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Al-Ma’arri e a guerra civil na Síria
Lendo sobre a tragédia que é a guerra civil na Síria, me recordei que no século XI o poeta e filósofo sírio Al-Ma’arri já criticava o fundamentalismo religioso, a avareza e a ganância, e defendia o direito à vida, inclusive se abstendo de se alimentar de animais. O tempo passou e as tragédias estão aí, reafirmando mais uma vez algo que um filósofo árabe cego já enxergava, temia e condenava no passado.
Al Ma’arri e a crítica à exploração animal
O poeta sírio e cego Al Ma’arri, que hoje provavelmente seria considerado vegano, viveu no século XI e dedicou parte de sua produção a criticar a exploração animal, inclusive de abelhas.
Ele se recusava a produzir panegíricos, odes aos ricos patronos que patrocinavam os artistas da época. Al Ma’arri considerava isso vergonhoso.
Mesmo vivendo em situação muito próxima da miséria, ele se negava a se alimentar de animais. Sua alimentação era baseada principalmente em feijões.
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Al-Ma’arri, o poeta “vegano” do século XI
Importante pensador árabe condenava a exploração animal em todos os aspectos
Um dos mais importantes poetas árabes de todos os tempos, o sírio Abul ʿAla Al-Maʿarri ficou conhecido no século XI por sua postura antirreligiosa e por condenar a exploração animal em todos os aspectos. Uma de suas obras mais famosas, e que aborda a sua adoção de uma filosofia de vida que hoje se enquadraria como veganismo, é o poema “Já Não Roubo da Natureza”.
Aos quatro anos, Al-Ma’arri ficou cego depois de contrair varíola. Mais tarde, deixou Ma’arrat al-Numan, sua cidade natal, para estudar. O sírio foi para Aleppo e depois para a Antióquia, onde a cultura predominante era helenista. Também viveu em outras cidades. Até os sete anos, um de seus grandes professores foi Ibn Kalawayth, um famoso erudito persa do século X, referência em gramática árabe e exegese corânica, falecido em 980. Em “Risālat al-Ghufrān”, seu trabalho mais conhecido, Al-Ma’arri lamenta profundamente a morte de seu mestre.
A obra poética que poderia ser traduzida como “A Epístola do Perdão”, assim como o sagrado Livro de Arda Viraf, é considerada uma das obras que possivelmente influenciou Dante Alighieri a escrever “A Divina Comédia”, publicada entre 1304 e 1321. Em “Risālat al-Ghufrān”, Al-Ma’arri narra a viagem de um poeta para o céu e para o inferno, onde ele encontra os maiores nomes da literatura árabe sendo punidos e recompensados por seus trabalhos. Para confrontar as crenças islâmicas, Al-Ma’arri apresenta um céu também ocupado por pessoas não-muçulmanas.
“Ele alcançou a originalidade quando ainda respirava o reminiscente ar de liberdade dos poetas pré-islâmicos da Era da Ignorância. Assim como o autor de Eclesiastes, al-Ma’arri descreveu o mundo a partir de um ponto de vista distanciado, aristocrático e ligeiramente desdenhoso”, analisam Cyril Glassé e Huston Smith na página 278 do livro “The New Encyclopedia of Islam”, de 2008.
Se por um lado, o sírio era visto como um racionalista controverso e pessimista que se dedicava a criticar o cristianismo, judaísmo, islamismo e zoroastrismo, por outro, ele advogada em nome da justiça social e dos direitos animais. As suas principais ferramentas de conscientização eram a sua produção literária e os seus discursos. Se sentia tão incomodado com os rumos da humanidade que chegou a dizer que talvez o melhor caminho fosse a anti-natalidade. No seu entendimento, era a forma mais eficaz de poupar as crianças das dores da vida.
Al-Qifti, renomado escritor egípcio da literatura islâmica medieval registrou que durante viagem para Trípoli, Al Ma’arri visitou um mosteiro perto da Lataquia, onde ouviu um debate sobre filosofia helênica. A discussão despertou nele um sentimento de ceticismo e irreligiosidade. O biógrafo e historiador sírio Ibn al-Adim rejeita essa versão, alegando que Al Ma’arri jamais teve contato com culturas não-islâmicas. Embora não haja consenso sobre esse aspecto de sua vida, ele jamais deixou de criticar a religião em seus versos. Em “As Duas Verdades Universais”, o poeta sírio escreveu:
Erram todos – judeus, cristãos,
muçulmanos e masdeístas:
A humanidade segue duas seitas:
Uma: pensadores sem religião,
Outra: religiosos sem cabeça.
A sua maior rejeição em relação à religião subsistia no fato de que os discursos dos profetas sempre foram baseados em afirmações inquestionáveis. Por essa sua posição, Ma’Arri um dia foi arrastado pelos pés para fora da casa do erudito islâmico e poeta Sharif al-Radi, em Bagdá. O erudito islâmico Ibn al-Kawzi, descendente de Abu Bakr, companheiro do profeta Maomé, o acusou de ser um zindiq, ou seja, alguém contrário aos dogmas islâmicos.
“Em meio a suas meditações sobre a tragédia humana, explodiu o ódio feroz da injustiça, da hipocrisia e da superstição”, avalia o escritor Reynold Nicholson no livro “Studies in Islamic Poetry”, escrito durante a Primeira Guerra Mundial e publicado em 1921. Al-Ma’arri enfatizava que o ser humano buscava refúgio nas histórias religiosas como forma de amenizar a sua solidão espiritual despertada por sua má conduta.
Em síntese, o sírio declarava que a religião era uma instituição humana inventada para atuar como fonte de poder e renda para seus fundadores e sacerdotes. Para isso, em sua concepção, valem-se de documentos falsos atribuídos à inspiração divina.
Abandona a mesquita e evita louvor,
Preces inúteis, sacrifício de ovelhas,
Pois o Destino trará cálice de sono
Ou cálice de insônia. O que vier, beba.
Foi justamente por condenar o sacrifício de animais que Al-Ma’arri se tornou vegetariano aos 30 anos. No entanto, somente décadas depois decidiu registrar o que o levou a se abster de carne e derivados de origem animal. Ele citou como referência um antigo médico grego e, mesmo avesso à religião, mencionou também o Alcorão. Para o filósofo sírio, é inconcebível gerar dor em outros seres para roubar leite e ovos. Al-Ma’arri dizia que ao fazer isso os homens agiam como ladrões.
