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Asenath Nicholson, a professora que defendeu uma alimentação livre da exploração animal no século 19
Andrew Smith: “O veganismo em Nova York remete a 1833, quando Asenath Nicholson publicou o primeiro livro de receitas ‘veg(etari)anas”
É injusto falar da história do vegetarianismo nos Estados Unidos sem citar Asenath Nicholson, uma professora abolicionista que no século 19 já defendia uma alimentação livre da exploração animal. Ela foi a autora de “Nature’s Own Book”, um dos primeiros livros publicados com receitas vegetarianas, administrou uma pensão “vegana” e viajou para a Irlanda nos tempos da Grande Fome, onde passou anos alimentando os famintos com refeições vegetarianas.
De acordo com a biografia “Compassionate Stranger: Asenath Nicholson and the Great Irish Famine”, de Maureen O’Rourke Murphy, Asenath nasceu como Asenath Hatch em Chelsea, Vermont, em 24 de fevereiro de 1792. Filha dos colonos Michael e Martha Hatch, se tornou professora em sua cidade natal e em 1830 migrou para Nova York, onde abriu uma pequena escola e se casou com o comerciante Norman Nicholson, com quem dividia o interesse pela filantropia e pelas reformas sociais.
Mais tarde, o casal conheceu o pioneiro vegetariano e ministro presbiteriano Sylvester Graham, famoso pela criação da farinha graham e dos biscoitos graham crackers. À época, Graham era mais conhecido por advogar que a boa vida moral dependia também da não exploração animal, abstinência, disciplina alimentar, higiene e exercícios regulares.
Asenath, que frequentemente assistia suas palestras, acabou influenciada pelo ministro presbiteriano, e então começou a trilhar o seu próprio caminho, embora sempre que necessário fazia referências ao bom amigo Sylvester Graham. “O veganismo em Nova York remete a 1833, quando Asenath Nicholson publicou o primeiro livro de receitas ‘veg(etari)anas’, em colaboração com Sylvester Graham. [Porém] O livro ‘Nature’s Own’ traz algumas receitas com leite [o que pode ter sido incluído por intervenção de terceiros], escreveu Andrew F. Smith na página 617 do livro “Savoring Gotham: A Food Lover’s Company to New York City”, de 2015.
O que levanta tal suspeita é que tanto Asenath quanto Graham eram contra o consumo de laticínios, inclusive no mesmo livro, que traz cerca de dez páginas de receitas, ela declara que uma boa alimentação deve ser baseada apenas em bom pão, água pura, frutas maduras e vegetais. Ademais, apresenta testemunhos e relatos autobiográficos. “São minha carne e exclusivamente a minha bebida. Em 1837, Graham começou o seu primeiro jornal ‘vegano’ intitulado ‘The Journal of Health and Longevity’, que foi distribuído em Nova York”, escreveu Smith.
A professora Nicholson defendia um estilo de vida simples com dieta simples, atividades físicas e jejuns ocasionais. Ela incentivava a prática de se tomar banhos frios diariamente e um banho morno por semana. Também alertava para a importância da limpeza doméstica, alegando que “uma cozinha suja era como um coração sujo”. Suas qualidades a colocaram à frente daquela que é considerada uma das primeiras hospedarias “veganas” dos Estados Unidos; uma pensão em Five Points, um bairro da baixa Manhattan, em Nova York, que era habitado por pobres imigrantes, mas principalmente irlandeses e negros.
Oferecendo quartos confortáveis a preços baixos e comida vegetariana de boa qualidade, a pensão aberta em 1832 prosperou, tanto que no ano seguinte os Nicholson abriram outra no número 79 da Cedar Street, na esquina com a Nassau Street. Mesmo abandonada pelo marido em 1838, quando Norman desapareceu sem deixar qualquer recado, Asenath Nicholson não esmoreceu e seguiu trabalhando. Ela nunca mais teria notícias dele, supostamente falecido em 1841, de acordo com informações da escritora e pesquisadora Maureen Murphy.
