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Um dia de “guerra civil” em Terra Rica
Quando católicos e umbandistas duelaram em frente à Igreja Santo Antônio de Pádua
Em 1960, Terra Rica, no Noroeste do Paraná, já era uma cidade habitada por pessoas das mais diversas crenças. No entanto, essa diversidade, que até então inspirava a tolerância e respeito em prol do desenvolvimento, foi ofuscada por um conflito que jamais seria esquecido pelos moradores do município. Em 2 de novembro do mesmo ano, Terra Rica viveu um episódio digno de uma guerra civil em frente à Igreja Matriz.
Era Dia de Finados, quando integrantes do Centro de Umbanda de Terra Rica decidiram realizar uma passeata até o Cemitério Municipal, na Avenida Rio de Janeiro. O trajeto incluía passar em frente à Igreja Santo Antônio de Pádua, o que foi interpretado como uma afronta pelos católicos. Ciente da movimentação, o padre Vicente Magalhães de Teixeira, o primeiro pároco da cidade, se dirigiu até o Centro de Umbanda para tentar impedir a realização da passeata, embora há quem diga que o padre tenha apenas pedido para mudarem o percurso.
A solicitação da autoridade religiosa foi ignorada, então membros dos grupos Congregados Marianos e Filhas de Maria pegaram facas e foices e montaram guarda na entrada da Igreja Matriz. “Me recordo que quando os umbandistas apareceram a situação saiu de controle e os católicos levaram o conflito até as últimas consequências”, relatou o pioneiro Joaquim Pereira Briso em entrevista concedida ao autor deste blog em 2006.
Muita gente se feriu, mas ninguém morreu. Não foram poucos que tiveram de ser levados em estado grave para o hospital. Há testemunhos de pessoas que perderam a visão durante a briga. De acordo com o pesquisador Edson Paulo Calírio, a luta começou “no braço”, só que os mais exaltados logo recorreram a foice, facão, balaústre, tijolo e pedra. Qualquer objeto próximo da mão era usado como arma. Alguns pioneiros afirmaram que o conflito teve início às 13h e se estendeu por toda a tarde.
Havia centenas de pessoas na entrada da Igreja Santo Antônio de Pádua no momento da confusão. Os umbandistas somavam cerca de 300 pessoas, um número considerado bem inferior a quantidade de católicos no local para impedir que os manifestantes continuassem a passeata até o cemitério. “No final da tarde, em uma ação extrema, os católicos foram até o centro de umbanda e atearam fogo em tudo. Não sobrou praticamente nada, só as vigas incineradas’”, lembrou Pereira Briso.
O padre Vicente e os grupos Congregação Mariana e Filhas de Maria justificaram o incêndio contra os umbandistas como consequência do desrespeito aos católicos e também de uma suposta ameaça ao pároco. Já os pioneiros que não pertenciam a nenhum grupo religioso pensavam e ainda pensam diferente. “A verdade é que o camarada que criou esse centro em Terra Rica começou a se sobressair demais, fazer uns milagres esquisitos, daí só precisaram de uma justificativa para tocar fogo no terreiro”, declarou Joaquim Pereira Briso. No mesmo dia da briga entre católicos e umbandistas, três crianças que caminhavam pela Avenida Rio de Janeiro, via de acesso ao Cemitério Municipal, foram atropeladas por um caminhão.
Uma espada com mais de 350 anos
Objeto histórico foi confundido com facão nos anos 1950
Situada na região de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, Terra Rica foi uma importante rota de fuga dos índios caiuá, principalmente quando os bandeirantes paulistas invadiram a localidade nos anos 1600, na tentativa de espoliar riquezas, dominar e escravizar os indígenas.
Mais tarde, materiais históricos desse tempo foram encontrados casualmente por pioneiros de Terra Rica. Nos anos 1950, o agricultor Angelo Calírio comprou alguns lotes rurais perto do Rio Paranapanema. Em um dos imóveis, localizado nas imediações do “Bairro do Garimpo”, se deparou com um objeto muito antigo e desgastado. O pesquisador e geógrafo Edson Paulo Calírio conta que o pai andava em meio ao que sobrou da derrubada para o plantio de café, quando viu um pedaço de ferro enferrujado. Estava quase todo enterrado em posição diagonal, coberto por húmus e folhas.
