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Cajazeira, uma estranha quase nativa
Plantada antes do surgimento de Paranavaí, a árvore é um contraste no cenário tipicamente paranaense
É muito comum as pessoas morarem anos ou até a vida toda em uma cidade e não perceberem que à sua volta ou a alguns poucos quilômetros existem grandes riquezas naturais. Esse foi o primeiro pensamento que tive quando vi uma árvore de proporções colossais que cobre a casa do artesão conhecido como Tavão. Situada na Rua Formosa, número 277, no Jardim São Jorge, em Paranavaí, a cajazeira com aspecto de umbuzeiro parece uma estranha em um cenário dominado por sibipirunas, ipês, pinheirais e outras espécies que há muito tempo caracterizam a paisagem urbana típica do Noroeste Paranaense.
Com pelo menos 25 metros de altura e uma copa de mais de cem metros de diâmetro que mais parece um véu protetor, a mais antiga moradora do Jardim São Jorge tem garantido o direito de se estender pelas propriedades vizinhas sem ser incomodada. “Ela chegou aqui antes de todos que hoje moram no bairro. É uma pioneira”, defende o artista plástico Antonio de Menezes Barbosa, um amante da natureza que foi quem me apresentou à cajazeira.
Imponente, a árvore extremamente saudável parece mais jovem do que muitas com a metade da sua idade. Do robusto e curto tronco de 4,40m de diâmetro, ela se abre como uma mão dotada de dedos irregulares ou um “polvo da terra” com tentáculos longos e curvilíneos. Não há como dizer quantas vezes foi vitimada por tempestades, vendavais e raios ao longo dos anos. Mas a cajazeira sempre sobreviveu graças à própria força, sustentada por raízes densas, extensas e profundas que atravessam a propriedade, ratificando a forte relação com esta terra para onde foi enviada em forma de semente antes do surgimento de Paranavaí.
Após cada chuva, ela logo se cobre de verde, quando uma bela e vívida vegetação rasteira brota da base e se estende até os últimos galhos. Espaçosa, é melhor observada à distância. Então percorro quase 100 metros até chegar à esquina. De lá, vejo integralmente a sua copa harmoniosa, de ramificações intactas. “É uma árvore muito forte, tanto que quando chegamos aqui já era desse tamanho”, garante Tavão que trabalha ao ar livre, a poucos metros, construindo móveis coloniais a partir de madeiras descartadas.
Quanto mais observo a cajazeira que um dia abrigou uma casa, mais me sinto pequeno. Tento visualizar a sua extensão total, mas é impossível. Quando encosto do outro lado do muro, me distanciando ao máximo, sinto algo bem rígido sob a terra, então percebo que até ali chegam suas raízes que conheceram o solo ainda virgem.
Parece estar além de tudo e de todos, testemunhando as transformações da cidade e da população ao longo dos anos. Antes de Paranavaí se popularizar como Fazenda Brasileira, ela já estava lá, velada num universo verde de onde não é originária, contrastando com outras espécies e servindo de abrigo e esconderijo para animais selvagens.
Nos tempos da colonização, provavelmente testemunhou confrontos entre homens e onças, crimes envolvendo grilagem de terras e a chegada e partida de migrantes e imigrantes. Bom, pelo menos é o que se pode inferir a partir da longevidade do cajá e do seu tronco marcado por inúmeras cicatrizes. A mais perceptível é uma maior que minha mão, resultado de uma saraivada de tiros que remete aos tempos da Fazenda Brasileira.
Foi castigada tanto quanto foi abençoada. Afinal, dezenas de árvores caíram diariamente à sua volta no auge do desmatamento para servirem de matéria-prima na construção de casas ou simplesmente abrirem espaço para a urbanização e agricultura. Próxima da saída para Nova Aliança do Ivaí, a cajazeira resistente já esteve na rota de João Pires, um dos quebra milho mais violentos de Paranavaí, responsável por dezenas de mortes.
“Imagine o que ela não viu todos esses anos? Superou um período em que o homem não se preocupava com o meio ambiente”, comenta Antonio de Menezes enquanto massageia o tronco da árvore e sorri diante de um dos mais desconhecidos patrimônios naturais da cidade. É possível que a cajazeira que habita a área que um dia fez parte da fazenda do capitão Telmo Ribeiro, homem que chegou a Paranavaí para impor ordem acompanhado de um grupo de mercenários paraguaios, tenha vivenciado alguns dos maiores atos de bondade e de maldade da população local.
