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A idolatria e o culto de imagens nos anos 1950
“Muitos participavam das missas porque era algo diferente dentro da monótona vida no mato”

Nos tempos de colonização, o apego aos santos chamou a atenção dos padres alemães (Foto: Ordem do Carmo)
A partir de 1950, autoridades religiosas que se mudaram para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, perceberam que milhares de moradores tinham o costume de endeusar imagens, principalmente de santos, colocando-os num patamar de deidade.
Sobre o perfil dos cristãos que viviam em Paranavaí, o padre alemão Alberto Foerst escreveu, em um artigo da edição número 10, do ano 21, da revista alemã Karmelstimmen, de 1954, que a maioria não sabia o real significado da palavra fé e ainda afirmou que havia muita ignorância no campo religioso local. “Muitos só participavam das missas porque se constituía em algo diferente dentro da monótona vida no mato”, comentou Foerst.
À época, os cristãos da cidade depositavam toda a fé em figuras de santos que variavam em formas, cores e tamanhos. Eram tratados de forma tão peculiar que chamava a atenção das autoridades religiosas que assumiam alguma missão em Paranavaí. “Os santos eram seus deuses. Após a missa, apareciam carregando todos os tipos de quadros de santos para serem bentos, talvez até pela décima vez”, relatou o padre alemão.
A relação dos cristãos locais com os santos era tão extrema e profunda que alguns destinavam um quarto da casa para as esculturas. As imagens eram tratadas com tanto esmero, inclusive havia quem passasse horas do dia cuidando da aparência do santo esculpido. “Tinha gente que acreditava que sua vida desabaria se o mesmo teto não pudesse ser dividido com aquela imagem”, destacou a pioneira paranaense Maria Neuza Constantino.
Ter a escultura de um santo em casa fazia as pessoas acreditarem que estavam seguras. Era como se a proximidade com as imagens afastasse tudo de ruim, principalmente as dificuldades da vida no campo, segundo o pioneiro catarinense José Matias Alencar. “Muitos se apegavam a isso como algo único e se afastavam de todo o resto. Se analisar bem, até de Deus, pois muita gente ia pra igreja para rezar ou conversar somente com os santos”, enfatizou.
Durante os anos em que viveu em Paranavaí, frei Alberto constatou que para a população Jesus Cristo e os santos eram iguais, sem qualquer diferença. “A Festa de Santo Antônio e de outros santos, por exemplo, era comemorada muito mais do que a Páscoa e Pentecostes. As procissões, se não fossem acompanhadas pelas imagens dos santos poderiam ser confundidas com um bloco de Carnaval”, ressaltou e lembrou que as comemorações eram acompanhadas de enorme quantidade de fogos lançados ao céu.
Um acontecimento inusitado no Povoado de Cristo Rei
Em 1954, o padre alemão Alberto Foerst foi a uma missão religiosa no Povoado de Cristo Rei, que pertencia a Paranavaí, onde as pessoas se referiam a Jesus Cristo da mesma maneira que se referiam aos santos. O que mais chamou a atenção do frei foi uma mãe que estava com o filho diante do altar do Cristo crucificado.
No local, a mulher percebeu o olhar curioso do filho e chamou-lhe a atenção. A mãe disse: “Olhe, filho, aquele ali lutou contra os poderosos, então bateram muito nele e ele sangrou. Mais tarde, se tornou um grande santo. Tome nota, meu filho: nunca brigue com os poderosos!”, recomendou a mulher em tom sério. Em seguida, a mãe do garoto complementou: “Pense neste que está deitado aí, senão assim acontecerá igualmente a você.”
Por essas e outras, o padre alemão explicou aos leitores da revista alemã Karmelstimmen que a ignorância religiosa em Paranavaí era muito grande porque a comunidade era formada na década de 1950 por uma maioria de pessoas que pouco ou quase nada sabiam a respeito do real significado do cristianismo.
Saiba Mais
Na década de 1950, o culto de imagens em Paranavaí, principalmente de santos, não era apenas um fator religioso, mas também cultural e tinha relação direta com o que os cristãos da cidade aprenderam com seus antepassados, independente do vínculo que tinham ou não com a Igreja Católica; À época, cerca de 95% da população local da época se considerava católica, conforme pesquisa da Ordem dos Carmelitas do Paraná.
O extremo culto de imagens só começou a perder forças em Paranavaí anos depois, com o trabalho desempenhado pelos padres da Paróquia São Sebastião e também com o surgimento das religiões protestantes. Por muito tempo, esta região viveu alheia às instituições religiosas, tanto que das décadas de 1920 até 1950 a maior parte da população demonstrava profundo apego as crenças que faziam a manutenção da fé a partir de conceitos baseados no conhecimento empírico e não no estudo formal religioso.