Como Mahavira e os jainistas, ele acreditava na santidade da vida e definia como um ato de imoralidade causar qualquer prejuízo aos animais. Então se tornou um ferrenho opositor de todas as formas de exploração animal, inclusive de peles como vestuário. Vivendo com 20 dinares por ano, a sua alimentação era baseada em feijões e lentilhas.
Por causa de suas limitações em decorrência da deficiência visual, Al-Ma’arri contava com o serviço de um ajudante, e permitia que ele levasse a maior parte do seu ordenado, deixando apenas o suficiente para a sua comida. “Os homens de mente acurada me chamam de asceta, mas eles estão errados em sua classificação. Embora eu tenha disciplinado meus desejos, só abandonei os prazeres mundanos porque eles me privavam do melhor de mim”, garantiu.
Publicado há mais de mil anos, o poema “Já Não Roubo da Natureza” é a maior prova de sua “consciência vegana”. Em síntese, um manifesto à vida, já que ele via os animais como seres que não merecem padecer diante da injustiça humana:
Você foi subvertido pela compreensão e pela religião.
Venha a mim, para que você possa ouvir alguma verdade.
Não coma injustamente o peixe que a água sublevou,
E não deseje como alimento a carne de animais abatidos,
Ou o leite branco das mães que pretendiam alimentar seus bebês, não senhoras nobres.
Não aflija as inocentes aves tomando-lhes os ovos;
Pois a injustiça é o pior dos crimes.
E poupe o mel que as abelhas obtêm industriosamente das flores de plantas perfumadas;
Porque elas não o resguardaram para que pudesse pertencer a outros,
Nem o recolheram em troca de presentes ou recompensa.
Lavei minhas mãos de tudo isso; e gostaria de ter descoberto o meu caminho antes do meu cabelo ter ficado grisalho.
Ao longo de três anos vivendo em Bagdá, onde foi muito bem recebido nos mais importantes salões literários, Al-Ma’arri escreveu o livro “Luzumiyyat” ou “Obrigação do que não é obrigatório”, que reúne uma coleção de versos que diferem da tradicional poesia árabe, principalmente pela estrutura irregular.
Enquanto viveu no Iraque, ele ficou decepcionado ao testemunhar como os poetas se rebaixavam por causa de dinheiro. Muitos se dedicavam a escrever panegíricos, ou seja, ode aos seus ricos patronos. Quando reconheceu que aquele era o destino de um poeta em uma metrópole, o sírio decidiu retornar para casa. Sua decisão foi reforçada pela notícia de que sua mãe estava falecendo.
Em 1010, de volta a Ma’arrat al-Numan, ele decidiu não se ausentar mais. Em sua cidade natal, as pessoas gostavam de ouvi-lo ensinar sobre poesia e retórica. Sua popularidade era grande entre estudantes locais. Também se correspondia com estudantes estrangeiros. Niilista e com um humor assumidamente satírico, Al-Ma’arri afirmava não acreditar em alegria ou tristeza, classificando os dois estados emocionais como sendo um só. Mesmo assim, suas obras nunca deixaram de transmitir uma fé piedosa, espiritualidade, singular senso de humanidade e um contumaz anseio por liberdade de expressão.
Uma vez, ele escreveu um pedido de desculpas por qualquer ofensa que seu trabalho pudesse provocar:
“Não tentei enfeitar meus versos por meio da ficção, nem preencher minhas páginas com idílios de amor, cenas de batalhas, relatos de festas de vinho ou coisas do gênero. Meu objetivo é tão somente falar a verdade. Ora, o fim próprio da poesia não é verdade, mas sim falsidade, e na medida em que é desviada do seu próprio fim, sua perfeição é prejudicada. Portanto, devo desejar a indulgência de meus leitores por este livro de poesia moral.”
Mesmo tendo uma vida repleta de controvérsias, Abul ʿAla Al-Maʿarri jamais foi preso ou perseguido, mesmo com uma postura pré-anarquista. De 1010 até 1057, ano em que faleceu, o poeta viveu longos períodos de reclusão, simplesmente escrevendo. Tudo leva a crer que a sua cegueira, aliada à sua bela construção poética, contribuíram para que os líderes muçulmanos fossem indulgentes.
Historiador e arquiteto do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Nasser Rabbat relata que Al-Ma’arri é um dos três principais ateus da história do islamismo. No século 20, o filósofo sírio passou a ser visto como um personagem da mesma estirpe dos grandes pensadores do iluminismo. Inclusive o Ocidente só conheceu o seu legado no Século das Luzes, ou seja, no século XVIII.
Escultura de Al-Ma’arri foi decapitada em 2013
Na década de 1940, o artista plástico Fathi Muhammad criou uma escultura em homenagem ao poeta e filósofo sírio Abul ʿAla Al-Maʿarri. A estátua foi colocada em exibição no Museu de Maarat al-Numan, para que ela pudesse inspirar estudantes, pensadores e poetas sírios. Em uma noite de fevereiro de 2013, a escultura, que tinha duas vezes o seu tamanho natural, foi decapitada por fundamentalistas islâmicos da Frente Al-Nusra, um dos braços da Al-Qaeda. Antes, ela já havia sido alvejada a tiros.
Embora também seja qualificado como um herege e seus trabalhos sejam proibidos em cidades dominadas por fundamentalistas, o legado de al-Ma’arri continua influenciando muitas pessoas, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Maior exemplo disso é que ele ainda é considerado um dos maiores nomes da poesia e do pensamento árabe.
Saiba Mais
Abul ʿAla Al-Maʿarri era celibatário e deixou registrado um pedido de que seu corpo fosse cremado quando ele morresse.
O poeta sírio começou a escrever seus primeiros poemas com 11, 12 anos.
Ele era membro da Banu Sulayman, uma importante família de Ma’arrat al-Numan que pertencia à tribo tanūkh. Seu tataravô paterno foi o primeiro qadi da cidade. Alguns outros membros da família Sulayman também foram considerados bons poetas.
Referências
Nicholson, A. Reynold. Studies in Slamic Poetry. Cambridge University Press (1921).
Glassé, Cyril; Smith, Huston. The New Encyclopedia of Islam. Rowman & Littlefield Publishers (2008).
