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Os 35 anos do clássico punk pela libertação animal “Carne Significa Assassinato”
Dois anos antes do The Smiths lançar “Meat is Murder”, a banda britânica de anarco-punk Conflict lançou o clássico “Meat Means Murder” ou “Carne Significa Assassinato”, que faz uma crítica direta ao consumo de carne e à exploração animal. A música faz parte do álbum “It’s Time to See Who’s Who”, lançado em Londres em março de 1983, e que à época se tornou uma referência para o movimento pela libertação animal na Inglaterra.
Em entrevista a Pete Woods, do Ave Noctum, publicada em 5 de dezembro de 2013, o vocalista e membro-fundador do Conflict, Colin Jerwood, disse que a princípio a ideia era simplesmente formar uma banda sem maiores pretensões. Porém, com o tempo, eles ficaram surpresos com o impacto que suas músicas tiveram entre os ativistas pelos direitos animais. “Na verdade, nunca imaginei que essas palavras que escrevi teriam esse impacto e inspirariam tantas pessoas”, disse.
Quando “Meat Means Murder” foi lançada, Colin era apenas um jovem vegetariano de 20 anos, que mais tarde se tornaria vegano. Em entrevista a Niall McGuirk, publicada pelo The Thumped em 5 de maio de 2013, ele relatou que logo se envolveu com o grupo de ação direta Animal Liberation Front (A.L.F), conhecido por invadir lojas, laboratórios e fazendas para libertar animais. “A A.L.F teve que ser muito cuidadosa depois de algumas grandes prisões. Coisas ainda acontecem. Há um grupo chamado A-Team que tenta acabar com brigas de cães [na Inglaterra]. Não são tantos os estabelecimentos de vivissecção que podem ser invadidos agora porque eles são intocáveis por causa do dinheiro”, revelou.
Em 1984, o Conflict realizou shows em protesto contra a prisão de membros da A.L.F. Também arrecadou dinheiro para a libertação dos ativistas. Na página 166 do seu livro “No Future: Punk, Politics and British Youth Culture – 1976-1984”, lançado em 2017, Matthew Worley escreveu que em termos práticos o anarquismo punk tende a desautorizar a organização política formal a favor da ação, e entre as suas diversas facetas, principalmente na Inglaterra, estão ações de libertação animal, sabotagem à caça e levantamento de fundos para grupos de ativismo animalista: “Alguns, incluindo Colin Jerwood, do Conflict, alinharam-se com a Animal Liberation Front (A.L.F), o que condiz com a ação direta defendida em seu EP To a Nation of Animal Lovers EP (1983).”
Outro autor que reconhece a importância musical do Conflict como instrumento de conscientização sobre a realidade da exploração animal e do chamamento para o ativismo em favor dos direitos animais a partir da década de 1980 é Ian Glasper, autor do livro “The Day the Country Died: A History of Anarcho Punk 1980-1984″, de 2006. “Depois do Crass, a maioria das pessoas quando fala no gênero anarco-punk pensa imediatamente no Conflict, uma banda cuja música era honesta, agressiva e intransigente, e que fazia dos direitos animais a sua questão principal”, destacou na página 104 do seu livro.
No artigo “Nailing Descartes to the Wall: animal rights, veganism and punk culture”, publicado em 2014 na Anarchist Library, Len Tilbürger e Chris P. Kale citam que entre as inúmeras bandas anarco-punk que abraçaram os direitos animais e o veganismo nos anos 1980, Conflict é considerada a mais importante: “Para complementar suas exortações líricas, eles projetavam imagens de vídeo, obtidas pela própria banda que se infiltrou em matadouros, em telas por trás do palco enquanto se apresentavam. Eles também exaltavam os movimentos de ativistas pela libertação animal na década de 1980”.
Nas páginas 232 e 233 da tese de PhD “An Investigation into the Emergence of the Anarcho-Punk Scene of the 1980s”, publicada pela Universidade de Salford, no Reino Unido, em outubro de 2004, o autor Mike Dines observa que muito do material do Conflict oferece um “chamado às armas” na luta contra matadouros e as estruturas do governo. Ele usa como exemplo a faixa “Ungovernable Force”, de 1986, em que Colin Jerwood questiona: “O que significa ação direta?” Então ele continua: “Isso significa que não estamos mais preparados para continuarmos sentados e permitir que coisas terríveis e cruéis aconteçam. Ação direta pelos direitos animais significa causar danos econômicos aos que abusam e lucram com a exploração”.
Meat Means Murder (Carne Significa Assassinato) – 1983
A fábrica está produzindo, tudo processado, embalado e organizado
Uma substância abatida e obscura, e no rótulo lê-se “carne”
Escondida por trás de nomes falsos como porco, presunto, vitela e bife
Um olho é um olho, uma vida é uma vida, a atual crença esquecida
A linha de produção diária ainda está alimentando essa farsa
Para acabar sobre a sua mesa e então sair pela sua bunda
Você ainda continua na fila e continua assistindo
Serrarem os membros adequadamente para os ensopados
Carcaças empilhadas num monte
Sortidos, macios, suculentos pedaços congelados
Bem, você não percebe que aquele suco é sangue?
De gargantas recém-nascidas, rios de sangue jorram
Sangue de jovens corações, sangue de veias
Seu sangue, o sangue deles, serve da mesma maneira!
Agora você está diante da mesa, sentado, sorrindo
Sentado ali comendo, você nunca perceberá como aquilo foi feito.