Angelo Calírio recolheu o objeto e o levou para casa, acreditando que fosse apenas um facão. “O estado do ferro chamou muita atenção porque nada foi deteriorado. Talvez a umidade do solo, que concentra grande quantidade de argila, tenha facilitado a conservação do material”, supõe Edson Calírio. Em casa, Angelo limpou o objeto cuidadosamente com limão e o guardou, sem ter a mínima ideia de que por muitos anos preservou em casa um importante material histórico sobre o Noroeste do Paraná, o Paraná e o Brasil.
“O tal ‘facão’ sempre ficava guardado. Décadas depois, quando crescemos e ganhamos um pouco de noção das coisas, decidimos pesquisar sobre o objeto. Descobrimos que se tratava de uma espada de algum bandeirante ou espanhol que lutou na nossa região no período de colonização. Provavelmente, a partir de 1620”, revela. Após avaliação, pesquisadores de várias universidades do Paraná e São Paulo constataram que a espada tem mais de 350 anos e deve ter pertencido a um invasor.
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Fafipa, a faculdade mais antiga do Noroeste do Paraná
Nelson Akiyoshi: “Falavam que nossa cidade não tinha importância social nem estrutura para comportar uma faculdade”
Em 1965, Nelson Akiyoshi era professor do Colégio Estadual de Paranavaí. Naquele tempo, Paranavaí tinha uma grande demanda de profissionais com formação superior. Então dentro do colégio surgiu uma discussão sobre a viabilidade de se fundar uma faculdade, a primeira do Noroeste do Paraná. “Nossa principal necessidade era formar professores, pois tínhamos poucos. O problema é que outros envolvidos aproveitaram a oportunidade para fazer propaganda política em cima dessa ideia, angariando votos”, contou Akiyoshi.
À época, o prefeito criou uma comissão com representantes do Núcleo Regional de Educação, além de autoridades de classe e magistrados. Segundo o professor, a preocupação maior do administrador municipal era mostrar que estavam se mobilizando. Em outro sentido, o presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual de Paranavaí, Ivo Cardoso, pediu para Nelson Akiyoshi assumir o trabalho da agremiação. “Fiquei como representante da criançada, dos alunos. Cada um tinha sua finalidade e aos poucos fomos afastando a comissão que criaram com intenção política”, explicou.
Os primeiros passos da Faculdade de Filosofia de Paranavaí
Preocupado, Akiyoshi começou a se aprofundar em estudos sobre implantação de instituições públicas de ensino superior. Algum tempo depois, acompanhado por alunos e professores, realizou uma viagem até Curitiba para conversar com a superintendente de ensino superior Maria de Lourdes Zanardini de Camargo. Entusiasmada com a ideia de uma faculdade em Paranavaí, a superintendente pediu que elaborassem um projeto detalhado e depois o encaminhassem a Curitiba.
Bem articulada, a equipe sob o comando de Nelson Akiyoshi preparou um projeto completo que incluiu levantamento socioeconômico de toda a região e declaração de autoridades públicas, inclusive do prefeito. “Foi um bom trabalho de base. Mandamos tudo para Curitiba e logo foi apreciado pelo Conselho Estadual de Educação. Era o primeiro passo para implantação da faculdade que começou municipal e se tornou estadual”, frisou.
Por problemas políticos e burocráticos, o Grêmio Estudantil e os professores engajados na conquista tiveram de recorrer a deputados estaduais e federais para agilizar o processo de instalação da instituição. “Vários abraçaram a causa porque entenderam como uma excelente oportunidade de conquistar mais eleitores”, declarou o professor.
Em 1966, apesar dos obstáculos, conseguiram a permissão para o funcionamento da Fundação Faculdade de Filosofia de Paranavaí que começou a operar com poucos professores de graduação superior. “Ficamos entusiasmados e contratamos mais docentes. O próximo passo foi a adequação dos professores. Incentivamos cada um a fazer especializações, cumprindo os quesitos legais para conseguirmos a certificação estadual. Foi muito trabalhoso, mas valeu a pena”, admitiu Akiyoshi.
“Maringá não gostou nem um pouco”
Paranavaí teve motivos para comemorar. Foi pioneira em ensino superior no Noroeste do Paraná, superando Maringá que apenas três anos depois conseguiu fundar a Universidade Estadual de Maringá (UEM). “Maringá não gostou nem um pouco. Autoridades políticas foram até Curitiba reclamar de Paranavaí. Falaram que a nossa cidade não tinha importância social nem estrutura para comportar uma faculdade”, confidenciou.
