrecadação de fundos. A COK também usou minha arte como capa do seu cartão de férias. Recentemente, colaborei com a britânica Lucy Tammam, premiada designer de moda de alta costura de Londres, que tem sido uma inovadora em termos éticos e sustentáveis”, revelou a Zahava Katz-Perlish.
Ao Viva La Vegan!, Dana se queixou que muitas pessoas jamais dedicam qualquer tempo para sair e conhecer um porco como animal de estimação. Ela defende que essa experiência poderia fazer alguma diferença. “Elas seriam capazes de comer carne de porco novamente? Suponho que algumas sim, e outras não”, concluiu. Tal reflexão a motivou a criar uma obra em que o cão Fido aparece vestido de porco para ser servido durante o jantar, enquanto o suíno ocupa maliciosamente o lugar do cachorro. “A menina parece saber o que aconteceu porque ela está olhando em direção ao porco, suprimindo um sorriso. Mas a mãe, representada de propósito como uma dona de casa dos anos 1950 está obedientemente servindo o jantar. Tradicional e antiquada, ela não questiona nada – está apenas fazendo o que se espera dela”, assinalou.
Em outra pintura de Dana Ellyn, que evoca uma inversão de papéis, um leitão assado aparece com uma maçã na boca, enquanto um cão feliz tem uma bola de tênis entre os dentes. “Meu principal objetivo como artista é fazer as pessoas felizes. Orgulho-me em fazer minhas obras de arte acessíveis. Eu quero que todos que desejem possuir um dos meus quadros tenham condições de adquiri-los. Como uma artista vegana, espero que os veganos compreendam e apreciem a minha arte. Se os não veganos veem minhas pinturas e se sentem confusos e desafiados, ou mudados por minhas pinturas, então me sinto feliz”, garantiu ao blog I’m An Animal Too em 30 de junho de 2016.
Referências
http://imananimaltoo.com/2016/06/30/power-art-change/
http://cok.net/blog/2014/04/vegan-artist-dana-ellyn/
http://www.vivalavegan.net/list/7-updates/545-dana-ellyn-vegan-painter-art-a-inspiration.html
http://www.danaellyn.com/bio.html
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A exploração animal na arte barroca de Rembrandt
Em 1655, o holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn, ou simplesmente Rembrandt, um dos maiores pintores europeus de todos os tempos, pintou o quadro “Boi Abatido”. A obra-prima apresenta um grande pedaço de carne pendurado em uma construção de madeira em um quarto sombrio que funciona como matadouro.
O boi foi esfolado e aparece decapitado, sem órgãos e cascos, simplesmente um oco cadavérico. A carcaça é iluminada por uma fonte de luz que não pode ser identificada pelo espectador. Na porta, há uma mulher com um chapéu branco, e ela parece observar tanto o boi morto quanto o espectador.
Para transmitir a aspereza e a contumácia da situação, Rembrandt pintou a obra com traços espessos, garantindo mais realismo à pintura, e talvez fazendo uma referência à brutalidade do açougueiro.
“Boi Abatido” é um exemplo da genialidade do pintor barroco que, com uma porção de traços grossos, conseguiu chocar os espectadores no século 17 ao registrar uma situação tão funesta e ao mesmo tempo recorrente, não somente naquele tempo como na atualidade, já que sua obra até hoje gera repercussão e controvérsias.
A atmosfera sepulcral, que transmite pesar e ao mesmo tempo frieza, assim como a distribuição de cores que fazem referência aos vestígios de sangue ainda fresco do animal, deixa evidente que ali não há nada mais importante do que a carcaça de um ser que horas antes respirava.
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A obra de Rembrandt está em exposição no Museu do Louvre, instalado no Palácio do Louvre, em Paris.
O grito dos animais por trás do grito de Edvard Munch
“Creio que quando [Edvard Munch] criou esse nome [em alemão], ele o relacionou com o grito dos animais”
O pintor norueguês Edvard Munch, precursor do expressionismo alemão, conquistou fama mundial com a sua obra-prima Skrik (O Grito), de 1893, considerada uma das mais importantes pinturas da história do expressionismo. Embora muita gente associe a obra à angústia e decepção em sua vida pessoal, a verdade é que existe muito mais por trás dessa pintura que se tornou o símbolo internacional da ansiedade.
