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O homem de mais de 2,5 mil obras
José Mário: “O desenho é um desabafo mental”
Em 1984, o artista plástico paranavaiense José Mário Afonso Costa descobriu no desenho uma forma de materializar e canalizar emoções e sentimentos. Os traduziu com caneta em formas retas, mais tarde sinuosas, que se tornaram subjetivas e ganharam novas dimensões.
Para o artista, grande admirador de Pablo Picasso, a despreocupação com a objetividade na arte representa a complexidade da vida, a gradação do homem. Guiado pelo subconsciente, às vezes, José Mário intitula uma obra antes mesmo de criá-la. Não se prende aos rótulos, correntes artísticas, e preza pela liberdade intelectual como sendo a fórmula mais completa de se aproximar da essência humana.
Ao longo da entrevista, se mostra inquieto, embora detalhista, enquanto discorre sobre arte, cultura, família e formação artística e profissional. O artista se preocupa em agradar, mas tem opiniões próprias, questiona e fala abertamente sobre qualquer assunto. Algumas perguntas são respondidas com brevidade, já outras, “Zé Mário”, como é mais conhecido, não responde sem antes situar um contexto, levantar da cadeira e contar alguma história do presente ou passado.
Gosta de conversar sem pressa, é observador, e não se priva de manter o diálogo em um nível que mostre se o interlocutor entende algo de arte e também das suas obras. Passamos alguns minutos interpretando um dos desenhos do artista, um universo de curvas, onde o homem também é animal, vegetal, objeto material e imaterial. Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o autor de mais de 2,5 mil obras.
DA – Como foi o primeiro contato com o desenho?
JM – Comecei em 1984, motivado pelas figuras que mais me chamavam atenção nos livros do meu pai. Tinha 14 anos e mudei para Curitiba pra fazer o Segundo Grau [Ensino Médio]. Me interessei pelo abstrato e depois pela arte figurativa. Mais tarde, fui para Presidente Prudente [interior de São Paulo]. Estudei medicina por dois anos e meio, mas abandonei o curso. Também passei pela Fafipa.
DA – São experiências que se refletem nas suas obras?
JM – Sim. Foi um período em que obtive muito conhecimento, estando em contato com a arte ou não, até porque passado algum tempo decidi trabalhar com meu irmão no nosso sítio em Santa Maria, perto de Alto Paraná.
DA – Todas essas transformações interferiram na dedicação à arte?
JM – Meus desenhos eram mais compactos, então fui ampliando, aumentando a dimensão, tendo um cuidado maior com as formas, só que sempre chegava o momento de me desligar disso tudo. Ficava dois meses por ano envolvido com desenho e o restante me dedicando a outras atividades bem diferentes.
DA – Nos seus trabalhos, as curvas parecem representar um novo ciclo, a ruptura com a linearidade. Você encara o rompimento com as linhas retas como resultado do seu amadurecimento?
JM – Sim. No começo meus desenhos eram mais infantis. Isso mudou só mais tarde, principalmente após o falecimento do meu pai que era uma inspiração pra mim. Sempre fui muito observador, e prefiro desenhar com naturalidade, sem planejamento. Quando começo algo, dificilmente sei como vai terminar porque minha principal referência é o que está no meu subconsciente.
DA – Quais as artes que mais o inspiram a desenhar?
JM – Já desenhei muito ouvindo música, chego a dar nome de canções aos meus desenhos. Também tem muito cinema no que faço, inclusive uma referência ao martelo do filme The Wall, do Pink Floyd. Nos tempos da faculdade, produzia muito enquanto os professores passavam filme em sala de aula.
DA – Já teve preferência por alguma corrente artística?
JM – Não. Já produzi muito, mas nunca me rendi a nada. Jamais tive preocupação em simplificar o que faço porque o desenho pra mim é um desabafo mental. O que crio à noite é diferente do que produzo durante o dia.
DA – Das 2,5 mil peças já produzidas, muitas estão fora de Paranavaí?
JM – Que me lembre, além de Paranavaí, tenho desenhos em Curitiba, Rondonópolis [no Mato Grosso], Campinas [São Paulo], Paraíso do Norte. Me lembro de quando ilustrei o livro do meu pai [o escritor Altino Afonso Costa que empresta nome ao Teatro Municipal de Paranavaí], Buquê de Estrelas. Nessa época, aprendi a ser mais detalhista.
Montoya tinha a estrutura de uma cidade
População da colônia era de mais de seis mil habitantes
Em 1928, a Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou contornos de cidade. A colônia oferecia tudo que era necessário à sobrevivência dos mais de seis mil moradores. No entanto, o único acesso ao lugarejo era a estrada do Porto São José, na divisa com o atual Mato Grosso do Sul.
À época, todos que chegavam a Montoya usavam a mesma via que servia também para ligar a colônia ao Porto Ceará e a Presidente Prudente, no Oeste Paulista, de acordo com dados do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares Silva. No passado, pela mesma estrada se chegava à Gleba-1 Ivaí, Piracema e Povoado de Cristo Rei.
Quem precisava viajar para outras cidades do Paraná era obrigado a atravessar a divisa com São Paulo, embarcar em um trem que percorria a antiga Estrada de Ferro Sorocabana até Ourinhos, e de lá partir para Tibagi, no Centro Oriental Paranaense, a quem Montoya pertencia. “Depois a pessoa ia pra onde quisesse, mas não tinha outro jeito. O peão tinha que dar toda essa volta”, afirmou o pioneiro catarinense José Matias Alencar.
Naquele tempo, a colônia tinha 1,2 milhão de cafeeiros, aproximadamente 60 mil ficavam em área onde se situa o Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), Cemitério Municipal e Fazenda Experimental do Estado. A colônia ainda contava com uma frota de 25 caminhões, 60 mulas-cargueiras, máquinas de beneficiar arroz, farmácia, serraria com motor a vapor de 50 HP e uma caldeira, armazém, Cartório de Paz e Registro Civil, além de mil casas cobertas de zinco situadas no Jardim Ouro Branco, Fazenda Carneiro Ribas e outras localidades, conforme informações dos livros “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo, e “Pequena História de Paranavaí”, do juiz de direito Sinval Reis.
A Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), que tinha o direito de concessão da área, investia ao máximo no povoado para evitar que os trabalhadores deixassem o distrito, pois como as viagens eram longas o colono podia perder dias de serviço ou nem mesmo voltar, caso estivesse insatisfeito. Montoya fazia parte da Fazenda Brasileira, de propriedade do jornalista Geraldo Rocha que, além de proprietário de importantes veículos de comunicação situados no Rio de Janeiro – Rádio Nacional e jornais “A Noite” e “O Mundo”, era dono da Braviaco, responsável pela administração de uma área total de 317 mil alqueires no Sudoeste, Oeste e Norte do Paraná.
Quem cuidava dos negócios de Rocha na colônia e em toda a região era o vice-diretor da Braviaco, o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida – que se tornaria senador e interventor federal da Bahia – cargo que equivalia ao de governador, Humberto Alves de Almeida e Joaquim da Rocha Medeiros. Humberto Alves, irmão de Landulpho Alves – sócio da Companhia Brasileira, era o responsável pelos serviços de transporte da fazenda e tinha como empregado de confiança o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí.
Salles chefiava um grupo de peões, ajudava a ensacar o café e cuidava para que o produto fosse transportado de forma segura. A Vila Montoya tinha uma população de centenas de famílias que somavam mais de seis mil moradores. A maior parte prestava serviços a Braviaco e aos empreiteiros Gonzaga, João Gomes e Coronel João Antônio. Foram muitos os peões que se casaram em Montoya, alguns até registraram os filhos no distrito, segundo o juiz de direito Sinval Reis.
O responsável por impor a ordem na colônia era o Cabo Simão que trabalhava em parceria com dois soldados da Polícia Militar do Paraná. É importante destacar que Montoya se desenvolveu muito bem até a chegada da Revolução de 1930, quando o Governo Provisório rompeu todos os negócios com a Braviaco. Mais tarde, Getúlio Vargas repassou a concessão das terras da região ao político gaúcho Lindolfo Collor, avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Joaquim Medeiros conheceu a região em 1923
A Vila Montoya fazia parte da Gleba Pirapó que somava 100 mil alqueires, cerca de 108 quilômetros de extensão. Começava no Rio Paranapanema e ia até a margem direita do Rio Ivaí. A Gleba fazia divisa ao leste com as propriedades da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), de capital inglês, e a oeste com uma área destinada a Brazil Railway Company, de origem estadunidense.
“Em 1923, abri um picadão com dez metros de largura por sessenta quilômetros de extensão que começava na Fazenda Laranjeira e ia até o Rio Paranapanema. A estrada ficava a duzentos metros da propriedade de Adão Medeiros”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí em 5 de julho de 1975.
O som dos colonos capinando nas imediações era tão alto que se ouvia mesmo de longe, segundo Medeiros. Encerrada a etapa de abertura do picadão até a divisa com o Paraná, o engenheiro agrônomo embarcou em uma canoa e atravessou o Rio Paranapanema. Já no extremo Norte do Paraná, Medeiros coordenou a derrubada de um alqueire para a construção de um rancho que recebeu o nome de Porto Itaparica que ficava numa área de 20 mil alqueires da Companhia Alves de Almeida. A iniciativa visava facilitar o escoamento do café para o Mato Grosso e Argentina.
Curiosidades
Os migrantes trazidos à Vila Montoya pela Braviaco eram de Minas Gerais, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. Porém, é bem provável que pessoas de outros estados e países também já viviam no povoado.
A intenção da Braviaco era explorar o café da Fazenda Brasileira por 20 anos e depois migrar para a pecuária.
Saiba Mais
Antônio Geraldo Rocha nasceu em Barra, Bahia, em 14 de julho de 1881 e faleceu aos 78 anos em 19 de junho de 1959. Em 1931, deixou de representar os interesses da empresa norte-americana Brazil Railway Company e foi obrigado a hipotecar parte dos bens. Rocha é autor do livro “O Rio São Francisco: fator precípuo da existência do Brasil” que contribuiu para a implantação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF).
Landulpho Alves de Almeida nasceu em Santo Antônio de Jesus, Bahia, em 4 de setembro de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro, capital, em 15 de outubro de 1954. Como político, Landulpho Alves é sempre lembrado como defensor da estatização do petróleo e relator da lei N 2.004, de 1953, que deu origem a criação da Petrobrás.
Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor nasceu em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em 4 de fevereiro de 1890 e faleceu em 21 de setembro de 1942, no Rio de Janeiro, capital. Apesar de ter sido correligionário de Getúlio Vargas durante o Governo Provisório que sucedeu a Revolução de 1930, Collor se tornou um combatente da política ditatorial do Governo Vargas, chegando a ir para o exílio. Tornou explícito o desprezo pela ditadura em muitos jornais do Brasil, inclusive no semanário “Diretrizes”, do jornalista Samuel Wainer.
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A queda da ponte do Rio Santo Anastácio
Pioneiros de Paranavaí tiveram de reconstruí-la em 1927
Em 1927, o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros teve de viajar até Pirapora, Minas Gerais, para buscar 300 famílias de migrantes para levar à fazenda que se tornaria a cidade de Paranavaí. Entretanto, a viagem foi interrompida por causa da queda de uma ponte.
Paranavaí era apenas uma fazenda situada no Norte do Paraná nos anos 1920, e que fazia parte da Gleba Pirapó, administrada pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), à época conhecida apenas como “Companhia Brasileira”. Inclusive por tal motivo, após 1930, a área foi chamada de Fazenda Brasileira, uma pequena colônia que começou a se desenvolver em 1924, sob coordenação de Joaquim da Rocha Medeiros que naquele tempo tinha apenas 28 anos. Foi o jovem engenheiro agrônomo quem teve de viajar até Pirapora, no Norte de Minas Gerais, onde 300 famílias o aguardavam para trabalhar como colonos na área rural da Vila Montoya.