A qualidade do ensino norteou a instituição logo no início. O entusiasmo dos professores em lecionar estimulou os acadêmicos a se tornarem docentes. “Tivemos essa felicidade. Se você der uma olhada no quadro de professores vai ver que há muitos anos formamos profissionais para darem aula na Fafipa. Claro, eles fizeram pós-graduação, mestrado e doutorado fora, mas a base é aqui”, defendeu o professor Nelson. No começo, não foram poucos os profissionais contratados pela faculdade que deixaram outros estados e cidades.
Akiyoshi se recordou da professora Lucinda Michelon que saiu do Rio Grande do Sul para dar aula de história em Paranavaí, além de muitos professores vindos de Curitiba. Nos primeiros anos, a instituição oferecia os cursos de pedagogia, iniciação em ciência (curso válido para lecionar a alunos de primeira e quarta série do ensino fundamental), geografia, história e letras. Como havia grande procura de professores em toda a região, o aperfeiçoamento era obrigatório para se manter no mercado de trabalho. A instalação da faculdade também permitiu que muitos regularizassem a própria situação.
Os vestibulares mais exigentes
Os primeiros vestibulares da Fafipa estavam entre os mais exigentes do Paraná, tanto que poucos inscritos conseguiam a aprovação. A solução era realizar segunda chamada para preencher o número de vagas. Mas isso não acontecia por desinteresse dos estudantes. A verdade é que nos anos 1960 e início de 1970, muitos alunos eram chefes de família com graves problemas financeiros. “Eles recorriam a nós pedindo ajuda. E o mais incrível é que sempre davam um jeito de participar dos movimentos estudantis. Havia uma seriedade surpreendente, rara hoje em dia”, avaliou o ex-diretor da Fafipa.
A instituição passou por sérias dificuldades econômicas nos primeiros anos. Houve várias promessas de repasse de recursos do Governo do Paraná, mas nada foi concretizado. O único apoio recebido foi do poder público municipal. Para evitar que a faculdade fosse fechada, Nelson Akiyoshi sugeriu a criação de uma mensalidade a ser paga de acordo com as condições financeiras dos estudantes. A ideia foi colocada em prática e mesmo recebendo pouco, os professores entendiam a situação e se empenhavam em ajudar.
A primeira sede da Fafipa foi na Avenida Rio Grande do Norte, onde é hoje o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). O prédio foi doado para a faculdade pela Câmara Municipal de Paranavaí. “Nosso compromisso era proporcionar educação. Bem diferente de uma instituição que visa lucro, fazíamos tudo com a intenção de evitar onerar os responsáveis pelo funcionamento da Fafipa e os estudantes”, ressaltou. Mais tarde, levando em conta as necessidades da região, a instituição foi atrás de novos cursos que contribuíram para transformar Paranavaí em um dos destinos preferidos dos estudantes do Norte do Paraná.
“Me afastei porque a Fafipa virou um trampolim político”
Nelson Akiyoshi lamentou que após algumas décadas a faculdade se tornou uma “sucursal” de outras universidades, recebendo poucos investimentos e tendo de se submeter a conflitos de interesses e jogos políticos. “Não começamos o nosso trabalho para tudo ser sucateado. Sofremos muito para que a Fafipa existisse. Depois a vimos perder o seu valor se comparada a tantas universidades bem mais jovens que se tornaram prioridade para o Governo do Paraná”, desabafou.
Sobre as dificuldades na implantação da faculdade, o professor citou as eleições de 1965, quando o prefeito José Vaz de Carvalho, comprometido em trabalhar para o candidato a governador Affonso Camargo Neto, mudou de lado e apoiou o adversário Paulo Pimentel. Já os professores e o Grêmio Estudantil seguiram a recomendação do governador Ney Braga e apoiaram Camargo Neto que prometeu agilizar a instalação da faculdade.
“O prefeito enganou o Ney Braga e nos deixou sozinhos, sem qualquer explicação. Pagamos o preço porque o Camargo Neto foi derrotado. Quando íamos até Curitiba pedir algo, o Paulo Pimentel se recusava a nos atender. Fazia aquele jogo de empurra”, reclamou. Independente dos problemas, os professores de Paranavaí perseveraram e em menos de um ano alcançaram o objetivo. Embora falasse a quem quisesse ouvir que a Fafipa o deixou muito orgulhoso e lhe trouxe algumas das melhores lembranças ao longo da vida, Nelson Akiyoshi nunca escondeu a mágoa de ver a faculdade transformada em uma instituição diferente da sonhada.