Em “O Grito”, que mais tarde recebeu versões de Andy Warhol e Gary Larson, um corpo contorcido, um rosto esticado e uma boca oblonga e aberta tem ao fundo duas pessoas conversando, possíveis amigos de Munch. Acredita-se que as cores mais vívidas tenham sido inspiradas pelos matizes impetuosos do céu europeu durante a erupção do vulcão Krakatoa em 1883.
Há quem diga que a pintura é uma manifestação das insatisfações de Munch no amor e na amizade. Porém, declarações de artistas conceituados e pesquisas mais aprofundadas trazem informações reveladoras. Um exemplo é o livro “Edvard Munch: Behind the Scream”, da inglesa Sue Prideaux, publicado pela Yale University Press em 2005.
A escritora e pesquisadora da obra e vida do pintor norueguês confirma que a cena de “O Grito” foi baseada em um lugar na Colina de Ekeberg, um bairro de Oslo, na Noruega. A inspiração veio de uma memória de quando ele caminhava ao pôr-do-sol em companhia de dois amigos.
Segundo informações que Sue transcreveu do próprio diário de Edvard Munch, o pintor sentiu-se exaurido e parou para descansar, encostando na grade retratada na pintura. Também sofrendo de ansiedade, problema crônico que sempre o acompanhara, ouviu sons que pareciam vir diretamente da natureza. Eram gritos de animais sendo mortos em um matadouro perto de um hospício. Os sons perturbadores se misturaram ao choro dos pacientes internados em um manicômio onde sua irmã era uma das internas.
Na pintura, ao fundo, a paisagem esmaecida da Colina de Ekeberg, que proporciona uma túrbida perspectiva, deu a tônica do estado emocional de Munch transformado em protagonista. A inquietação do personagem combinou a agitação interna e externa de tudo que o pintor vivenciou na caminhada em companhia dos dois amigos. Ele também chamava sua pintura de Der Schrei der Natur (O Grito da Natureza), nome alemão que deu à obra.
“A experiência foi muito perturbadora para ele quando atravessou aquela ponte. Creio que quando [Edvard Munch] criou esse nome [em alemão], ele o relacionou com o grito dos animais. Acho que se abrirmos nossos corações para esse grito, os animais estão falando através de si mesmos”, interpreta a artista britânica Sue Coe, deixando subentendido que Munch provavelmente tinha grande aptidão para se sensibilizar tanto com a dor humana quanto com a dor dos animais.
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Edvard Munch nasceu em Løten em 12 de dezembro de 1893 e faleceu em Ekely em 23 de janeiro de 1944.
Uma das cinco versões de “O Grito” foi vendida em um leilão por 120 milhões de dólares para um colecionador privado. As outras estão em exibição em museus ao redor do mundo.
Referências
Prideaux, Sue. Edvard Munch: Behind the Scream. Yale University Press (2005).
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Van Gogh: “Desde que visitei os matadouros do sul da França, parei de comer carne”
No Livro “The Letters of Vincent Van Gogh”, o pesquisador e historiador de arte Ronald de Leeuw, ex-diretor do Museu Van Gogh, apresenta fatos pouco conhecidos sobre a vida do neerlandês Vincent Van Gogh, expoente do pós-impressionismo e considerado um dos maiores pintores de todos os tempos.
Entre as revelações, estão citações de cartas que Vincent enviou ao irmão caçula Theodorus. “Desde que visitei os matadouros do sul da França, parei de comer carne”, confidenciou Van Gogh.
Em 2000, o escritor e crítico Steven G. Kellman publicou no Volume 69, número 4, da revista American Scholar, um artigo intitulado “Fish, Flesh and Foul”, relatando que a experiência foi tão traumatizante para o pintor que ele decidiu adotar o vegetarianismo, o que vai ao encontro do que foi publicado em 1990 na página 55 do livro “Vincent Van Gogh: A Life”.
Na obra, o autor Philip Callow narra que em 1877, no período em que o pintor esteve em Dordrecht, na Holanda do Sul, Vincent Van Gogh nunca consumia carne ou molho de carne, embora não haja informações precisas sobre até que ponto ou até quando ele se manteve vegetariano.
