David Arioch – Jornalismo Cultural

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Somos mais e nos julgamos menos

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Não somos naturalmente mono, somos pluralistas desde o primeiro respiro (Arte: Reprodução)

Enquanto eu aguardava atendimento, Alberto sentou ao meu lado em uma das poltronas da Caixa Econômica Federal. Me falou que estava se aposentando depois de 40 anos de trabalho dedicados a mesma empresa. Parecia satisfeito, mas não tão seguro sobre isso. “Terminei a faculdade e passei a vida inteira fazendo praticamente a mesma coisa”, contou. Perguntei se ele se sentia realizado. Respondeu que não, mas que se adaptou a viver dessa forma.

O questionei também sobre seus sonhos de infância e adolescência, se tinha lembranças de algum deles. “Já não me lembro quais eram. Faz muito tempo”, disse. Todos os dias, encontro Alberto na figura de outras pessoas. Eles estão por todos os lados e me fazem pensar que não nascemos para nos dedicar somente a uma atividade. Não somos naturalmente mono, somos pluralistas desde o primeiro respiro, mas a vida, o mundo e aquilo que nos cerca muitas vezes nos limita. O tempo sempre parece curto, sem margem para a diversidade.

E assim corremos o risco de perder nossa pluralidade na infância ou adolescência, quando nos dizem o que devemos ou não fazer, para o que nascemos ou não nascemos; quando as pessoas agem como se conhecessem melhor nossas aptidões do que nós mesmos. A criança nunca quer ser somente uma coisa. Ela quer ser várias. As horas e os dias mostram isso. A vida demanda liberdade, e a nossa diminui quando crescemos por fora, mas nos reduzimos por dentro.

As inseguranças são amplificadas quando você não se vê como parte de um caminho, e ao mesmo tempo alguém te oferece prazos para “tornar-se alguém”. E esse alguém não raramente é outra pessoa que não você. Os conflitos aumentam na fase adulta porque você é obrigado a abandonar a multiplicidade da sua existência para se resumir a não mais do que uma atividade – o trabalho.

Nomes tornam-se metonímias da profissão, a identidade humana é suprimida pela profissional, e o ser perde cada vez mais espaço para o ter. Acredito que muitos dos males psicológicos e emocionais da atualidade têm relação com essa supressão existencial. Somos mais e nos julgamos menos. Nos vemos como incapazes de fazer mais do que fazemos, ou o que realmente queremos – porque é o que o mundo nos diz.

E o tempo nos leva à passividade, a aceitação de uma perspectiva lancinante de pragmatismo. O conformismo nos sufoca com um tipo de sutileza travestida de aceitável incerteza. Quantas pessoas que você conhece são hoje o que realmente gostariam de ser? Sentem-se verdadeiramente recompensadas pelo que fazem? Vive-se pelo não viver quando a vida se torna um simulacro do que poderia ser.

Não somos seres mecânicos, somos complexos. Quando nossas potencialidades, mesmo que ainda desconhecidas, são ignoradas, morremos um pouquinho a cada dia, sufocados pela rotina, pelas pressões externas e por nossas próprias descrenças. Acredito que somos como árvores que cedem diante da tempestade quando amargam na própria raiz o dissabor da incredulidade.

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Written by David Arioch

December 21st, 2016 at 3:27 pm

Do anonimato à superexposição na internet

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Éramos anônimos e o anonimato era praticamente uma bandeira para nós

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Não tínhamos nome, sobrenome, origem, cidade, estado nem mesmo um país real quando usávamos proxy internacional (Foto: Reprodução)

Sou de uma geração de anônimos na internet. E o que quero dizer com isso? Bom, quando comecei a usar a internet por volta de 1996, eu, assim como a maioria dos usuários, era um anônimo. Não tínhamos nome, sobrenome, origem, cidade, estado nem mesmo um país real quando usávamos proxy internacional. O mais importante não era aparecer, mas sim conhecer e trocar informações, ideias e alguns poucos arquivos.

