David Arioch – Jornalismo Cultural

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Brigid Brophy: “Temos a obrigação de reconhecer e respeitar os direitos dos animais”

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“Nós os forçamos a trabalhar; os comemos e os usamos. Nós os exploramos para servir às nossas superstições”

“Uma vez que reconhecemos a vida e a sensibilidade nos outros animais, somos obrigados a reconhecer o que se segue” (Foto: Kate Levey)

Brigid Brophy foi uma escritora britânica que conquistou notoriedade com seus romances “The King of a Rainy County”, “The Finishing Touch” e “In Transit,” e também pela sua dedicação às questões humanas e não humanas. O seu trabalho contra a exploração animal é considerado tão relevante, que ela, assim como o psicólogo e escritor Richard R. Ryder, é apontada como importante personagem da fundação do movimento moderno pelos direitos animais na Inglaterra; inclusive influenciando filósofos como Peter Singer.

Um dos seus artigos mais famosos em defesa dos animais foi publicado em 10 de outubro de 1965 no jornal britânico The Sunday Times. No texto intitulado “The Rights of Animals”, Brigid Brophy diz que a relação dos seres humanos com os animais é de incessante exploração e pede que nos empenhemos em mudar esse cenário. Não simplesmente não contribuindo com isso, mas também tomando parte nessa luta. “Nós os forçamos a trabalhar; os comemos e os usamos. Nós os exploramos para servir às nossas superstições: costumávamos sacrificá-los para os nossos deuses e rasgávamos suas entranhas para prever o futuro, agora os sacrificamos em nome da ciência e fazemos experiências com suas entranhas na esperança – ou sem qualquer chance – de enxergar mais claramente o presente”, escreveu.

Para Brigid, a vivissecção, mesmo que endossada pela ciência com pretensos “bons propósitos”, não deixa de ser um tipo moderno de sacrifício expiatório de animais; já que matamos criaturas que não querem morrer sob a justificativa de um “bem maior” que ignora qualquer interesse não humano. “Você não pode fazer uma aritmética que troque seis direitos de um tipo por dois de outros tipos. Se fosse justificável sacrificar um animal de laboratório pelo bem dos humanos, seria justificável sacrificar um humano de laboratório pelo bem de uma centena de seres humanos”, comparou.

Foi a romancista quem colocou o psicólogo, escritor e ativista pelos direitos animais Richard D. Ryder em contato com Rosalind Godlovitch, Stanley Godlovitch e John Harris, três estudantes de pós-graduação da Universidade de Oxford que editaram o livro “Animals, Men and morals: An Inquiry into the Maltreatment of Non-Humans”, uma coleção de ensaios sobre direitos animais lançada em 1971, e que conta com a participação de Brigid Brophy e Ryder. O livro, considerado a obra pioneira do movimento moderno pelos direitos animais, teve grande influência sobre Peter Singer no desenvolvimento do livro “Animal Liberation”, de 1975.

Pelo seu empenho contra o uso de animais em experiências laboratoriais, Brigid chegou a ser presidente da histórica National Anti-Vivisection Society, fundada em Londres em 1875. Foram também as suas contrariedades em relação às experiências com animais que a motivaram a escrever o romance satírico “Hackenfeller’s Ape”, publicado em 1953. Na obra, o professor Darrelhyde, que estuda os hábitos do casal de macacos Percy e Edwina, que vivem no Regent’s Zoo (London Zoo), faz de tudo para evitar que Percy seja enviado para o espaço dentro de um foguete com fins experimentais. Como sua campanha não recebe nenhum tipo de apoio, nem de cientistas e jornais, nem mesmo de uma liga que supostamente deveria coibir práticas cruéis contra os animais, o professor Darrelhyde decide sequestrar o macaco Percy:

“Eu não sustento que os animais são superiores ou iguais aos seres humanos. Todo o caso de que devemos tratar os animais decentemente subsiste no fato de que somos uma espécie superior. Temos a capacidade da imaginação, racionalidade e escolha moral, e é precisamente por isso que temos a obrigação de reconhecer e respeitar os direitos dos animais.”