Nicholson, A. Reynold. A Literary History of the Arabs. Routdlege (1962).
Hastings, James. Encyclopedia of Religion and Ethics. Kessinger Publishing (2003).
Gelder, Geert Jan Van; Schoeler, Gregor. Al-Maari, Abu I-Ala. The Epistle of Forgiveness. Volume 2: Hypocrites, Heretics, and Other Sinners (2014).
Tharoor, Kanishk; Maruf, Maryam. Museum of Lost Objects: The unacceptable poet. BBC News (8 de março de 2016).
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Lamartine: “Matar os animais é uma das mais deploráveis enfermidades da condição humana”
“É uma dessas maldições lançadas sobre o homem pelo embrutecimento de sua própria perversidade”
Pioneiro do romantismo francês e considerado um dos maiores poetas da França do século XIX, o escritor e poeta Alphonse de Lamartine era um defensor do vegetarianismo. Em uma de suas obras, “Les Confidences”, ele conta como se tornou vegetariano logo nos primeiros anos de sua vida.
“Minha mãe estava convencida, assim como sempre foi a minha convicção, de que matar os animais para nos alimentarmos de sua carne e sangue é uma das mais deploráveis e vergonhosas enfermidades da condição humana. É uma dessas maldições lançadas sobre o homem pelo embrutecimento de sua própria perversidade”, escreveu na página 59 da obra publicada originalmente em 1849.
Lamartine narra que surpreendeu a todos quando chegou aos 11 anos se alimentando basicamente de pão, vegetais e frutas. Nem por isso ele era menos saudável ou teve sua fase de desenvolvimento comprometida. “Talvez eu esteja em dívida com essa dieta por conseguir preservar requintada sensibilidade e uma doce tranquilidade de humor e caráter”, registrou.
Assim como sua mãe, o poeta francês acreditava que os hábitos alimentares que envolvem exploração de animais endurecem o coração humano e comprometem a capacidade de observá-los como seres gentis. “Eles são nossos companheiros, nossos auxiliares […]. Esses apetites sangrentos, essa visão da carne palpitante, são calculados para brutalizar os instintos do coração, tornando-nos ferozes”, observou.
A nutrição baseada na exploração animal era reconhecida por Alphonse de Lamartine como possivelmente mais suculenta e energética. Por outro lado, ele afirmou que essas supostas qualidades também eram as causas ativas da irritação humana e do seu definhamento físico. “Azedam o sangue e encurtam os dias de vida da humanidade”, declarou em “Les Confidences”.
Desde muito cedo, com a intenção de fortalecer a opinião do filho em relação à abstinência de carne, sua mãe contava-lhe histórias de tribos gentis e piedosas da Índia, que se negavam a se alimentar de seres sencientes. Muitos eram pastores ou camponeses e, segundo Lamartine, trabalhavam mais duro do que qualquer outra pessoa. Também possuíam uma genuína inocência. “Para matar o desejo, que mesmo que tivesse existido dentro de mim, ela não usou argumentos, mas recorreu ao instinto, que em nosso cerne é muito mais poderoso do que a lógica”, explicou.
Um dia, ainda jovem, o poeta ganhou um cordeiro de um camponês de Milly, uma comuna francesa da região da Borgonha. Com um estreito laço de amizade com o animal, ele o ensinou a segui-lo por todos os lados. “Se tornou o mais carinhoso e fiel dos cães. Nos amamos com a mesma ternura que toda criança tem pelos animais e vice-versa”, relatou.
No entanto, em uma ocasião, ele ficou chocado quando ouviu um cozinheiro conversando com sua mãe. “Madame, o cordeiro está gordo e o açougueiro veio buscá-lo. Devo entrega-lo a ele?”, questionou. Quando ouviu aquilo, Lamartine começou a gritar, abraçou o animal, perguntou o que era um açougueiro e o que tal pessoa iria fazer com ele.
“O cozinheiro disse que era um homem que matava cordeiros, carneiros, novilhos e belas vacas por dinheiro. Eu mal podia acreditar nisso. Orei à minha mãe e facilmente a convenci a pouparem o meu amigo”, admitiu. Na realidade, a mãe do poeta não raramente testava suas convicções.
Mais tarde, Alphonse de Lamartine acompanhou sua mãe até a cidade e, no caminho, atravessaram o quintal de um matadouro. Havia um propósito nisso que o jovem só percebeu depois. “Vi um homem com os braços nus e lambuzados de sangue, batendo na cabeça de um touro. Outros cortavam as gargantas de bezerros e ovelhas, separando seus membros ainda palpitantes. O sangue fluía por todo o pavimento. Um intenso sentimento de pena, misturado com horror, se apoderou de mim. Tive que ser levado rapidamente para fora daquele lugar”, revelou.
A experiência fez com que Lamartine nunca mais deixasse de associar aquela cena à imagem de um prato com carne, tantas vezes visto por ele sobre a mesa. “Embora a necessidade de cumprir as regras da sociedade me fez comer carne [em determinado momento da vida], desde então, tudo que as outras pessoas comem [e que seja de origem animal] me causa repulsa. O que testemunhei me fez sentir completa aversão. Insuflou-me do horror perpetrado pelos açougueiros. Tem sido sempre difícil pra mim não ver no trabalho de um açougueiro a ocupação de um carrasco”, enfatizou em “Les Confidences”.
A importância de Alphonse de Lamartine
O escritor e poeta Alphonse de Lamartine nasceu em Mâcon, na França, em 21 de outubro de 1790. Criado em uma propriedade rural nas imediações de Milly, estudou os clássicos gregos e romanos, além das obras francesas contemporâneas. Sua educação foi uma educação filosófica que ele qualificava como de “segunda mão”, suavizada por sentimentos maternais. Lamartine, que sofreu grande influência de filósofos como Pitágoras, publicou 19 livros, entre poesia, ficção e história.
De todas as obras publicadas pelo francês, “Méditations Poétiques”, de 1820, continua sendo a mais famosa. No livro, o poeta aborda as relações entre o misticismo, a natureza e as emoções. Para ele, a natureza é a mais importante manifestação da grandeza divina.