Para trazer toda aquela gente a Paranavaí, Medeiros alugou um trem especial que levava passageiros até Presidente Prudente, no Oeste de São Paulo. A viagem foi interrompida por causa de chuvas torrenciais que se prolongaram por mais de um mês, causando enormes estragos. “A nossa sorte é que ficamos sabendo que a nove quilômetros havia dois galpões para a criação de bicho da seda que estavam abandonados. Também havia outras coberturas desocupadas. Lá, conseguimos acomodar todo mundo”, relatou o engenheiro agrônomo em um registro pessoal sobre a colonização do Norte do Paraná.
Quando a chuva cessou, Joaquim Medeiros chamou a atenção de todos e explicou que logo chegariam a uma estrada de terra próxima do Rio Santo Anastácio. Por azar, um pouco mais adiante havia uma ponte de madeira que não resistiu às chuvas e cedeu, indo por água abaixo. De acordo com o engenheiro, logo voltou a chover e tiveram de voltar aos barracões. “À nossa esquerda, as terras se resumiam a um massapé preto numa densa mata”, comentou Medeiros.
No local onde a ponte caiu, o engenheiro selecionou o maior número possível de homens para ajudar a reconstruí-la, pois não havia nenhum outro meio de atravessar tanta gente pelo Rio Santo Anastácio. Além disso, não podiam abandonar os veículos usados no transporte dos colonos. “Fizemos nove quilômetros de estiva e depois iniciamos a transposição até a área do cerrado”, relatou Joaquim da Rocha, acrescentando que foi um trabalho surpreendente, que jamais seria completado com êxito se não fosse pelo tanto de pessoas dispostas a ajudar.
Mais tarde, os centenas de migrantes enfrentaram outro problema. Os caminhões atolavam com extrema facilidade no solo do arenito Caiuá, o que afetou tanto a viagem que entre atolar e desatolar os veículos passou-se uma semana. “Só mesmo o nordestino para suportar tanto desconforto”, admitiu o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros. Na fazenda da Companhia Brasileira, futura Paranavaí, os migrantes trazidos de Pirapora foram responsáveis pelo plantio e alinhamento de 1,2 milhão de cafeeiros, tendo somente a ajuda de 20 caminhões Ford.
Saiba Mais
O pioneiro e engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros que conheceu a futura Paranavaí em 1924 nasceu em Alcobaça, no Sul da Bahia, em 16 de dezembro de 1895. O engenheiro faleceu em 15 de setembro de 1978, aos 82 anos, em São Carlos, na região central de São Paulo.
Medeiros foi Secretário da Agricultura da Bahia, no governo de Landulpho Alves de Almeida. Ficou conhecido por modernizar a agricultura baiana tendo como modelo a agricultura estadunidense.
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Escocês tentou impedir o crescimento de Paranavaí
Arthur Thomas não queria que a colônia se ligasse ao restante do Paraná
Em 1939, quando o interventor federal Manoel Ribas mandou o capitão Telmo Ribeiro abrir uma estrada ligando a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, ao restante do Paraná, o dirigente da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), o escocês Arthur Huge Miller Thomas, que estava colonizando as regiões de Maringá e Londrina, se sentiu ameaçado e tentou interferir.
A iniciativa do governo em abrir uma nova via que daria à Brasileira acesso a outras cidades do Paraná visava diminuir a influência paulista, pois até então a única estrada que chegava até a colônia começava em Presidente Prudente, no Oeste Paulista. Quando soube da ordem de Manoel Ribas, o colonizador Arthur Thomas viajou para Curitiba para tentar convencer o interventor a mudar de ideia.
Lá, o escocês defendeu que a Fazenda Brasileira prejudicaria os negócios da CTNP, alegando que como colonizador fez altos investimentos em infraestrutura na região de Londrina e Maringá. Por isso, a companhia comercializava terras a preços elevados. Segundo Thomas, a ampliação de uma estrada até Paranavaí, onde o Governo do Paraná vendia terras a preços baixos, isso quando não doava, atrapalharia muito o desenvolvimento do Norte Pioneiro Paranaense e também de parte do Norte Novo.
O que também justificava o receio de Arthur Miller Thomas é que enquanto a CTNP vendia terras somente para quem pagasse em dinheiro, o governo paranaense aceitava trocas e outras negociações na Brasileira. Tudo era permitido para atrair novos moradores. O grande medo do escocês era que as campanhas de vendas de terras em Paranavaí atraíssem também quem fixou residência nas regiões de Londrina e Maringá.
“Mister Thomas não queria a abertura da estrada por Maringá, mas o finado Manoel Ribas mandou abrir”, ratificou o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí, em antiga entrevista ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas. Apesar das investidas, a justificativa não foi aceita pelo interventor interessado em expandir as relações comerciais entre Paraná e Mato Grosso, principalmente por causa da pecuária.
Em 1939, o capitão Telmo Ribeiro, responsável por coordenar a abertura de picadões na região de Paranavaí, reuniu centenas de homens para abrir a Estrada Boiadeira, via que levaria milhares de migrantes e imigrantes à Brasileira. O pioneiro e ex-prefeito de Paranavaí, Ulisses Faria Bandeira, afirmou em antiga entrevista a Saul Bogoni que estava claro o interesse da Companhia de Terras Norte do Paraná em inviabilizar o crescimento de Paranavaí.
Quem foi Arthur Thomas
O financista escocês Simon Joseph Fraser, o 14º Lord Lovat, que lutou na Segunda Guerra dos Boers, na África do Sul (1899-1902), veio para o Brasil em 1924, na Missão Montagu, interessado em conhecer de perto a produção nacional de algodão e também negociar terras e estradas de ferro em Cambará, no Norte Pioneiro Paranaense. À época, o engenheiro Gastão de Mesquita Filho contou ao Lord Lovat sobre as extensas áreas de mata virgem que o governo disponibilizou para colonização naquela região.