Em seu artigo “The Rights of Animals”, Brigid Brophy escreveu também que o toureiro que atormenta um touro até a morte e depois remove a sua orelha se engana se acredita que está provando ou ampliando a própria virilidade com essa prática bárbara. “Ele simplesmente demonstra que é um carniceiro com tendências performáticas”, criticou.

Brigid Brophy, que era vegetariana, e naturalmente defendia o não consumo de animais, declarou que nem mesmo quando evitamos ao máximo causar dor aos animais temos o direito de matá-los visando o consumo. Ou seja, ela reprovava qualquer forma de abate de animais, e certamente condenaria o que chamam hoje, e estrategicamente, de “abate humanitário”. A escritora acreditava que nenhum “bom tratamento” seria capaz de justificar a morte seguida da mercantilização da carne.

“Sei que eu não teria o direito de te matar, por mais indolor que isso fosse, só porque gosto do seu sabor, e não estou em posição de julgar que sua vida vale mais para você do que a de um animal para ele”, ponderou a escritora no Sunday Times em publicação de 10 de outubro de 1965.

Ao longo de décadas, muitas das frases de Brigid Brophy foram usadas em panfletos e campanhas a favor dos animais na Inglaterra e também em muitos outros países. Excerto de um de seus discursos mais famosos foi publicado pela Voice for Ethical Research at Oxford, e que pode ser confirmado no próprio site da Vero:

“Uma vez que reconhecemos a vida e a sensibilidade nos outros animais, somos obrigados a reconhecer o que se segue; o direito à vida, à liberdade e a busca da felicidade.” Em 9 de outubro de 2015, no aniversário de 50 anos do artigo “The Rights of Animals”, foi realizada na Inglaterra a Brigid Brophy Anniversary Conference, um evento com duração de dois dias que contou com presenças ilustres, como a do seu amigo e defensor dos direitos animais Richard D. Ryder.

A conferência coordenada pelo professor Richard Canning, da Universidade de Northampton, e que teve o apoio da Vegan Society, foi pautada na literatura de Brigid, na sua luta pelos direitos animais, pelo humanismo e pelo feminismo. Na ocasião, o discurso de abertura da conferência foi marcado, entre outras lembranças, pelo incômodo de Brigid Brophy ao ter certeza de que a pesca não era uma preocupação das entidades de bem-estar animal, e exortou mudanças nesse sentido. Graças a ela, surgiu em Londres o Council for the Prevention of Cruelty by Angling (Conselho para a Prevenção da Crueldade da Pesca). Em 1981, na posse do conselho, Brigid fez um discurso celebrando essa conquista: “Este é um dia feliz para os peixes.”

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Brigid Brophy nasceu em Ealing, Londres, em 12 de junho de 1929, e faleceu em 7 de agosto de 1995.

Referências

Brophy, Brigid. The rights of Animals. The Sunday Times. 10 de outubro de 1965.

Brophy, Brigid. Don’t Never Forget: Collected Views and Reviews. Holt, Rinehart and Winston; First edition (1967).

Brigid Brophy On Vivisection. National Anti-Vivisection Society (1970).

Bekoff, Marc. Encyclopedia of Animal Rights and Animal Welfare. Página 96. Routledge (1998).

Stalwood, Kim. Brigid Brophy Anniversary Conference 2015 Presentation.

Godlovitch, Stanley; Godlovitch, Rosalind; Harris, John. Animals, Men, and Morals: An Enquiry into the Maltreatment of Non-Humans. Taplinger Pub Co. (1971).