Despertando para uma formação mais pessoal de espiritualidade, o escritor adotou a simplicidade como estilo de vida, tanto na forma de se vestir quanto de se alimentar. Depois do lançamento de “Méditations Poétiques”, que alçou o nome da Lamartine aos dos grandes nomes da literatura mundial, ele conseguiu uma nomeação para assumir a embaixada francesa na Itália.
Lá, viveu dez anos, e aproveitou o tempo ocioso para produzir literatura, já que seus deveres diplomáticos não exigiam tanto tempo. Em 1828, de volta à França, tentou garantir uma vaga no parlamento, mas foi derrotado. Então tomou a decisão de viajar para o Oriente Médio, onde começou a se interessar por religiões orientais. Reflexo desse período foi registrado no livro “Souvenirs, Impressions, Pensées, et paysages pendant un Voyage en Orient”, escrito em 1832 e 1832, e no romance em verso “La Chute d’un Ange”; obra de 1838 que chegou a ser banida da Igreja Católica pelo viés panteísta e racionalista.
Em um excerto, o poeta diz: “Le plus beau don de l’homme, c’est la Misericorde”. Ou seja, o maior dom do homem é a Misericórdia. Sendo assim, ele jamais deve matar qualquer animal. Lamartine também se inspirava na idealização do amor, suas crenças e sua relação com a natureza. Considerado um dos protagonistas da transição da literatura neoclássica para a romântica, marcada pela paixão e pelo lirismo, ele foi também um historiador. Escreveu sobre a história dos girondinos, importante grupo político que participou da Revolução Francesa entre os anos de 1789 e 1799.
Em 1849, Lamartine teve o privilégio de fazer parte do governo provisório da França na Segunda República, após a deposição de Luís Filipe I. O escritor e poeta liderou as ações que culminaram na abolição da escravidão e no primeiro modelo dos direitos trabalhistas na França, de acordo com o pesquisador Lawrence C. Jennings. Ainda assim, acabou derrotado por Napoleão III na eleição presidencial realizada no mesmo ano. Depois de se aposentar da política em 1851, Alphonse de Lamartine continuou escrevendo até o dia 28 de fevereiro de 1869, quando faleceu em Paris.
Referências
Lamartine, de Alphonse. Les Confidences (1857). Nabu Press (2012).
Lamartine, de Alphonse. Trois Mois au Pouvoir (1848). Nabu Press (2011).
Lamartine, de Alphonse. La Chute d’un Ange (1838). CreateSpace Independent Publishing Platform (2015).
William A. Alcott. Vegetable Diet: As Sanctioned by Medical Men and by Experience in All Ages. Marsh, Capen & Lyon (1838).
Jennings, Lawrence C. French Anti-Slavery: The Movement for the Abolution of Slavery in France, 1802-1848. Cambridge University Press (2006).
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Dias Fernandes: “Fazer mal aos animais é indício de mau-caráter”
O poeta e jornalista paraibano que lutou pelo vegetarianismo nas primeiras décadas do século 20
Teria uns 45 anos. Frugal e vegetariano, nem fumava, nem bebia. Apresentava um aspecto juvenil de atleta, mantendo a forma através da ginástica sueca. Era alvo e corado, o cabelo esvoaçante, castanho claro. Algumas vezes ostentava petulante monóculo nos olhos azuis. Foi quem inaugurou andar sem gravata e sem chapéu. Com essas palavras, o intelectual Osias Gomes narra a chegada do jornalista, escritor e ativista vegetariano Carlos Dias Fernandes à redação do jornal A União, de Parahyba do Norte, atual João Pessoa, em 1919. Gomes dizia que Fernandes era o maior poeta da Paraíba, inclusive considerava seu trabalho superior ao de Augusto dos Anjos.
E para além das preferências pessoais, de acordo com o jornalista paraibano Gonzaga Rodrigues, Fernandes fez do Jornal A União uma escola de jornalismo por onde passou quase toda a juventude intelectual das primeiras décadas do século 20. Era muito admirado e respeitado, e justamente porque destoava da maioria. Não se importava com casamento formal, tinha uma dieta avessa à das pessoas com quem convivia, gostava de atividades físicas, se vestia sem atender as normas sociais e possuía imensa bagagem cultural.
“Aos 15 anos, segundo testemunho de Castro Pinto, amigo de infância, Carlos Dias Fernandes confundia os professores na análise gramatical dos mais difíceis trechos de Os Lusíadas. Foi influenciado por Cruz e Sousa [de quem era muito amigo] e esteve ao lado de outras diversas personalidades jornalísticas e poéticas do cenário brasileiro. Atuou na imprensa de Pernambuco, do Rio de Janeiro, do Pará e da Paraíba. Sua obra é extensa e variada, abarcando romances, discursos, poesias, monografia e livro didático”, informa a pesquisadora Fabiana Sena.
Embora hoje não seja muito conhecido fora do meio literário paraibano, o satírico e prosaico Fernandes lançou importantes obras, como Solaus, de 1901; Palma de Acantos, de 1907; A Renegada, de 1908; O Cangaceiro, também de 1908; Mirian, de 1920 e A Vindicta, de 1931. No entanto, se suas qualidades literárias não fizeram dele um autor famoso, as suas perspectivas sobre o ideal civilizatório fizeram menos ainda.
Um homem à frente do seu tempo, ao longo de anos realizou conferências e palestras sobre vegetarianismo, defendendo que a abstenção do consumo de alimentos de origem animal era o único meio de assegurar o respeito aos animais em um contexto moral e ético. E para reafirmar sua posição, o autor apresentou argumentos envolvendo saúde e higiene, considerando-os imprescindíveis como ferramentas de convencimento.
Controverso, Carlos Dias Fernandes chamou muita atenção quando publicou na edição de 5 de junho de 1918 do Jornal A União uma matéria em que defendeu fervorosamente a prática da medicina natural, confrontando laboratórios farmacêuticos. Também realizou uma grande conferência sobre feminismo em 1924, justificando que os direitos e deveres das mulheres precisavam estar de acordo com suas aspirações. Muito antes de livros como The Sexual Politics of Meat: A Feminist-Vegetarian Critical Theory, de Carol J. Adams, lançado em 1990, o escritor já argumentava que as mulheres, de forma semelhante aos animais, eram subjugadas, privadas de liberdade.