Cheguei a ter contato com pessoas por anos sem jamais saber quem eram de verdade; como eram fisicamente, quantos anos possuíam, o que faziam para sobreviver, entre outras coisas, até porque, dependendo, isso pouco importava. Éramos anônimos e o anonimato era praticamente uma bandeira para nós. Fotos dos usuários eram raras. E isso não fazia muita diferença.

Em alguns aspectos, acho que existíamos mais para o conhecimento, o conteúdo, do que para as relações interpessoais. Palace, ICQ, mIRC, fóruns, usávamos o que existia na época. Acredito que éramos feitos de linhas, estilos, linguagens, narrativas e trocas de arquivos. Em salas, tópicos e janelas privadas, poderíamos conversar hoje e então nunca mais. O vínculo era possível, mas não essencial. Desrespeito, intolerância e balbúrdia eram coibidos com o mais icônico BAN.

Não havia tanta exposição. Ninguém precisava aparecer se não quisesse, nem por isso seria tachado de coisa alguma. Muito pelo contrário, era a mais comum das práticas daqueles tempos. Aos poucos esse mundo foi desaparecendo, pelo menos diante de um novo onde os usuários de internet se tornaram mais transparentes, mais vaidosos, alcançáveis e até mesmo presas de um universo ruidosamente curioso.

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Ninguém precisava aparecer se não quisesse, nem por isso seria tachado de coisa alguma (Foto: Reprodução)

Houve uma metamorfose e hoje vivemos a contramão do anonimato. Há uma superexposição como jamais imaginada nas décadas anteriores. E isso é encarado como algo natural. Muita gente parece não se importar em ter o cotidiano integralmente registrado na internet. O que faz em horários bem específicos, onde come, o que compra, o que ama, o que odeia, quando sai, com quem sai, quais ambientes frequenta.

É possível criar uma agenda de rotinas a partir das informações que as pessoas disponibilizam nas mídias sociais. Acredito que aí subsiste o perigo da superexposição, já que não conhecemos todas as pessoas que recebem essas tantas informações compartilhadas. Sim, você está sendo apenas você, porém e se ser você implica de algum modo em uma consequência negativa para si mesmo e para outros? Ainda valeria a pena?

Em mídias sociais, todos os dias me deparo com conteúdo ofensivo ou formulado de forma bastante equivocada. Não consigo deixar de pensar em como isso pode ser perigoso. Nossa opinião pode reverberar coisas que nem imaginamos dependendo da forma como elaboramos um texto.

Acredite, muitas vezes a maneira como escrevemos pode gerar interpretações inimagináveis se não formos cuidadosos com as palavras. Não é à toa que pessoas são demitidas, amizades e casamentos são desfeitos, entre outras consequências. Afinal, somos responsáveis pelo que publicamos.

Há inclusive muitos casos de ameaças, brigas e assassinatos em decorrência de discursos, opiniões ou “críticas” e críticas publicadas na internet. Então por que não tentar ser mais comedido? Até porque quanto mais ódio disseminamos, mais ódio atraímos. Não é possível conquistar sorrisos sendo avesso à pluralidade.

Na minha opinião, a ponderação deve ser a base de toda produção textual divulgada em mídia social. E faço tal afirmação porque tenho certeza que a maioria não se sente bem gerando inimizades ou perdendo a admiração de pessoas que apenas têm alguns pontos divergentes dos seus.

Não se trata de ser imparcial, até porque a imparcialidade é um mito, mas sim de tentar ser justo e ter sempre em mente que o outro não merece ser ofendido por você apenas por pensar diferente. Há que se ter o entendimento também de que mesmo quando você publica um texto obtuso ou ofensivo e se arrepende e o deleta, isso não significa que ele deixou de existir.

Assim como sabemos que não existe fora no mundo, eu acredito que o mesmo acontece no ciberespaço. Na internet, deletar não significa fazer o conteúdo desaparecer completamente. E volto a endossar que a forma como escrevemos é a porta de entrada para o conteúdo que queremos transmitir. Ser arrogante, desrespeitoso, visceralmente satírico ou desdenhoso desqualifica até mesmo textos bem embasados, desestimulando a reflexão.

 

 

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