 





Richard D. Ryder: “Todos nós conhecemos pessoas que podem desistir da carne com facilidade”

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Há também a luxúria [do consumo] de carne que é muito forte, digamos que atinge 30% da população humana”

“Agora temos de tentar argumentar contra o preconceito do especismo no resto do mundo, e particularmente nos novos centros de poder econômico como Índia, Brasil e China” (Foto: Kim Stallwood)

Richard D. Ryder é um psicólogo, defensor dos direitos animais e escritor britânico que em 1970 cunhou o termo “especismo”, uma forma de discriminação que se baseia na ideia de que pelo fato do ser humano considerar outros seres inferiores, ele ignora seus interesses em não sofrer, inclusive negando-lhes o direito à vida. Ao longo de mais de 40 anos, Ryder escreveu importantes livros como “Victims of Science”, de 1975; “Animal Revolution: Changing Attitudes Towards Speciesism”, de 2000; “A Modern Morality”, de 2001; “Putting Back Into Politics”, de 2006; e “Speciesism, Painism and Hapiness”, de 2011.

Em 2010, Richard D. Ryder publicou na Critical Society, Issue 2, uma versão comentada e atualizada do seu folheto “Speciesism”, distribuído em Oxford em 1970 como uma reação contrária às experiências com animais. Logo o termo especismo passou a ser estendido a todas as formas de exploração contra animais não humanos, incluindo, claro, criaturas reduzidas a produtos e alimentos.

Na publicação da Critical Society, Ryder afirma que as revoluções de 1960 contra o racismo, sexismo e classismo ignoraram completamente os animais. Todos pareciam estar preocupados em reduzir somente o preconceito contra seres humanos. “Eles não tinham ouvido falar de Darwin? Eu odiava o racismo, sexismo e classismo também, mas por que parar nisso?”, declarou e acrescentou que como cientista ele já sabia que outras espécies de animais também sentem medo, dor e aflição, assim como nós.

A princípio, o panfleto “Speciesism”, que Ryder distribuiu em Oxford, não teve nenhum efeito. Então ele mudou a sua tática. Reimprimiu o texto com uma ilustração de um chimpanzé usado em experiências e infectado com sífilis. “Pedi a um amigo, David Wood, que incluísse seu nome para que o folheto tivesse um endereço universitário e o enviei às universidades. Desta vez tive algumas respostas. Um dos destinatários era um jovem filósofo australiano chamado Peter Singer. Em poucos meses, ele entrou em contato comigo. Muita coisa aconteceu desde então”, revelou.

No panfleto, o psicólogo afirma que desde Darwin os cientistas têm concordado que não há uma diferença essencialmente “mágica” entre seres humanos e outros animais, falando biologicamente. “Por que então moralmente fazemos uma distinção quase total? Se todos os organismos estão em um contínuo físico, então eles também devem estar no mesmo contínuo moral”, defendeu.

No panfleto, Richard D. Ryder faz uma observação bem crítica em relação ao especismo ao frisar que sob condições especiais de laboratório talvez seja possível acasalar um gorila com um professor de biologia. “Será que a prole peluda será mantida em uma gaiola ou em um berço? […] É costume descrever o homem de Neandertal como uma espécie diferente de nós, uma especialmente equipada para sobreviver à Era do Gelo. No entanto, a maioria dos arqueólogos agora acredita que essa criatura não humana praticava o enterro ritual e possuía um cérebro maior que o nosso. Suponha que o elusivo e abominável Homem das Neves, quando apanhado, acabe por ser o último sobrevivente desta espécie de Neandertal, daríamos a ele um assento na ONU ou implantaremos elétrodos em seu cérebro super humano?” As questões levantadas lembram os conflitos e a “evolução” do símio Peter apresentada por Franz Kafka no conto “Ein Bericht für eine Akademie” ou “Um Relatório para a Academia”, publicado em 1917.

