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Jean Vigo, um dos cineastas que mais me emocionou
Jean Vigo, um dos cineastas que mais me emocionou, é praticamente desconhecido por quem não conhece o realismo poético, o cinema francês pré-nouvelle vague. Houve uma época da minha vida que fiquei tão imerso em suas obras que assisti tudo que ele produziu e comprei todos os livros de referência sobre a sua vida.
Lembro que me comprometi em escrever sobre ele, mas fiquei tão comovido que acabei fazendo justamente o oposto – nada. Até hoje, não escrevi nada sobre ele. Me senti mal mesmo pelo seu trágico final. Jean Vigo era um sonhador, morreu com 29 anos e não teve nenhum tipo de reconhecimento em vida.
Aquilo me surpreendeu sobremaneira. Quando terminei de assistir e de ler tudo que encontrei sobre ele, refleti: “Sim, Jean Vigo era um artista intenso, e por isso vocês não podem resumi-lo a quatro obras e dizer que aquilo era o que ele tinha a oferecer ao mundo. O cara estava apenas começando. Ele exalava vida, sublimidade, alegorias, simbologias, lirismo. Em seu tempo, era o mais genuíno dos poetas do cinema francês, Ademais, quem exala vida não poderia morrer dessa forma.”
Ele deixou trabalhos promissores, que provavelmente teriam revolucionado muito mais o cinema. Vigo faleceu depois de lançar “L’Atalante”. Este filme, que marcaria o princípio da sua carreira profissional, a sua própria estilística cinematográfica, foi eleito um dos melhores da história do cinema em algumas pesquisas.
O mais paradoxal disso tudo é que “L’ Atalante”, que narra uma história de amor e seus conflitos, passou por modificações, alterações que não foram feitas nem desejadas por ele. Logo é uma obra descaracterizada, não fidedigna. Sim, Vigo está ali, mas não puramente ou tão liricamente. Não se mexe em um poema audiovisual. Isso é obliteração.
Vigo influenciou outro de meus cineastas preferidos – François Truffaut, que eternizou uma das mais belas cenas do cinema – aquela em que os estudantes correm pelas ruas de Paris e são acompanhados pela câmera, num dos momentos mais bucólicos e eletrizantes de “Les 400 Coups”. Esta referência vem do primeiro filme ficcional de Vigo. intitulado “Zéro de conduite”.
O jovem Jean Vigo viveu intensamente, mas não colheu os frutos de seu trabalho. No leito de morte, foi tratado como um ninguém, um pária. Morreu da mesma forma que nasceu, como um rejeitado, um injustiçado indesejado em um mundo já conturbado e ensoberbado. Acabou vitimado por uma tuberculose que o perseguia desde a infância, gestada no seio das precárias condições de vida.
Apesar de tudo, é curioso reconhecer como somos capazes de mergulhar na vida de uma pessoa com quem nunca tivemos contato direto. É o poder da arte. O tempo passou, mas sinto como se Vigo ainda fosse muito real, e continuasse exalando vida, vivendo imaterialmente, mesmo que ele tenha partido em 5 de outubro de 1934.
Le Salaire de La Peur e a poesia da degradação humana
Filme aborda a mercantilização da vida em uma missão suicida
Obra-prima do cineasta francês Henri-Georges Clouzot, Le Salaire de La Peur, que chegou ao Brasil tardiamente sob o título O Salário do Medo, conta a história de quatro imigrantes europeus contratados por uma companhia petrolífera dos EUA para transportar uma carga de nitroglicerina pelas estradas precárias de um país do Terceiro Mundo.
Quando Le Salaire de La Peur foi lançado em 1953, a França vivia o apogeu do existencialismo de autores como Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Georges Arnaud, pensadores que influenciaram Henri-Georges Clouzot a criar um filme que mostra homens como indivíduos desorientados em um mundo cada vez mais caótico e aberrante, onde os valores são deglutidos pela esperança de sobrevivência.
Na história, Mario (Yves Montand), Bimba (Peter Van Eyck), Luigi (Folco Lulli) e Jo (Charles Vanel) são personagens desgastados pela miséria que vivem no vilarejo de Las Piedras, onde decidem mercantilizar a vida em uma missão suicida que pode render dois mil dólares a cada um. Os quatro são contratados por uma empresa estadunidense de petróleo para garantir que um carregamento de nitroglicerina chegue ao destino.
Embora a missão seja na Guatemala, o filme de Clouzot deixa claro que a história poderia se passar em qualquer país de Terceiro Mundo, onde a dominação econômica dos EUA é quase sempre proeminente, deixando graves consequências como a degradação social e o esgotamento dos recursos naturais.
Ironicamente, em um dos diálogos da obra, o personagem Mario parece visualizar tanto o presente quanto o futuro quando diz: “Onde tem petróleo, tem americanos.” Além de fazer severas críticas ao capitalismo, mostrando que ninguém sofre mais com as ações dos países ricos do que as nações subdesenvolvidas, o cineasta francês ainda consegue emocionar o espectador com uma estética baseada no realismo poético.
Logo na abertura, somos introduzidos por uma criança a um mundo de insetos mergulhados em uma poça de lama, metáfora que amarra toda a trama de Le Salaire de La Peur. Muitas cenas como a mencionada se repetem no decorrer do filme, transmitindo um sem-número de mensagens que flertam com o niilismo.
São imagens capazes de instigar reflexões e emoções conflitantes. Também é interessante a forma como Henri-Georges Clouzot aborda a perda da identidade dos personagens. Sem sobrenomes, se atêm a pequenos sonhos e devaneios de um dia se encontrarem novamente como parte de um algo concreto.