Está servido sobre um prato esterilizado, você não pensará na matança
O mais longe que seu cérebro irá é “isso é pra fritar ou grelhar?”
Você lamenta pelo abate de focas, pelo massacre de baleias
Mas realmente importa se vive na terra ou na água?
Você nunca teve um casaco de pele, você acha que é cruel com os visons
Bem, e quanto à vaca, o porco ou a ovelha? Eles não te fazem pensar?
Desde o dia em que você nasceu, nunca te contaram da peça que está faltando?
Saiba Mais
O Conflict foi fundado em Eltham, Sul de Londres, em 1981. A formação original da banda era Colin Jerwood (vocal), Francisco ‘Paco’ Carreno bateria), Big John (guitarra), Steve (Guitarra) e Pauline (vocal). O primeiro lançamento do Conflict foi o EP “The House Man Built”, de 1982. Em 1983, no EP “To a Nation of Animal Lovers”, Steve Ignorant, do lendário Crass, fez uma participação especial. Mais tarde, com o fim do Crass, ele ingressou como segundo vocalista.
Referências
Woods, Pete. Interview – Conflict. Ave Noctum (5 de dezembro de 2013).
McGuirk, Niall. It’s Not About Sitting In Your Slippers – An Interview With Conflict’s Colin Jerwood. The Thumped (5 de maio de 2013).
Worley, Matthew. No Future: Punk, Politics and British Youth Culture – 1976-1984. Página 166. Cambridge University Press (2017).
Glasper, Ian. The Day the Country Died: A History of Anarcho Punk 1980-1984. Página 104. PM Press (2014).
Tilbürger, Len; Kale, Chris P. Nailing Descartes to the Wall: animal rights, veganism and punk culture. Anarchist Library (2014).
Dines, An Investigation into the Emergence of the Anarcho-punk Scene of the 1980s. PhD thesis. University of Salford, UK. Páginas 232-233 (2004).
Carnist: “A verdade é que comer carne tem um grande custo, e o custo é sempre afastado dos olhos das pessoas”
“A chapa de carne que se encontra diante de você, você se importa de onde veio?”
Fundada em 2013, a banda inglesa de hardcore Carnist se pauta em questões envolvendo veganismo e direitos animais, além de outros assuntos que o quarteto julga como relevantes na discussão sobre a exploração animal. Embora o grupo não seja antigo, o Carnist surgiu por iniciativa de integrantes das bandas Shels, Plague Mass, Unquiet Grave, Momentum, Light Bearer e Fall of Efrafa. Em 2013, eles estrearam com o álbum “Unlearn”, que fala sobre o conceito de desaprender normas sociais e traços culturais que são contrários à natureza humana.
“Ou seja, a nossa atitude em relação aos animais [tanto não humanos quanto humanos], que não se encaixam nas ideias sufocantes, arcaicas e claustrofóbicas do que é ser humano”, explica o Carnist, que tem como principais influências bandas como Dropdead, Trial, Propagandhi, Infest, Siege e Protestant. Em tom bem-humorado, eles dizem que o som da banda, que tem uma pegada crust, é melhor apreciado acompanhado de uma xícara de chá.
Em entrevista ao The New Noise, da Itália, em fevereiro de 2014, o vocalista Alex informou que não se sente especial por ser vegano. Também não vê o veganismo com algo particularmente virtuoso. “Realmente sinto que alguém de mente sã, uma vez que conseguisse digerir a informação que está livremente disponível, iria procurar eliminar o abuso animal de sua vida. Infelizmente esse sistema trabalha ativamente para ocultar e distorcer todo o processo, inclusive propagando desinformação”, criticou.
Na música “Eating Children”, do álbum “Unlearn”, Alex canta: “A chapa de carne que se encontra diante de você, você se importa de onde veio? O pedaço de músculo, atado com veias; uma carne de bebê cortada de seus membros.” Também com o objetivo de chamar a atenção para a crua realidade da exploração animal na indústria alimentícia, o Carnist lançou em 2016 o disco “Hellish”, que tem como capa a imagem de porcos sendo executados em um matadouro.
“Queríamos mostrar às pessoas uma verdade, e a verdade é que comer carne tem um grande custo, e o custo é sempre afastado dos olhos das pessoas. A foto é grotesca em sua exibição do assassino humano sem rosto, a trágica falta de respeito, o medo dos porcos que têm de testemunhar seu companheiro caído. Isso apresenta o inferno da indústria da carne de modo eloquente, penso”, avaliou Alex em entrevista ao Metalorgie em setembro de 2016.
A ideia do nome, “Carnist”, é uma referência ao carnismo, sistema de crença invisível, também definido como ideologia, que, segundo a psicóloga social Melanie Joy, condiciona as pessoas a comerem alguns tipos de animais. O termo foi concebido por ela em sua dissertação de doutorado em 2001, e se tornou popular por meio do livro “Why We Love Dogs, Eat Pigs, and Wear Cows”, ou seja, “Por Que Amamos Cachorros, Comemos Porcos e Vestimos Vacas”, publicado em 2009.
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Todos os integrantes do Carnist são veganos.