Colega de quarto de Van Gogh em Dordrecht, PC Görlitz registrou em correspondência enviada ao psiquiatra e escritor Frederik van Eeden, que o ajudaria a preparar um artigo sobre a vida de Vincent, publicado em 1º de dezembro de 1890, que em uma tarde, enquanto estavam diante da mesa, três deles se alimentaram com o apetite de lobos famintos:
“Não ele [Van Gogh]. Ele não comeria carne. […] Quatro batatas com uma suspeita de molho e um bocado de legumes constituiu todo o seu jantar. Diante de nossa insistência de que um jantar saudável depende de carne, ele respondeu:
‘Para um ser humano, a vida física deve ser um detalhe miserável; comida vegetal é o suficiente, todo o resto é luxo.’” Declarações como esta endossam que se Van Gogh não era realmente vegetariano, ele foi pelo menos um simpatizante ou defensor do vegetarianismo. Mais informações sobre o estilo de vida de Van Gogh podem ser encontradas também no livro “Van Gogh, Gauguin and the Impressionist Circle”, de Mark W. Roskill, publicado pela New York Graphic Society em 1961.
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Vincent Van Gogh nasceu em 30 de março de 1853 em Zunderst, nos Países Baixos, e faleceu em 29 de julho de 1890 em Auvers-sur-Oise, na França.
Algumas de suas obras mais importantes são: “Os Comedores de Batatas”, de 1885; “Quarto em Arles”, de 1888; “Doze Girassóis Numa Jarra”, de 1889; “Auto-Retratos, de 1886 a 1890; “Noite Estrelada”, de 1889; e “Retrato do Dr. Gachet”, de 1890.
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Um grande artista nem sempre é um bom exemplo de ser humano
Há inclusive aqueles que foram considerados artistas de caráter duvidoso
É comum alguém acreditar que um grande artista é um bom exemplo de ser humano, até mesmo uma pessoa perfeita, mas é importante ter em mente que isso não condiz com a realidade. Exemplos nunca faltam. Há inclusive aqueles que foram considerados por alguns como seres humanos de caráter duvidoso e que entraram para a história da arte como verdadeiros gênios, como é o caso do compositor alemão Richard Wagner, cujo antissemitismo dizem que chegou a ponto dele declarar que judeus são incapazes de produzir arte. Apesar disso, alguns estudiosos de sua obra dizem que ele tinha alguns amigos judeus.
O maestro judeu Daniel Barenboim, o maior intérprete da música de Wagner, chegou a fazer releituras das obras do compositor alemão em Israel e justificou que o germânico poderia ser repreendido, mas não sua música. “Ele não compôs uma única nota antissemita”, declarou quando questionado sobre o assunto. A explicação se sustenta até mesmo na ponderação de que bondade e maldade enquanto características pessoais são qualidades morais que não se aplicam à arte, principalmente do ponto de vista estético.
O editor do New York Times e crítico literário Charles McGrath defende que uma pessoa, independente de moralidade ou caráter, pode não apenas escrever um bom romance ou pintar uma bela tela como suavizar ou externalizar um grande infortúnio. “Pense em Guernica, de Picasso, ou Lolita, de Nabokov. É um romance excepcional sobre o abuso sexual de uma menor e descrito de uma maneira que faz com que o protagonista pareça quase simpático”, argumenta.
Degas, até hoje cultuado pelo seu perfil fervorosamente humanista, era antissemita e um defensor do tribunal francês que condenou o capitão Alfred Dreyfus, do exército francês, falsamente acusado de traição. Ezra Pound, expoente do modernismo, também era antissemita e protofascista, posições que ele assumia sem receio, embora a maioria não levasse a sério suas declarações sobre o assunto por considerá-lo excêntrico e até mesmo louco.
E na mesma esteira seguia seu amigo T.S. Eliot, da Igreja Anglicana, poeta que se orgulhava de uma posição ideológica muito próxima a de Pound. Já Picasso, sempre chamou a atenção pelos seus relacionamentos conturbados. Das sete mulheres com quem se envolveu amorosamente, duas cometeram suicídio e outras duas enlouqueceram.