Além de uma mesa servida prodigiosamente com os melhores vegetais e frutas, ela não oferecia nada de origem animal, pois Asenath não via sentido na morte de animais para servir de alimento aos seres humanos, assim como também era contra a escravidão dos negros e de qualquer outro povo em situação de subjugação. A alimentação na pensão excluía também qualquer tipo de estimulante. E essa defesa de um estilo de vida que hoje seria chamado de veganismo foi a bandeira de uma mulher em uma época que ainda não existia nem o termo vegetarianismo, criado na Inglaterra por volta de 1840, segundo informações da página 534 da obra “The Oxford Encyclopedia of Food and Drink in America – Volume 2”, editada por Andrew Smith.
Em 1840, John Burdell e William Alcott se juntaram a Sylvester Graham e Asenath Nicholson na promoção de um estilo de vida mais saudável e livre da exploração animal. Mesmo com esse empenho, nunca tiveram pressa em formar uma sociedade organizada e com objetivos mais específicos, tanto que somente em 1850 foi realizada a reunião inaugural da Sociedade Vegetariana Americana, no Clinton Hall, na New York Mercantile Library. Nesse ínterim, Asenath já tinha convertido um sem-número de pessoas ao vegetarianismo, ao longo de quase 20 anos; entre eles, inclusive pessoas bem pobres.
Em 1844, viajou para a Irlanda, preocupada com o que se tornaria a Grande Fome, uma das maiores tragédias daquele país, e que atingiu principalmente as famílias mais carentes. A experiência a motivou a escrever os livros “Welcome to the Stranger” e ‘Annals of the Famine in Ireland”, lançados em 1847 e 1851. As duas obras trazem relatos surpreendentes de uma mulher aguerrida, que participou de um triste evento que matou aproximadamente um milhão de irlandeses até 1849 e obrigou mais de um milhão a abandonarem o país.
A causa da fome foi um terrível fungo que devastou as plantações de tubérculos na Irlanda. Sobre essa consequência nefasta, há historiadores que culparam os britânicos pela tragédia, já que à época os campos irlandeses estavam sob a hegemonia política da Grã-Bretanha. Mas independente de causas ou culpados, pessoas como Asenath Nicholson se esforçaram para fazer a diferença em meio ao caos. Do início ao fim da Grande Fome, a professora estadunidense dedicou incansavelmente todos os seus dias a preparar refeições vegetarianas para os famintos, e seguindo o mesmo padrão de qualidade de seu trabalho realizado em seu pensionato em Five Points.
Em “Compassionate Stranger: Asenath Nicholson and the Great Irish Famine”, a escritora Maureen Murphy, deixa claro que Asenath, que defendeu o vegetarianismo, se posicionou como abolicionista e dedicou sua vida aos desafortunados, merece muito mais reconhecimento na sociedade atual, que precisa se inspirar em exemplos como o dela, alguém que não teve medo de lutar contra o status quo em um período em que as mulheres normalmente eram relegadas à figuração ou personagens secundários de suas próprias vidas.
Referências
Nicholson, Asenath. Nature’s Own Book (1813). Forgotten Books (2015).
Smith, Andrew. Savoring Gotham: A Food Lover’s Companion to New York City. Oxford University Press (2015).
Smith, Andrew. The Oxford Encyclopedia of Food and Drink in America – Volume 2. Oxford University Press (2004).
Murphy, O’Rourke, Maureen. Compassionate Stranger: Asenath Nicholson and the Great Irish Famine. Syracuse University Press (2015).
http://www.irishtimes.com/culture/books/review-compassionate-stranger-asenath-nicholson-and-the-great-irish-famine-by-maureen-o-rourke-murphy-1.2385552
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Upton Sinclair e as mazelas da indústria frigorífica
“Queria tocar o coração do público, mas acabei tocando o estômago”
Em 1906, o escritor estadunidense e reformador social Upton Sinclair lançou o seu livro mais famoso. Intitulado The Jungle (A Selva), a obra que denuncia as mazelas da indústria frigorífica teve tanta repercussão nos Estados Unidos que o governo não viu outra saída, a não ser a criação da Food and Drug Administration (FDA), órgão responsável, dentre outras competências, pela fiscalização da produção alimentícia.
