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Um dia de foca
Visivelmente encolerizada, a mulher pensou que fomos lá para prejudicá-los, criar um factoide
Ser jornalista já me permitiu passar por muitas situações insólitas. Uma delas surgiu em Querência do Norte, no extremo Noroeste do Paraná, em 2006. Na manhã daquele dia, que pouco importa a data específica, o meu amigo e jornalista Cleber França saiu de Maringá, passou em Paranavaí e juntos fomos para Querência a bordo de um Renault Clio prata, acostumado a circular pelos terrenos mais inóspitos da região.
Sem dúvida, era um carro que surpreendia pelo viço, chegando a voar por metros em áreas de estradas ruins, onde muita gente só trafegaria de caminhão ou caminhonete. A verdade é que ele parecia acostumado a nos transportar pelos mais diferentes destinos da região, em busca de curiosidades, personagens e histórias pitorescas.
No caminho para Querência do Norte encontramos animais silvestres mortos na estrada, o que me parecia sempre trágico, principalmente quando os filhotes cercavam o pai ou a mãe que nunca mais veriam, emitindo gemidos vigorosos ou fragilizados. O som não transformava nada ao seu redor. Sequer parecia mover a tiririca que brotava no canto do asfalto tórrido. Ainda assim a iteração da cena não a tornava menos adventícia. Talvez fosse reles para tantos outros, não para mim que via cada morte animal como um exemplo da nossa displicência e efemeridade existencial.
Bom, continuando. Chegamos em Querência por volta das 9h30. Era um dia quente, dando a impressão de um Sol maior e mais baixo, e não havia muitas pessoas circulando pelas pacatas ruas da cidade, onde os cantos dos pássaros se misturavam aos sons de rodas, latidos e miados. No centro, fomos até uma lanchonete e pedi informações sobre onde poderíamos encontrar um líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da cidade, considerado um dos mais antigos do Paraná.
Então um senhor simpático, usando sandálias, bermuda e camisa, parou de polir as garrafas de cachaça e sugeriu que deixássemos o assunto de lado, alegando que desconhecidos, principalmente jornalistas, poderiam ser hostilizados. “Procure outra história porque essa daí acho que não vai prestar. Vai por mim”, disse o homem sem piscar, mantendo um sorriso enviesado e um olhar fixo em nossa direção. Agradecemos e saímos da lanchonete.
A verdade é que nosso objetivo principal era coletar informações sobre a realidade dos produtores de arroz irrigado. No entanto, como éramos movido pela abelhudice dos focas, jornalistas recém-formados, queríamos fazer muito mais. Em poucas horas, fomos aos portos Natal, Felício e 18. Entrevistamos proprietários e funcionários de balsas, além de ribeirinhos e pescadores. À tarde, voltamos para a área urbana de Querência do Norte e conversamos com alguns produtores de arroz. Todos foram bem receptivos.
Antes de nossa partida, conhecemos um personagem aparentemente bonachão, um agricultor de meia-idade que no passado ocupou posição de destaque no MST da cidade. Ele nos convidou para ir até uma cooperativa fotografá-lo com um saco de arroz. Chegando lá, entramos em um enorme barracão de estocagem, onde havia centenas de sacos bem posicionados. Para ser fotografado, sugerimos que o homem sorrisse, mostrando o conteúdo do saco e também deixando o cereal escorrer entre seus dedos.
Depois de fotografá-lo várias vezes, quando estávamos saindo do barracão fomos interrompidos pela diretora da cooperativa. “O que vocês pensam que estão fazendo?”, questionou. Respondemos que fomos convidados por um senhor bigodudo que se apresentou como sócio da cooperativa. Assim que olhamos para o lado, o homem entrou em seu carro e partiu sem dar explicações.
Visivelmente encolerizada, a mulher pensou que fomos lá para prejudicá-los, criar um factoide. Chamou a atenção de seis ou sete homens que estavam mais próximos e, esbravejando, ordenou: “Tranquem todas as saídas! Eles não vão sair daqui tão cedo!” Na sequência, ouvi o som retumbante do denso portão de ferro se fechando, com a trava já acionada. Dei um sorriso amarelecido e, mesmo tentando velar a tensão, estremeci, sentindo uma perna mais leve que a outra.
Alguns caras à nossa volta nos observavam com desprezo e chalaça, inclusive pressionando as próprias mãos, num gesto de intimidação. Quando tentei explicar quem éramos e o que fazíamos ali, ela disse que não interessava. “Sei muito bem que trabalho vocês fazem. Já recebemos gente como vocês há poucos dias. Única coisa que quero é essa câmera fotográfica”, exigiu olhando diretamente para o Cleber que a segurava com as duas mãos, como se embalasse o próprio filho.
Ele se negou a entregar a câmera e a mulher caminhou em nossa direção. Balançou os braços no ar e ordenou que as fotos fossem apagadas. Com receio de perder todo o nosso trabalho, não deixamos ela tocar no equipamento. Contudo, concordamos em deletar as fotos da cooperativa diante dela. Embora ainda irritadiça, algum tempo depois ela concordou em abrir o portão.
“Olhe a placa do carro e o adesivo no vidro traseiro. Nunca estivemos aqui. A senhora nos confundiu com alguém,” justifiquei, tentando amenizar a situação pela última vez. Sem interesse em dialogar, a mulher apenas recomendou: “Só digo mais uma coisa. Se sair uma foto daqui em algum jornal, pode ter certeza que vou atrás de vocês. Ah, se vou!”, prometeu.
Diante de tanta intransigência, apenas nos calamos e deixamos aquele lugar. Lá fora, rimos pateticamente, como se o medo jamais tivesse nos alcançado. E não evitei de me recordar da profética recomendação do dono da lanchonete ao saber que a diretora da cooperativa também fazia parte do MST. Nem esqueci da expressão do agricultor falsamente bonachão que talvez estivesse rindo de nós e não para nós nas fotos, antevendo a confusão.
Sobre matanças e os temidos quebra milho
Experiências e impressões sobre criminosos que viveram em Paranavaí nos tempos de colonização
Embora tenha falecido há muitos anos, o frei alemão Ulrico Goevert, um dos pioneiros religiosos de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, tinha o hábito de registrar muito do que via e ouvia na antiga Fazenda Brasileira. O primeiro diário de Goevert sobre os fatos aqui vividos data de 1951. Sete anos mais tarde, a convite do padre provincial Adalbert Deckert, de Bamberg, no estado alemão da Baviera, o frei começou a publicar suas experiências em Paranavaí na revista germânica Karmel-Stimmen, onde ganhou uma coluna periódica.