Outro pintor com uma história de vida intrigante é o alemão Walter Sickert, referência da pintura avant-garde britânica. A escritora norte-americana Patricia Cornwell publicou um livro em que acusa Sickert de ser o famoso Jack O Estripador. Norman Mailer, duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer, tentou assassinar a esposa.
O pintor Caravaggio e o poeta e dramaturgo Ben Jonson participaram de duelos em que mataram seus adversários sem o menor remorso. E a lista segue extensa. Genet era ladrão, Rimbaud foi traficante de armas e Byron praticou incesto. Flaubert também se envolveu em um escândalo por pagar por sexo com garotos, sim, menores. “A base de toda grande obra de arte é uma pilha de barbárie”, escreveu uma vez o crítico literário alemão Walter Benjamin.
Apesar disso, a arte consegue perseverar como enobrecedora porque ela inspira e transporta o leitor ou espectador. “Ela refina nossas discriminações, amplia a nossa compreensão e simpatia. Se ela faz isso conosco, imagine o que ela não é capaz de fazer com seus autores? Nos apegamos a essas noções porque cremos que a arte nos leva à evolução moral”, enfatiza McGrath.
Questionado se bons exemplos também fazem boa arte, o editor do New York Times responde que há muitos bons artistas que são decentes ou moralmente íntegros. Ou seja, que não são racistas, não batem em suas esposas, não ignoram suas famílias, não praticam injúrias nem mesmo sonegam impostos. “O artista é alguém vinculado à sua própria lei. Ele acaba por ser até mesmo egoísta, mas em muitas situações porque precisa. Grandes artistas tendem a viver para sua arte mais do que para os outros”, declara.
A afirmação de McGrath pode ser facilmente comprovada se avaliarmos as biografias de artistas como Fitzgerald, Faulkner, Bellow, Yates e Agee, homens que tiveram casamentos desfeitos, filhos negligenciados e pouco amados. E será que a arte vale a infelicidade dos mais próximos? Hemingway se casou quatro vezes e teve dois filhos problemáticos.
Quando Gregory completou 21 anos, ele escreveu uma carta ao pai dizendo como ele destruiu sua vida e a de outros quatro familiares. Depois de se tornar uma transexual alcoólatra em Miami, Gregory morreu em uma penitenciária feminina. Outros agravantes eram o perfil mulherengo de Hemingway e suas constantes bebedeiras. Além disso, sempre se importou mais em escrever do que em cuidar da família.
Assim que se casou com Catherine Hogarth, Charles Dickens, um dos mais famosos romancistas ingleses, prometeu que seria um pai e marido exemplar, levando em conta a própria infância miserável, acentuada pela ausência da figura paterna. No entanto, fez tudo diferente. Foi um pai desleixado e péssimo marido. Irritado ao ver que a cada gravidez a sua esposa ficava mais gorda e doente, Dickens se tornou um sujeito amargo.
“Ele expulsou a própria esposa de casa e anunciou em sua revista que fez isso porque ela era uma mãe tão irresponsável que nem os filhos a suportavam. Mais tarde, despachou o filho Edward, de 16 anos, para a Austrália e nunca mais o viu novamente. Dickens morreu sob o domínio completo da arte, uma arte cruel que exige de seus praticantes uma desumana servidão”, avalia Charles McGrath.
Referência
McGrath, Charles. Good Art, Bad People, The New York Times, The Opinion Pages, Global Agenda, Genius At Work. 22/06/2012.
O aliendígena
Plebeu: “Todo mundo dizia que eu tinha criado um estilo, mas não me deram incentivo algum”
Há mais de vinte anos, Roldney Plebeu, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, encontrou na arte mais do que um hobby e uma profissão: uma razão existencial. Cada uma de suas telas recebe cores e formas que nascem da mistura de impressões e sentimentos. É a arte existencialista de um aliendígena, como o artista define a si e tudo que produz.
Roldney Plebeu, 42, teve o primeiro contato com o desenho e a pintura na infância. “Comecei rabiscando com caneta”, diz. Na adolescência, se tornou um artista autodidata solitário por causa da incompreensão e falta de apoio. Aos 23 anos, sentiu necessidade de amadurecimento artístico e tentou entender melhor as próprias pinturas. Anos depois, insatisfeito em Paranavaí, Roldney se mudou para São Paulo.