Para Fernandes, a melhor forma de ampliar a aceitação do vegetarianismo seria incentivando o desenvolvimento intelectual das mulheres e preparando-as para ocuparem grande espaço na vida pública. Ele tinha fé que elas poderiam ser o novo norte de uma educação que mostrava às crianças, logo nos primeiros anos, a importância de uma alimentação isenta de ingredientes de origem animal.
Suas inclinações ideológicas tiveram pouca repercussão no Brasil, mas foram bem recebidas na Europa, tanto que Fernandes aparece com destaque na edição Nº 11 da revista portuguesa O Vegetariano, de 1917. Prolífico, o escritor publicou 38 livros, abordando inclusive temas como feminismo e direitos dos animais. Oscilando principalmente entre o naturalismo e o simbolismo, Dias Fernandes obteve prestígio quando lançou em 1936 o seu romance autobiográfico Fretana, inspirado pelo simbolismo francês.
Sua defesa do vegetarianismo era frequentemente publicada no jornal A União, onde ele tinha total liberdade sobre o que escrever. Exemplos são três matérias veiculadas em agosto de 1916 sob o título O Regime Vegetariano, um desdobramento do que Fernandes já defendia no livro Proteção aos Animais, de 1914. Na obra, Fernandes, que não era religioso, cita religiões e crenças que endossam o papel do ser humano como protetor dos animais e da natureza. Polêmico, chegou a discutir com profissionais de saúde da época que defendiam o consumo de carne. Talvez o maior exemplo tenha sido a sua rixa com o então conceituado médico José Maciel.
A seu favor, o poeta e jornalista tinha o médico higienista Flavio Maroja que publicou no jornal A União de 30 de agosto de 1916 um artigo intitulado Hygiene Alimentar: Regimen Vegetariano e Regimen Carneo, confronto de opiniões, como penso a respeito, que fala dos benefícios do vegetarianismo. Em 26 de janeiro de 1917, Carlos Dias Fernandes comemorou a fundação da Sociedade Vegetariana Brasileira, sediada no Rio de Janeiro, e publicou matéria sobre o assunto. “Vai ganhando surto em todo mundo civilizado o regime vegetariano como solução prática do problema moral, economico e therapeutico dos povos. (…) Vegetarianismo quer dizer vida de accôrdo com a natureza”, registrou.
Segundo a pesquisadora Amanda Sousa Galvíncio, Fernandes reforçava seus argumentos sobre o assunto através de referências internacionais. Algumas delas foram os médicos Dujardin-Beaumetz, do Hôpital Cochin, na França; João Bentes Castel-Branco, autor do livro A Cultura da Vida, e Amilcar de Souza – diretor da revista O Vegetariano, além do biólogo Ernest Haeckel e do químico Eduard Buchner.
Porém, foi a própria literatura que conduziu Carlos Dias Fernandes ao vegetarianismo. Ele deixou de consumir alimentos de origem animal depois de ler Liev Tolstói, Lord Byron e Jean-Jacques Rousseau. Conforme Amanda Galvíncio, Fernandes citava com frequência pensadores como Sócrates, Hipócrates e Plutarco, além do Buda e Jesus Cristo, principalmente em suas palestras.
O que também reafirma a influência do vegetarianismo na vida e na obra do poeta são seus personagens que não raramente eram animais. No geral, a natureza sempre foi um tema recorrente em seus poemas e contos. Nascido em Mamanguape, na região da Mata Paraibana, em 20 de setembro de 1874, Carlos Dias Fernandes faleceu no Hospital da Cruz Vermelha no Rio de Janeiro em 9 de setembro de 1942.
Infelizmente, poucas pessoas compareceram ao seu enterro, um intrigante paradoxo na vida do homem que vivia rodeado de pessoas. Em seus últimos versos, jamais publicados, os animais ainda ocupavam posição de destaque. E apesar de esquecido pela literatura que tanto amou, uma de suas frases mais famosas, sobrevive ao tempo: “Fazer mal aos animais é indício de mau-caráter.”
Briário e Centímano (um dos poemas mais conhecidos de Fernandes)
Solitário coqueiro miserando,
Que as tormentas não deixam sossegar!
E, de contínuo, as palmas agitando
Pareces um vesânico a imprecar.
Desgraçada palmeira, como e quando
Irão teus pobres dias acabar;
E com eles ou teu destino infando
De cativo da Terra ao pé do Mar?
Hemos conformes nossos tristes fados.
Tu, germente Briaréu dos vendavais
Eu, Centímano de cem mil cuidados.
Um retorcido aos ventos outonais
Outro com os seus anelos sossobrados…
Nem sei qual de nós dois braceja mais
Saiba Mais
Carlos Dias Fernandes assumiu a direção do jornal A União em 1913. O convite foi feito em 1912 por Castro Pinto. Em 1928, o governador João Pessoa o demitiu do cargo. Desapontado, ele se mudou para o Rio de Janeiro, onde viveu até falecer.
Referências
Galvíncio, Amanda S. Atuação Educacional de Carlos Dias Fernandes na Parahyba do Norte (1913-1925): jornalismo, literatura e conferências (2013).
Sena, Fabiana. A tradição da civilidade nos livros de leitura no Império e na Primeira República. João Pessoa, PB. Tese de doutorado. PPGL/UFPB (2008).
Sena, Fabiana. A imprensa e Carlos Dias Fernandes: o processo de legitimação como autor de livro didático. Educação Unisinos, vol. 15, núm. 1, enero-abril, 2011, pp. 70-78.
Coutinho, Afrânio; Sousa, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. São Paulo. Editora Global (1995).
O Vegetariano: mensário naturista ilustrado, Volume VIII, Nº 11 (1917).
Rodrigues, Gonzaga. Surgimento de A União. Disponível em http://auniao.pb.gov.br/nossa-historia/a-uniao-uma-viagem-no-tempo/leitura-contextual-do-surgimento-de-a-uniao.
Vegetarianismo. Imprensa Oficial. Parahyba (1916).
Santos, Idelette Fonseca. Antologia Literária da Paraíba. João Pessoa. Grafset (1993).