“Como a árvore é originária do Norte e Nordeste do Brasil, quem a trouxe também deve ter vindo de lá. A intenção acho que era se sentir um pouquinho mais perto de casa”, avalia o artista plástico. O que surpreende também é o fato de que a cajazeira costuma resistir apenas em locais quentes e úmidos, com temperatura média de 25 graus. E por muitos anos, principalmente até a metade da década de 1990, Paranavaí passou por muitos invernos rigorosos, com temperaturas baixas que duravam até mais de quatro meses. Além disso, nos últimos anos a cidade enfrentou incomuns períodos de estiagem. “Pra mim, ela é a maior árvore de Paranavaí. Tem uma fibra inigualável, não é rachadeira. Só que possui uma madeira diferente, que não é voltada para a construção”, destaca Antonio de Menezes.
Embaixo da cajazeira que continua perseverando diante de todas as adversidades o clima é diferente. Com a porta e as janelas da casa aberta, Tavão aproveita o frescor diário e gratuito proporcionado pela árvore, dispensando ventilador e ar-condicionado. Na sala, sinto um agradável aroma arbóreo que se avulta por todos os cômodos. Em síntese, um pedacinho de mata num espaço há muito tempo urbano. “Aqui é tudo natural”, garante o artesão enquanto faz o acabamento de um armário para cozinha.
Tavão cuida da cajazeira como se fosse um membro da família, até mesmo uma matriarca. Em vez de se adaptar à árvore, é ele quem se adapta à ela. Tanto que tudo no entorno é planejado ou feito cuidadosamente para não interferir no bem-estar da cajazeira que a poucos metros de distância divide o espaço com uma jaqueira, também típica do Norte, e outras espécies mais comuns na região, como o ipê-amarelo. Aproximadamente 1h30 depois, quando observo no tronco os sinais que imitam a vascularização humana, penso apenas que a cajazeira merece o direito de continuar sua jornada silenciosa como maior testemunha da história de Paranavaí.
Curiosidade
Quebra milho era como chamavam os jagunços da região nas décadas de 1940 e 1950.
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Sobre matanças e os temidos quebra milho
Experiências e impressões sobre criminosos que viveram em Paranavaí nos tempos de colonização
Embora tenha falecido há muitos anos, o frei alemão Ulrico Goevert, um dos pioneiros religiosos de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, tinha o hábito de registrar muito do que via e ouvia na antiga Fazenda Brasileira. O primeiro diário de Goevert sobre os fatos aqui vividos data de 1951. Sete anos mais tarde, a convite do padre provincial Adalbert Deckert, de Bamberg, no estado alemão da Baviera, o frei começou a publicar suas experiências em Paranavaí na revista germânica Karmel-Stimmen, onde ganhou uma coluna periódica.
Entre os relatos que mais chamaram a atenção dos alemães está um sobre as matanças promovidas pelos quebra milho, como eram chamados os jagunços e grileiros violentos que viviam na região de Paranavaí entre os anos 1940 e 1950. “Muitos que aqui chegavam de outros estados e países buscavam construir uma nova vida. Tudo isso resultou em uma grande mistura internacional”, conta Ulrico Goevert, acrescentando que no meio de tanta gente havia famílias sonhadoras, oportunistas gananciosos e aventureiros preocupados apenas com o presente.
O frei alemão admitiu anos mais tarde que entre 1951 e 1958 foi procurado por quebra milho das mais diversas origens. “Não foram poucas as confidências de assassinatos e crimes hediondos. Me procuravam pedindo para ajudar a tirar as mortes da consciência”, lembra. O contato frequente com a comunidade fez Goevert se aprofundar um pouco mais sobre o passado duvidoso de uma significativa parcela da população local. “Eu era procurado até por aqueles que não queriam mais do que continuar a sua velha safadeza neste novo lugar”, declara. Boa parte pedia informações ao padre sobre como providenciar novos documentos para dar início a uma nova vida, se isentando dos crimes do passado.
Em Paranavaí, no final dos anos 1940 até a metade da década de 1950, muita gente conseguiu mudar de nome, enganando a polícia e os perseguidores que percorriam milhares de quilômetros para acertar as contas. “Aqueles que demonstravam verdadeira boa vontade, eu consegui ajudar, possivelmente os livrando da morte. O que mais podia fazer se não contribuir para torná-los membros úteis de uma comunidade?”, questiona o frei alemão na coluna mais lida da revista Karmel-Stimmen em 1958.
Perdulários, os quebra milho eram temidos e chamavam muita atenção em Paranavaí pelos gastos astronômicos com bebidas, comidas e orgias em locais como a Boate da Cigana. No entanto, algumas festas eram particulares e aconteciam em locais afastados da cidade. “Eles apenas ordenavam que buscassem as moças, escolhidas a dedo, que iriam servir para o lazer”, confidencia o pioneiro cearense João Mariano.