Exemplos hipotéticos como os citados anteriormente por Ryder podem chamar a atenção para a falta de lógica da nossa posição moral em relação à exploração animal. Independente do direito à vida, ele pondera que um critério moral claro é o sofrimento, o sofrimento ocasionado pelo confinamento, medo, tédio e dor física, entre outros exemplos.

Se assumirmos que o sofrimento é uma função do sistema nervoso, então é ilógico argumentar que outros animais não sofrem de maneira semelhante a nós. Na realidade, é precisamente porque alguns outros animais têm sistemas nervosos tão parecidos aos nossos que eles são extensivamente estudados. Em relação aos argumentos a favor de experiências com animais, Ryder aponta inúmeras inconsistências. Há cientistas que dizem que o avanço do conhecimento justifica todos os males. Será que realmente justifica?

Suponhamos que em um determinado experimento as chances de sofrimento de um animal são mínimas, e as probabilidades dessa experiência auxiliar a medicina aplicada é excelente, ainda assim isso não seria especismo? “E como tal é um argumento emocional egoísta, não fundamentado. Se acreditamos que é errado infligir dor a animais humanos inocentes, então a única lógica, falando filogeneticamente, é estender a nossa preocupação sobre direitos elementares aos animais não humanos”, escreveu Richard D. Ryder no panfleto publicado originalmente em 1970.

Além de lutar pela proibição de testes em animais, Ryder, que tem mestrado em psicologia experimental e doutorado em ciências políticas e sociais pela Universidade de Cambridge, se envolveu diretamente em campanhas contra a criação de animais para consumo, e campanhas de proteção aos elefantes, baleias e focas. Desde 1985, o psicólogo qualifica a sua posição moral como painism (painismo), que diz respeito ao reconhecimento de direitos para todas as criaturas que sentem dor, um assunto que é exaustivamente abordado no seu livro “Speciesism, Painism and Happiness”, de 2011.

Na perspectiva do psicólogo, o painismo é uma terceira via entre a posição utilitarista do filósofo australiano Peter Singer e a visão deontológica de direitos do filósofo estadunidense Tom Regan, já que combina a visão utilitarista de que o status moral vem da capacidade de sentir dor com a proibição sob a ótica de direitos de que é errado usar outros seres sencientes como meios para um fim, desconsiderando as implicações disso para vítima.

O painismo considera o utilitarismo falho porque nesse sistema ético a tortura ou estupro é “justificável quando os benefícios totais compensam as dores da vítima”, o que é um absurdo, segundo Ryder, se considerarmos que os limites da experiência são os limites do indivíduo. Ou seja, não é porque várias pessoas tiveram prazer em um ato que o sofrimento de uma vítima pode ser considerado secundário. Uma ação não deixa de ser errada ou imoral porque dezenas, centenas ou milhares foram beneficiados.

Embora o trabalho de Richard D. Ryder contra a objetificação animal tenha ganhado mais visibilidade nas últimas décadas, a sua luta começou há muito tempo. Em 1969, ele participou de um protesto contra a caça às lontras em Dorset, no sudoeste da Inglaterra. Foi nessa época que ele realmente se interessou pela questão dos direitos animais e enviou três cartas sobre o assunto para o jornal The Daily Telegraph. Em um dos textos, intitulado “Rights of Non Human Animals” ele usou como referência o seu próprio trabalho como pesquisador para condenar as pesquisas com animais.

A romancista Brigid Brophy, também defensora dos direitos animais, leu as cartas de Ryder e o apresentou a Rosalind Godlovitch, Stanley Godlovitch e John Harris, três estudantes de pós-graduação da Universidade de Oxford que estavam editando a obra “Animals, Men and morals: An Inquiry into the Maltreatment of Non-Humans”, uma coleção de ensaios sobre direitos animais lançada em 1971.

O grupo que mais tarde recebeu o nome de Oxford Group, e atraiu novos membros, sedimentou o caminho de Ryder como ativista pelos direitos animais. Eles não apenas produziam material, mas também realizavam encontros, reuniões, imprimiam e distribuíam folhetos em crítica à exploração animal. Logo a luta contra exploração de animais para consumo se tornou uma das prioridades, assim como à rejeição à experimentação animal.