Caso queira comprar a camiseta do Carnist, acesse:
http://doomrock.com/Band-Merch-Clothes/Bandmerch/Shirts/Carnist-Hellish-Shirt::1301.html?XTCsid=93e680a6a7da998e0f1e744595ba30a7
Referências
http://www.metalorgie.com/interviews/1356_Alex-CF-Fall-Of-Efrafa-Light-Bearer-Morrow-Anopheli_Par-Email
http://no-pasaran.org/label/artists/detail/detail/carnist-ukat/
https://www.discogs.com/artist/3661813-Carnist
http://www.chaosruralrecords.com/store/carnist_hellish_10_inch
http://www.idioteq.com/crusty-doom-hardcore-band-carnist-streaming-hellish-10-full/
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Snapcase: “Eu nunca iria matar um animal e comê-lo. Então por que eu iria simplesmente comprá-lo?”
Taberski: “Isso não faz diferença só porque alguém matou e realizou todo o processo”
Uma das bandas mais importantes do cenário de hardcore punk do estado de Nova York, a banda Snapcase, fundada em Buffalo em 1991, surgiu por iniciativa de três amigos; um deles é o vocalista Daryl Taberski, que é vegano e único integrante da formação original que ainda continua no grupo. Embora o Snapcase não tenha o veganismo como temática primária em suas músicas, algumas de suas composições vão por esse caminho, mesmo que não de forma tão direta. Um exemplo é a música “Guilty By Ignorance”, do álbum “Progression Through Unlearning”, de 1997.
Na letra, Taberski fala sobre como somos culpados pela nossa própria ignorância quando temos condições de melhorar o mundo em que vivemos, mas optamos por dar dinheiro a empresas que matam sem demonstrar qualquer remorso, porque visam simplesmente os lucros. “E você não se importa de saber que sua vida rouba vidas. Então dê uma olhada em sua consciência vazia, porque ignorância não é inocência. Você se tornou, você se tornou o inimigo daqueles que são vítimas da ganância”, grita o vocalista em um trecho de “Guilty By Ignorance”.
Em “Box Seat”, do álbum “Designs for Automotion”, o Taberski fala sobre a cultura de consumo e como nos diluímos nesse meio, ignorando inclusive quem somos. “Não nos venda uma imagem perfeita. Nós vamos lutar para nos encontrarmos. Queremos o desafio impopular, queremos testar o nosso intelecto, teste nosso intelecto. Estamos programados, condicionados. Sem sentido, emoções sem sentido. Perdemos nosso desejo de pensar sozinhos, de pensar sozinhos, de pensar sozinhos…”, berra em “Typecast Modulator”, do disco “Designs for Automotion”, de 2000.
Em entrevista a Mike Bushman, do Modern Fix, Daryl Taberski contou que se tornar vegano fez com que ele entendesse muitas coisas de forma diferenciada. “Não é uma coisa difícil de fazer. Eu nunca iria matar um animal e comê-lo. Para mim, [ser vegano] é ir ao fundo das coisas. Então por que eu iria simplesmente comprá-lo? Isso não faz diferença só porque alguém matou e realizou todo o processo”, argumentou.Taberski declarou que hoje em dia as pessoas estão mais conscientes sobre o que é o veganismo, ao contrário de anos atrás quando um vegano era facilmente considerado uma “aberração”. ‘As pessoas perguntavam: ‘Vegano? O que é isso?’”, exemplificou. O músico também reconheceu que tem se tornado cada vez mais fácil encontrar comida sem ingredientes de origem animal. “Até mesmo os grandes supermercados de Buffalo, onde vivemos, dedicam uma seção inteira à comida vegetariana e vegana”, disse em entrevista ao Enzk Punk and Hardcore Fanzine.
De 1994 a 2003, o Snapcase, que hoje tem Daryl Taberski como único membro fundador, lançou os álbuns “Lookinglasself”, “Progression Through Unlearning”, “Designs for Automotion”, “End Transmission” e “Bright Flashes”.
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Originalmente, Daryl Taberski era baixista do Snapcase. O posto de vocalista era ocupado por Chris Galas.
Os discos “Designs for Automotion” e “Progression Through Unlearning” são apontados como as maiores contribuições da banda ao hardcore punk.
Referências
http://www.modernfix.com/interviews-2/feature-4/
http://www.angelfire.com/wi/enzk/snapcase.html
http://snapcase.com/
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Ian Mackaye: “Nossa sociedade está centrada em torno do consumo de carne, e nossa sociedade é uma droga”
“Por que não ser vegetariano? Posso dar pelo menos 10 razões para ser vegetariano”
Ian Mackaye, um dos nomes mais importantes da história do hardcore, e que esteve à frente das bandas Minor Threat e Fugazi, tornou-se vegano em 1990, e desde então concedeu inúmeras entrevistas falando um pouco sobre suas motivações em não consumir nada de origem animal.
“Me tornei vegetariano em 1984, e um punk rocker em 1979. Mas acredito absolutamente que o meu interesse na contracultura, no underground, me levou eventualmente a aplicar o mesmo tipo de pensamento crítico em tudo que eu fazia. Quando as pessoas me perguntam sobre minha dieta, ‘Por que você não come carne?’ A resposta sempre é: “Por que não? Por que eu deveria?’ Posso pensar em centenas de razões pelas quais eu não comeria um pedaço de carne, assim como não comeria um pedaço de merda”, disse MacKaye em entrevista publicada na Satya Mag em agosto de 2006.
A resposta do músico tornou-se bastante usual, e até mesmo uma forma eficaz de mostrar as pessoas o quanto elas estão imersas na própria conveniência quando estranham alguém que diz ter optado pelo vegetarianismo ou veganismo. No documentário “Edge”, lançado em 2009, e que fala sobre a cultura straight edge, que tem MacKaye como um dos seus principais ícones, ele explica que não raramente as pessoas o perguntam: “Por que ser vegetariano?”