Tudo era custeado com pequenas fortunas conquistadas em um curto período de tempo explorando mão de obra barata na derrubada de mata e lavouras ou cobrando dívidas e desapropriando terras ilegalmente. “Eram promotores de um estilo de vida totalmente imoral e leviano. Não tinham interesse em mudar. Viviam em função da sequência roubo, homicídio e morte”, registra o alemão.
Apesar de não haver dados sobre a quantidade de quebra milho nos tempos da colonização, é possível inferir que era o suficiente para amedrontar a população. “Não se passava um mês sem eu ter de dar a unção a alguma vítima de assassinato, nem sempre o morto fazia parte desta leviana corja. Tivemos muitos homicídios por causa de direitos de posse”, frisa Ulrico Goevert.
Os crimes eram quase inevitáveis quando dois ou mais proprietários de um mesmo pedaço de terra se encontravam. Um apresentava ao outro o documento que dizia ser legal e reivindicava o direito da área. “Um não queria ceder e muito menos o outro. A discussão só acabava quando puxavam o revólver”, afirma o frei que presenciou algumas dessas situações. Com o tempo, o alemão começou a tentar entender como várias pessoas tinham diferentes escrituras de uma mesma terra. Depois de muito pesquisar, Goevert descobriu que a diferença entre um documento e outro ultrapassava décadas.
A verdade é que em outros tempos alguns oportunistas compraram terras em áreas não colonizadas de Paranavaí e desistiram de construir, levando em conta o investimento com derrubada de mata e povoamento. Então esperavam anos, até alguém iniciar a colonização da região. O tempo passava e o governo autorizava uma nova venda de uma área comercializada muito tempo antes. “Quando tudo ficava aberto, limpo e habitável aparecia gente até com documentos do Século XIX e a confusão se armava”, detalha o líder religioso.
Não é à toa que até hoje há pioneiros em Paranavaí que culpam o governo federal e o governo paranaense por diversos assassinatos provocados por conflitos de posse e comissão de terras. “A situação esquentava e ninguém fazia nada. Se o poder público entrasse no meio para tentar amenizar a situação, quem sabe até disponibilizando uma nova terra à parte lesada, teríamos evitado tantas mortes. Com o sangue quente, e ninguém para ajudar, o peão perdia o controle e matava”, pondera Mariano.
As colonizadoras também ignoravam as negociações anteriores e simplesmente continuavam a atrair mais colonos com a venda de lotes pagos em pequenas parcelas. “Também perdi as contas de quantas mulheres apareceram reclamando a paternidade do filho e mostrando a foto do pai que já tinha outra família em Paranavaí”, desabafa o frei.
Normalmente o homem fugia de madrugada, abandonando as duas mulheres. A vontade de escapar da responsabilidade era tão grande que o sujeito atravessava a densa mata fechada habitada por animais silvestres e ainda cortava o Rio Paraná com algum bote. “É quase certo que no Mato Grosso o fujão começava tudo de novo”, lamenta frei Ulrico.
O perfil e a conduta dos quebra milho
De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, os quebra milho eram homens das mais diversas origens que podiam andar em grupos, duplas ou sozinhos. Chegavam a Paranavaí com um plano de ação definido. Eram contratados para comandar as mais diversas atividades, desde grupos de peões atuando na derrubada de mata até cobranças de dívidas e comissões de terras. “Um quebra milho não sentia remorso em tirar uma vida, mas também não fazia isso de graça ou por qualquer coisa. Eram como mercenários, mas com código de conduta”, explica Mariano.
A conduta era ditada pelo dinheiro, não por vingança ou punição. Quanto maior a recompensa, menor a preocupação com a exposição. Se o retorno financeiro fosse grande, não se importavam em invadir um bar cheio de gente para assassinar três ou quatro pessoas. “Ele ia, fazia o serviço e partia, sem olhar para ninguém a sua volta, a não ser as vítimas. Só que se fosse incumbido de cobrar alguma coisa sem matar ninguém, o sujeito também atendia a exigência”, esclarece o pioneiro que ao longo da vida conheceu muitos quebra milho, inclusive teve amizade com alguns.
Ao contrário do senso comum, dificilmente reagiam quando eram provocados por alguém sem envolvimento com seus negócios. Isso porque não traria retorno financeiro – a lógica da função. Metódicos, os quebra milho da Fazenda Brasileira dificilmente agiam por impulso. Além disso, não atuavam apenas em Paranavaí, mas em todo o Paraná, chegando a prestar serviços em São Paulo, Mato Grosso (incluindo o Mato Grosso do Sul), Santa Catarina e Rio Grande do Sul, principalmente a serviço de grandes empresários e latifundiários.