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Lord Byron e a abstinência da carne
Desde que Eva comeu a maçã, a felicidade do homem depende em grande parte do jantar
Um dos poetas mais controversos do Reino Unido, o satírico George Gordon Byron, ou simplesmente Lord Byron, entrou para a história da literatura no século 19, depois de escrever seus dois poemas mais importantes – os longos Don Juan e Childe Harold’s Pilgrimage (Peregrinação de Childe Harold). À época, muita gente acreditava que Byron era um escritor que usava a literatura simplesmente para transmitir o seu cínico desprezo pela humanidade. No entanto, o que ele mais repudiava eram os excessos que ele presenciava nos jantares da burguesia britânica.
Durante os banquetes, não foram poucos os momentos em que o mais antirromântico dos românticos se revoltou ao testemunhar tantos animais mortos sendo servidos à mesa para satisfazer a glutonaria dos abastados. Sem cerimônia, se queixava diante de todos, exacerbando sua cólera muito bem harmonizada através da ironia:
Toda a História humana atesta,
que a felicidade para o Homem – o insaciável pecador! –
Desde que Eva comeu a maçã, depende em grande parte do jantar,
poetizou o britânico em um excerto de Canto XVII, de Don Juan.
No entanto, Lord Byron nem sempre foi vegetariano. Inclusive houve um período em que ele chegou a discutir com Percy Shelley, marido da escritora Mary Shelley, sobre suas contrariedades em relação ao vegetarianismo. Porém, mais tarde admitiu em carta à sua mãe que estava determinado a se livrar completamente dos alimentos de origem animal, uma decisão que pode ter sido influenciada por Shelley.
Segundo o poeta britânico, se abster de consumir carne iria proporcionar-lhe percepções mais claras, um novo entendimento da vida e do mundo. Tomada a decisão, Byron, que até então era considerado tão volátil como ser humano quanto artista, adotou em certo período um estilo de vida surpreendentemente frugal, com uma alimentação baseada em água e bolachas caseiras, preparadas a seu gosto. Das bebidas alcoólicas, apenas o vinho branco ainda o acompanhava. Como alguém que tencionava se afastar cada vez mais das armadilhas do ego e das insídias da vida em sociedade, o poeta escreveu em Childe Harold’s Pilgrimage:
Existe prazer nas matas densas
Existe êxtase na costa deserta
Existe convivência sem que haja intromissão no mar profundo e música em seu ruído
Ao homem não amo pouco, porém muito a natureza
No dia 25 de junho de 1811, de acordo com o livro Life of Lord Byron: with his letters and journals, de Thomas Moore, o poeta informou que havia se tornado vegetariano há muito tempo, e que peixe ou qualquer outro tipo de carne estava fora de cogitação: “Por isso estou estocando batatas, verduras e bolachas. Não estou bebendo nem vinho. Com relação à minha saúde, estou me sentindo bem. Recentemente tive malária, mas me recuperei rapidamente.”
Em 1818, quando hospedou Percy e Mary Shelley em sua casa na Vila Diodati, nas imediações do Lago de Genebra, na Suíça, e justamente num período chuvoso em que Mary, com a ajuda do marido, escreveu o esboço de Frankenstein, a dieta de Lord Byron era baseada em uma fatia fina de pão com chá no café da manhã; vegetais e uma ou duas garrafas de água com gás no jantar; e uma xícara de chá verde sem açúcar na ceia. Ao sentir fome, ocasionalmente ele mastigava tabaco ou fumava charutos. “Nenhum outro regime funcionou tão bem para mim até hoje como o meu chá com bolachas, mesmo quando me alimento com moderação”, declarou o poeta em seu diário em 1813.
Um dos problemas que mais o incomodava antes de aderir ao vegetarianismo era o excruciante aumento de fluidos na sua corrente sanguínea, provocando inturgescência vascular. E tudo isso era agravado se Byron consumisse alimentos de origem animal. “O remédio para a sua pletora é simples – a abstinência”, consta em registro pessoal de 28 de janeiro de 1817.
Ele demonstrou através de seus poemas e cartas que por trás de sua abstinência sempre houve uma motivação moral. Além disso, Lord Byron amava os animais, tanto que jamais viajava sem levar pelo menos cinco gatos. Um deles, chamado Beppo, foi inclusive homenageado com um poema homônimo. Outro de seus amigos inseparáveis era Boastwain, um cão da raça newfoundland que o inspirou a conceber Epitaph to a Dog em 1808.
Quando seu companheiro canino faleceu, Byron erigiu um monumento para eternizar a imagem de Boastwain em verso. E seguindo suas recomendações, assim que o poeta faleceu com apenas 36 anos em 19 de abril de 1824, em decorrência de imperícia médica após contrair febre reumática na Guerra de Independência da Grécia, sua família atendeu ao mais expresso dos seus pedidos: “Que o monumento em minha homenagem não seja maior do que o de Boastwain.” E assim foi feito.
Observações do autor
Há pesquisadores que creem que o vegetarianismo de Lord Byron era estimulado simplesmente por distúrbios alimentares. Independente do que o levou a adotar o vegetarianismo, a verdade é que Byron, com seu perfil antiacademicista, até hoje é uma figura labiríntica da literatura inglesa, o que significa que por mais que estudem ou escrevam a seu respeito, sempre vai perseverar a controvérsia.
Em síntese, o texto acima tem o propósito de apresentar a outra face de George Gordon Byron, que ficou mais conhecido pela fama que fizeram dele do que pela sua própria história. Ainda hoje sua imagem quase sempre é associada a orgias, relacionamentos carnais com centenas de mulheres e muitos relatos envolvendo bebedeiras, além de outras extravagâncias consideradas profanas no contexto do cristianismo.
Curiosidade
Lord Byron foi vegetariano por muito tempo e o mais intrigante é que o poeta John Polidori escreveu uma obra prosaica chamada The Vampyre, inspirada em alguns dias que ele conviveu com Byron e o casal Shelley na Suíça. E mais tarde, a história de Polidori inspirou Bram Stoker a escrever Dracula. Muita gente crê que Drácula é um personagem baseado em pesquisas sobre o conde Vlad Tepes, mas na realidade o início de tudo foi a inspiração que veio através de Byron. Sendo assim, o Drácula foi inspirado em um vegetariano.
Saiba Mais
Lord Byron, nascido em Dover, no Reino Unido, em 22 de janeiro de 1788, faleceu em Missolonghi, quando lutava contra os turcos pela independência da Grécia.
Byron tinha um defeito no pé direito, por isso mancava quando andava.
O vegetarianismo do poeta também foi inspirado no filósofo e matemático grego Pitágoras.