Na capital paulista, o artista conheceu alguns empórios, institutos e escolas de artes como a Panamericana Escola de Arte e Design. “Precisava saber se o meu trabalho pertencia a alguma corrente artística, mas apenas me decepcionei. Todo mundo dizia que eu tinha criado um estilo, que sou revolucionário da arte, mas não me deram incentivo algum”, lamenta, sem esconder a decepção.
Plebeu não conseguiu custear as despesas em São Paulo por muito tempo e logo adotou como lar um banco gelado do Terminal Rodoviário da Barra Funda, espaço que dividia com mendigos. “Eu dormia pouco nessa época. Ficava a maior parte do tempo pintando na Avenida Paulista”, relata. O destino era sempre uma viela do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp).
Lá, chamou a atenção de estrangeiros. Turistas dos Estados Unidos, Japão, Inglaterra e Israel compraram muitas de suas obras. “Um norte-americano, Joshua Rodriguez, presidente de uma fábrica de medicamentos do Texas, gostou muito do meu trabalho. Comprou até pinturas inacabadas”, garante Roldney. Convidado a se mudar para Londres, recusou a proposta para não se distanciar da mulher e dos filhos que estavam em Paranavaí.
Não demorou para os seguranças do Masp pedirem para Plebeu procurar outro lugar para pintar. Sem lugar fixo para expor as obras, o artista teve dificuldade em vender o que produzia. “Comecei a dar aula de graça para crianças de rua que eram viciadas em drogas”, explica. Pouco tempo depois, a desvalorização artística levou Roldney à depressão crônica. “Diziam que minhas obras eram complexas demais. Não consegui vender mais quase nada. Me envolvi com pichação e comecei a usar drogas”, revela o artista que abandonou a dependência química quatro anos depois e retornou a Paranavaí.
Emocionado, declara que nunca conquistou estabilidade trabalhando com arte, inclusive há períodos em que enfrenta sérias dificuldades para comprar materiais. “Pintar é uma terapia, mas é uma pena que com essa arte eu não consiga manter a mim e minha família”, desabafa o pintor que também é escultor. Plebeu manipula madeira, pedra-sabão e ferro.
O conceito aliendígena
Roldney Plebeu é um artista prolífico. Consegue produzir pelo menos 15 obras por mês. Pinta telas com extrema naturalidade, tanto que abre mão de criar esboços. “Muito do que pinto surge como uma surpresa até pra mim, é algo sem planejamento, um reflexo da maneira como eu encaro o mundo e a vida”, justifica Plebeu que materializa impressões e emoções usando pincel e tinta.
O artista é autor do estilo aliendígena de conceber arte. O neologismo é uma referência às origens de Roldney Plebeu, um sincretismo de europeu e índio. “Eu sou o aliendígena, uma mistura de etnias. Trato das diferenças em meio ao caos mundial. Cada pessoa pode interpretar como quiser”, comenta.
O conceito estético aliendígena parece carregar um pouco de brasilidade, tropicalismo, existencialismo, surrealismo e modernismo; uma arte de origem globalizada e destribalizada que aborda a heterogeneidade cultural do ser humano e descortina as dificuldades do homem em reconhecer a si mesmo diante do semelhante. É possível encarar cada pintura de Plebeu como um quebra-cabeças, tanto na forma quanto no conteúdo, inclusive os personagens do quadro são fragmentos que se encaixam tanto quanto se antagonizam.
Roldney Plebeu também trabalha com paisagismo. É uma maneira de dar novas perspectivas a um ambiente. “É como criar um mundo dentro de outro”, avalia o artista plástico que também é poeta, letrista e escreve até versos de rodeio.
Frase do artista plástico Roldney Plebeu sobre a arte aliendígena
“Em São Paulo, quando era mais jovem, mostrei meus quadros para pessoas com grande formação em arte. Achei que me dariam respostas, mas me enganei.”
Contato
Para mais informações sobre o trabalho de Roldney Plebeu, basta ligar para (44) 9832-3901
Esculpindo vidas
Jesus Soares descobriu a identidade artística na figura dos marginalizados
Em 1986, quem via o garotinho Jesus Soares esculpindo faces desconhecidas em barrancos, nem imaginava que ele se tornaria um dos grandes nomes das artes plásticas em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com trabalhos expostos em diversos países da América Latina e Europa.