Entre os relatos que mais chamaram a atenção dos alemães está um sobre as matanças promovidas pelos quebra milho, como eram chamados os jagunços e grileiros violentos que viviam na região de Paranavaí entre os anos 1940 e 1950. “Muitos que aqui chegavam de outros estados e países buscavam construir uma nova vida. Tudo isso resultou em uma grande mistura internacional”, conta Ulrico Goevert, acrescentando que no meio de tanta gente havia famílias sonhadoras, oportunistas gananciosos e aventureiros preocupados apenas com o presente.
O frei alemão admitiu anos mais tarde que entre 1951 e 1958 foi procurado por quebra milho das mais diversas origens. “Não foram poucas as confidências de assassinatos e crimes hediondos. Me procuravam pedindo para ajudar a tirar as mortes da consciência”, lembra. O contato frequente com a comunidade fez Goevert se aprofundar um pouco mais sobre o passado duvidoso de uma significativa parcela da população local. “Eu era procurado até por aqueles que não queriam mais do que continuar a sua velha safadeza neste novo lugar”, declara. Boa parte pedia informações ao padre sobre como providenciar novos documentos para dar início a uma nova vida, se isentando dos crimes do passado.
Em Paranavaí, no final dos anos 1940 até a metade da década de 1950, muita gente conseguiu mudar de nome, enganando a polícia e os perseguidores que percorriam milhares de quilômetros para acertar as contas. “Aqueles que demonstravam verdadeira boa vontade, eu consegui ajudar, possivelmente os livrando da morte. O que mais podia fazer se não contribuir para torná-los membros úteis de uma comunidade?”, questiona o frei alemão na coluna mais lida da revista Karmel-Stimmen em 1958.
Perdulários, os quebra milho eram temidos e chamavam muita atenção em Paranavaí pelos gastos astronômicos com bebidas, comidas e orgias em locais como a Boate da Cigana. No entanto, algumas festas eram particulares e aconteciam em locais afastados da cidade. “Eles apenas ordenavam que buscassem as moças, escolhidas a dedo, que iriam servir para o lazer”, confidencia o pioneiro cearense João Mariano.
Tudo era custeado com pequenas fortunas conquistadas em um curto período de tempo explorando mão de obra barata na derrubada de mata e lavouras ou cobrando dívidas e desapropriando terras ilegalmente. “Eram promotores de um estilo de vida totalmente imoral e leviano. Não tinham interesse em mudar. Viviam em função da sequência roubo, homicídio e morte”, registra o alemão.
Apesar de não haver dados sobre a quantidade de quebra milho nos tempos da colonização, é possível inferir que era o suficiente para amedrontar a população. “Não se passava um mês sem eu ter de dar a unção a alguma vítima de assassinato, nem sempre o morto fazia parte desta leviana corja. Tivemos muitos homicídios por causa de direitos de posse”, frisa Ulrico Goevert.
Os crimes eram quase inevitáveis quando dois ou mais proprietários de um mesmo pedaço de terra se encontravam. Um apresentava ao outro o documento que dizia ser legal e reivindicava o direito da área. “Um não queria ceder e muito menos o outro. A discussão só acabava quando puxavam o revólver”, afirma o frei que presenciou algumas dessas situações. Com o tempo, o alemão começou a tentar entender como várias pessoas tinham diferentes escrituras de uma mesma terra. Depois de muito pesquisar, Goevert descobriu que a diferença entre um documento e outro ultrapassava décadas.
A verdade é que em outros tempos alguns oportunistas compraram terras em áreas não colonizadas de Paranavaí e desistiram de construir, levando em conta o investimento com derrubada de mata e povoamento. Então esperavam anos, até alguém iniciar a colonização da região. O tempo passava e o governo autorizava uma nova venda de uma área comercializada muito tempo antes. “Quando tudo ficava aberto, limpo e habitável aparecia gente até com documentos do Século XIX e a confusão se armava”, detalha o líder religioso.
Não é à toa que até hoje há pioneiros em Paranavaí que culpam o governo federal e o governo paranaense por diversos assassinatos provocados por conflitos de posse e comissão de terras. “A situação esquentava e ninguém fazia nada. Se o poder público entrasse no meio para tentar amenizar a situação, quem sabe até disponibilizando uma nova terra à parte lesada, teríamos evitado tantas mortes. Com o sangue quente, e ninguém para ajudar, o peão perdia o controle e matava”, pondera Mariano.
As colonizadoras também ignoravam as negociações anteriores e simplesmente continuavam a atrair mais colonos com a venda de lotes pagos em pequenas parcelas. “Também perdi as contas de quantas mulheres apareceram reclamando a paternidade do filho e mostrando a foto do pai que já tinha outra família em Paranavaí”, desabafa o frei.
Normalmente o homem fugia de madrugada, abandonando as duas mulheres. A vontade de escapar da responsabilidade era tão grande que o sujeito atravessava a densa mata fechada habitada por animais silvestres e ainda cortava o Rio Paraná com algum bote. “É quase certo que no Mato Grosso o fujão começava tudo de novo”, lamenta frei Ulrico.
O perfil e a conduta dos quebra milho
De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, os quebra milho eram homens das mais diversas origens que podiam andar em grupos, duplas ou sozinhos. Chegavam a Paranavaí com um plano de ação definido. Eram contratados para comandar as mais diversas atividades, desde grupos de peões atuando na derrubada de mata até cobranças de dívidas e comissões de terras. “Um quebra milho não sentia remorso em tirar uma vida, mas também não fazia isso de graça ou por qualquer coisa. Eram como mercenários, mas com código de conduta”, explica Mariano.
A conduta era ditada pelo dinheiro, não por vingança ou punição. Quanto maior a recompensa, menor a preocupação com a exposição. Se o retorno financeiro fosse grande, não se importavam em invadir um bar cheio de gente para assassinar três ou quatro pessoas. “Ele ia, fazia o serviço e partia, sem olhar para ninguém a sua volta, a não ser as vítimas. Só que se fosse incumbido de cobrar alguma coisa sem matar ninguém, o sujeito também atendia a exigência”, esclarece o pioneiro que ao longo da vida conheceu muitos quebra milho, inclusive teve amizade com alguns.
Ao contrário do senso comum, dificilmente reagiam quando eram provocados por alguém sem envolvimento com seus negócios. Isso porque não traria retorno financeiro – a lógica da função. Metódicos, os quebra milho da Fazenda Brasileira dificilmente agiam por impulso. Além disso, não atuavam apenas em Paranavaí, mas em todo o Paraná, chegando a prestar serviços em São Paulo, Mato Grosso (incluindo o Mato Grosso do Sul), Santa Catarina e Rio Grande do Sul, principalmente a serviço de grandes empresários e latifundiários.
“Sei de alguns que encheram caminhões de cadáveres lá pelas bandas de Querência do Norte numa desapropriação ilegal e forçada. Tudo foi feito a mando de uma família tradicional da região de Maringá”, segreda Mariano que viu quando o caminhão estacionou em frente ao antigo Hospital João Cândido Ferreira (Hospital do Estado), onde é hoje a Praça da Xícara.
