David Arioch – Jornalismo Cultural

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Andres Amador, o artista da areia

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Amador é especialista na criação de grafismo e formas geométricas na areia (Foto: Andres Amador)

Amador é especialista na criação de grafismo e formas geométricas na areia (Foto: Andres Amador)

Imagem de uma das muitas obras do artista plástico estadunidense Andres Amador, especialista na criação de grafismo e formas geométricas na areia. Inspirado pela técnica britânica “crop circle”, Amador tem criações que foram concluídas em minutos enquanto outras levaram anos, chegando a 15 quilômetros de extensão.

Acesse: andresamadorarts.com

 

 

Written by David Arioch

January 23rd, 2016 at 10:16 pm

Meu primeiro encontro com a morte

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Tentei tocar o chão abaixo dos meus pés, mas estava fundo demais

Eu no dia em que quase morri afogado (Foto: Arquivo Familiar)

Eu no dia em que quase morri afogado (Foto: Arquivo Familiar)

Meu primeiro encontro com a morte foi em janeiro de 1993. Aconteceu de forma casual, inocente, incauta e avassaladora, assim como muitas das nossas experiências na infância. Meus pais tinham planejado no final de 1992 uma viagem para o litoral norte de Santa Catarina.

Saímos de casa numa madrugada, por volta das 4h, um horário que sempre agradou meus pais pela grande possibilidade de não encontrarmos muitos veículos na estrada, ao menos nas primeiras horas de viagem. Admito que o sono ficou bem leve ao saber que sairíamos cedo rumo a novos destinos. Acordei com a respiração ofegante e expansiva do Happy e do Chemmy ao pé da orelha. Eram dois cãezinhos da raça poodle parecidos com dois grandes flocos de neve.

O Happy vivia com a língua de fora, como se quisesse falar e não latir. Ostentava um semblante jubiloso, dando a impressão de passar o dia inteiro sorrindo. Já o Chemmy possuía olhos tão expressivos que me transmitiam uma cândida melancolia. Em síntese, era menos agitado e mais carinhoso. Em comum, apesar das diferenças de personalidade e fisionomia, os dois eram dotados de uma postura altiva e indefectível. Só sentavam ou deitavam no chão com as patas sobrepostas, formando um X de formas itálicas. No dia da partida, pedimos à minha avó Clara para cuidar da casa e dos animais.

Em parte, o percurso foi relativamente tranquilo, até porque meus pais gostavam de parar em locais que não conhecíamos, tornando a viagem mais proveitosa e divertida. Quando chegamos a Matinhos era quase meia-noite e me surpreendi ao ver uma movimentação de centenas de pessoas pelas ruas. Eu, acostumado a uma realidade em que 22h já era tarde, não sabia que existiam cidades noturnas.

Havia muitas luzes, o suficiente para me fazer crer que a escuridão não tinha vez naquele lugar. A experiência me lembrou a reação de uma criança estrangeira ao ver o fulgor do sol da meia-noite em Luossavaara, no extremo norte da Suécia. Os letreiros enormes e brilhantes no centro de Matinhos iluminavam as ruas, as calçadas e os passantes. Também serviam como juncos para corujas urbanas que assistiam skatistas adolescentes saltando bancos, pequenas rampas e executando rock slides enquanto sorriam e seguravam latinhas de Coca-Cola, Taí e Fanta.

Os arroubos da urbanidade confundiam os vaga-lumes que se misturavam aos remanescentes piscas-piscas de Natal, talvez pensando que fossem parentes. Alguns jovens miravam a lua, balançavam os braços, bebiam cerveja em saquinhos, gargalhavam e cantavam Under The bridge, do Red Hot Chilli Peppers. Outros continuavam hipnotizados no interior de uma casa de fliperamas com mais de 40 máquinas.

De longe, eu ouvia sons retumbantes de tiros, saltos, acelerações, derrapagens, socos, chutes e musiquinhas eletrônicas monofônicas e polifônicas. O local estava cheio de adolescentes e crianças acompanhadas dos pais. A empolgação no interior me lembrou a cena em que Marty McFly, interpretado por Michael James Fox, observa crianças jogando fliperama em De Volta Para o Futuro 2. Chips, refrigerante, chiclete em rolo, Freshen Up, Minichiclets, Mentex e Lollo abasteciam os jogadores alheios ao que acontecia nas ruas. Rodeados de testemunhas, os desinibidos e impetuosos falavam alto e apertavam os botões com força. Logo entendi que queriam deixar suas marcas nas máquinas.