E a reação dele não poderia ser diferente: “Por que não ser vegetariano? Posso dar pelo menos 10 razões para ser vegetariano.” Não raramente, alguém rebate que não é possível obter certas vitaminas sendo vegetariano, o que costuma levá-lo aos risos, já que, segundo o músico a maioria das pessoas que fazem esse questionamento não dão a mínima para as vitaminas. “A razão pela qual a maior parte das pessoas não é vegetariana é porque é conveniente. Elas são criadas em uma sociedade que é tão fácil não ser vegetariano. É apenas isso. Mas eu posso pensar em muitas razões pela qual eu devo ser. É tão natural, é uma extensão natural do processo pelo qual a vida deve ser vivida”, argumentou.
Na metade dos anos 1980, depois do primeiro ano sem consumir carnes, como MacKaye tinha um desvio de septo, ele baniu todos os derivados de leite da sua alimentação, o que também facilitou mais tarde sua transição para o veganismo. Ademais, para quem não se importa com a crueldade contra os animais, o músico declarou que há outros pontos a se considerar, como por exemplo o fato de que os seres humanos não têm o hábito de consumir carne porque a consideram saudável. “Então por que continuar comendo essa porcaria? Comida vegana é deliciosa e saudável”, enfatizou em entrevista à Bianca, do Vegan Crunk, no Memphis Brooks Museum of Art, publicada em 16 de setembro de 2010.
A Jeff Jetton, do NYC Brightest Young Things, ele contou que há pessoas que agem de foram estranha quando o convidam para jantar e ficam sabendo que ele é vegano. “Não sinto falta de nada da minha antiga dieta [antes de tornar-se vegano]. É bom ter a sensação de que eu tenho total controle sobre a minha vida”, comentou em entrevista ao fanzine alemão Ox em agosto/setembro de 2010.
Para Ian MacKaye, que não gosta tanto de falar sobre veganismo em entrevistas porque não gosta de ser mal interpretado, tudo na vida é uma ação política. “Para mim, o que eu como ou o que não como, com certeza é algo político. Nossa sociedade está centrada em torno do consumo de carne, e nossa sociedade é uma droga”, lamentou à Satya Mag e ao Vegan Crunk.
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Ian MacKaye nasceu em 16 de abril de 1962 em Washington, DC, nos Estados Unidos. Seus primeiros registros fonográficos foram lançados em 1981.
Além da banda de hardcore Minor Threat e da banda de pós-hardcore Fugazi, ele gravou com as bandas The Teen Idles, Skewbald/Grand Union, Egg Hunt, Embrace, Pailhead e The Evens.
Ele é co-fundador da conceituada gravadora independente Dischord Records, em Washington D.C..
Referências
https://brightestyoungthings.com/articles/ian-mackaye-interview
http://vegancrunk.blogspot.com.br/2010/09/high-on-ian-mackaye.html
http://www.ox-fanzine.de/web/itv/3799/interviews.212.html
http://www.satyamag.com/aug06/mackaye.html
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Earth Crisis: “Não posso pensar em nada mais importante do que salvar vidas, e esta é a principal razão pela qual me tornei vegano”
Scott Crouse: “Há muitos produtos lá fora para quem quer evitar causar sofrimento aos animais”
Fundada em Syracuse, Nova York, em 1989, a banda de metalcore/hardcore punk Earth Crisis é conhecida principalmente por abordar os direitos animais, dar suporte a grupos como Animal Liberation Front (ALF) e ajudar a promover o veganismo e o estilo de vida straight edge.
Em entrevista a Max Deneau, do Exclaim!, do Canadá, e publicada em 15 de abril de 2009, o guitarrista Scott Crouse contou que originalmente o vocalista Karl Buechner tocava baixo, e que desde o início todos os integrantes já eram veganos e seguiam um estilo de vida livre de álcool e outras drogas lícitas e ilícitas.
“Não posso pensar em nada mais importante do que salvar vidas, e esta é a principal razão pela qual me tornei vegano. Quero apoiar as empresas que estão oferecendo alternativas livres de crueldade. Não quero dar dinheiro para pessoas que são responsáveis por tanto sofrimento em lugares como matadouros, fazendas de peles e laboratórios de vivissecção”, disse o vocalista Karl Buechner em entrevista ao zine Value Of Strength #4 e publicada no Punk Interviews em 2006.
Para Buechner o veganismo, que ele aderiu aos 16 anos, reverencia as vidas inocentes e preconiza a construção de um sistema mais pacífico e justo. Uma das coisas que mais o deixa feliz é quando alguém lhe procura para tirar dúvidas sobre direitos animais. “Significa que estão interessados em saber mais sobre a libertação animal. Há muitos rumores a nosso respeito, na tentativa de fazer as pessoas não ouvirem o que estamos falando, mas vejo como uma reação positiva quando alguém nos procura ou faz uma entrevista com a gente”, comenta.
Por outro lado, o vocalista do Earth Crisis reclama que no cenário punk há muitas pessoas desinteressadas em saber o que acontece nos matadouros. “Eles não querem ouvir sobre isso porque é algo que desafia a forma como eles vivem. Bom, obviamente você pode ver como é o corpo humano. Nós não temos garras enormes. Nosso sistema digestivo é muito longo e o sistema digestivo dos carnívoros é curto. É por isso que a carne apodrece dentro do corpo humano, e é por isso que os seres humanos têm tantos problemas de saúde”, critica.