O veículo encostou e de longe os curiosos sentiram um forte odor de sangue que invadiu o centro da cidade. João Mariano diz que nunca tinha visto tanta gente morta em um mesmo local. “Havia dezenas. A maioria foi levada direto para um necrotério improvisado. Tinha tanto sangue que escorria até pelos pneus”, assegura.
Por medo, nos anos 1940 e 1950, quando se falava em quebra milho, a maior parte da população não se manifestava sobre o assunto. Habilidosos com armas de fogo e armas brancas, inúmeros foram identificados como ex-jagunços, ex-guerrilheiros, criminosos condenados ou procurados, antigos membros de brigadas e de grupos paramilitares, além de desertores do Exército Brasileiro.
À época, como Paranavaí era apenas uma colônia, podiam ser facilmente identificados, mas ninguém queria se meter em confusão. Personagens controversos, os quebra milho fazem parte da história de Paranavaí, onde já viviam no princípio da colonização da Fazenda Brasileira na década de 1930. “Policiavam” e impediam que os migrantes atuando nas lavouras de café abandonassem o trabalho. Quem tentasse era abatido em barrancos às margens de algum rio ou durante a travessia. Antes do descarte de cadáveres, os criminosos os abriam, os enchiam com pedras, costuravam e os lançavam na água para afundar rapidamente, impossibilitando a localização.
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Venda de lotes urbanos era lucro garantido
Imóveis bem localizados não requeriam grande investimento
Na região de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, nas décadas de 1940 e 1950, em função das despesas com benfeitorias, colonizadoras não lucravam com a venda de propriedades rurais, mas sim com a comercialização de lotes urbanos que eram mais valorizados e não requeriam grande investimento.
Para investir nas áreas mais povoadas, as companhias de colonização faziam antes um estudo de viabilidade econômica. A iniciativa ia ao encontro da difícil realidade da época, a de que o progresso não teria como se estender a todas as regiões. Por isso, os primeiros colonizadores estabeleceram prioridades e desistiram de povoar muitas localidades.
Um exemplo foi o trabalho desempenhado pelo pioneiro Carlos Antônio Franchello que mais tarde fundou o município de Querência do Norte. Franchello comprou 15 mil alqueires de terras na região de Paranavaí, no entanto investiu somente em parte das propriedades. As áreas mais ermas, o pioneiro dividiu em lotes de dez alqueires que receberam a denominação de colônia e os vendeu por preços que cobriam as despesas com desmatamento e demarcação.
As colônias eram comercializadas por 30 mil cruzeiros e cada família podia adquirir até quatro, segundo informações do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva. As companhias de terras consideravam o preço simbólico, pois um pequeno lote em área urbana não custava menos de 20 mil cruzeiros por estar bem situado e contar com uma razoável infraestrutura.
“Algumas companhias tinham boa influência e eram muito espertas, faziam propagandas pelo Brasil afora com promessas de escola, farmácia e comércio. Certos recursos já existiam na cidade ou no povoado antes da companhia aparecer”, afirmou o pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza, acrescentando que a mobilização da comunidade fazia a diferença se tratando de progresso. Em contraponto, o pioneiro catarinense José Matias Alencar declarou que havia colonizadoras em Paranavaí que realmente investiam e se empenhavam para levar qualidade de vida à população e não simplesmente lucrar com a venda de terrenos.
Outro fato interessante sobre essa etapa da história local é que apesar da desvalorização dos imóveis rurais se comparado aos urbanos, ainda assim as colonizadoras levavam vantagem nas negociações de propriedades do campo, pois não era firmado nenhum compromisso de investimento em recursos de necessidade básica como captação de água e energia elétrica. Quem comprava uma grande propriedade rural já assumia a responsabilidade pelo desenvolvimento do local, caso quisesse transformá-lo em um núcleo urbano.
“Na maioria das glebas a terra não era cara, mas o problema é que dependendo da localização nem adiantava esperar o progresso. Tem gente que passou a vida toda morando em área rural esperando que o lugar fosse no mínimo transformado em distrito e isso nunca aconteceu”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.
Em depoimento no livro “História de Paranavaí”, Carlos Franchello afirmou que os lotes urbanos mais acessíveis da Colônia Paranavaí eram vendidos na Gleba 27-A, atual Querência do Norte, onde um terreno podia ser comprado por 145 cruzeiros ao mês. Nos anos 1950, o objetivo da companhia de terras de Franchello era atrair principalmente agricultores gaúchos e catarinenses, famílias interessadas no solo virgem do Noroeste Paranaense.
O amor caboclo do Som da Viola
Grupo de violeiros já percorreu toda a região divulgando a música sertaneja de raiz
Criado em 2002, o Grupo Som da Viola já percorreu toda a região de Paranavaí divulgando a música sertaneja de raiz e despertando em pessoas de todas as idades uma identificação com a essência cabocla.
“Narramos a nostalgia do campo, que está no sangue”. Com essa afirmação, o coordenador do Grupo Som da Viola, Francisco Antônio de Souza, conhecido como Seu Chico, define a temática do grupo composto por 19 membros de 12 a 60 anos.
Conversador e bem-humorado, Seu Chico conta que o grupo surgiu em abril de 2002, quando a música sertaneja de raiz era apreciada por poucos. “Na época, comprei minha primeira viola, mas ainda não tínhamos conhecimento de nada, apenas força de vontade”, lembra e acrescenta que desde o início já contava com a parceria da filha e violeira Érica Coutinho de Souza, do músico Arnaldo dos Santos e do amigo e violeiro Aparecido dos Santos, conhecido como Cido.
O Som da Viola é remanescente de uma oficina idealizada pela Fundação Cultural. De acordo com Seu Chico, as aulas eram voltadas para quem já tocava viola. “Como surgiu uma grande procura decidimos dar oportunidade para quem não sabia nada, até porque o objetivo era despertar mais ainda o interesse pela moda de viola. A ideia foi lapidada debaixo de um pé de sete-copas”, destaca o coordenador.
No começo, o grupo enfrentou inúmeras dificuldades financeiras, pois era preciso arrecadar dinheiro para remunerar o professor de música Arnaldo dos Santos. “A partir de 2004, recebemos uma ajuda da Fundação Cultural para custear as aulas do Arnaldo”, confidencia.
Hoje, já experiente, o Som da Viola empolga muitas plateias ao executar diversos gêneros da música cabocla, como moda de viola, cateretê, guarânia, pagode sertanejo, entre outros. “Já nos apresentamos em toda região de Paranavaí e também fora dela. Certa vez tocamos para mil homens em uma confraternização da Cocari [Cooperativa dos Cafeicultores de Mandaguari]. Depois, no mês seguinte, fomos convidados a nos apresentar para mil mulheres”, destaca Seu Chico em tom de orgulho.