Lá fora, o céu não estava muito escuro. Suspeitei que estivesse absorvendo as cores e as luzes dos lugares, das pessoas e dos animais que ajudaram a compor um cenário notívago tão complacente. Percorri centenas de metros dentro e fora do carro. Não vi discussões, trocas de ofensas, nem violência. Quando um rapaz pisou em falso na calçada e caiu em frente a um automóvel no asfalto, um senhor imediatamente desceu do carro e o ajudou a se levantar.

Mais adiante, um motociclista se descuidou ao admirar uma bela moça em traje de verão que andava rente ao meio-fio. Como consequência, bateu na carroceria de uma caminhonete. Ao ver o jovem caído, o motorista de aproximadamente 50 anos desceu e ignorou os arranhões na lataria. “Você tá bem? Quer que peça ajuda?”, indagou. Apesar do susto, o motociclista não se machucou e a moto sofreu apenas riscos superficiais. O dono da caminhonete considerou o prejuízo mínimo e se recusou a cobrar. Agradecido, o rapaz se despediu com um sorriso portentoso e um aperto de mão consistente.

Após alguns dias em Santa Catarina, acordamos cedo numa manhã ensolarada e fomos a uma praia entre Itajaí e Balneário Camboriú. Havia pouca gente em frente ao mar calmo e convidativo. Sentei um pouco na areia para observar tudo à minha volta. Notei que o céu estava especialmente azul, límpido e com um recorte amarelo amendoado que parecia a entrada de um portal para lugar algum. Também avistei suas nuvens envolvendo e afagando nove gaivotas.

Minutos depois, me levantei e avisei meus pais que eu entraria no mar. Como manda a tradição, me disseram para ter cuidado e ficar próximo da margem. Comecei a brincar na água, numa área tão rasa que me permitia ficar agachado ou sentado afundando as mãos na areia. Quando enjoei, caminhei mar adentro, sentindo o peso cada vez maior da água sobre o meu corpo. Estava tudo bem. Percebi pessoas perto de mim e o mar ainda não tinha tocado os meus ombros. De repente, enquanto eu sorria e via meus pés penetrando a areia, as águas se rebelaram. O impacto de uma grande onda me arrastou alguns metros mar adentro.

Confuso e sem enxergar direito, engoli a água salgada que invadiu minha garganta com tanta aspereza que quase engasguei. Tentei tocar o chão abaixo dos meus pés, mas estava fundo demais. Não havia ninguém nas imediações. Observei ao longe apenas fisionomias desfocadas. Me debati contra a água, tentando nadar. Não adiantou. Outra onda me arrastou e desta vez para o fundo do mar.

Bebi muita água a contragosto e comecei a ter rápidas alucinações. Imaginei alguém me puxando pelos pés. Meus olhos e garganta queimavam de forma vertiginosa. Tanto que minha visão enturveceu gradualmente, abalando minha crença na sobrevivência. Fui tomado por lembranças fugazes dos poucos parentes e amigos falecidos. “Não! Eu não quero encontrar vocês ainda. Quero ver minha família. Eles estão logo ali, bem mais perto de mim do que qualquer um de vocês. Sou criança ainda. Por favor!”, pensei. Ao mesmo tempo, senti o palato abrasado e as lágrimas caindo do meu rosto como chuva de verão.

Para minha surpresa, antes que fosse vencido pelas câimbras, o mar se acalmou. Eu continuava muito longe da margem, só que ganhei o direito de nadar. Então coloquei em prática o que aprendi nas aulas de natação com meu pai em 1992. Mesmo combalido, cheguei à beira-mar. O medo de morrer era tão grande que só parei de nadar quando a areia tocou meus joelhos. Saí da água rindo e chorando ao mesmo tempo, com as pernas cambaleando, o rosto pálido e os lábios arroxeados. Não consegui dar outro passo e caí deitado.

Minha família chorou comigo. Naquele dia o salva-vidas sumiu e quando meus pais me localizaram eu já estava nadando. Eles viram apenas meus braços curtos e meus cabelos negros e lisos se movendo na água. Antes de me levantar da areia para ir embora, observei novamente o céu. O recorte amarelo amendoado tinha se dissipado, mas não as nove gaivotas que recebiam as carícias das nuvens que cobriam o mar da Praia Brava.