A riqueza de detalhes com que Sinclair descreve as más condições enfrentadas pelos trabalhadores e pelos animais explorados pela indústria fez com que milhares de pessoas se tornassem vegetarianas nas primeiras décadas do século 20. E com o tempo, e a popularidade mundial do livro traduzido em mais de 50 idiomas, o número de adeptos da alimentação livre de ingredientes de origem animal cresceu exponencialmente.
Convertido ao vegetarianismo por influência de John Harvey Kellogg, criador do famoso cereal matinal, o escritor produziu uma obra de denúncia que até hoje é apontada como a mais influente sobre a matança de animais nos Estados Unidos. Embora alguns pesquisadores defendam que após alguns anos Upton Sinclair abandonou o vegetarianismo, citando como exemplo um texto de 26 páginas intitulado Fasting and the Use of Meat, seu livro continuou influenciando muita gente a não consumir mais carne e a lutar por reformas sociais envolvendo as agroindústrias.
O protagonista da obra é o lituano Jurgis Rudkus, um imigrante que mal sabe falar inglês e vive com a família em um distrito de Chicago dominado por currais e fábricas de carne processada. Desempregado, Rudkus aceita um emprego em um matadouro. Mas a desilusão cresce quando ele se vê endividado. Às raias da miséria, é obrigado a se sujeitar aos trabalhos mais sórdidos, além de amargar experiências traumatizantes como a morte do pai, vítima da falta de segurança nas linhas de produção da indústria frigorífica. Em uma das passagens da página 38 de The Jungle, uma imigrante lituana se mostra chocada ao saber do destino de milhares de bois e vacas.
“E o que será de todas essas criaturas?”, chorou Teta Elzbieta.
“Esta noite, todos serão mortos e fatiados. E logo ali, do outro lado dos depósitos de acondicionamento, há mais ferrovias, e de lá vêm os vagões que vão levá-los embora”, respondeu Jokubas Szedvilas. No total, dez milhões de criaturas vivas eram transformadas em alimento a cada ano.
Assim como os animais, os trabalhadores também eram tratados como seres inferiores, já que suas vidas se resumiam às longas jornadas de trabalho. Exemplo disso é um adolescente que vencido pela exaustão e pela embriaguez dorme no trabalho, onde se torna comida para ratos na madrugada. Nesse trecho, Upton Sinclair denuncia ainda a falta de higiene nas linhas de produção. Também revela no livro que muitas vezes a carne bovina se misturava à carne dos ratos que morriam nas linhas de produção.
À frente, havia uma grande roda de ferro, de 20 pés de circunferência e com anéis por toda a sua borda. (…) Quando a roda virou, o porco teve seu pé arrancado e arremessado para o alto. Ao mesmo tempo, ouviu-se um grito aterrorizante; os visitantes ficaram alarmados; as mulheres empalideceram e recuaram, escreveu Sinclair na página 40 de The Jungle.
No livro-denúncia de viés socialista, o sofrimento dos animais e dos homens estão interligados; um não existe sem o outro num contexto em que na prática o sonho americano não passa de uma distopia velada pela inocente fantasia. E nesse cenário, o maior financiador é o consumidor que alheio à excruciante realidade aceita tudo na sua passividade.
A omissão do Estado também endossa e justifica a existência dessas práticas. Publicado há mais de cem anos, The Jungle é uma obra que, em síntese, não apenas flerta com a atualidade, mas diz muito sobre ela. “Queria tocar o coração do público, mas acabei tocando o estômago”, declarou Sinclair ao avaliar a recepção do livro.
Saiba Mais
Upton Sinclair nasceu em 20 de setembro de 1878 em Baltimore, Maryland, e faleceu em 28 de novembro de 1968 em Bound Brook, Nova Jersey.
O livro Dragon’s Teeth (Dentes de Dragão), que garantiu o Prêmio Pulitzer a Upton Sinclair em 1943, narra o zeitgeist e o drama dos eventos registrados na Europa que resultaram no início da Segunda Guerra Mundial.
Referências
Harris, Leon. Upton Sinclair: American Rebel. Thomas Y. Crowell Company, New York (1975).
Mason, M. Diane. Mullins, T. Janet. Vegetarian 101: History, Health and Tips. University of Kentucky (2016).
Sinclair, Upton. The Jungle. Dover Publications; Unabridged Edition (2001).
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