Por causa de suas temáticas em torno do abolicionismo animal e também por defender ações diretas em benefício dos animais, o Earth Crisis está há anos sob vigilância nos Estados Unidos. “Muitos dos nossos amigos também”, garante Karl Buechner.
Em entrevista a Andrew Bansal, do Metal Assault, publicada em 17 de março de 2014, o guitarrista Scott Crouse disse que o mundo mudou desde que ele se tornou vegetariano em 1990. “Há muitos produtos lá fora para quem quer evitar causar sofrimento aos animais e danos ao meio ambiente. Há muitos substitutos de carnes e laticínios, e há mais produtos não testados em animais do que nunca. Acho que é ótimo porque significa que hoje existe muito mais consciência”, avalia.
Porém, as espécies ameaçadas de extinção continuam desaparecendo, e isto porque, segundo Crouse, a humanidade sempre olhou primeiro para si mesma. Lá trás, alguém pensou que o ser humano deveria assumir o controle do mundo e fazer o que quisesse com as outras espécies. “Para que o mundo mude, a perspectiva tem que mudar. Temos que olhar para nós não como se estivéssemos acima das outras criaturas, mas como alguém que pode trabalhar em harmonia com elas. Ainda podemos ter nossas casas e nossos carros, só que podemos fazer isso com responsabilidade, sem destruir o habitat das outras criaturas. Acho que teremos problemas até começarmos a nutrir a vida, não tirá-la”, lamenta.
A Dane Prokofiev, do News Noise Magazine, Scott Crouse relatou que o único aspecto negativo em ser vegano e straight edge é que consumir álcool e comer carne são duas coisas que as pessoas fazem socialmente. “Você se afasta da sociedade, o que em minha opinião não é tão ruim. Quero dizer, prefiro isso, mas é mais difícil para pessoas que gostam de estar com outras pessoas, porque elas percebem que já não se encaixam”, enfatiza. Muitas das músicas do Earth Crisis falam de direitos animais. Alguns exemplos são “New Ethic”, do álbum “Destroy The Machines”, de 1995, e “To The Death”, do álbum homônimo de 2009.
Nova Ética
Esta é a nova ética
Animais têm suas próprias vidas e devem ser respeitados
Rejeite o antropocentrismo
Falsidade que mantém a hierarquia opressiva da humanidade sobre os animais
É hora de libertá-los. A vida deles reduzidas à condição de máquinas em fábricas, fazendas e laboratórios
Laticínios, ovos, peles, camurça, lã, couro são o fim
Produtos de tortura, confinamento e assassinato
Eu abjuro seu uso em reverência a toda vida inocente
É um direito dos selvagens viverem em paz em seu ambiente natural
Sem a interferência, que já não deve ser negada, desta civilização
Para fazer uma civilização digna da palavra civilizado a crueldade deve terminar
Começando pelas suas próprias vidas
Rejeite a falsidade antropocêntrica que mantém a hierarquia opressiva da humanidade sobre os animais
É hora de libertá-los
O veganismo é a essência da compaixão e da convivência pacífica
Os animais não são nossos para abusar ou dominar
Eu abjuro seu uso em reverência…
Eu abjuro seu uso em reverência…
Eu abjuro seu uso em reverência a toda vida inocente
Formação Atual
Karl Buechner – vocal
Scott Crouse – guitarra
Ian “Bulldog” Edwards – baixo
Dennis Merrick – bateria
Erick Edwards – guitarra
Saiba Mais
Entre os anos de 1995 e 2014, o Earth Crisis lançou os álbuns “Destroy The Machines”, “Gomorrah’s Season Ends”, “Breed the Killers”, “Slither”, “Last of the Sane”, “To The Death”, “Neutralize the Threat” e “Salvation of Innocents”.
Referências
http://exclaim.ca/music/article/scott_crouse_of_earth_crisis
Interview: Earth Crisis Talk About Their Comic Book & New Album
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John Joseph: “Se uma dieta baseada em vegetais funcionou para mim, ela funciona para qualquer um”
Como o vocalista da lendária banda nova-iorquina Cro-Mags tornou-se um atleta vegano
Vocalista da lendária banda de crossover Cro-Mags, pioneira na fusão do hardcore punk com o thrash metal, e uma das mais importantes da história do cenário hardcore de Nova York, John Joseph publicou em 2014 o livro “Meat is for Pussies: A How-To Guide for Dudes Who Want to Get Fit, Kick Ass…”. Embora o título possa parecer bobo, cômico ou provocativo, o conteúdo merece muita atenção.
“É um olhar sobre a perspectiva de que o homem ‘precisa’ de carne para ser varonil e forte”, explica o também escritor e atleta vegano. Na primeira parte do livro, John Joseph apresenta fatos e faz críticas aos horrores envolvendo a exploração animal e os processos de produção de carne.
Depois de falar das fazendas industriais, ele guia o leitor a um capítulo em que discorre sobre um estilo de vida mais feliz, saudável e muito mais humano. Ou seja, um estilo de vida vegano. Na obra, ele dá dicas sobre culinária livre de crueldade contra animais. Em síntese, “Meat is for Pussies”, ignorem o título jocoso, é uma obra em que Joseph desafia positivamente os leitores a mudarem de vida.
“Muitos dos caras que perguntam de onde consigo minhas proteínas estão acima do peso, precisam de pílulas para ereção e levam uma hora no banheiro para se livrarem das carcaças podres que estão em seus cólons”, diz.