O grupo também tocou em várias edições da Festa do Arroz de Querência do Norte, cidade natal do professor Jair Carvalho que durante muito tempo integrou o Som da Viola. “Ele sempre foi um exemplo. Saía de lá toda semana só pra vir tocar com a gente. Só não continuou quando tivemos de mudar os horários das aulas”, ressalta. Atualmente, por falta de tempo, o grupo tem dispensado alguns convites para tocar em outras cidades.
Onde se apresenta, o Grupo Som da Viola tem um público cativo de pelo menos 50 pessoas. Segundo Seu Chico, o que faz a diferença é saber que cada um dos presentes está ali pelo amor à moda de viola. “São pessoas de todas as idades se emocionando, até chorando ao relembrar do passado no campo ou das histórias que os pais contam”, enfatiza.
Atualmente o grupo discute a possibilidade de lançar um disco com canções autorais. Seu Chico avalia que até o final do ano terão pelo menos 10 músicas prontas. As letras versarão sobre as lembranças da roça e a viola dos antepassados.
Grupo se apresenta pelo menos duas vezes por mês
O Grupo Som da Viola se apresenta em Paranavaí pelo menos duas vezes por mês. “Esse é o número de apresentações que fazemos pela Fundação Cultural, mas sempre vamos além, nos apresentamos com certa frequência”, conta o coordenador do Grupo Som da Viola, Seu Chico.
Quem não conhece o grupo se surpreende com a dedicação. Em setembro de 2002, com poucos meses na ativa, os violeiros se apresentaram no Jardim Morumbi, do alto de um palco improvisado sobre a carroceria de um caminhão. “Estava muito frio, só que valeu a pena. As pessoas ficaram felizes e emocionadas”, afirma Seu Chico.
O grupo contribuiu tanto em despertar o interesse pela música sertaneja de raiz em Paranavaí que o reflexo foi percebido até no comércio. Algumas lojas de instrumentos musicais tiveram de investir mais na compra de violas para atender a demanda. “Nosso grupo realmente ajudou o comércio local. Trouxemos algo diferente a Paranavaí”, pontua Seu Chico sem esconder a satisfação.
Hoje em dia, os encontros do Grupo Som da Viola ocorrem uma vez por semana. Caso alguém tenha interesse em participar do grupo, antes é preciso passar por um processo de acompanhamento. “É uma forma de preparar a pessoa até que ela esteja apta a fazer parte do Som da Viola”, argumenta.
Seu Chico e o sonho de violeiro
Desde os sete anos, o coordenador do Grupo Som da Viola, Francisco Antônio de Souza, conhecido como Seu Chico, sonhava com uma viola. Ele queria musicalizar a própria essência de garoto do campo. “Nasci no mato, então tinha um sentimento caboclo muito forte, algo que carrego até hoje”, afirma o homem que em momento de nostalgia parece reviver o pequeno Francisco, ilhado em um fragmento da infância.
“Minha inspiração pra me tornar violeiro veio do meu tio. Lembro que ele tinha 16 anos quando estávamos sentados na barranca de um rio e ele disse que ainda me daria uma viola. Mais tarde, ele morreu, mas o desejo dele sempre carreguei comigo”, assegura, acrescentando ser de uma família que sempre cultivou estreita relação com a música.
Com o tempo, os compromissos familiares se tornaram cada vez maiores para Francisco. Contudo, o sonho de ser violeiro sempre o acompanhou. “Comprei minha primeira viola aos 50 anos, no dia 8 de abril de 2002. Fiquei feliz porque naquele dia também pude dar uma viola pra minha filha que tinha dez anos e outra para o meu filho que estava com 14”, relembra, acrescentando que sonhos sempre são possíveis, independente da faixa etária e das dificuldades.
Hoje, mesmo morando na cidade, longe da realidade do campo, Seu Chico vive o sonho de violeiro – já compôs diversas canções e escreveu centenas de poemas sobre a viola e a vida no campo. “Em uma edição do Tributo a Tião Carreiro apresentei a minha composição ‘Estilo Tião Carreiro’”, revela em tom de alegria.
Saiba mais
Para entrar em contato com o Grupo Som da Viola, basta ligar para a Fundação Cultural de Paranavaí: (44) 3902-1128
Dedicação à música clássica
Conservatório Nice Braga levou arte erudita a mais de mil pessoas durante 44 anos
É impossível falar de música erudita em Paranavaí sem citar o saudoso Conservatório Nice Braga. Com uma história de 44 anos, a escola que encerrou atividades no final de 2006 formou mais de mil alunos em piano clássico. E mais, se tornou referência no Noroeste do Paraná, principalmente por usar as metodologias dos conservatórios europeus.
Em 1962, o professor Arnoldo Poll entrou em contato com a Prefeitura de Paranavaí e solicitou um terreno para a implantação de uma escola de música. No mesmo ano, o pedido foi atendido e a construção foi concluída em pouco tempo, graças ao empenho da comunidade que trabalhou sem cobrar nada. Assim surgiu o Conservatório Nice Braga que recebeu tal nome em homenagem a mulher do então governador Ney Braga.
Alguns anos depois, ainda na década de 1960, o professor vendeu o conservatório, a título de direito, para Luzia Guina Machado, também falecida, que administrou a escola durante 38 anos, segundo o ex-auxiliar administrativo do Conservatório Nice Braga, Israel Rodrigues, que entrou na escola de música em 1984 para estudar órgão. “A Luzia me convidou para ajudá-la na administração por dez dias. O tempo passou e fiquei 22 anos”, reitera Israel sorrindo.
Entre 1962 e 2003, sob dedos habilidosos os pianos ressoavam pelas imediações da escola de música, fazendo os transeuntes se sentirem imersos em um universo de beleza e sensibilidade. “Não conhecia música clássica, mas sempre que passava lá em frente ficava encantada”, relata a dona de casa Roberta Castelo. As releituras no conservatório incluíam composições como as clássicas sonatas de Beethoven e o primitivismo de Bartók.
Até o final da década de 1990, foram realizados muitos concursos no auditório da escola, segundo a professora de música Neuza Diogo que se matriculou no Conservatório Nice Braga com o objetivo de concluir o curso de piano clássico iniciado em São Paulo. “Em 1962, eu estava no sétimo ano fundamental e quando terminei me convidaram para dar aula”, lembra. O que começou como uma atividade remunerada casual durou 35 anos.
À época, quatro professores lecionavam na escola de música, mas logo foram contratados mais quatro. Segundo Neuza, a procura pelo curso de piano clássico era tão grande que o interessado tinha de reservar uma vaga em novembro para começar a estudar em janeiro. “Pra você ter uma ideia, só eu como professora assinei mais de 800 diplomas de alunos que concluíram estudos de piano. Em Paranavaí, a maioria dos conservatórios que vieram depois foram fundados por professoras que foram minhas alunas”, frisa.