“Começamos a trabalhar com quatro turmas, uma de cada curso. Havia muito idealismo. Isso foi se acabando e me afastei porque a Fafipa virou um trampolim político. Sempre fui o que sou, dentista, então voltei pra minha profissão. Tinha largado tudo para me dedicar à faculdade”, enfatizou o professor que em 1966 teve que enfrentar uma pessoal crise financeira para se empenhar na conquista da permissão de funcionamento da instituição.
“Nelson Akiyoshi foi o maior batalhador da história da Fafipa”
Akiyoshi começou a lecionar porque gostava de trabalhar com adolescentes e jovens adultos. Se sentia realizado em uma sala de aula e envaidecido por mostrar o conhecimento que tinha para dividir com os alunos. “Eu desconhecia minha vocação como professor. Foi por uma casualidade que a descobri. Muitas vezes, passamos a vida sem saber que temos certos talentos”, salientou e disse que quando era professor de biologia se sentia mais jovem em contato com os estudantes.
O entusiasmo o animava tanto que sempre foi lembrado como um dos mais ativos líderes de grupos de estudantes e professores de Paranavaí. “Eu digo que o Nelson Akiyoshi foi o maior batalhador da história da Fafipa. Ninguém lutou tanto. Ele fez tudo acontecer com o trabalho de uma boa equipe formada por professores e alunos”, pontuou o comerciante Romeu Valmor Voida que ingressou na Fafipa em 1970 e se graduou em geografia.
Voida se conduziu pelo passado ao detalhar como era quando a instituição funcionava onde é o atual Senac. Segundo o comerciante, havia um prédio de “material” e outro de madeira com salas, biblioteca e diretório acadêmico. Na década de 1970, geografia, letras (inglês e francês) e pedagogia eram os cursos mais disputados. Pessoas de pelo menos 50 cidades do Paraná participavam do vestibular da Fafipa que oferecia também os cursos de estudos sociais e matemática.
Muitos chegavam sujos na sala de aula
Quando o professor Roberto Ferreira assumiu a diretoria, a instituição obteve o reconhecimento do governo federal. A carga horária mínima a ser cumprida era de 75%. A maior parte dos alunos evitava ao máximo faltar às faltas, mesmo que isso significasse chegar sujo à sala de aula. “Muita gente ia de kombi fretada pra faculdade. Não tinha asfalto e quando atolava tinha que descer e ajudar. Era lama pra todo lado e isso acontecia com frequência”, testemunhou Romeu Voida que se recorda dos contratempos enfrentados pelos muitos colegas de Porto Rico, Querência do Norte, Diamante do Norte, Itaguajé, Paranacity e outras cidades.
A Fafipa tinha fama de ser uma das melhores faculdades do interior do Paraná pelo alto nível dos professores, tanto que não havia reclamações quanto ao corpo docente. Voida decidiu cursar geografia quando retornou do exército e ingressou na empresa Transparaná. Foi convencido por quatro amigos que também se interessaram pelo curso. “Meu sonho era agronomia, mas era praticamente particular, não dava pra mim. Fui o último a entrar no grupo e o único a concluir geografia”, assinalou rindo.
Turma de geografia de 1973 se reúne a cada cinco anos
A turma de Voida já se reuniu várias vezes. Um dos eventos mais marcantes foi a festa de 25 anos após a conclusão do curso que contou com 33 dos 39 acadêmicos formados – 60% atuam na área. Depois realizaram o encontro de 30 anos com 22 ex-alunos. Houve uma queda no total de participantes porque vários faleceram. Alguns colegas de Romeu Valmor se tornaram prefeitos. Os exemplos são Cláudio Pauka em São João do Caiuá e Mário Miyamoto em Paranacity. Apesar de tudo, o grupo mantém o compromisso de se reunir a cada cinco anos.
Voida foi vice-presidente do diretório acadêmico em 1970. Nos anos subsequentes, assumiu como secretário, diretor e presidente. A responsabilidade da diretoria era lidar com os aspectos sociais da vida acadêmica. “Estávamos lá sempre que precisavam da gente. Organizamos muitas festas comemorativas. Quase tudo tinha nossa participação”, garantiu. Comparando passado e presente, o comerciante se queixou que na atualidade há muito individualismo entre os estudantes.
Para Romeu Valmor, a Fafipa só sobreviveu as adversidades graças ao empenho dos primeiros diretores e de muitos professores. “Foram profissionais excelentes, bem respeitados. Por isso a faculdade ainda está aí. As dificuldades existem sim e sempre vão existir, mas sempre cabe a diretoria correr atrás do que é melhor para a instituição, professores e alunos”, sugeriu.