Em 1973, Peter Singer escreveu uma resenha do livro “Animals, Men and morals” para o The New York Review of Books, enfatizando que o artigo “Experiment on Animals”, que integra a obra, e escrito por Richard D. Ryder, era um apelo à criação de um movimento de libertação animal. O trabalho influenciou Singer a escrever o livro “Animal Liberation”, de 1975. Na obra, Singer aborda o especismo no quinto capítulo; o que ajudou a popularizá-lo mundialmente, passando mais tarde a ser incluído inclusive nos mais importantes dicionários.

Em 1977, Richard D. Ryder assumiu a posição de chairman do conselho da Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA) e ajudou a coordenar a primeira conferência acadêmica de direitos animais realizada em agosto de 1977 em Cambridge. O resultado foi a criação de uma “Declaração contra o Especismo”, assinada por 150 pessoas. Com a ajuda de Ryder, o conselho, que se dedicava principalmente à proteção de animais de companhia, passou a dar grande importância às questões envolvendo fazendas industriais, experiências laboratoriais caça e esportes com animais.

Em 9 de março de 2011, a “AR Zone – A Record of Rational Discourse” publicou uma entrevista histórica e bastante esclarecedora com Ryder. O psicólogo relatou que uma tática usada por ele para divulgar o termo “especismo” foi mencioná-lo sempre que era convidado a dar alguma entrevista. “Naquele tempo, a mídia gostou porque era algo novo, mas o meio acadêmico demorou para reagir em relação a isso”, comentou.

Segundo Richard D. Ryder, o especismo ainda não chegou ao fim, embora as pessoas estejam se tornando mais conscientes, porque existe um consolidado discurso que atrela a existência dos animais à utilidade em benefício humano. “Há também a luxúria [do consumo] de carne que é muito forte, digamos que atinge 30% da população humana. Essas pessoas vão lutar com unhas e dentes para proteger o seu ‘direito’ de comer carne. Eles ficam muito irritados se forem desafiados. A carne é uma forma genuína de dependência? Ou é basicamente um impulso básico carnívoro que está geneticamente incorporado em alguns seres humanos, mas não em todos nós? Realmente não sei se essa pesquisa foi feita. Todos nós conhecemos pessoas que podem desistir da carne com facilidade, e sem sentir falta. Mas também há outros que determinam as políticas que parecem ‘precisar’ de carne tanto quanto sexo. Eles desejam isso! Esse problema requer pesquisa”, informou em entrevista à AR Zone.

Para Ryder, se quisermos realmente fazer a diferença na vida dos animais, não devemos ter medo de expressar nossas opiniões sobre isso. “Entre em contato com deputados, professores e editores, assim aumentando a importância moral dessa questão. Agora temos de tentar argumentar contra o preconceito do especismo no resto do mundo, e particularmente nos novos centros de poder econômico como Índia, Brasil e China”, escreveu na versão atualizada do panfleto “Speciesism”, publicado em 2010.

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Richard D. Ryder se candidatou duas vezes ao parlamento inglês. Também é conhecido por suas incansáveis campanhas para convencer os partidos políticos a tratarem a proteção animal como uma questão política.

Referências

Ryder, Richard D. Speciesism (1970). Privately printed leaflet. Oxford (2010).  

Ryder, Richard D. Speciesism, Painism and Happiness: A Morality for the 21st Century. Societas. Imprint Academics (2011).

The Encyclopedia of Animal Rights and Animal Welfare. The Oxford Group. Páginas 261-262 (2009).

Ryder, Richard D. The Struggle Against Speciesism (1979).