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Benzedeira já foi presenteada com carro zero-quilômetro
Pela cura de graves enfermidades, mãe-de-santo ganhou três automóveis novos
A benzedeira baiana Clarice Pereira Eurinice é umbandista em Paranavaí há mais de 40 anos. Ao longo da carreira, a médium foi presenteada com três carros zero-quilômetro em retribuição pela cura de enfermidades.
A mãe-de-santo Clarice Pereira Eurinice adotou a umbanda como religião antes de sair da Bahia para vir ao Paraná. “Desde então eu olho o tarô, jogo os búzios, benzo e resolvo problemas espirituais e materiais. O nome do meu terreiro é Senhor O Bom Jesus de Nazaré e a minha guia é a Mãe Regina de Aruanda”, explica. O guia é o espírito que a ajuda a resolver os problemas daqueles que a procuram.
Para benzer, Clarice informa que não cobra. “Sempre benzo de graça. Cobro apenas quando querem que eu faça algum trabalho que exige despesas”, conta, acrescentando que por muito tempo sofreu pelo fato das pessoas verem a umbanda como uma prática maligna.
Idéias equivocadas já levaram pessoas com propósitos criminosos a procurarem a mãe-de-santo. “Queriam que eu fizesse trabalhos para assassinar inimigos, algo que vai contra os princípios da umbanda que é fazer o bem”, frisa. Por curar graves enfermidades, a mãe-de-santo já foi presenteada com três automóveis zero-quilômetro.
“Ganhei esses carros de pessoas que foram desenganadas pelos médicos, a enfermidade deles não era física, mas sim espiritual. Quando o problema é apenas físico, só a medicina pode resolver”, enfatiza Clarice.
A mãe-de-santo também se destaca pela habilidade em qualificar médiuns. A umbandista já formou 80. A maior parte dos discípulos exerce a atividade em outros estados e países, principalmente nos Estados Unidos.
Anualmente a benzedeira realiza doze festas que atraem aproximadamente 400 pessoas de Paranavaí e região. “Faço tudo no meu terreiro mesmo com a contribuição da comunidade. Dia 8 de dezembro sempre fazemos uma homenagem a Nossa Senhora da Conceição”, completa.
Clarice já atendeu pessoas de diversas regiões do Brasil
Clarice já atendeu pessoas de Londrina, Umuarama, Campo Mourão, Apucarana, Cianorte, Jandaia do Sul, Maringá, Nova Esperança, Alto Paraná e muitas outras cidades do Paraná. “Também já fiz trabalho para muitos de São Paulo, Cuiabá, Campo Grande, Dourados e até norte-americanos”, afirma a mãe-de-santo que obteve até reconhecimento do poder público. Há alguns anos, Clarice foi convidada a apresentar a umbanda em eventos do município.
Em dias de grande movimentação, a benzedeira atende até 20 pessoas. Caso o trabalho tenha relação com a luz branca, Clarice cobra cerca de R$ 10 por consulta, se necessário. “Se for de esquerda, não cobro menos de R$ 50. Nestes casos, sou procurada para desfazer trabalhos errados ou mandingas”, ressalta.
Toda última quinta-feira do mês, Clarice trabalha gratuitamente. “É o dia em que faço qualquer caridade, independente da dificuldade”, assinala. Nos outros dias, o preço do trabalho pode custar até R$ 3 mil. Segundo a benzedeira, para preparar um santo é exigido muito tempo e inúmeros médiuns, o que para ela justifica o valor. Para quem tem interesse em seguir a mediunidade, Clarice informa: “O primeiro passo é receber as ordens dos guias para preparar a vestimenta. Então depois de oito meses na corrente é feito o batismo e o juramento”, pontua.
Umbanda X Preconceito
A benzedeira Clarice Eurinice conta que aos 23 anos trabalhava em uma fazenda local quando foi mandada embora por ser umbandista. “Eu e minha família pegamos todos os nossos bens e fomos pra outra fazenda. Ao chegar lá também não nos aceitaram. Eu, meu marido e filhos ficamos sem ter pra onde ir”, relembra a benzedeira que mais tarde conseguiu abrigo em uma propriedade rural próxima ao Aeroporto Edu Chaves.
Segundo Clarice, foi com a renda do novo trabalho que conseguiu guardar dinheiro para comprar o terreno onde atualmente está construída a residência da família e o terreiro. “No início, era pequenininho e de madeira”, relata. Antes de ingressar na umbanda, o marido de Clarice era alcoólatra, porém, por influência da benzedeira o homem mudou de vida. “Se tornou um pai-de-santo de muita fé”, assegura. Hoje em dia, a família toda de Clarice segue a umbanda. São 14 pessoas ligadas a religião.