Frase de Nelson Akiyoshi, primeiro diretor da Fafipa
“Hoje existe menos dedicação e menos compromisso. O aluno não sabe o que quer e larga um curso para fazer outro.”
Curiosidades
Antes da faculdade ser instalada na Avenida Rio Grande do Norte, atual Senac, o local já abrigava o Colégio Estadual de Paranavaí (CEP).
Em maio de 2013, a Fafipa completa 47 anos.
Observação do autor
Em 2006 tive a oportunidade de conversar por algumas horas com um dos principais fundadores da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (Fafipa), o ex-diretor, ex-vereador, professor e dentista Nelson Akiyoshi, falecido em 6 de julho de 2009, que desabafou e se emocionou ao relembrar os primeiros anos de funcionamento da faculdade. Infelizmente, perdi o arquivo da entrevista há alguns anos, mas o recuperei recentemente e o transformei nesta longa matéria. Outra importante e valiosa fonte sobre o assunto foi o comerciante Romeu Valmor Voida que ingressou na Fafipa em 1970.
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O declínio econômico de Paranavaí
Quando o desenvolvimento foi comprometido pela monocultura e ausência de políticas públicas
A história mostra que Paranavaí, na região Noroeste, poderia ser um dos municípios mais importantes do Paraná, no entanto, em função da falta de diversificação econômica e ausência de políticas públicas para o setor agrícola, a cidade entrou em declínio a partir de 1970.
Paranavaí teve um progresso exemplar até o início da década de 1960. À época, a cidade era vista como símbolo de progresso no Paraná, uma imagem que ganhou solidez em 1956, quando uma pesquisa da Associação Brasileira dos Municípios apontou Paranavaí como uma das cinco cidades com maior índice de desenvolvimento do país.
As consequências humanas
Contudo, como tinha um perfil essencialmente agrícola, baseado na monocultura cafeeira, a ex-Fazenda Brasileira experimentou um declínio sem precedentes. As primeiras geadas que castigaram as lavouras da região de Paranavaí e atingiram profundamente a economia local foram registradas em 1962 e 1964, de acordo com informações da Secretaria Nacional de Defesa Civil. “Na segunda geada, o prejuízo foi tão grande que tive que vender meu sítio. A partir do acontecido, nunca mais quis mexer com a cafeicultura”, revelou o pioneiro paranaense Orlando Otávio Bernal.
Para piorar, a intempérie voltou a devastar as propriedades do Noroeste Paranaense em 1969, destruindo pelo menos 80% da produção cafeeira regional. “Quando meu pai viu aquela camadinha fina de gelo sobre o cafezal, ele entrou em pânico. Nunca o tinha visto chorar daquele jeito, jogado sobre um pé de café. Perdemos tudo, não deu pra recuperar nada”, confidenciou o empresário Fabrício Gomes Soares. Dias depois, a mãe de Soares flagrou o pai se preparando para ingerir um rodenticida conhecido como chumbinho. Felizmente, conseguiu evitar o pior.
A mesma sorte não teve o pai da aposentada Catalina Prado Ruiz que tinha uma propriedade rural às margens da Rodovia BR-376. “Ele contraiu muitas dívidas com as geadas anteriores, então quando veio a mais forte, em 1969, não aguentou”, enfatizou Catalina com a voz calma e pausada, sem velar os olhos marejados. O homem foi encontrado morto, após um ataque cardíaco fulminante, agarrado à base de um cafeeiro.
O agricultor capixaba Orlando Brás de Mello, radicado em Paranavaí desde 1957, preferiu não citar nomes, mas contou que teve vários conhecidos que não superaram os prejuízos, se endividaram e cometeram suicídio. “Meu cunhado quase enlouqueceu. Ele pôs fogo no cafezal e num barracão enorme onde costumava estocar o café”, complementou.
As consequências econômicas
Como consequência econômica das geadas, o preço do café subiu, surgindo um ciclo de especulações que pareceu infindável. “A situação era preocupante demais, muito triste. Quase ninguém tinha ânimo pra continuar porque aqui a gente já tinha outro problema grave que era o solo empobrecido”, relatou o pioneiro cearense João Mariano, se referindo também ao surgimento das erosões hídricas que se intensificaram a partir dos anos 1960.