Uma das figuras mais famosas do cenário hardcore punk dos Estados Unidos, John Joseph tem usado a sua popularidade para atrair pessoas para o veganismo, divulgando principalmente os benefícios de uma alimentação vegetariana aliada a um bom condicionamento.
“Aprendi sobre a PMA [atitude mental positiva] quando a banda punk rastafári Bad Brains me deu um trabalho como roadie deles em 1981. A primeira parte do processo era abandonar carnes, ovos, laticínios, comida processada e drogas”, confidenciou em entrevista à Deni Kirkova, do tabloide britânico Metro em 21 de agosto de 2015.
Segundo Joseph, a sua mudança de atitude foi uma consequência da sua dieta vegetariana estrita, um catalizador em sua vida. “As cortinas caíram, por assim dizer. Absorvi o conhecimento como se eu fosse uma esponja. Fiquei sóbrio, comecei a praticar ioga, meditação, artes marciais, ciclismo, natação de águas abertas e corrida”, revelou.
O novo estilo de vida também garantiu mais energia para tocar com o Cro-Mags e um bom desempenho no Ironman Triathlon, competição de resistência que exige que os atletas completem quase quatro quilômetros de natação, 180 quilômetros de pedaladas e mais de 42 quilômetros de corrida. E tudo isso exige muito treinamento e uma boa dieta. Em 25 de setembro de 2015, a Vice publicou uma matéria baseada na rotina de John Joseph em sua preparação para o Ironman, e se surpreendeu com a força de um homem que só consome alimentos de origem vegetal.
“Se você me dissesse em 1980 que um dia eu seguiria uma dieta vegetariana, e mandaria ver no IronMan, eu provavelmente daria risada em sua cara. Meu passado em Nova York foi duro, realmente duro”, explicou a Deni Kirkova. Mesmo quando sua rotina ficou atribulada por causa das turnês com bandas como Motörhead, Bad Brains, Megadeth e GBH, Joseph continuou cumprindo seu papel como vegano, sem qualquer deslize. Com o Cro-Mags, ele gravou entre os anos de 1986 e 1993 os álbuns “Age of Quarrel”, considerado um dos discos mais influentes da história do hardcore punk, “Alpha Omega” e “Near Death Experience”.
O escritor e atleta vegano já recebeu milhares de e-mails, mensagens no Facebook, Instagram e Twitter de pessoas dizendo que leram seu livro e mudaram de vida por causa do conteúdo e do seu estilo de escrever. “Eles gostam porque dizem que foi escrito na linguagem deles”, justifica.
Quem não conhece a história de John Joseph, jamais imaginaria que ele foi um sem teto viciado em álcool e drogas. Em 1969, aos sete anos, ele foi obrigado a abandonar um lar violento. Viveu em vários orfanatos e em mais lares abusivos. Sem perspectiva de futuro, passou o ano de 1988 consumindo crack.
Na mesma época, levou um tiro, foi esfaqueado e chegou a ser preso. Hoje, com 54 anos, ele continua atuando como vocalista e tornou-se um atleta vegano com desempenho exemplar em cinco edições do Ironman. E ele atribui a sua história de superação ao seu estilo de vida vegano, que não admite a exploração de animais e considera prejudicial à saúde o consumo de alimentos de origem animal.
“As pessoas são bombardeadas por comerciais de fast food barato, e ingerem comidas que não só causam estragos ao seu sistema como ao planeta por causa do abate de animais”, lamentou em entrevista ao jornal The Examiner, da Austrália, e repercutida pelo Exclaim, do Canadá, em 7 de outubro de 2009.
Saiba Mais
John Joseph, que nasceu em Nova York em 3 de outubro de 1962, se tornou vegetariano há mais de 30 anos.
Referências
Vegan rockstar and athlete John Joseph on why ‘meat is for pussies’
https://munchies.vice.com/en/videos/fuel-the-vegan-ironman-diet-of-cro-mags-john-joseph
http://exclaim.ca/music/article/cro-mags_john_joseph_declares_meat_is_for_pussies_with_new_book_begins_work_on_reality_show
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Powerviolence, música de cunho social e politizado
Importante subgênero da cultura punk, o powerviolence jamais se popularizou no Brasil, ao contrário de países como Estados Unidos, Canadá e Japão, além do continente europeu. Acredito que um dos grandes diferenciais do powerviolence é o fato de ser um dos estilos musicais com maior número de pessoas politizadas ou engajadas em causas sociais – claro que numa avaliação de proporcionalidade. Algumas bandeiras do subgênero nascido nos Estados Unidos são a defesa dos direitos dos animais, humanitarismo e denúncias de problemas urbanos.
Não é música por música ou simplesmente música pela arte. É música pela transformação, pela necessidade de fazer algo. Inclusive o som pancada, que tem um conceito tão literal quanto metafórico, ultrarrápido e conciso é justamente uma referência à necessidade de despertar, refletir por si mesmo – ter uma opinião fundamentada e agir. A ideia é instigar o ouvinte, como se estivesse ao seu lado gritando em seu ouvido.
Do subgênero, uma das bandas mais emblemáticas é o Capitalist Casualties, grupo de Santa Rosa, na Califórnia, que pratica um som cru, breve, alígero e dissonante desde 1986. Na década de 1990 e início dos anos 2000 o powerviolence conquistou boa visibilidade. O que contribuiu muito foi a expansão de fanzines, webzines, gravadoras e revistas independentes. A situação mudou mais tarde com a extinção de festivais e outras iniciativas que ajudavam na divulgação do estilo. Há quem diga que o powerviolence perdeu espaço porque hoje em dia ainda é muito difícil ser autossuficiente no cenário underground.