Referências
Moore, Thomas. Life of Lord Byron: with his letters and journals (1854). Disponível em archive.org.
Byron, Lord. Childe Harold’s Pilgrimage. CreateSpace Independent Publishing Platform (2009).
Byron, Lord. Don Juan. CreateSpace Independent Publishing Platform (2009).
McGann, Jerome. Byron, George Gordon Noel (1788–1824). Oxford Dictionary of National Biography. Oxford University Press (2013).
MacCarthy, Fiona. Byron: Life and Legend. Farrar, Straus and Giroux; First edition (2002).
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William Blake, entre a pobreza e o anonimato
Assumiu um semblante justo, seus olhos brilharam e ele cantou sobre as coisas que viu no céu
No dia 12 de agosto de 1827, o poeta inglês William Blake faleceu aos 69 anos na pobreza e no anonimato. Seu velório em Bunhill Fields, na região norte de Londres, passou despercebido e só pôde ser realizado através de um empréstimo de 19 xelins. Sepultado em um túmulo sem qualquer inscrição, o corpo de Blake foi colocado sobre outros três e seguido por mais quatro falecidos.
Sua esposa, Catherine, revelou a uma amiga que durante o casamento ela não teve tanto a companhia do marido quanto gostaria. “Ele estava sempre em seu próprio paraíso”, declarou. Apesar da saúde fragilizada, Blake parecia não se preocupar tanto com a morte. “É a imaginação que deve viver para sempre”, comentou quando já estava próximo do falecimento.
Nos últimos dias de vida, o poeta gastou os seus últimos xelins comprando um lápis que usou para homenagear a esposa. “Fique, Kate! Mantenha-se exatamente como você é. Por você ter sido um anjo para mim, vou desenhar o seu retrato”, declarou. Pouco antes de morrer, William Blake assumiu um semblante justo, seus olhos brilharam e ele cantou sobre as coisas que viu no céu”, escreveu um amigo.
O inglês que amargou décadas de pobreza se via mais como escultor e pintor do que poeta. Ele esperava que em uma exposição realizada em 1808 o seu trabalho pudesse trazer-lhe tanto retorno financeiro quanto reconhecimento por seu estilo original, baseado em temas a frente do seu tempo.
Na exposição que recebeu o nome de “Afrescos de Invenções Poéticas e Históricas”, Blake reuniu 16 de suas pinturas. “Aos que foram informados de que o meu trabalho se resume a obras não científicas, excêntricas ou nada mais que rabiscos de um louco, façam-me justiça e examinem tudo antes de tomar uma decisão”, pediu. Naquele dia poucas pessoas prestigiaram o evento.
Ainda assim ele não hesitou em dizer que não desistiria do seu sonho de ser reconhecido. “Ignorantes insultos não me farão desistir do meu dever para com a minha arte”, informou. Infelizmente ninguém comprou nenhuma de suas obras e a única resenha publicada sobre a exposição definiu William Blake como um lunático que só não corria risco de ser preso porque era inofensivo demais.
A recepção da poesia do inglês também seguiu na mesma esteira de suas pinturas e esculturas. Poucos viram ou leram pelo menos um de seus livros escritos e ilustrados à mão. Em 1811, dois anos antes de se consagrar como o poeta laureado, o britânico Robert Southey, leu “Jerusalem”, uma das obras mais famosas de William Blake. “É um poema perfeitamente louco”, sintetizou Southey.
Catherine continuou a imprimir e divulgar as obras do marido depois que ele morreu, o que deixou claro que a parceria dos dois envolvia tanto amor quanto trabalho. Com a ajuda de poucos amigos e fãs de William Blake, ela conseguiu sobreviver por mais quatro anos. Nesse período afirmou ter visto o marido muitas vezes, chegando a sentar-se junto dele por duas a três horas diárias.
No dia 31 de outubro de 1831, Catherine chamou por Blake como se ele estivesse no quarto ao lado. “Meu William…meu William…”, repetiu ela até o momento de sua morte. Com o falecimento de Catherine, os direitos sobre as obras de Blake foram transferidos para Frederick Tatham, um artista inglês de pequena expressão que fazia parte de um grupo de seguidores do poeta, conhecido como Shoreham Ancients.
Segundo o livro The Stranger From Paradise, publicado em 2001, e de autoria do biógrafo G.E. Bentley Jr, Tatham vendeu a própria herança ao longo de 30 anos e por bom preço. Depois que se tornou um religioso fanático, destruiu muitas gravuras e poemas de Blake. Chegou a declarar que se livrou delas porque acreditava que o artista tivesse sido inspirado pelo diabo quando as concebeu.
Saiba Mais
Entre as obras mais importantes do poeta inglês se destacam “The Marriage of Heaven and Hell”, “Jerusalem”, “And did those feet in ancient time”, “Songs of Innocence and of Experience”, “Milton” e “The Four Zoas”.
William Blake nasceu em 28 de novembro de 1757 e faleceu em 12 de agosto de 1827.
Catherine Blake nasceu em 25 de abril de 1762 e faleceu em 31 de outubro de 1831.
Referências
http://www.todayinliterature.com/
G.E. Bentley (2001). The Stranger From Paradise: A Biography of William Blake. Yale University Press.
Blake, William and Tatham, Frederick. The Letters of William Blake: Together with a Life. 1906.
Gilchrist, A. The Life of William Blake, London, 1863, 405.
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Quando o Le Figaro desprezou a obra-prima de Baudelaire
O poeta sabia que seus poemas teriam grande impacto na sociedade francesa
Em 25 de junho de 1857, o poeta francês Charles Baudelaire publicou a obra-prima Les Fleurs du Mal (As Flores do Mal), criando uma ponte entre o romantismo e o modernismo. Eleita pela crítica como a mais importante e influente coleção de poemas do século 19, a obra dividiu opiniões e chegou a ser vilipendiada pelo jornal parisiense Le Figaro em 20 de agosto do mesmo ano.
“Nunca em um espaço de poucas páginas vi tantos seios mordidos, ou melhor, mastigados. Nunca vi tamanha procissão de diabos, demônios, fetos, gatos e vermes. O livro é um verdadeiro hospital de insanidades da mente humana, de toda a podridão do coração humano. Se a obra tivesse sido criada para curá-los, sem dúvida seria permissível, mas ela mostra que eles não são curáveis.”