Singer, Peter. Animal Liberation (1975). New York Review Books. Página 269.

http://www.62stockton.com/richard/index.html

Professor Richard Ryder Interview





Richard D. Ryder: “Todos os seres que sentem dor merecem direitos humanos”

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“A igualdade das espécies é a conclusão lógica da moral pós-Darwin”

Uma das obras mais importantes de Ryder

Em 6 de agosto de 2005, o jornal britânico The Guardian publicou um artigo de grande repercussão escrito pelo influente psicólogo, defensor dos direitos animais e escritor britânico Richard D. Ryder, que em 1970 criou em Oxford o termo “especismo”. Intitulado “All beings that feel pain deserve human rights”, ou seja, “Todos os seres que sentem dor merecem direitos humanos”, o texto é uma defesa moral dos direitos dos animais não humanos à vida, além de uma crítica contundente ao desinteresse humano em não considerar os interesses de outros animais. Interesses esses que incluem o natural desejo de não passar por privação, não sentir dor e não ser assassinado; imposições diárias que partem de uma prerrogativa arbitrária humana. Logo abaixo, segue a tradução do artigo na íntegra:

A palavra “especismo” me veio à mente enquanto eu estava deitado em uma banheira em Oxford há 35 anos. Era como o racismo ou sexismo – um preconceito baseado em diferenças físicas moralmente irrelevantes. Desde Darwin, sabemos que somos animais humanos que se relacionam com outros animais através da evolução; como, então, podemos justificar a nossa opressão quase total de todas as outras espécies? Todas as espécies animais podem sofrer dor e angústia. Animais gritam e se contorcem como nós; seus sistemas nervosos são semelhantes e contêm os mesmos componentes bioquímicos que sabemos que estão associados à experiência da dor.

Nossa preocupação com a dor e o sofrimento dos outros deve ser estendida a qualquer “painiente” [indivíduo que sente dor] – sensação de dor – independente de sexo, classe, raça, religião, nacionalidade ou espécie. De fato, se os alienígenas são painientes ou se nós fabricamos máquinas que são painientes, então devemos ampliar o círculo moral e incluí-los. A dor é a única base convincente para atribuir direitos ou, de fato, interesses a outros.

Muitas outras qualidades, como “valor inerente”, foram sugeridas. Mas o valor não pode existir na ausência de consciência ou consciência potencial. Assim, rochas, rios e casas não têm interesses e não possuem direitos próprios. Isso não significa que, claro, eles não têm valor para nós, e para muitos outros painientes, incluindo aqueles que precisam deles como habitats e que sofreriam sem eles.

Muitos princípios morais e ideais foram propostos ao longo dos séculos – justiça, liberdade, igualdade e fraternidade, por exemplo. Mas estes são meros passos para o bem final, que é a felicidade; e a felicidade é facilitada pela liberdade de todas as formas de dor e sofrimento (usando as palavras “dor” e “sofrimento” – intercambiáveis). De fato, se você pensa sobre isso cuidadosamente, você pode ver que a razão pela qual esses outros ideais são considerados importantes é porque as pessoas acreditam que são essenciais para o banimento do sofrimento. Na verdade, às vezes eles têm esse resultado, mas não sempre.

Por que enfatizar a dor e outras formas de sofrimento em vez de prazer e felicidade? Uma resposta é que a dor é muito mais poderosa do que o prazer. Você não prefere evitar uma hora de tortura do que ganhar uma hora de felicidade? A dor é o único e verdadeiro mal. O que dizer então do masoquista? A resposta é que a dor lhe dá um prazer maior que a sua dor!