 

 

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Quando o bodybuilding conquistou o cinema em 1948

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Muscle Beach, o pioneiro dos filmes sobre fisiculturismo

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Muscle Beach é considerada o berço do bodybuilding (Foto: Reprodução)

Nem sempre o fisiculturismo foi pouco respeitado pela sociedade e menos valorizado por meios de comunicação. Se hoje vivemos um tempo em que o bodybuilding é distorcido para as massas, visando intensificar a desinformação e o preconceito ao diferente, é importante entender que nos anos 1940 a modalidade era tão admirada nos Estados Unidos que tinha status de atração turística.

Tudo isso e muito mais é retratado no filme Muscle Beach, de 1948, dos cineastas Joseph Strick e Lerner Irving, que levou milhares de pessoas comuns para os cinemas dos EUA, interessadas em conhecer e admirar os físicos perfeitos de homens e mulheres que frequentavam a Muscle Beach de Santa Monica, na Califórnia. A primeira obra sobre o bodybuilding apresenta a realidade dos fisiculturistas amadores que dividiam o mesmo espaço de treino com ginastas e praticantes de outros esportes.

Embora o bodybuilding tenha se profissionalizado em ambientes fechados e privados, a verdade é que o berço da modalidade é a praia, como apresenta Muscle Beach. O filme mostra atletas treinando rodeados por uma plateia de entusiastas e crianças que desde cedo aprendiam a cultivar uma bela relação com a natureza. Na obra, até os pássaros e outros animais se aproximam enquanto os bodybuilders mantêm o foco nas barras e halteres. Com uma estética vívida, iluminada, plácida e pueril, o filme é uma ode ao belo. Nem mesmo as limitações técnicas do cinema em preto e branco, com certa predominância do cinza, ofuscam a luz que se sobressai e transcende em cada cena.

A famosa praia era uma fábrica de ícones do fisiculturismo (Foto: Reprodução)

O que também chama atenção em Muscle Beach é a harmonia e a alegria irradiadas pelo cenário. O filme contagia, embora não seja pautado em uma história nem em diálogos. É um registro fiel e nostálgico do bodybuilding em sua forma mais clássica. Strick e Irving tiveram uma grande preocupação em mostrar que a harmonia do corpo é capaz de promover uma conformidade psicológica e emocional com reflexos positivos no ambiente. Não foi preciso dar voz aos personagens para transmitir isso; bastou mostrá-los em seu habitat.

É possível interpretar que aqueles atletas não viviam para o corpo, mas sim o corpo vivia para eles, pois todos os resultados foram conquistados com a alegria e satisfação proporcionadas pela natural busca da qualidade de vida, sem excessos; como se o homem reconhecesse a sua necessidade de manter o corpo em movimento e desenvolvimento. Embora o filme não aborde o assunto, a Muscle Beach de Santa Monica era uma referência turística não apenas pela qualidade da praia. Todos queriam ver de perto o que aquelas pessoas faziam para conquistar uma forma física tão cativante.

As rotinas de treino na praia eram acompanhadas por plateias de admiradores (Foto: Reprodução)

As rotinas de treino em Muscle Beach eram acompanhadas por plateias de admiradores (Foto: Reprodução)

Joseph Strick e Lerner Irving viajaram até a Muscle Beach, onde passaram três dias acompanhando o cotidiano de um grande número de atletas. O local também era famoso por ser uma área de aluguéis baratos e equipamentos de levantamento de peso disponíveis gratuitamente a qualquer hora do dia. O ginásio a céu aberto de Santa Monica foi frequentado por importantes nomes do bodybuilding. Alguns exemplos são Vic Tanny, Jack LaLanne, Joe Gold, Chet Yorton, Steve Reeves, Vince Edwards, Jack Delinger, George Eiferman e Dave Draper. Anos mais tarde, atraiu os atletas Larry Scott, Arnold Schwarzenegger, Franco Columbu, Hulk Hogan, o ator Danny Trejo e muitos outros.

A trilha sonora é uma singela viagem pela perspectiva do cantor Earl Robinson que do início ao fim narra as belezas do local e das pessoas que o frequentavam. Em 2008, o filme Muscle Beach foi recuperado pela Academy Film Archive e relançado em 2009 pela San Francisco Cinematheque que o avaliaram como um dos grandes documentários da cultura norte-americana do século XX.