“Sei de alguns que encheram caminhões de cadáveres lá pelas bandas de Querência do Norte numa desapropriação ilegal e forçada. Tudo foi feito a mando de uma família tradicional da região de Maringá”, segreda Mariano que viu quando o caminhão estacionou em frente ao antigo Hospital João Cândido Ferreira (Hospital do Estado), onde é hoje a Praça da Xícara.
O veículo encostou e de longe os curiosos sentiram um forte odor de sangue que invadiu o centro da cidade. João Mariano diz que nunca tinha visto tanta gente morta em um mesmo local. “Havia dezenas. A maioria foi levada direto para um necrotério improvisado. Tinha tanto sangue que escorria até pelos pneus”, assegura.
Por medo, nos anos 1940 e 1950, quando se falava em quebra milho, a maior parte da população não se manifestava sobre o assunto. Habilidosos com armas de fogo e armas brancas, inúmeros foram identificados como ex-jagunços, ex-guerrilheiros, criminosos condenados ou procurados, antigos membros de brigadas e de grupos paramilitares, além de desertores do Exército Brasileiro.
À época, como Paranavaí era apenas uma colônia, podiam ser facilmente identificados, mas ninguém queria se meter em confusão. Personagens controversos, os quebra milho fazem parte da história de Paranavaí, onde já viviam no princípio da colonização da Fazenda Brasileira na década de 1930. “Policiavam” e impediam que os migrantes atuando nas lavouras de café abandonassem o trabalho. Quem tentasse era abatido em barrancos às margens de algum rio ou durante a travessia. Antes do descarte de cadáveres, os criminosos os abriam, os enchiam com pedras, costuravam e os lançavam na água para afundar rapidamente, impossibilitando a localização.
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Mortes que entraram para a história de Paranavaí
Conheça os crimes dos anos 1950 jamais esquecidos pelos pioneiros
No início dos anos 1950, Paranavaí ficou conhecida em todo o Paraná como a “Capital do Crime”. À época, acontecia pelo menos um homicídio por dia na cidade. Muitos assassinatos eram motivados por brigas envolvendo posse de terras ou comissão na venda de imóveis.
Em Paranavaí, não há registros sobre centenas de crimes que aconteceram nos anos 1940 e princípio da década de 1950. Não são poucos os que foram enterrados como indigentes. Às vezes a família do falecido nem recebia o registro de óbito. Em muitos casos, a única informação discriminada no obituário era “causa mortis desconhecida”, deixando patente o desinteresse das autoridades em investigar muitos crimes. No entanto, restaram os pioneiros que, falando ou escrevendo, trazem à tona alguns dos fatos mais obscuros da história local.
O ceifador de vidas
Um dos personagens mais controversos da história de Paranavaí e região, quando todo o Extremo Norte do Paraná pertencia a Paranavaí, é o migrante paulista João Pires que atuou como jagunço em toda a colônia, principalmente em áreas que hoje pertencem a Loanda e Santa Isabel do Ivaí. Pires se tornou proprietário de uma fazenda conhecida como Derrubada Grande que mais tarde recebeu o nome de Guaritá e depois Nova Aliança do Ivaí.
Pioneiros contam que Pires era um ceifador de vidas, carregava “nas costas” dezenas de mortes, todas motivadas por posses de terras. O padre alemão Ulrico Goevert creditava todas as riquezas do migrante ao sangue que ele derramava por onde passava, sem qualquer remorso. “Durante anos, pensei em silêncio: espera um pouco, ‘Seu Pires’, e chegará o teu dia de cair liquidado no chão!”, revelou o frei no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”. João Pires era famoso pelo requinte de crueldade com o qual tratava suas vítimas.
Ao migrante paulista, não interessava se eram jovens, velhos ou mulheres que viviam nas propriedades que era encarregado de grilar. Se a pessoa resistisse em desocupar a área, Pires “passava fogo” em toda a família, sem deixar sobreviventes. O migrante conquistou fortuna ao prestar serviços para fazendeiros. Naquele tempo, os “quebra milho”, como eram chamados os jagunços, ganhavam muito dinheiro com a grilagem de terras. O pagamento era proporcional a área que conseguiam desocupar. “Num determinado dia, o Pires encontrou seu justiceiro”, contou o frei alemão.