O financista, que era diretor da Sudan Plantations Syndicate, empresa sediada no Sudão e que era a principal fornecedora de algodão para a indústria têxtil britânica, gostou da ideia e retornou a Londres um ano depois, onde abriu a empresa Parana Plantations Limited. Em seguida, enviou para o Brasil o seu maior colaborador, o londrino Arthur Huge Miller Thomas que fundaria em 1925 a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), sociedade anônima controlada pela Parana Plantations.
Em 1929, Thomas, em parceria com o contador paulista George Craig Smith, de origem inglesa, iniciou o povoamento do Norte do Paraná. Durante a colonização, os ingleses chamaram a atenção de migrantes e imigrantes, destacando a qualidade da terra paranaense. Arthur Thomas pediu que ressaltassem em todas as campanhas publicitárias que as terras eram roxas e sem formigas saúva.
Em 1943, o governo inglês exigiu que as empresas centralizassem os investimentos na Inglaterra. Thomas então vendeu a companhia para as famílias Vidigal e Mesquita. Da negociação, nasceu a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), ex-CTNP, que continuou sob comando de Arthur Miller até 1948, quando o escocês se aposentou. Thomas viveu em uma fazenda nas imediações de Londrina até 1960, quando faleceu em decorrência de um câncer.
Saiba Mais
Embora tenha tentado impedir o progresso de Paranavaí, a CTNP comprou muitas terras na região e ajudou a colonizar inúmeros municípios que hoje fazem parte da Associação dos Municípios do Noroeste Paranaense (Amunpar) que tem Paranavaí como polo.
Até a Segunda Guerra Mundial, Mandaguari tinha o nome de Lovat, em homenagem ao financista escocês Simon Joseph Fraser, o 14º Lord Lovat, que colonizou a região de Maringá. O nome teve de ser modificado porque muita gente pensou que Lovat fosse uma colônia germânica, levantando suspeitas sobre o lugar servir de abrigo para refugiados nazistas. O mesmo ocorreu com muitas outras cidades e colônias que receberam nomes estrangeiros.
Mito ou verdade?
Especula-se que a região de Paranavaí foi a primeira do Novo Norte do Paraná a ser colonizada, pois viajantes que partiam de São Paulo em 1904 encontraram fazendas com plantações de café na localidade.
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Aventuras para chegar a Paranavaí
Migrantes enfrentaram adversidades para chegar ao povoado entre os anos 1920 e 1940
A travessia do Rio Paranapanema a nado
Uma das histórias mais surpreendentes de chegada de migrantes a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, é a do pernambucano Frutuoso Joaquim Salles. Considerado o primeiro cidadão local, o homem foi um dos poucos remanescentes da Vila Montoya a viver aqui até os seus últimos dias. Aos 19 anos, Salles recebeu uma proposta de trabalho no Paraná e aceitou na hora. Era a chance de fugir da miséria que assolava o sertão pernambucano na década de 1920.
Deixou a terra natal, Sítio do Moreira, no primeiro semestre de 1929. A vontade de fugir da pobreza era tão grande que foi embora do povoado a pé. Salles caminhou até a cidade de Salgueiro, onde conseguiu carona em um barco a vapor até Juazeiro, na Bahia.
“Peguei outro barco até Pirapora, em Minas Gerais”, relatou o pioneiro em entrevista ao jornalista Saul Bogoni décadas atrás, acrescentando que foi de trem até São Paulo. Na capital paulista, o pernambucano teve que se submeter a um procedimento típico aplicado aos migrantes nordestinos. “Fui vacinado como se vacina égua”, frisou. Por toda a vida, carregou no braço a marca daquele dia: uma cicatriz bem visível.
De São Paulo, Joaquim Salles viajou para Presidente Prudente, no Oeste Paulista, acompanhado de quase 300 pessoas com menos de 30 anos. De lá, seguiram para o Porto Ceará, na divisa com o Paraná. Como a balsa não comportava tanta gente, os centenas de migrantes tiveram de atravessar o Rio Paranapanema nadando. Do outro lado da margem, percorreram mais de cem quilômetros a pé até chegarem à Vila Montoya no dia 24 de julho. A sede administrativa da colônia ficava onde é atualmente o Distrito de Piracema.
Nove dias esperando uma carona
Aventuras também foram vividas mais tarde pelos paulistas João Silva Franco e Salatiel Loureiro. Os dois pioneiros pegaram um trem em Ourinhos, no interior paulista, e viajaram até Apucarana, no Norte Central Paranaense.
“Apucarana era do tamanho do Distrito Deputado José Alfonso [Quatro Marcos], tinha pouca gente e algumas casinhas. Ficamos ali nove dias esperando uma carona pra trazer a família pra cá”, ressaltou Franco, lembrando que passaram por Lovat, atual Mandaguari, antes de virem para a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí.
De acordo com a pioneira catarinense Francisca Schueroff, nas viagens de caminhão, os passageiros que iam na carroceria tinham de se abaixar muitas vezes para evitar que fossem atingidos pelos galhos das árvores. Outro fato interessante é que na época da Brasileira não se via quase veículos motorizados. Era um bem acessível a poucos, tanto que muitos migrantes chegaram ao povoado inclusive de carona ou a pé. “O movimento mesmo era de carroças e cavaleiros”, enfatizou João Franco, se referindo ao tempo em que o pioneiro paulista Valdomiro Carvalho e muitos outros migrantes ganhavam a vida realizando fretes com carretão de bois.
Caminhões patinavam na estrada
Automóveis começaram a fazer parte da rotina dos paranavaienses somente no início dos anos 1950. Segundo o pioneiro mineiro José Alves Oliveira, conhecido como Zé do Bar, Paranavaí se situava no meio do nada e o picadão para chegar ao povoado era tão precário e arenoso que os caminhões até patinavam, quase indo ao encontro da mata virgem.