A escola não era referência apenas para a população local. Professores de música de Nova Londrina, Loanda, Querência do Norte, Paraíso do Norte, Terra Rica, Alto Paraná, Nova Esperança, Nova Aliança do Ivaí e muitas outras cidades se formaram no Nice Braga. A qualificação profissional sempre foi o maior objetivo do conservatório que foi comparado às escolas de música da Europa.”Lembro da carta de uma aluna que se mudou para a Alemanha. Ela nos parabenizou pelo curso porque a nossa grade curricular é compatível com a deles. Houve o caso de um rapaz também que vive na Inglaterra e falou a mesma coisa”, enfatiza Rodrigues.
A professora Neuza Diogo admite ser impossível mensurar com precisão o total de alunos que passaram pelo conservatório. “Foram muitos, provavelmente mais de mil. Mas o auge, sem dúvidas, foi em 1968, quando tínhamos mais de 200 alunos. Dávamos aulas de piano, teclado, órgão, violão, violino, balé e jazz”, pontua.
O Silêncio do Nice Braga
Em 2006, o Conservatório Nice Braga perdeu a magia de outros tempos. Com apenas oito alunos matriculados, a impossibilidade de manter a escola aberta crescia a cada dia. Em um passeio pelas pequenas salas do conservatório, tornou-se comum encontrar os belos e bem conservados pianos Essenfelder e Schwartzmann, que antes pareciam ter vida própria e emocionavam os passantes, aposentados, relegados ao ostracismo. Lá fora, até mesmo vizinhos estranharam o silêncio.
O auxiliar-administrativo do Conservatório Nice Braga, Israel Rodrigues, diz acreditar que tudo foi uma consequência natural do desinteresse pela música clássica. Para ele, era como se as pessoas tivessem um bloqueio em relação ao erudito. “Se divulgar que teremos uma audição do gênero, acredite, apenas estudantes de música vão participar. Os demais não se importam”, lamenta. Opinião também dividida pela professora de música Neuza Diogo. “Hoje em dia, os alunos querem apenas o popular”, frisa.
Os primeiros sinais de mudanças surgiram na década de 1990, e dez anos depois as dificuldades aumentaram. Segundo Rodrigues, não sobrava mais dinheiro para suprir despesas com manutenção, limpeza e jardinagem. Até 2003, a situação foi contida porque os gastos eram proporcionais ao número de aprendizes. “Até o último momento, tínhamos oito alunos. Mas a situação já era insustentável e o jeito foi fechar a escola”, destaca.
Com o fechamento do Conservatório Nice Braga, o município reassumiu a propriedade e repassou R$ 12 mil aos familiares da ex-diretora Luzia Guina Machado pela realização de benfeitorias ao longo de décadas. Mantido pela Fundação Cultural, hoje o espaço é sede da Escola Municipal de Música Luzia Guina Machado, onde dezenas de crianças e adolescentes participam gratuitamente de oficinas de música. Além disso, as características originais do imóvel foram mantidas, preservando a história do conservatório.
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Sobrevivendo do Paranazão
Apesar da queda do volume de peixes, pescadores continuam na ativa e complementam a renda atuando como guias
Apesar da queda do volume de peixes, pescadores do Porto 18, há 22 km de Querência do Norte, no Noroeste do Paraná, dizem acreditar que a pesca no Rio Paraná ainda é compensatória. Se faltar peixe no rio, a valorização do preço garante a lucratividade. Com tal perspectiva otimista, dois ribeirinhos sustentam a família sem precisar se mudar para a cidade.
Antônio Medina de Souza Neto, 29, e Sebastião Pedro da Silva, 39, conhecido como Tião Paçoca, percorrem, do interior de dois pequenos barcos de madeira, as águas do Rio Paraná de segunda à sexta. “Comecei a pescar com 12 anos. Sinto falta de quando pescava bastante peixe. Mas estou feliz porque os 10 kg de hoje equivalem aos 50 kg de outros tempos. Ou seja, se pesca menos, mas o lucro é o mesmo”, assegura Neto.
Tião Paçoca lembra a época em que pescava mais de 100 kg de peixe. Emocionado, jura que não é apenas história de pescador. “Pegava até 14 dourados no mesmo dia. Foi assim durante dois meses em 2002. Não ganhava menos de R$ 1 mil com a pescaria”, relata. Com a construção das barragens, a queda no volume de peixes atingiu todos os pescadores locais, segundo Tião. Por outro lado, contribuiu para a alta no preço da carne branca. “Ainda dá pra tirar uns R$ 800 por mês. O lucro é garantido pra quem pesca piapara e dourado”, comenta o pescador.
Entre os pescadores de Querência do Norte e região há unanimidade com relação à pesca nas imediações do Porto 18. “Não há melhor lugar. Tem dia que ainda pegamos 20 kg de peixe”, afirma o sorridente e bem-humorado Tião Paçoca. Setembro é considerado o melhor mês para a pesca, quando se torna fácil encontrar peixes realmente grandes. Na primavera, turistas aproveitam a oportunidade para conhecer a área. “Abril também é um ótimo mês para pescar”, pontua Antônio Medina, em referência que também remete ao fim da piracema, período em que a pesca é proibida para não atrapalhar a cadeia reprodutiva dos peixes.
Recursos naturais impulsionam o turismo
Quem já teve a oportunidade de conhecer alguns dos portos que circundam Querência do Norte, se sente enfeitiçado pelas belezas naturais da região. Cientes da atenção que a fauna e a flora local atraem, pescadores encontraram no turismo uma alternativa para agregar mais renda.
De segunda à sexta, é fácil ver sobre as águas do Rio Paraná um grande número de barcos procurando os melhores cardumes da região. Os pescadores só deixam as varinhas de lado aos sábados e domingos, quando assumem o papel de guias turísticos. “Em média, atendo 25 pessoas por mês e cobro R$ 50 reais de cada grupo”, assinala o pescador Antônio Medina de Souza Neto. O pescador Tião Paçoca cobra o mesmo valor e considera o trabalho prazeroso. “Aqui a gente mostra que realmente conhece tudo”, frisa.
Em Querência do Norte, muita gente disponibiliza o barco com motor por diárias de R$ 100, preço fixado pelos pescadores. “É uma alternativa para quem prefere um programa mais calmo, como pescar. Já os aventureiros optam por conhecer as ilhas”, diz Neto. A experiência de Tião Paçoca e Medina de Souza Neto faz com que turistas de cidades bem distantes sempre os escolham como guias. “Já auxiliei muita gente de Ribeirão Preto, Sertãozinho, Marília, Curitiba, Londrina, Maringá e Paranavaí”, exemplifica Tião.