A relação de Jesus Soares com a arte começou por acaso, aos 11 anos, quando ele e os irmãos Paulo, Gílson e Adauto Soares se divertiam criando os próprios brinquedos e dando novas formas a alguns espaços. O que para a maioria era apenas um cenário ordinário e natural, na perspectiva de Jesus e seus irmãos era um universo de possibilidades de transformação.
“Uma vez vimos a capa de um livro e aquilo nos influenciou a criar algumas faces em barrancos”, conta o artista plástico Jesus Soares. O feito dos quatro irmãos pode ser interpretado como uma peculiar, mas ocasional concepção artística do Monte Rushmore, monumento rochoso situado nos EUA.
À época, ainda crianças, Jesus e os irmãos, que cultivavam uma profunda relação de amizade entre eles, produziam arte sem perceber, perdidos em uma realidade lúdica. “A gente fazia apenas porque gostava, era uma forma de divertimento”, afirma e acrescenta que encarou o próprio trabalho como arte somente a partir de 1998.
Naquele ano a artista Tânia Volpato foi até a residência do artista e se deparou com um presépio. “Quando disse a ela que fui eu quem fiz, a Tânia ficou surpresa, e eu mais ainda porque já tinha feito um monte de peças, mas nunca pensei que fossem arte”, admite Soares, que se destaca pelo talento em criar esculturas com as mais diversas matérias-primas, como arame, madeira, resina, gesso, sisal e fibra de média densidade (MDF).
Embora já tenha manipulado muitos materiais, Jesus é mais conhecido pelas esculturas em arame, sua marca registrada. “Nessa linha de trabalho, já atendi a Fundação Cultural, Rotary, Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí [Fafipa], Universidade Paranaense [Unipar], Secretaria Municipal de Esportes e Lazer e Associação Comercial e Empresarial de Paranavaí [Aciap], além de outros”, acrescenta.
Quem conhece o trabalho de Jesus Soares, logo identifica características do realismo surgido no século XIX. É algo que se deve não ao fato do artista seguir tal tendência, mas sim ter descoberto a identidade artística na figura dos marginalizados. Soares tem o dom de eternizar pessoas com quem se depara no cotidiano, aquelas que parecem inexistir socialmente.
“Pra mim a escolha de um personagem a ser transformado em escultura depende muito do contexto. Além disso, quando me pedem algum trabalho sob encomenda, já me foco no tema, daí faço um esboço levando em conta questões sociais, históricas e econômicas”, revela o artista que encontra na arte de esculpir um exercício de introspecção e reflexão sobre a vida e o mundo.
É impossível mensurar quantas obras Jesus Soares já produziu, mas muitas estão espalhadas pelo Brasil, além das enviadas para exposições na Áustria, Alemanha, República Dominicana e outros países. “Há poucos dias, recebi o convite para enviar peças ao Chile”, enfatiza o artista.
Material embutido de significados
A escolha do material para se trabalhar a confecção de cada peça carrega alguns significados. Um exemplo são três obras criadas pelo artista sob influência de Guernica, pintura de Pablo Picasso. “Foi uma encomenda que me fizeram em Amaporã. Selecionei três personagens do quadro e criei as peças”, conta.
Em uma das obras recheadas de crítica social, é possível ver uma criança no colo da mãe. O bebê em óbito foi idealizado a partir de uma minúscula colher. Levando em conta o contexto da guerra, principalmente os bombardeios alemães a pequena cidade espanhola de Guernica em 1937, Soares usou o talher para destacar uma metáfora; a infância perdida como sobremesa germânica.
O artista plástico, que também trabalha com cenografia em parceria com os irmãos Paulo e Adauto Soares, está sempre atendendo pedidos de novas encomendas. “Pra ter uma ideia, recentemente fiz cenários para a peça ‘As Aves’, do Grupo de Teatro da Unipar, também criei três obras em MDF e ainda preciso entregar mais de 300”, assinala o artista que cobra de R$ 35 a R$ 150 por peças de 35 a 50 centímetros.
Serviço
Para entrar em contato com o artista plástico Jesus Soares, basta ligar para (44) 8806-9585.