“Cheguei aqui com um caminhão que quebrou no caminho, lá perto da Capelinha [atual Nova Esperança]. Acontecia muito isso”, revelou Zé do Bar. Imprevistos custavam dias de atraso. O pioneiro catarinense Carlos Faber sabia o que isso significava. Nunca se esqueceu das viagens para visitar os parentes em Rolândia, no Norte Central Paranaense.
Naquele tempo, entre os veículos motorizados, o mais popular na região da Brasileira era o jipe Land Rover, de fabricação britânica, que se destacava pela capacidade de trafegar no solo arenoso e irregular da colônia. O veículo comercializado até por 20 mil réis perdeu espaço na década de 1950, quando a população do povoado começou a viajar com as jardineiras e os monomotores.
Povoado não tinha carro, mas tinha mecânico
O pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, lembrou que quando chegou a Fazenda Brasileira havia apenas um automóvel.
“Era um pé de bode, um ‘fordinho’ cabeça de cavalo do Lindolfo Alves que tinha uma oficina com aparelho de solda. Aqui não tinha carro, mas tinha mecânico”, garantiu Araújo. Sem automóveis para consertar, a oficina de Alves era mais requisitada para soldar ferramentas de trabalho e cortar madeiras para a construção de casas.
Curiosidades
Nos anos 1940, uma viagem de caminhão custava até 1,5 mil cruzeiros.
O primeiro posto de combustível da colônia foi fundado pelo pioneiro espanhol Thomaz Estrada.
Em 1929, a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) mantinha uma frota de 25 caminhões na Vila Montoya.
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A velha jardineira deixou saudades
Catita e Pavão foram os principais meios de transporte em Paranavaí nos anos 1940 e 1950
O antigo ônibus jardineira da Viação Garcia deixou muitas saudades para os pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. São lembranças que começam em 1939, quando a empresa de transporte londrinense começou a investir na Fazenda Brasileira, atual Paranavaí.
Até 1938, todos os pioneiros que se aventuravam na Brasileira chegavam ao povoado de jipe, caminhão, carroça, cavalo ou a pé. A escassez de estradas, e também o fato da colônia se situar em uma área isolada, fazia com que somente os corajosos viessem para cá.
O pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles contou em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás que o povoado estava distante do resto do Paraná. “A gente tinha que viajar até Presidente Prudente [interior de São Paulo], daí lá pegava um trem até Ourinhos e depois a cavalo ou a pé ia pra Tibagi [no Centro Oriental Paranaense]. Dava toda essa volta pra chegar em outras cidades do Paraná”, contou.
Foi assim até 1936, quando o Capitão Telmo Ribeiro reabriu a Estrada Boiadeira ligando Paranavaí ao resto do Paraná. Três anos depois, a iniciativa despertou o interesse do empresário Celso Garcia Cid que viu grande viabilidade comercial no povoado. Em 16 de dezembro de 1939, o empreendedor que atuava no ramo de transportes há cinco anos inaugurou a linha Londrina-Fazenda Brasileira. Naquele dia, Celso Garcia conduziu a jardineira “Catita”, adaptação de um caminhão Ford TT de 1933, até o seu destino.
Segundo o ex-prefeito Ulisses Faria Bandeira, em entrevista à prefeitura há algumas décadas, a viagem teve início às 17h30. “Chegamos aqui por volta das 14h do dia seguinte”, afirmou. Além de Faria Bandeira, entre os passageiros da primeira viagem da Viação Garcia a Paranavaí, estavam o prefeito de Londrina, João Lopes, e o fazendeiro Humberto Alves de Almeida.
Os viajantes logo apelidaram a estrada Londrina-Fazenda Brasileira como “Túnel Verde” por causa da mata densa e virgem que predominava na região Noroeste do Paraná. De acordo com pioneiros, o cenário era tão bonito que chegava a ser inacreditável. Durante o percurso era comum muitos mosquitos e borboletas invadirem a jardineira nas imediações da Capelinha, atual Nova Esperança.
Os insetos circulavam livremente no interior do veículo. “Isso acontecia porque os ônibus eram abertos como bondes”, relatou o pioneiro Oscar Gerônimo Leite. Por um bom tempo, o Governo do Paraná bancou as despesas da Viação Garcia, pois a demanda era pequena e a realização de duas viagens por mês não cobria o investimento.
O “Pavão” da Brasileira
Durante a Segunda Guerra Mundial, o ônibus que mais fez a linha Londrina-Paranavaí era conhecido como “Pavão”. O ônibus movido a gasogênio era econômico, ideal para o período de guerra que ficou marcado pelo racionamento de combustível. Na década de 1940, o veículo chegava a Paranavaí em 16 horas.
Por vários anos, a Viação Garcia transportou passageiros que não tinham condições de comprar passagem. Cada um pagava conforme podia, até mesmo com galinhas. Quando chovia durante a viagem, o motorista encostava o ônibus e amarrava correntes nos pneus para evitar que atolasse. “Lembro que uma vez a gente levou oito dias de Londrina até aqui. Cheguei com os peitos doendo de ajudar a empurrar um carro velho da Garcia pelo picadão”, revelou o pioneiro José Francisco Siqueira, conhecido como Zé Peão.
O pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros disse que nunca se esqueceu das viagens com o “Pavão”. “A gente tinha que atravessar um barro preto lá perto de Mandaguari e depois o areião de Maringá pra cá”, assinalou. Muitos pioneiros chegaram a Paranavaí com a jardineira. Alguns exemplos são o catarinense Carlos Faber, o gaúcho Severino Colombelli e os mineiros Enéias Tirapeli e José Antonio Gonçalves.