O migrante paulista caiu em uma emboscada e foi alvejado com inúmeros tiros. Mesmo com tantos ferimentos, conseguiu ajuda e foi trazido a Paranavaí na carroceria de um caminhão. Internado no Hospital do Estado, resistiu ao máximo. Porém, cientes da gravidade do estado de saúde de João Pires, os médicos chamaram frei Ulrico para ministrar os últimos sacramentos.
“Fiz a minha obrigação sacerdotal. Algumas horas mais tarde, ele se levantou e chamou o médico, pediu que o curasse só até o ponto de estar em condições de se vingar do inimigo. Afirmou que o mataria a tiros”, lembrou o padre que reprovou a atitude do homem. Logo em seguida, João Pires arregalou os olhos e deu um grito exasperado: “Ali vem o diabo para me buscar!”. Depois disso, o homem caiu morto na cama.
Um amigo do migrante que também teve o mesmo destino foi “Gustavo, o Grande Brigão”. Se qualquer desconhecido o olhasse, o homem já arrumava confusão. Gustavo foi assassinado com tiros à queima-roupa pelo próprio motorista. “No dia do sepultamento, fui ao quarto do falecido e encontrei o cano de uma pistola no lugar de uma cruz”, relatou frei Ulrico.
O abraço da morte
No início da década de 1950, havia dois homens muito amigos que viviam às margens do Rio Paraná. Porém, a amizade foi abalada quando um soube que diante de outras pessoas o outro o criticava. Sentindo-se traído, o homem decidiu se vingar. Pegou o barco e atravessou o rio para encontrar o amigo. Quando chegou lá, no momento em que se cumprimentaram com um abraço, o homem traído cravou a peixeira nas costas do “amigo”, atravessando o coração. O autor do homicídio deixou o homem caído, agonizando até a morte, e voltou para casa.
Antes de chegar à margem, encontrou os dois filhos da vítima e gritou: “Visitei o pai de vocês. Ele os tratará melhor no futuro”. Sem entender, os rapazes seguiram para casa. Quando chegaram em terra firme e viram o pai morto nem pensaram em se vingar. Segundo o frei alemão Ulrico Goevert, os jovens ficaram gratos, pois o homem os maltratava demais.
“Ficou que nem bicho morto que você arrasta e joga no mato”
O pioneiro paulista João da Silva nunca se esqueceu da morte de um jagunço que vivia em Paranavaí e foi assassinado em Cidade Gaúcha, também no Noroeste Paranaense, em uma tentativa frustrada de grilagem de terras. “Quando isso aconteceu, nem enterrado ele foi. Ficou que nem um bicho morto que você arrasta e joga no mato. Ainda tenho lembranças de um turco que foi morto no centro da cidade”, destacou João da Silva em entrevista ao escritor Paulo Marcelo Soares da Silva, registrada no livro História de Paranavaí.
O pioneiro José Francisco Siqueira, conhecido como Zé Peão, se recorda da morte de dois japoneses e um mineiro. “Um peão veio lá da região de Santa Cruz do Monte Castelo buscar o pagamento em Paranavaí. Quando chegou aqui os japoneses falaram que não iriam pagar”, contou. Durante a discussão, o rapaz sacou a arma e atirou nos dois devedores. O motorista dos japoneses ainda tentou intervir, mas foi baleado e morreu. “Outra morte que chamou muita atenção foi de um tal de Canário, assassinado lá em Jurema [atual Amaporã]. Quem mandou matar foi um fazendeiro de Jacarezinho [no Norte Pioneiro Paranaense]”, frisou Zé Peão em antigo depoimento à prefeitura.
Em entrevista ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas, o pioneiro catarinense Carlos Faber citou como inesquecível a morte de dois brasileiros e um japonês em uma das ruas mais movimentadas de Paranavaí no início de 1946. “O japonês tinha uma fazenda e o rolo era por causa de terras. O que matou foi preso depois de alguns meses”, enfatizou.
Pessoas que os pioneiros apontaram como jagunços da Colônia Paranavaí
João Pires, Frutuoso Joaquim de Sales, Gustavo Brigão, Pedro Krüger, Laurentino, Narciso Barbudo, Napoleão, Chico Catingueiro, Pracídio, Macaúba, Canjerana, Maneco Borges, Nocera e Guri.
Curiosidades
Durante a colonização de Paranavaí, poucos eram os fazendeiros que se envolviam diretamente nos conflitos de terras. O costume era contratar jagunços ou “quebra milho” para tratarem da situação. Para isso, eram muito bem remunerados.
Era comum a fuga para o Mato Grosso quando a situação ficava muito complicada para os envolvidos em atividades criminosas em Paranavaí.
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