A única queixa dos pescadores diz respeito a precariedade da estrada que os turistas têm de percorrer para chegar até o Porto 18. “O caminho é muito ruim. Muita gente desiste de vir aqui. Se algo fosse feito, ganharíamos muito mais dinheiro”, avalia Antônio Medina de Souza Neto.
Um amor em forma de prosa
Paulo Campos rejuvenesce o passado de Paranavaí por meio da literatura
Há décadas, o advogado e escritor regionalista Paulo Campos registra o amor a Paranavaí por meio da prosa. Produziu centenas de contos, poemas e publicou dois livros: “O diabo e o Homem na Brasileira” e “Memórias de Luta e uma História de Amor”. Tanta dedicação rendeu prêmios em várias regiões do Brasil e fez de Campos um ícone local na arte de rejuvenescer o passado por meio da literatura.
Paulo Campos começou a se interessar pela produção textual aos 18 anos, influenciado por histórias contadas pelos pais. Não demorou e surgiu o convite para produzir o primeiro texto – adaptação de uma peça do dramaturgo Martins Pena. “O fundador do Teatro Universitário de Paranavaí (TUP), João Batista Tirapelle, me pediu para trazer o conteúdo da obra para a nossa realidade”, conta Campos. A adaptação despertou no jovem Paulo Campos o desejo de resgatar o início da colonização em Paranavaí.
Anos depois, em 1986, o escritor publicou a primeira obra, “Memórias de Luta e uma História de Amor”, que sintetiza a história de Paranavaí sob um prisma artístico com requinte ficcional. Também participou da antologia poética “Assim escrevem os Paranaenses”, iniciativa do renomado escritor paranaense Domingos Pellegrini. Para a obra literária, Campos transferiu, de forma peculiar, fatos da década de 1950, como os muitos assassinatos cometidos à luz do dia, alheios aos transeuntes.
“Meus familiares viam muitos corpos ensanguentados próximos das valetas. Minha mãe pedia a meus irmãos que não olhassem”, relata o escritor. Dentre os textos que homenageia personagens da cidade, o destaque é “Orquídea Negra”, um poema sobre o saudoso Negão do Surucuá. “Ele teve uma morte relativamente misteriosa. Mesmo assim, sempre será parte da nossa história”, avalia Campos.
No acervo, o escritor tem centenas de contos e poemas, mas prefere guardá-los para fazer leituras mais críticas. “Escrevi bastante, tenho até material para publicar livros de contos, mas não me animo com a ideia. Inclusive ‘O Diabo e o Homem na Brasileira’ só foi publicado por incentivo e coordenação do Téia”, explica Campos, referindo-se a José de Arimatéia Tavares, um ícone do movimento cultural de Paranavaí.
Apesar de ter publicado pouco do que produz, conquistou grande reconhecimento. O escritor tem contos lançados no Brasil e em Portugal. Entre as conquistas mais memoráveis, destaca o Prêmio Macunaíma, em São Paulo, e Concurso de Contos da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de janeiro, além de vitórias no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), evento que o estimulou a escrever.
“Muita gente cria um laço com a literatura a partir do Femup. Ganhei meu primeiro prêmio em 1973. Depois comecei a escrever com mais intensidade”, diz Paulo Campos. Atualmente o escritor pensa em publicar um romance. “Até sou cobrado por isso. Tenho uma ideia em mente há muito tempo, mas ainda não comecei. Posso adiantar que é relacionada com Paranavaí que tem uma história muito rica”, confidencia.
Peça polêmica e reconhecimento
Das peças produzidas pelo escritor e advogado Paulo Campos, duas tiveram grande repercussão. A primeira, “Vila Montoya”, foi encenada no Festival Internacional de Londrina (Filo). Como tinha um caráter crítico e foi concebida durante a Ditadura Militar, o Teatro Universitário de Paranavaí, dirigido por João Batista Tirapelle, teve de substituir alguns diálogos envolvendo o presidente Getúlio Vargas.
“O Tirapelle acatou a ordem da censura, porém tivemos um ator com dificuldades em memorizar os diálogos. O resultado foi que o rapaz soltou toda a fala que tinha decorado, sem cortes”, relembra. Ao final, a Polícia Federal subiu ao palco e encaminhou o grupo para a coxia (bastidores), onde foi dada a ‘voz de prisão’ para os artistas. “Enquanto o público aplaudia de pé, nós explicamos a situação e tudo acabou bem”, lembra o escritor.
Outra peça que ganhou repercussão foi “Chão Bruto” ou “Nem o Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo”, classificada em um concurso promovido pelo Centro Cultural Teatro Guaíra, de Curitiba. “O presidente do centro gostou muito da história e me ligou perguntando se eu autorizava uma nova encenação. Concordei e fiquei uma semana com eles para fazer as adaptações necessárias”, revela Paulo Campos.
“Chão Bruto” consiste em uma reza para fechar o corpo. O personagem de destaque é um rapaz inconformado com o coronelismo e as desigualdades sociais em Paranavaí. “No período de colonização, era muito comum uma pessoa vender determinada propriedade e cobrar o valor pago outra vez. No conto, o personagem não aceita isso e faz um levante armado para acabar com as injustiças”, frisa.
Um fato curioso é que na peça há um barracão onde as armas são guardadas. O local realmente existiu na Rua Pernambuco, uma das vias mais conhecidas da cidade. Porém, como a arte imita a vida, o levante nem chegou a acontecer porque o líder da mobilização foi convidado para ir até a delegacia, onde o assassinaram em um ato covarde e traiçoeiro.
Literatura X Advocacia
Há 19 anos, antes de optar pela advocacia, Paulo Campos atuava como professor. Influenciado pelos irmãos ligados ao magistério, cursou letras almejando trilhar o caminho da literatura. Foi professor por muitos anos, mas como não tinha tempo para se dedicar à arte literária, resolveu cursar direito. “Já sabia que teria uma condição financeira melhor. O profissional poderia alimentar o escritor”, conta.
Os planos não se concretizaram como Campos vislumbrou. “Comecei a fazer direito, e a partir do segundo ano me apaixonei pelo curso. Em resumo, até hoje atuo como advogado. As duas atividades me satisfazem plenamente”, destaca, acrescentando que no início da profissão podia se dedicar mais à literatura. Com o passar dos anos, a advocacia tomou-lhe a maior parte do tempo. Hoje, Paulo Campos escreve esporadicamente.
Inspiração na história regional
Assim como o emblemático Guimarães Rosa, o escritor e advogado Paulo Campos também privilegia a linguagem prosaica na produção textual, beirando ao dialeto regional, herança que assume com prazer e honra. “Admito a influência do escritor mineiro. Pra mim, ele é o maior escritor de todos os tempos. Tem um grande poder de sedução”, afirma Campos. O regionalismo é o ingrediente mais importante das histórias do escritor paranavaiense.