Naquele tempo em que as viagens duravam de 17 a 18 horas, o “Pavão” nunca deixou de cumprir a linha, nem quando havia só dois ou três passageiros. Com o passar dos anos, a demanda aumentou e a Garcia quadruplicou o número de viagens. “Em vez de duas por mês, ampliou para duas por semana”, enfatizou a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger.
Com as jardineiras não chegavam apenas pessoas, mas também informações, conforme palavras da pioneira Inês Colombelli. “Sempre às 11h e às 14h, mulheres e crianças corriam até os ônibus para saber das notícias”, explicou. Era o único jeito da população se informar sobre o que acontecia no Paraná, no país e no mundo.
Frases dos pioneiros sobre a época das jardineiras
Joao da Silva Franco
“A jardineira era velha, não era estofada, e se entrasse de um lado saía do outro.”
Cincinato Cassiano Silva
“O ônibus era todo aberto e só com as bancadas pregadas, e duro que nem pau.”
Salatiel Loureiro
“O fundador da primeira empresa de ônibus da Brasileira foi o Manezinho. Esse coitado acabou em nada e os ônibus dele não aguentavam nem fazer daqui até o Porto São José.”
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Um sonho de futebol
Natal Francisco, o pioneiro que sempre acreditou no futebol local
Há poucos jovens em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que já ouviram falar em Natal Francisco, o pioneiro a quem o Atlético Clube Paranavaí (ACP) deve muito. Francisco foi o responsável pela construção do primeiro estádio de futebol da cidade, uma conquista altruísta numa época de sonhos coletivos.
O pioneiro paulista Natal Francisco veio para a região Noroeste do Paraná pela primeira vez acompanhado do irmão José Francisco. Saíram de Presidente Prudente, interior de São Paulo, com a intenção de conhecer a tão falada Fazenda Brasileira, atual Paranavaí. Logo de cara, não acharam o lugar receptivo, então ficaram aqui oito dias e retornaram ao interior paulista. Em 1944, Natal Francisco voltou com a família e fixou residência em Paranavaí.
Apaixonado por futebol, a primeira iniciativa do pioneiro quando se mudou para cá foi conversar com o administrador geral da colônia, Hugo Doubek, sobre a possibilidade de conseguir um terreno para a criação de um campo de futebol. “O Hugo autorizou que eu abrisse uma picada até onde achasse melhor, a partir daí um engenheiro iria demarcar a área e entregar o terreno”, explicou o sapateiro Natal Francisco em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Francisco escolheu um espaço onde é atualmente a Praça dos Pioneiros. Lá, mediu com os passos uma área de 280 por 200 metros quadrados. “Então fui pra Curitiba conversar com o governador Moisés Lupion. Fiz um requerimento em nome do Atlético Clube Paranavaí (ACP) e falei pra ele que queria o terreno. Mostrei o rascunho do engenheiro com detalhes do campo oficial para os jogos profissionais, um campinho para a rapaziada, uma piscina e a sede”, relatou.
Lupion então concedeu o terreno a Natal Francisco para a construção do primeiro estádio local. Empolgado, o pioneiro fez um acordo com o marceneiro José Ebiner que ajudou fornecendo madeiras a preço de custo. “Também contamos com a ajuda de alguns paraguaios. Eles quem transportavam e escolhiam as melhores peças para fazer as tábuas e as balaustres”, revelou Francisco.
Todo mundo ajudou na construção
Quando aparecia algum caminhão na colônia, o sapateiro pedia para ajudarem a transportar as toras até a serraria de Ebiner, acelerando o trabalho. “Em troca disso, a gente pagava as despesas do caminhão”, enfatizou o pioneiro, acrescentando que todo mundo participou da construção do estádio.
Sob comando do sapateiro, o campo, que anos mais tarde recebeu o nome de Estádio Municipal Natal Francisco, não demorou para ficar pronto. O próprio pioneiro cercou o campo com balaustres e construiu a sede quando não estava trabalhando na sapataria que tinha na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Minas Gerais.
Pela construção do estádio, o sapateiro apaixonado por futebol e por Paranavaí desde os tempos de Fazenda Brasileira nunca recebeu nada, a não ser a satisfação de admirar a sua criação e também ver a alegria de tantas pessoas que tinham como único lazer os jogos do Atlético Clube Paranavaí (ACP).
“Quantos não riram e choraram durante os jogos oficiais do ACP naquele estádio que ficava na Praça dos Pioneiros? A gente deve isso ao Natal Francisco, homem que criou um estádio com as próprias mãos, coisa que não existe hoje em dia”, comentou o pioneiro cearense João Mariano que atribui a existência e longevidade do Atlético Paranavaí ao sapateiro.
Muitos pioneiros destacam que o surgimento do primeiro campo oficial de futebol aproximou mais a população e também ajudou a superar os momentos de dificuldade. “Tinha gente que ficava a semana toda na expectativa de assistir a um jogo, isso animava mesmo as pessoas”, assegurou Mariano. Para o pioneiro mineiro José Antonio Gonçalves, Natal Francisco não teve o devido reconhecimento. “Ele foi um homem que deu tanto por Paranavaí. Hoje é praticamente esquecido”, reclamou Gonçalves.
Três mil réis em troca do terreno do estádio
Antes de construir o estádio de futebol na década de 1940, logo após a aquisição do terreno, o sapateiro Natal Francisco foi coagido por um morador local que tinha outros planos para o lugar. “O cara me ofereceu três mil réis em troca do terreno. Eu não aceitei porque já tinha feito a doação ao povo, era uma homenagem a eles. O indivíduo disse que nunca viu um sujeito bobo igual a mim que precisa de dinheiro e não aceita uma boa proposta”, declarou.
Em réplica ao homem, o sapateiro declarou que ganhava o suficiente para o sustento da família e ainda rebateu que a colônia cresceria muito. Irritado, o sujeito se comprometeu a ir até Curitiba fazer o possível para comprar pelo menos metade do terreno. À época, Natal Francisco ficou preocupado e decidiu ir até a capital com o seu Ford 29, movido a gasogênio.