Com a queda da cafeicultura, que preservava um caráter familiar na região Noroeste do Paraná, houve grande abertura para a formação dos latifúndios, o que intensificou mais ainda as desigualdades sociais. Logo as lavouras começaram a ser substituídas por pastagens e, como a pecuária absorveu pouca mão de obra, milhares de trabalhadores rurais ficaram desempregados. “Que eu me lembre, quando deixei o trabalho na lavoura e não consegui nada na área urbana de Paranavaí, pelo menos da fazenda onde eu trabalhava e de outra propriedade vizinha mais de 200 pessoas foram embora pra Maringá”, disse o taxista Jurandir Romano de Paula.
No Noroeste do Paraná, entre as cidades mais prejudicadas pela intempérie estavam Paranavaí, Tamboara, Paraíso do Norte, Nova Aliança do Ivaí e Mirador que em 1960 representavam 1/3 de toda a produção agrícola regional, conforme registros do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC). Em 1970, a região de Paranavaí somou 336 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dez anos depois, em 1980, perdeu quase 50 mil habitantes, somando 288 mil moradores.
Foi um retrocesso para a região que em 1960 contou com mais de 307 mil habitantes. “Em 1970, tive que fechar minha mercearia porque fazia mais de seis meses que estava trabalhando no vermelho. Teve mês que não vendi nada porque ninguém tinha dinheiro. Nem conseguia mais honrar os compromissos com fornecedor”, destacou o ex-comerciante Geraldo Marques.
Em 1980, a produção cafeeira do Noroeste Paranaense foi quase reduzida pela metade, caindo de 30 milhões de cafeeiros para 16 milhões. O solo frágil e comprometido pela falta de técnicas adequadas de plantio, manejo e cultivo fez com que o milheiro de pés de café rendesse apenas 27 sacas, quantia muito inferior as 150 da década de 1960, revelou estatísticas do extinto IBC.
Do melhor ao pior índice de desenvolvimento
Orlando de Mello frisou que a lavoura era o “carro-chefe” da economia regional de Paranavaí, por isso, o impacto foi tão grande. “Eu mesmo não tinha nenhum conhecido, amigo ou parente que trabalhasse com outra cultura que não fosse o café”, assinalou Jurandir de Paula. A falta de diversificação econômica deu ao Noroeste Paranaense reflexos muito negativos. Nos anos 1970, a região encabeçada por Paranavaí teve os piores índices de desenvolvimento do Paraná.
O que ilustra bem esse fato é uma pesquisa do IBGE que foi lançada em 1980 sobre industrialização e geração de empregos. A microrregião de Paranavaí ocupou a última posição, com uma ínfima contribuição estadual de 0,5% enquanto as regiões de Ponta Grossa e Londrina despontaram com 10,4% e 9,5%. “Na cidade, não tinha emprego, então a gente tinha que ir pra onde dava. Cheguei a passar uma temporada trabalhando em lavouras em Minas Gerais pra poder sobreviver. Tinha mulher e filhos pra sustentar”, argumentou o aposentado Bernardo Ricardi Proença.
Conforme a pecuária se desenvolveu, o homem se afastou cada vez mais do campo. Um estudo do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva indicou que nos anos 1980, o gado já ocupava mais de um milhão de hectares na região de Paranavaí enquanto as lavouras mal ultrapassavam 180 mil. “Eu era acostumado a ver muitas plantações e muita gente trabalhando no campo. Isso acabou. O que a gente viu depois foi só boi e deserto”, desabafou Proença.
No livro “História de Paranavaí”, o escritor Paulo Marcelo levantou duas hipóteses sobre o declínio econômico de Paranavaí a partir de 1969. A primeira foi a ausência de uma política oficial para o setor agroindustrial. Já a segunda, a adoção de um sistema tributário centralizador que prejudicou os municípios da microrregião, inviabilizando o surgimento de novos incentivos fiscais.
Pesquisadores e pioneiros são unânimes em afirmar que o retrocesso de Paranavaí nos anos 1970 e 1980 teve raízes na supervalorização da monocultura. “Muita gente fez o mesmo depois com a pecuária. Mas o problema é que criar gado só beneficiou uma minoria, não teve um aspecto social, ao contrário da cafeicultura, apesar da exploração do trabalho rural ter surgido na nossa região logo nos primórdios da colonização”, avaliou o sociólogo Otávio Bernal Filho, acrescentando que os nordestinos foram os mais lesados pelas injustiças sociais que transcorriam no campo.
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