Reações como a do Le Figaro colocaram o Escritório de Segurança Pública de Paris no encalço de Baudelaire. O julgamento de Les Fleurs du Mal foi encarado pelas autoridades francesas como uma boa oportunidade de recuperarem a credibilidade após a absolvição de Gustave Flaubert, acusado de imoralidade em 7 de fevereiro de 1857 pela autoria do clássico Madame Bovary.
Baudelaire sabia que seus poemas teriam grande impacto na sociedade francesa e inclusive os produziu com a intenção de torná-los uma bandeira. Por questão de segurança, enviou cópias do seu trabalho para o poeta estadunidense Henry Longfellow e ao poeta inglês Alfred Tennyson. Visto como um lunático por parte da sociedade parisiense, o escritor também pediu ao seu editor Auguste Poulet-Malassis para esconder a maior parte do material. A precaução foi considerada prioritária quando o francês descobriu que alguém divulgou previamente o conteúdo de “As Flores do Mal”, o qualificando como um trabalho subversivo.
Mesmo com a influência de Poulet-Malassis, Charles Baudelaire não conseguiu impedir que a investigação preliminar o levasse ao tribunal, tanto que de um total de 100 poemas seus que foram citados durante o julgamento, 13 foram considerados como manifestações de desprezo às leis que protegem a religião e a moral. Por outro lado, a sentença também garantiu boa visibilidade a Baudelaire. E mais, chamou a atenção dos entusiastas para um estilo de vida incomum à época.
Seus acusadores insistiram para que o poeta fosse condenado por comportamento irreligioso, mas essa vitória não foi concedida aos detratores. Ao final, Baudelaire teve de abdicar de seis poemas publicados na primeira edição de Les Fleurs du Mal. Foram eles: “Le Léthé”, “Femmes Damnées”, “Les Bijoux”, “A Celle Qui est Trop Gaie”, “Lesbos” e “Les Metamorphoses du Vampire”.
O primeiro poema de “As Flores do Mal” a ser publicado no Brasil foi “Le Balcon”, no livro Alcíones, de Carlos Ferreira, lançado em 1872. Das inúmeras versões da obra traduzida em língua portuguesa, uma que agradou bastante os leitores foi a do tradutor Ivan Junqueira, publicada em versão bilíngue pela Editora Nova Fronteira em 1985 e relançada em 2015.
Logo abaixo, transcrevo a versão de Junqueira para a primordialmente banida “A Celle Qui est Trop Gaie”:
A que está sempre alegre
Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.
A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.
As fulgurantes, vivas cores
De tuas vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de As Flores.
Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!
Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;
E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.
Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,
Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,
E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Baudelaire, Charles. Richard Howard. Les Fleurs Du Mal. David R. Godine Publisher, 1983.
University of Chicago Press. Selected Letters of Charles Baudelaire, 1986.
Huneker, James. Introductory preface to: The Poems and Prose Poems of Charles Baudelaire. New York: Brentano’s, 1919.
Baudelaire, Charles. Ivan Junqueira. As Flores do Mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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Quando Rimbaud se tornou traficante de armas
Aos 21 anos, em carta escrita a sua mãe, Rimbaud explica que abandonou a parceria poética com Paul Verlaine para se tornar tutor, mendigo, estivador, operário, soldado e ladrão. Quatro anos depois, vira comerciante de café, o que não rende-lhe tanto lucro quanto traficar armas. Em correspondência, sempre dizia a sua mãe que o objetivo era tornar-se rico.
No trecho de outra carta, Arthur Rimbaud relata: “Deixei o meu emprego em Áden [no Iêmen] após uma violenta discussão com aqueles camponeses patéticos que queriam me entorpecer para o bem. Eles fizeram tudo que podiam para me segurar lá, mas os mandei ao inferno com sua cidade imunda e suas ofertas de negócios. Não quero trabalhar em escritório. Há uma distância de milhares de rifles entre mim e a Europa. Vou montar uma caravana e transportar armas para o rei Menelik II da Etiópia.”
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Nicholl, Charles. Somebody Else: Arthur Rimbaud in Africa – 1880-91. University Of Chicago Press (1999).
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O trauma espanhol
Soldados de Salamina explora o obscurantismo da Guerra Civil Espanhola
O filme Soldados de Salamina, idealizado pelo cineasta espanhol David Trueba e lançado em 2003, explora o obscurantismo da Guerra Civil Espanhola partindo da suposta execução do escritor e falangista Rafael Sánchez Mazas.
A protagonista da obra é a escritora em crise Lola Cercas (Ariadna Gil) que decide se aprofundar em uma pesquisa in loco sobre a Guerra Civil Espanhola. O ponto de partida é a ordem de execução do poeta Rafael Sánchez Mazas, um dos fundadores da Falange Espanhola, grupo paramilitar que se aliou ao ditador Francisco Franco em 1936. Decidida a descobrir como Mazas sobreviveu, Lola viaja em busca de personagens que participaram do evento.
Enquanto Lola é uma personagem alheia a própria história, inclusive se entrega a pesquisa como razão existencial, o seu estado de vulnerabilidade é uma simbologia da Espanha da época; confusa e controversa, principalmente com relação aos elementos históricos da Guerra Civil Espanhola ocultados por conveniência política. No decorrer do filme, Lola constrói uma outra identidade de si mesma conforme encontra novas informações sobre o episódio da execução de Rafael Sánchez.
O cineasta David Trueba deixa evidente na trama a importância da memória histórica para a preservação da identidade de um país, tanto que a personagem principal só consegue reconstituir importantes fatos da Guerra Civil Espanhola a partir da oralidade, pois não havia muitas provas materiais do que aconteceu com Mazas. O filme oferece poucas respostas, mas faz muitas perguntas e termina de uma maneira que impele o espectador a refletir sobre o assunto enquanto a folclórica canção “Suspiros de España”, de Antonio Álvarez Alonso, ainda ecoa.
Sobre a estética cinematográfica, os destaques são a quebra de linearidade, estruturada a partir de flashbacks, e a fotografia sobre a qual incide pouca luminosidade dando a ideia do quão a Guerra Civil Espanhola é um trauma histórico obscuro; um acontecimento com riqueza de detalhes desconhecidos pela população.