O conto “Um Grito no Escuro”, por exemplo, é baseado em um fato que o escritor vivenciou há muito tempo, quando foi a uma farmácia. “Um ventríloquo chamou o balconista, mas o homem não percebeu a origem da voz. Curiosamente o atendente ficou desesperado e telefonou para a família. Na minha história isso acontece em um ônibus e desencadeia uma série de acontecimentos”, comenta.
Genocídio na década de 1920
Um altruísta pesquisador da história local, o escritor Paulo Campos sempre procurou informações sobre fatos não oficiais, principalmente do início da colonização, quando Paranavaí ainda era conhecida como Vila Montoya. “Na década de 1920, havia um foco de interesse anti-revolucionário aqui e acredita-se que um exército foi enviado para praticar assassinatos em massa, o que resultou na morte de muita gente”, relata.
Mais tarde, alguns sobreviventes decidiram viver na mata, instalando-se em buracos no interior das árvores, assim como fazem os animais. Cogita-se que os remanescentes do genocídio viveram em ostracismo por mais de dez anos. “Em pesquisas, descobri que viveram nus todo esse tempo”, informa Paulo Campos.
Outra curiosidade é que à época não havia estrada até a Vila Montoya. Mesmo assim, alguns pioneiros encontraram um piano no interior de uma residência. “O acesso a Paranavaí era pelo Porto Tigre, de Presidente Prudente, tinha que atravessar por um picadão. Ninguém sabe como esse piano chegou aqui”, declara Campos, que conhece também muitos outros fatos dignos de contos, não somente ligados a Paranavaí, mas também outras cidades.
“Em Querência do Norte tinha uma pessoa que morava em um sítio e vivia nu, apenas vestia roupa quando ia à cidade. Ele fazia pregações, era considerado louco, mas levava a vida normalmente. Era conhecido por praguejar os poderosos na época”, afirma.
Curiosidade
“Nem o Pai, nem o Filho e nem o Espírito Santo” era o pseudônimo do escritor Paulo Campos quando concluiu “Chão Bruto”. Só que durante a adaptação da peça em Curitiba, o grupo do Centro Cultural Teatro Guaíra perdeu a primeira folha com o nome do espetáculo, então usaram “Nem o Pai, nem o Filho e nem o Espírito Santo” como título. A diretora da peça e o presidente do CCTG gostaram tanto do nome que o escritor adotou definitivamente o pseudônimo como título alternativo.
Balsas em extinção
A balsa já foi um importante meio de ligação entre a região Sul e o Centro-Oeste
No extremo Noroeste do Paraná, na divisa com o Mato Grosso do Sul, balsas que atravessam o Rio Paraná já tiveram fluxo diário de centenas de veículos. Nos últimos dez anos, isso mudou em função das pontes interestaduais. Hoje é comum ver no horizonte o solitário balseiro transportando apenas um automóvel, tendo como companhia o sol escaldante – referência do início e fim da jornada de trabalho.
Em meados de 1960, o grande número de pessoas que precisavam ir para o Mato Grosso do Sul ou vir ao Paraná estimulou a construção de dezenas de balsas. Um emblemático exemplo é a de Porto Caiuá/Felício, localizada a 33 km de Querência do Norte, inaugurada em 1963. “Foi uma necessidade da época. O fluxo até Naviraí, no Mato Grosso do Sul, era muito grande”, conta o empresário Veigui Bérgamo.
Os ribeirinhos foram os primeiros a se engajar na atividade. Viajavam até Guaíra, no Oeste do Paraná, onde recebiam, por parte da Marinha, qualificação profissional. Todas as despesas eram custeadas pelos donos de balsas. “Sempre demos oportunidade para gente daqui, nunca alguém de fora. É desse jeito há mais de 40 anos”, destaca o empresário.
No princípio, investia-se muito no transporte fluvial, e tudo era proporcional aos lucros, tanto que durante décadas os donos de balsas foram responsáveis pela manutenção das principais vias de acesso aos portos. “Se a estrada estivesse ruim, a pessoa desistiria, então mantê-la em bom estado era o único meio de garantirmos a freguesia”, revela Bérgamo.
Há 10 anos, havia duas balsas em funcionamento no Porto Caiuá/Felício, tempo em que pelo menos 200 veículos por dia usavam o transporte fluvial. “Quando tinha uma no Mato Grosso do Sul, a outra estava deste lado, aqui no Paraná”, lembra Bérgamo, se referindo a um período em que os funcionários da balsa se revezavam ao longo de 24 horas. O serviço nunca parava, em respeito à demanda.
Hoje em dia, o trabalho começa às 6h e termina às 22h. “Quem chega aqui de madrugada encontra a balsa desativada”, conta o marinheiro de convés Robson Mendes Barbosa. A justificativa é que muitos motoristas preferem usar a Ponte Ayrton Senna, em Guaíra, e as cinco pontes do complexo de Porto Camargo.
“É difícil acreditar que já passou tanta gente por aqui. Como balseiro, conheci viajantes de Paranavaí, Umuarama, Maringá, Campo Mourão, Londrina, Cascavel, Curitiba, Presidente Prudente, Araçatuba, São Paulo, Campo Grande, Cuiabá e muitas outras cidades”, reitera o contra-mestre Cirço Sedano Silva.
Na atualidade, o transporte fluvial normalmente é usado apenas por pessoas da região noroeste. Entretanto, o contra-mestre percebe uma pequena mudança durante os feriados. “No mais, é normal atravessar apenas um veículo. Ainda estamos aqui por causa da fé. Restam poucas balsas na ativa. Acho que é o fim da profissão”, avalia.
Entre os poucos que ainda preferem a balsa, a justificativa é uma só – a praticidade do serviço. De acordo com Veigui Bérgamo, há proprietários de terras na região que se não fosse pelo transporte fluvial teriam de dirigir por mais de 200 quilômetros. “Com a balsa, percorremos 2,5 quilômetros em 15 minutos e o problema está resolvido”, finaliza.
Empresário ainda tem esperanças
As despesas com o transporte fluvial, que não são poucas, segundo o empresário Veigui Bérgamo, deveriam ser subsidiadas com a rentabilidade obtida nas travessias da balsa. “Na prática, isso não acontece. Se não fosse pelas minhas outras atividades econômicas, teria parado faz tempo. Gastamos aproximadamente dois mil litros de óleo diesel por mês. Além disso, temos despesas com funcionários e manutenção”, destaca.
Entretanto, Bérgamo diz ter esperança de que no futuro a situação melhore e o transporte fluvial não precise ser desativado. Faz um apelo para que o governo do Paraná contribua, se responsabilizando pela manutenção de uma rodovia. “A Jorge Baggio é a única estrada paranaense que liga Querência do Norte ao porto. Se for bem cuidada, acredito que poderemos atrair mais viajantes”, pondera.