“Meti uma muda de roupa dentro do carrinho e disse pra minha mulher que iria resolver a situação. Cheguei lá num dia pela manhã. Fui ao palácio do governo, mas o guarda não me deixou entrar”, confidenciou o pioneiro que gastou dinheiro do próprio bolso na viagem que durou dias por causa da precariedade das estradas.
Francisco insistiu para que o homem lhe fizesse um favor. “Pedi ao guarda para dizer ao governador que o Natal Francisco, de Paranavaí, precisava muito falar com ele”, lembrou. Dado o recado, sem demora, Moisés Lupion que estava dormindo se levantou e ainda de pijama foi atender o sapateiro. Lupion o convidou para entrar e tomar café. A obstinação do pioneiro chamou a atenção do governador que o qualificou como “um sujeito cem por cento”.
“Falou que se alguém tivesse a capacidade de ir a Curitiba para pegar um palmo daquela terra bastaria entregar a ele o nome da pessoa”, enfatizou. Ao final da conversa, Moisés Lupion afirmou que a terra já era do sapateiro e ainda garantiu a ele que dois dias após aquele encontro o título da terra estaria na colônia. Foi exatamente o que aconteceu.
Saiba Mais
Em 1961, o presidente do Atlético Clube Paranavaí (ACP), Waldemiro Wagner, construiu as arquibancadas do Estádio Natal Francisco e também o cercou com alambrado.
Na década de 1970, o Estádio Municipal Natal Francisco foi transferido para o Sumaré, distrito de Paranavaí.
Frase do pioneiro João da Silva Franco
“A única diversão daqui era o futebol. O campo de futebol foi feito pelo braço do povo”.
Quando a Brasileira entrou em decadência
Na década de 1930, o progresso de Paranavaí foi comprometido pelo esvaziamento populacional
Decreto criado pelo Governo do Paraná em 1931, limitando a quantidade de terras a 200 hectares por pessoa ou família, desestimulou colonizadores a ficarem na Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Alguns deixaram o povoado quando souberam que a colonização seria supervisionada pelo governo estadual. Para os oportunistas, era algo que poderia comprometer a exploração da mão de obra barata. Por isso, vários contratantes convenceram muitos colonos a partirem. A consequência foi o esvaziamento populacional.
Em 8 de abril de 1931, o interventor e general Mário Tourinho, ciente da onda de crimes na Fazenda Brasileira, assinou decreto retomando as terras da localidade para o Estado e autorizando o início dos loteamentos da então futura Paranavaí. Por essa atitude há quem responsabilize Tourinho pelo início da decadência da Brasileira, já que as terras sob controle do governo estadual trouxeram a Paranavaí uma enorme burocracia. Pioneiros afirmam que a morosidade para se conseguir um terreno fez muitos moradores irem embora para outros povoados, locais onde o acesso à terra era mais fácil.
Outros defendem que o decreto afastou muitos colonizadores porque estes viviam da exploração dos colonos nordestinos, vistos como mão de obra barata pelos pioneiros do Sul e Sudeste. “A informação de que o governo acompanharia de perto tudo que acontecia na colônia intimidou muita gente”, relata o pioneiro cearense João Mariano. Alguns proprietários rurais tentaram convencer os colonos a irem embora com eles, fazendo promessas de melhor remuneração e também de boas condições de trabalho.
A situação era tão ruim que muitos colonos trabalhavam apenas para comer e ainda assim ficavam endividados. “Quando o sujeito ia até a venda acertar as contas era informado que estava em débito, então além de não ter condições de viver com dignidade, ele não podia ir embora porque corria risco, já que estava devendo. O patrão sempre dava um jeito de endividar o empregado”, relata Mariano.
Em 1933, o interventor Manoel Ribas visitou a Fazenda Brasileira. Naquele tempo, o acesso ao povoado só era possível por uma estrada que findava no Rio Paranapanema. Para facilitar o contato com as outras colônias e cidades do Paraná, além de diminuir a influência paulista na localidade, Ribas pediu que o engenheiro Francisco Natel de Camargo iniciasse a abertura de uma nova estrada que começava em Arapongas, no Norte Central Paranaense.
Mesmo assim, nada impediu que a Brasileira sofresse um esvaziamento populacional, o que também comprometeu o progresso local. De um total de aproximadamente seis mil habitantes que viviam aqui em 1930, não restaram nem 500 para dar conta dos mil alqueires de pés de café.
Período obscuro perdurou até 1944
A falta de mão de obra estimulou outros a irem embora, e logo parte do cafezal foi coberto pelo mato. Aqueles que continuaram aqui aproveitavam para colher o que podiam. Transportavam até Presidente Prudente, onde o produto era comercializado. Muitos cafeeiros foram plantados onde estão localizados o Cemitério Municipal (ao lado do Colégio Unidade Polo), Colégio Estadual de Paranavaí (CEP) e Jardim Ipê.
À época, havia centenas de casas no Jardim Ouro Branco, mas muitas foram abandonadas com o passar dos anos. A situação piorou com o início da Segunda Guerra Mundial e as sanções que o Governo do Paraná impôs às colônias, inclusive com relação ao transporte de pessoas, cargas e animais.
Em 1939, o capitão Telmo Ribeiro, que chegou ao povoado por intermédio do interventor Manoel Ribas, tentou atrair migrantes para a Fazenda Brasileira. A estratégia do capitão foi ordenar a manutenção da estrada aberta por Camargo. O resultado não foi o esperado. Apesar disso, o caminho se tornou atrativo para moradores de Guarapuava e Campo Mourão que percorriam longas distâncias a procura de gado abandonado.
Aqui foram arrebanhados centenas de animais, o que justifica o nome “Estrada Boiadeira”. Tudo isso aconteceu quando Paranavaí contava com mais de 300 alqueires só de pastagens, por onde o gado circulava com total liberdade. Em 1943, dez anos depois do Estado assumir a Inspetoria de Terras, não havia mais que 80 casas na Brasileira e o total de habitantes mal chegava a 500. Foi um período obscuro e de pouca produtividade que perdurou até 1944.
Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira
Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema
Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.
A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.
No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.
No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.
Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.
No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.
Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.
A morte à espreita no Rio Paranapanema
De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.
Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.
Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.
O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.
Curiosidade
Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.
A grande injustiça de 1930
Apoio da Braviaco a Júlio Prestes culminou em desemprego para 300 famílias de migrantes
Em 1930, o apoio dos colonizadores da Gleba Pirapó ao político Júlio Prestes custou o desenvolvimento de Paranavaí. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o governo federal ordenou em 1931 a cassação de todos os bens da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco). A consequência mais drástica foi o desemprego de centenas de migrantes que plantaram mais de um milhão de pés de café.
Tudo começou no início do Século XX, quando todo o Vale do Ivaí ainda era território selvagem, de terras devolutas. Á época, o governo brasileiro teve a ideia de propor permuta às companhias estrangeiras. Oferecia terras em troca da colonização das áreas inabitadas. Quem gostou muito da proposta foi o empresário estadunidense Percival Farquhar, proprietário da Brazil Railway Company que até 1917 administrou 11 mil quilômetros de terras brasileiras.
Braviaco recebeu 317 mil alqueires no Paraná
Naquele tempo, Farquhar que recebeu títulos de posse de 317 mil alqueires no Noroeste do Paraná, conforme registros históricos do governo paranaense, transferiu a administração da área para a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), do empresário baiano Geraldo Rocha, também superintendente da Brazil Railway Company e proprietário do jornal carioca “A Noite”.
No mesmo período, o engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros, funcionário da Companhia Alves de Almeida & Cia, foi incumbido de desbravar uma área que começava na região Oeste de São Paulo e ia até o território paranaense do Rio Paranapanema.
Lá, Medeiros recebeu uma proposta de trabalho do também engenheiro agrônomo e diretor geral da Braviaco, Landulpho Alves (que se tornaria governador da Bahia em 1938), para ajudar a administrar os mais de cem mil alqueires da Gleba Pirapó que somavam 108 quilômetros.
“A área começava no Rio Paranapanema e terminava a margem direita do Rio Ivaí. A mim cabia a supervisão de serviços de campo como derrubada, plantio e formação de cafezais”, escreveu Joaquim Medeiros em um relatório sobre a colonização do Norte do Paraná.
A mão de obra trazida de Minas Gerais
Com a criação do Distrito de Montoya em 1929, Medeiros assumiu o cargo de subdelegado, o que lhe deu autoridade para enfrentar muitos grileiros que acampavam às margens do Paranapanema. “Houve muita luta porque os invasores chegavam aqui em grupos e armados, preparados para tomar posse das terras. Muitas vezes tive de sair daqui para buscar apoio em Curitiba”, relatou.
O que naquele tempo trouxe progresso à região, mas ao mesmo tempo abriu espaço para oportunistas e criminosos, foi a construção de uma estrada com 110 quilômetros que ia do Rio Pirapó até o Rio Ivaí. Pelo mesmo caminho, foi transportado todo o equipamento necessário para a viabilização de uma serraria, empreendimento sem o qual jamais seria construída a sede da Fazenda Ivaí, atual Paranavaí.
“Em 1926, coordenei a derrubada de uma área para o plantio de 1,2 milhão de cafeeiros. Tivemos de fazer uma nova estrada ligando a fazenda ao Porto São José. O objetivo era negociarmos com Guaíra, Porto Mendes e a Argentina, para onde o café seria transportado”, explicou.
Em 1927, Joaquim Medeiros viajou a Pirapora, Minas Gerais, e buscou 300 famílias de vários estados para trabalharem no plantio de café. “Trouxe eles até Presidente Prudente em um trem especial. O problema foi que lá choveu durante 40 dias e 40 noites. A estrada estava intransitável e a única ponte que existia tinha caído. Só quando parou de chover que pudemos reconstruí-la”, assinalou. E como se não bastasse, o engenheiro e os migrantes levaram mais de uma semana para chegar a Fazenda Ivaí, pois também choveu na região, fazendo os veículos atolarem com facilidade.
A perda do café e o desemprego dos colonos
Na fazenda, não havia espaço para acomodar todas as famílias, então cada uma tratou de criar o próprio rancho. Construíram casas e realizaram sorteios para decidir qual família seria contemplada. Outra medida que evitava problemas era a proibição do consumo de bebidas alcoólicas.
O plantio de 1,2 milhão de cafeeiros começou a ser feito em 1927. Trouxeram uma boiada do Mato Grosso para alimentar os colonos. A dedicação dos migrantes permitiu que após três anos o café estivesse pronto para a colheita. Infelizmente, com a Revolução de 1930, o título de propriedade da Gleba Pirapó foi cassado.
De acordo com Joaquim Rocha Medeiros, esta foi a punição do governo federal contra a Braviaco, de Geraldo Rocha, que apoiou a candidatura do eleito Júlio Prestes, logo deposto pelos aliados de Getúlio Vargas. “Colonos e funcionários da empresa, incluindo eu e Landulpho Alves, tiveram que abandonar o Distrito de Montoya, obrigados a deixar tudo pra trás e percorrer a pé, levando família, uma distância de 220 quilômetros”, revelou.
O desabafo do engenheiro veio à tona 45 anos depois. “O governo Vargas não respeitou os interesses das pessoas humildes que mesmo ao custo de tanto suor perderam tudo. As portas da justiça foram trancadas, deixando na miséria uma multidão de humildes brasileiros.”
Curiosidades
Nos tempos de colonização, era muito comum chamar de nortista ou nordestino qualquer pessoa que viesse de alguma região que não fizesse parte do Sul do Brasil.
Em 1927, o Juizado de Paz realizou o casamento formal de todos os migrantes trazidos de Pirapora, Minas Gerais.