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Uma vez punk, sempre punk
João Henrique Andrade, das noitadas de anarquia em João Pessoa para a advocacia no Noroeste do Paraná
Nos anos 1980, João Henrique Andrade percorria as ruas de João Pessoa, na Paraíba, usando calças jeans rasgadas, jaqueta de couro com patches, rebites e frases, além do tradicional tênis converse ou coturno. “Andar com calça rasgada em 1986 tinha dois significados para a maioria da pessoas: você estava pedindo dinheiro ou era maluco. Então era difícil”, admite.
Integrante do movimento punk de João Pessoa, João Henrique, que começou a trabalhar com 13 anos, sempre marcava presença no Gueto, um lugar conhecido como o submundo da noitada punk. No local eram realizados muitos shows, discussões e estudos sobre anarquismo e ações do Grupo de Ação Libertária (GAL), aliado da Confederação Operária Brasileira (COB). Participante das panfletagens, Andrade era o vocalista e guitarrista da banda Mercenários da Anarquia (M.E.R.D.A.) que chegou a compor mais de 30 músicas até o final da década de 1980.
Naquele tempo, os eventos de punk-rock também chegavam ao centro, levando uma legião de anarquistas para o Teatro Lima Penante. “O público sempre lotava as festas punks em que tocávamos, até porque era um estilo de vida. Só não chegamos a gravar nada porque na época era muito caro e não tínhamos acesso a nenhum estúdio, uma realidade bem diferente da atual”, explica João Henrique, lembrando que a tecnologia era precária e os instrumentos musicais de boa qualidade eram praticamente inacessíveis.
Antes de formar a primeira banda, Andrade começou a fazer aulas de violão clássico. Entediado, agitado e motivado pelos ideais de contestação que conquistavam os jovens da época, decidiu comprar uma guitarra. “Eu queria fazer barulho. Então montei a M.E.R.D.A. em 1986 e escrevemos as canções ‘Ônibus” e ‘A Balada do Vagabundo’. Entendíamos pouca coisa de música, mas o nosso estilo não exigia mais que três ou quatro notas e uma boa batida. Era coisa simples e que ajudava a dar voz para as insatisfações da época”, enfatiza.
Amigo de Williard Fragoso, realizador do programa Jardim Elétrico, transmitido pela Rádio Universitária de João Pessoa, João Henrique conta que a programação era baseada em muito rock e também na divulgação das atividades e eventos do movimento punk. “O Jardim Elétrico deu a oportunidade para que muita gente conhecesse os grandes clássicos do gênero. Também estimulava e ajudava as bandas locais”, garante.
Quem levava informações e novidades sobre o que acontecia no cenário punk mundial eram os membros da banda Restos Mortais que viajavam com frequência para São Paulo. Outro destaque da época era a banda Disunidos que realizou três edições do show “União de Forças”. “A cena não vingou muito porque era difícil articular o movimento. Só que tínhamos muitos fanzines [revistas pequenas feitas pelos próprios fãs] e aquela coisa boa da sujeira, do selvagem, do bruto. Isso era legal! Lembro até hoje de Urubus Leprosos, uma banda que o pessoal curtia muito em João Pessoa. Eram punks que faziam releituras de músicas de Reginaldo Rossi, Odair José, entre outros”, relata.
No mesmo período, Andrade conheceu a banda de rock carioca Hojerizah que emplacou sucessos como “Que Horror” e “Pros Que Estão em Casa” e tinha como vocalista o célebre Toni Platão. “Outro dia conversei com o Clemente, dos Inocentes. Um cara muito pra frente. Comentei com ele sobre as Mercenárias, um grupo pós-punk que o Edgard Escandurra [do Ira!] produziu no início dos anos 1980. Elas estão coroas e continuam na ativa, cantando”, revela, sem deixar de mencionar que a banda punk Cólera, fundada em 1979 em São Paulo foi uma grande referência para os Mercenários da Anarquia.
Influenciado pelo livro “As Cinco Lições de Psicanálise”, de Sigmund Freud, João Henrique compôs músicas norteadas pelo conteúdo introspectivo e sonoridade psicodélica. “A base eram os níveis da personalidade humana, o estado de consciência e inconsciência que Freud divide em id, ego e superego”, confessa.
Em 1988, escreveu “Quarta-Feira Cinzenta” na quarta-feira de cinzas, música que integrou o repertório da segunda banda, a ID. “Tinha lido muito o apocalipse da Bíblia. Então sentei na cama com a minha velha Gianini branca e assim saiu a letra e a música numa pancada só. Chegamos a nos apresentar depois no Espaço Cultural José Lins do Rego e na Praça do Povo em João Pessoa”, narra.
Quando se mudou para o Paraná em 1991, Andrade se afastou um pouco da cultura punk para tocar em barzinhos. Em Cruzeiro do Sul, a pouco mais de 60 quilômetros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ajudou a reorganizar a banda MDC, nome extraído da música “Tu És o MDC da Minha Vida”, de Raul Seixas. “Parei de cantar minhas composições nessa época. Só retomei quando vim pra Paranavaí em 1997. Voltei a compor em frequência menor e me aproximando mais do pop, de algo ainda mais simples”, diz.