Um dos importantes princípios do painismo (o nome que dou à minha abordagem moral) é que devemos nos concentrar no indivíduo porque é o indivíduo – não a raça, a nação ou a espécie – que gera o real sofrimento. Por esta razão, as dores e os prazeres de vários indivíduos não podem ser agregados de forma significativa, como ocorre no utilitarismo e na maioria das teorias morais. Um dos problemas com a visão utilitária é que, por exemplo, os sofrimentos de uma vítima de estupro em grupo podem ser justificados se o estupro gerar uma quantidade maior de prazer aos estupradores. Mas a consciência, seguramente, é delimitada pelos limites do indivíduo. Minha dor e a dor dos outros estão, portanto, em categorias separadas; você não pode adicioná-las ou subtraí-las umas das outras. São mundos separados.

Sem experimentar diretamente dores e prazeres, eles não estão realmente lá – estamos contando apenas com suas cascas. Assim, por exemplo, infligir 100 unidades de dor em um indivíduo é, eu diria, muito pior do que infligir uma única unidade de dor em mil ou um milhão de indivíduos, mesmo que o total de dor no último caso seja muito maior. Em qualquer situação, devemos nos preocupar principalmente com a dor do indivíduo que é o sofredor máximo. Não importa, moralmente falando, o que é ou quem é o sofredor máximo – humano, não humano ou máquina. Dor é dor, independentemente do seu hospedeiro.

É claro, cada espécie é diferente em suas necessidades e em suas reações. O que é doloroso para alguns não é necessariamente para outros. Portanto, podemos tratar diferentes espécies de forma diferente, mas devemos sempre tratar o mesmo sofrimento de forma igual. No caso de não humanos, os vemos explorados implacavelmente pela agroindústria, em laboratórios e na natureza. Uma baleia pode levar 20 minutos para morrer depois de ser violentada com um arpão. Um lince pode sofrer por uma semana com a perna quebrada em decorrência de uma armadilha de dente de aço. Uma galinha mantida em gaiola de bateria pode passar a vida toda sem ter a oportunidade de esticar as asas. Um animal em um teste de toxicidade, envenenado por um produto doméstico, pode permanecer em agonia por horas ou dias antes de morrer.

A simples verdade é que exploramos os outros animais e lhes causamos sofrimento porque somos mais poderosos do que eles. Isso significa que se os alienígenas mencionados anteriormente aterrissassem na Terra e se tornassem muito mais poderosos do que nós – os deixaríamos nos perseguir e matar por esporte, diversão, experiências ou nos criarem em fazendas industriais até nos transformarem em saborosos hambúrgueres? Aceitaremos sua explicação de que seria perfeitamente moral que eles fizessem todas essas coisas, pois não somos da mesma espécie?

Basicamente, isso resume à fria lógica. Se nos preocupamos com o sofrimento de outros seres humanos, logicamente também devemos nos preocupar com o sofrimento dos não humanos. É o explorador insensível dos animais, não o protetor de animais, que está sendo irracional, mostrando uma tendência sentimental de colocar a sua própria espécie em um pedestal. Todos nós, graças a Deus, sentimos uma centelha natural de simpatia pelo sofrimento dos outros. Precisamos pegar essa centelha e ventilá-la em um fogo de compaixão racional e universal.

Tudo isso tem implicações, claro. Se gradualmente trouxermos os não humanos para o mesmo círculo moral e legal que nós mesmos, não seremos capazes de explorá-los como nossos escravizados. Muitos progressos foram feitos com uma nova e sensata legislação europeia nas últimas décadas, mas há um longo caminho a percorrer. Estamos atrasados no reconhecimento internacional do status moral dos animais. Existem vários tratados de conservação, mas nada a nível da ONU, por exemplo, que reconheça os direitos, os interesses ou o bem-estar dos próprios animais. Isso deve, e eu acredito que vai, mudar.

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Ao longo de mais de 40 anos, Richard D. Ryder influenciou importantes nomes na luta pelos direitos animais e publicou importantes livros como “Victims of Science”, de 1975; “Animal Revolution: Changing Attitudes Towards Speciesism”, de 2000; “A Modern Morality”, de 2001; “Putting Back Into Politics”, de 2006; e “Speciesism, Painism and Hapiness”, de 2011.