Origem ribeirinha é trunfo na profissão de balseiro
Na infância, Cirço Sedano Silva brincava sobre um bote, fazendo de conta que era piloto de balsa. A criatividade era estimulada pelas experiências relatadas por três tios balseiros. Aos 19 anos, conseguiu o primeiro emprego com transporte fluvial, um cargo de cobrador na balsa do Porto Caiuá/Felício.
“A gente se divertia muito. Havia pelo menos quinze pessoas trabalhando em cada balsa”, relembra o contra-mestre sorrindo. Com o passar do tempo, o número de empregados caiu para 12 e depois para nove. “Hoje, são cinco, mas nos dividimos em três turnos. Agora é normal trabalhar sozinho”, afirma.
O fato de Cirço ser um ribeirinho é um trunfo na profissão de contra-mestre. Ninguém conhece melhor o Rio Paraná do que alguém criado diante de sua imensidão. “Sei onde estão todos os bancos de areia. Sendo assim, tenho o compromisso de desviar deles. Já o marinheiro de convés tem que ficar esperto e controlar o peso da balsa, distribuindo bem os veículos”, revela. Sedano sente falta de quanto trabalhava à noite. Antes de completar a travessia, via do outro lado um sem número de faróis piscando – um sinal de que o aguardavam.
Saiba Mais
Em caso de acidente, o contra-mestre entra em contato com o rebocador que chega ao local em 15 minutos.
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Nostalgia de uma ex-ribeirinha
Ex-ribeirinha se emociona ao relembrar época em que vivia distante da realidade urbana
A dona de casa Luciene Franco, 35, e mais dez irmãos foram criados em uma comunidade ribeirinha na Ilha Portal do Trigo, na divisa do Paraná com o Mato Grosso do Sul, onde garantiam a subsistência por meio da pesca e do cultivo de pequenas culturas. Sem contato frequente com o mundo moderno, conheceram a realidade urbana somente ao atingir a maioridade. Foram obrigados a se mudar para a área urbana de Querência do Norte em função de rigorosas leis ambientais e também grande oscilação do volume de água do Rio Paraná.
Quando nasceu, o primeiro contato de Luciene com o mundo não aconteceu em um hospital, muito menos diante da presença de um obstetra. Foi sob a supervisão da natureza e os olhares atentos de uma capivara doméstica. “Nasci ali no berço da natureza com a assistência de uma parteira. Quando minha mãe deu à luz, estava deitada em uma cama de bambu forrada com folhas de bananeira. Havia vários animais próximos dali”, relata a dona de casa, apontando o dedo para a Ilha Portal do Trigo.
Na infância, Luciene e os irmãos aprenderam a conviver pacificamente com animais que a maioria só vê em revistas, TV ou jaulas de zoológico. “A gente tinha acesso a muitos bichos. Todo dia encontrava sucuri, capivara, jacaré, veado campeiro, anta e onça”, destaca. O contato diário contribuía para que os ribeirinhos tivessem uma boa relação familiar ou pelo menos de respeito e tolerância com os membros da fauna local.
De uma capivara e um tatu de estimação, Luciene guarda lembranças inesquecíveis. São até incompreensíveis para quem sempre viveu em um “paraíso de concreto”, como a dona de casa denomina o universo urbano. “Os dois sempre entravam em casa, mas quando a gente mandava sair, eles obedeciam. Era como um gato ou cachorro”, compara.
Porém, nem todos os animais despertavam alegria quando eram vistos cruzando a entrada da casa construída com recursos encontrados na própria ilha. “A gente não se acostumava com as onças. Mesmo assim, não fazíamos nenhum mal pra elas”, assegura a dona de casa.
Quando levava os filhos pequenos para pescar ou preparar a terra para o cultivo de arroz e feijão, o pai de Luciene sempre os mantinha por perto, já que tinham pouca ou nenhuma experiência com os perigos da natureza. “Era mais por cautela. Só que depois de um tempo, todo mundo ficava esperto e ia até pescar à noite, mesmo quando, não muito longe dali, tinha alguma onça bebendo água na beira do rio”, conta.
Há 17 anos, pelo menos 30 famílias ainda viviam na Ilha Portal do Trigo. O intenso aumento das cheias, agravado por proprietários de terras que depredavam a mata ciliar, e o surgimento de leis ambientais mais rigorosas, sob fiscalização do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), tornou inviável a vida na ilha. “Isso aqui deu muito orgulho pra gente. É uma pena que tudo tenha acabado dessa maneira”, lamenta Luciene, sem esconder os olhos marejados.
A dona de casa deixou a ilha há 13 anos, rompendo assim, uma corrente de gerações, iniciada com seus avós. Apesar disso, até hoje, acompanhada dos filhos, viaja de Santa Cruz do Monte Castelo até Querência do Norte, de onde observa, ao longe, um sentimento de nostalgia se materializando. “Independente de qualquer mudança, sei que ela sempre vai estar ali”, comenta.
“A gente não precisava de muito dinheiro”
O maior benefício de se viver em uma ilha, segundo a dona de casa Luciene Franco, é a economia. “Era muito bom porque a gente não precisava de muito dinheiro. Só tivemos de mandar trazer um gerador de energia da cidade. Isso foi bem depois”, lembra.
Antes de adquirir o gerador, a única luz que iluminava a pequena casa, onde viviam mais de dez pessoas, era a de um lampião. À época, Luciene e os irmãos, ainda pequenos, costumavam deitar no chão e olhar para o teto. A surpresa, que depois se tornou fato constante, era a presença de cobras. “Sempre tinha alguma pendurada. Como a gente era criança, levava tudo no divertimento”, declara sorrindo.
Até 1990, toda a família de Luciene estava envolvida na produção de arroz e feijão. Havia muita união, principalmente na hora de trabalhar. O respeito entre os membros da família era consequência do forte vínculo semeado no dia a dia, quando a força coletiva determinava a diferença. “Ninguém passava o dia desocupado. Meu pai e irmãos revezavam pra atravessar o rio com um bote de carga. Eles iam para Querência do Norte vender a maior parte do arroz para uma secadora”, reitera a dona-de-casa.
O desempenho da produção, em molde tão arcaico que beira o processo artesanal, dependia mais da natureza do que das técnicas de manejo. De acordo com Luciene, quando chovia, o jeito era aguardar o mau tempo passar. “A chuva estragava tudo e a gente tinha que esperar secar pra começar de novo”, revela.
Durante o dia, a família se dedicava a agricultura, e à noite, a pescaria. “O trabalho era puxado, mas sempre valeu a pena. A gente tinha muita fartura. Nunca faltava nada”, defende a dona de casa.
Curiosidade
Se pudesse, Luciene Franco voltaria a viver na ilha, onde o custo de vida é mais barato.