Em Paranavaí, João Henrique retomou os estudos e se casou com Luzimar Ciríaco Andrade. Por incentivo de um tio, e contrariando todas as expectativas, ingressou no curso de direito. “Eu queria ser jornalista e isso era o que todo mundo da minha família costumava achar que eu seria. Acabei me formando na área e comecei a advogar”, confidencia.
Embora seja reconhecido como músico, Andrade prefere se definir apenas como punk, numa perspectiva bem pessoal. Justifica que carrega na essência o apego ao minimalismo e ao improviso, sem se preocupar muito com técnica. “Embora eu toque outros estilos hoje, ainda gosto muito do punk. Acho que é o som mais extravasante que existe. Não é difícil de tocar e alegra bastante. Tenho muitas coisas na cabeça, então acho que consigo fazer um disco numa tarde”, reitera sorrindo.
Em parceria com a esposa Luzimar, João Henrique realiza shows beneficentes para ajudar pessoas doentes ou que estão enfrentando grandes crises financeiras. “Também fazemos parte do grupo ‘Doutores da Tapioca’, formado por advogados e amigos. Tudo que arrecadamos é doado”, assinala. Como palestrante, ministra cursos de oratória com duração de 15 a 20 horas, além de oficinas de empregabilidade para jovens que estão em busca do primeiro emprego.
“É um trabalho que fazemos de graça e com muito prazer para entidades que não visam lucro”, afirma. Atual presidente da Associação Negritude de Promoção da Igualdade Racial de Paranavaí (Anpir), João Henrique está se empenhando em firmar parcerias para a realização de oficinas de percussão na periferia de Paranavaí. O objetivo é ensinar crianças e adolescentes a produzirem e a tocarem os instrumentos.
O retorno ao punk-rock
Atualmente João Henrique Andrade tem uma grande parceria com o poeta e letrista João Zaia, de Prudentópolis, no sudeste paranaense, com quem já produziu mais de dez composições. “Hoje o que mais me inspira são as coisas do coração e da vida. O ódio generalizado, o poder da grande mídia e a mudança de temperamento das pessoas na internet também me estimulam a escrever e fazer o bem”, admite.
Andrade começou a gostar de música ouvindo Secos & Molhados e os britânicos do Queen. Mais tarde, quando conheceu a banda inglesa The Smiths se redescobriu musicalmente, principalmente pela complexidade lírica do pós-punk. “Aquele estilo deprê do Morrissey logo chamou a minha atenção. Foi a minha banda preferida por muito tempo. Também curti bastante O Terço, uma banda carioca das antigas que chamam de lado B, alternativo”, frisa e ressalta que até hoje curte clássicos do punk-rock como Sex Pistols, Dead Kennedys, Ramones, The Clash, Misfits e Black Flag.
Relembrando os velhos tempos, recentemente João Henrique localizou o radialista Williard que produzia o programa Jardim Elétrico em João Pessoa, na Paraíba. “Aquele cara que deu tanta força pro movimento punk continua trabalhando com música e também se tornou filósofo. Conversamos muito sobre aquele período”, destaca.
Com a experiência de quem vive em Paranavaí há 18 anos, avalia o movimento musical local como maravilhoso. “Temos o grande Festival de Música e Poesia de Paranavaí [Femup], além de um movimento em ascensão capitaneado pelo Hugo Ubaldo da banda Sub-Versão e o Quintal Mágico, projeto do multiartista Sérgio Torrente que abre espaço para músicas autorais. Outro ponto alto é o Estúdio Garagem, dos irmãos Bellanda. Temos muita coisa coletiva e legal”, argumenta.
Andrade planeja retomar um antigo projeto que é a formação de uma banda de punk-rock voltada para a sonoridade dos anos 1980 e com letras que abordam temas atuais. “Vou voltar a falar um pouco de id, ego e superego, conceitos da psicanálise. Na realidade, já estou abrindo um pouco de espaço para a autoralidade, tanto que nos shows que faço atualmente em barzinhos já incluo alguma música minha. É uma forma de abrir caminho para que os outros também façam isso”, justifica.
Homenagens e premiações no Femup
A primeira vez que João Henrique Andrade se inscreveu em um festival foi em 2003. Sem pretensão, enviou uma música com produção caseira para o Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), mas não se classificou. “Era só voz e violão. Não desisti e continuei compondo. Só que optei por voltar a concorrer só em 2013, quando entrei em estúdio para gravar a música ‘Pra Sempre Vou Te Amar’ em homenagem ao meu filho Bruno. Daí veio a minha primeira premiação”, lembra.
No ano seguinte, o músico foi premiado no Femup pela autoria de “Mandela”, um reggae que escreveu quando ainda morava em João Pessoa e ficou sabendo da soltura do sul-africano Nelson Mandela em 11 de fevereiro de 1990. “Tenho escrito mais músicas em homenagens aos familiares e amigos de antigamente. Também estou resgatando canções antigas que não gravei, como é o caso de ‘Quasar’ que fala um pouco do que vivi na Paraíba até 1992”, pontua. Na região de Paranavaí, João Henrique também conquistou muita popularidade após fundar e se apresentar muitas vezes com a banda Tio João.
Saiba Mais
João Henrique Andrade também tem formação em teatro pela Fundação José Lins do Rego, de João Pessoa, na Paraíba.
Clemente, da banda Os Inocentes, com quem João Henrique teve um breve contato, é um dos expoentes da cultura punk no Brasil e um dos principais membros da banda brasiliense Plebe Rude.